Novos Paradigmas para a Educação de Crianças Portadoras de Deficiência e suas Consequências no Âmbito da Tributação do IRPF

New Paradigms for the Education of Children with Disability and its Consequences in the Context of the Income Tax

Thais de Laurentiis

Advogada. Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo - USP), parcialmente Cursado no Institut d’Études Politiques de Paris (SciencesPo). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduada pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo - USP), com Ênfase em Direito Empresarial. E-mail: thais@gmd.adv.br; thaisdelaurentiis@gmail.com.

Resumo

O sistema jurídico impõe tetos máximos para a dedução de valores dispendidos com educação, seja do contribuinte, seja de seus dependentes, da base de cálculo do IRPF. Entretanto, caso os pagamentos sejam direcionados à instrução de deficientes físicos ou mentais, é possível a dedução integral das despesas com o ensino. Ocorre que a Receita Federal, por ato normativo infralegal, condiciona este direito aos pagamentos serem efetuados a “entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”. Dessa forma, montantes pagos a escolas inclusivas (colégios que atendem qualquer aluno, sem diferenciação), não poderiam ser integralmente abatidos da base de cálculo do IRPF, por não se enquadrarem na citada condição. Tal situação, contudo, vai na contramão de todo o sistema jurídico, que incentiva e protege as medidas inclusivas para a educação de deficientes. Constata-se, assim, que a legislação tributária ficou ultrapassada, devendo ser declarada inconstitucional ou interpretada conforme à Constituição, nos termos estampados no presente estudo.

Palavras-chave: Imposto de renda, benefício fiscal, pessoas portadoras de deficiência física ou mental, educação.

Abstract

The legal system imposes maximum limits for the deduction of amounts spent on education from the income tax basis. However, if the payments are directed to the education of a physically or mentally disabled person, it is possible to achieve a full deduction of the amounts spent on education. Nevertheless, the Brazilian Federal Revenue Office issued a normative act stating that only payments directed to “entities of assistance of physically or mentally disabled persons” may be fully deducted. Thus, amounts paid to inclusive schools (schools that welcome students without any differentiation), could not be fully deducted from the income tax basis, because they do not fit the condition mentioned above. This situation goes against the intelligence of the entire legal system, which encourages and protects inclusive education. Therefore, it appears that tax legislation has become outdated and outmoded, reason why it must be declared unconstitutional or interpreted in accordance with the Brazilian Constitution, in the terms set forth in this paper.

Keywords: Income tax, tax benefit, physically or mentally disabled persons, education.

1. Introdução

De acordo com as normas traçadas pela legislação tributária, os dispêndios que o cidadão brasileiro incorre com a sua educação, ou a educação de seus dependentes, encontra limites para dedução da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), devido anualmente aos cofres da União Federal. Contudo, na hipótese destes dispêndios serem feitos em favor de pessoa portadora de deficiência mental ou física, a legislação garante o abatimento integral dos gastos com educação da base de cálculo do IRPF, equiparando tal situação aos gastos com a saúde.

Ocorre que a Receita Federal do Brasil (RFB) estabeleceu requisito, por ato normativo infralegal, a ser cumprido pelos contribuintes para que façam jus ao abatimento integral das despesas com educação de crianças especiais da base de cálculo do IRPF: que tais dispêndios sejam feitos em nome de “entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”, ou seja, escolas especificamente direcionadas para o tratamento de crianças deficientes.

No entender da RFB, os montantes gastos com a educação de crianças especiais em escolas inclusivas, que não se enquadram no conceito de “entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”, não podem ser integralmente deduzidos da base de cálculo do IRPF. Devem, isto sim, respeitar o teto e dedução estabelecido pela lei.

Contudo, tal entendimento, constante do artigo 91, parágrafo 5º, da Instrução Normativa da RFB n. 1500/2014 (transcrição exata do revogado artigo 39, parágrafo 4º da IN RFB n. 15/2001), parece ir na contramão de toda orientação traçada pela atual ordem jurídica nacional e internacional que, em breve síntese, rechaça a educação afastada e discriminatória de pessoas portadoras de necessidades especiais. Com efeito, os diplomas legais estudados nesta oportunidade promovem a educação inclusiva destas pessoas na rede regular de ensino, pois se trata da melhor forma de educar as crianças, visando seu desenvolvimento social, físico e mental.

Por essa razão, busca-se neste breve estudo analisar a IN n. 1500/2014 de acordo com todos estes paradigmas que vêm se consolidando sobre a educação de crianças especiais, para que, assim, seja possível aferir sua legalidade e constitucionalidade.

2. Da Tributação sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e do Abatimento das Despesas com Educação e Saúde

Para a mais abalizada doutrina, a definição do conceito de renda, nos estritos termos em que constitucionalmente plasmada como critério material do IRPF (artigo 153),1 é o acréscimo patrimonial líquido verificado entre duas datas determinadas. Nesse sentido, a renda configura uma aquisição de riqueza nova que vem aumentar definitivamente o patrimônio de quem a produziu e que pode ser consumida ou reinvestida sem o reduzir.2

Pois bem. Como se sabe, a base de cálculo3 do tributo confirma o seu critério material,4 vale dizer, o fato eleito pelo legislador como signo presuntivo de riqueza a ser tributado. Assim, a base de cálculo do Imposto sobre a Renda deve demonstrar o real acréscimo patrimonial experimentado pelo sujeito passivo da obrigação tributária, e isso só ocorrerá mediante a existência de um coerente sistema de deduções a serem feitas no momento da apuração do quantum devido aos cofres Federais.

Com efeito, os parâmetros a serem observados para a fixação dos abatimentos e deduções possíveis de serem efetuadas encontram-se no próprio conceito de renda5 e nos princípios que o informam. Assim, para que o IR esteja em conformidade com o princípio da igualdade, plasmado na Constituição (artigo 150, inciso II),6 as deduções e abatimentos utilizados para a formação de sua base de cálculo devem ser abrangentes, de maneira a permitir que se estabeleça uma tributação compatível com a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária (artigo 145, parágrafo1º, CF/1988).7

Deste modo, no caso do IRPF, é claro que as Autoridades Administrativas não poderiam simplesmente tributar todos os rendimentos auferidos pelos cidadãos (salários, aplicações bancárias, ganho de capital etc.), sem antes levar em consideração os gastos que estes mesmos cidadãos são obrigados a suportar. Gastos estes com necessidades básicas para a sobrevivência na atual sociedade brasileira (educação, saúde, previdência, dependentes etc.), na qual, infelizmente, o retorno governamental com serviços de atendimento à população é ainda pequeno em comparação com a contribuição dos indivíduos aos cofres públicos.

Tendo isto em vista, bem como o princípio da estrita legalidade que rege o Direito Tributário (artigo 150, inciso I, da CF/1988)8, a legislação federal tratou de estabelecer quais os montantes que poderão ser deduzidos da base de cálculo do IRPF, de modo que o imposto não atinja valores que não representem, de fato, a renda auferida pelos contribuintes pessoas físicas.

Nesse sentido, a Lei n. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, em seu artigo 8º, inciso II, alínea “a”, trazido ao artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999) estabelece que despesas com a saúde podem ser retiradas integralmente da base de cálculo do IRPF.9

Pela leitura do dispositivo supra transcrito, percebe-se que não há limites para a dedução de valores dispendidos com tratamentos médicos, seja do contribuinte em pessoa ou de seus dependentes (artigo 80, parágrafo 1º, inciso II, do RIR/1999),10 da base de cálculo do IRPF. Em outras palavras: todas as despesas que um cidadão incorrer para o tratamento de sua saúde, desde que devidamente comprovadas nos termos da lei, poderão ser deduzidas do IRPF.

Diferentemente foi tratada pelo legislador a despesa do contribuinte com a educação, a qual é limitada a certo patamar de dedução, nos termos do artigo 81 do RIR/1999.11

No que tange ao limite máximo de dedução com despesas de educação, cumpre realçar que por normativas infralegais a SRF estabelece outros patamares para a dedução da base de cálculo do IRPF de despesas com instrução. No exercício de 2014 (ano-calendário 2013), por exemplo, o contribuinte pôde deduzir até o limite de R$ 3.230,46 por pessoa.

Em síntese, disciplinando a formação da base de cálculo do IRPF, a legislação brasileira permitiu deduções tanto de despesas com saúde como de despesas com instrução. Como regra geral, todavia, as primeiras não possuem um limite a ser observado, ao passo que as segundas somente podem influenciar a diminuição da base de cálculo do IRPF até um determinado montante estabelecido pelas Autoridades Administrativas. Destarte, toda a despesa com educação que ultrapasse o valor estipulado pela legislação como limite não será considerada para fins da apuração da base de cálculo do IRPF.

3. Da Regra Específica para as Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais: Equiparação de Educação à Saúde

Muito embora tenhamos como regra geral certo limite para a dedução de despesas com educação, a Instrução Normativa SRF n. 1500, de 29 de outubro de 2014 (IN n. 1500/2014), ao tratar das despesas com instrução para fins do IRPF, determina que:

“Art. 91. Na determinação da base de cálculo do imposto devido na DAA podem ser deduzidos, a título de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes incluídos na declaração, os pagamentos efetuados a instituições de ensino até o limite anual individual constante da tabela do Anexo VIII a esta Instrução Normativa. (...)

§ 5º As despesas com instrução de deficiente físico ou mental são dedutíveis a esse título, podendo ser deduzidas como despesa médica se a deficiência for atestada em laudo médico e o pagamento for efetuado a entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais.” (Destaques nossos)

Esta lógica também consta do RIR/1999 em seu artigo 80, parágrafo 3º.12

Pela simples leitura dos dispositivos em comento é possível perceber que o legislador tributário traçou regra especial para a apuração do IRPF caso existam gastos com a instrução de deficientes físicos ou mentais. Nessa hipótese, o limite normalmente estabelecido para a dedução de despesas com educação (R$ 3.230,46 em 2014) não mais valerá, à medida que a lei equipara esta situação às de despesas médicas.

Contudo, é preciso destacar que ao mesmo tempo que a legislação federal estipulou essa regra especial, também impôs condições para sua utilização, quais sejam: (i) que a deficiência seja atestada por laudo médico; (ii) que os montantes gastos com a instrução da pessoa deficiente sejam pagos a entidades voltadas especialmente para a assistência de deficientes físicos ou mentais.

O primeiro requisito é facilmente preenchido por qualquer criança portadora de necessidades especiais, afinal simples laudo de avaliação médica diagnostica o quadro do paciente com o respectivo código da doença. Porém, o segundo requisito estabelecido pela IN 1500/2014 - “pagamento for efetuado a entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais” - não será facilmente cumprido nos dias atuais. Explica-se.

Hodiernamente, é muito comum que os especialistas na área da saúde indiquem colégios inclusivos como sendo aqueles mais aptos para o desenvolvimento de crianças especiais. A opção de atribuir a estas escolas função de educar crianças especiais é fruto de profundas pesquisas, iniciadas nos anos 1980,13 que concluem ser esta a melhor forma de estimular suas capacidades intelectuais, emocionais e sociais.14

O colégio classificado como inclusivo é aquela entidade educacional com pedagogia própria, que recebe tanto alunos com, como alunos sem deficiência alguma. Nesse sentido, na Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, é possível encontrar a definição das linhas fundamentais das escolas inclusivas, nos seguintes dizeres:

“7. Princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade à todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola.”

Tendo isso em vista, é possível perceber que a atual tendência dos pais em confiarem a escolas inclusivas a responsabilidade para a educação de seus filhos portadores de deficiência física ou mental não caracteriza mera eventualidade.

A citada opção, realce-se, é de fato a mais comum na atualidade, pois pesquisadores, médicos, pedagogos e educadores de todas as áreas chegam à mesma conclusão: não é pelo isolamento das pessoas com necessidades especiais em institutos que limitem seu acesso ao conhecimento e à socialização que será promovido seu desenvolvimento. Pelo contrário. A integração de crianças deficientes em ambientes de ensino é enriquecedora em todos os sentidos, tanto para os portadores da deficiência como para os demais.

Portanto, atribuir a educação destas crianças a escolas especiais - para atendimento de meninos e meninas com deficiência física ou mental - não é a escolha tida como mais interessante e benéfica, pois a escola inclusiva, esta sim é a que tem melhores condições de favorecer todo o desabrochar de uma criança especial.

Tal conclusão não poderia ser mais condizente com a ordem jurídica, uma vez que a inclusão de crianças, jovens e adultos portadores de deficiência física ou mental em todos os ambientes sociais é ato que maximiza os princípios e regras traçados pela Constituição de 1988, fazendo prevalecer os valores mais caros ao Estado Democráticos de Direito vigente.

Entretanto, no âmbito da legislação do IRPF esta opção, tão estudada e pensada para o melhor desenvolvimento destas crianças, acarreta na consequência imposta pelo artigo 91, parágrafo 5º, da IN n. 1500/2014. Afinal, como já exposto, para fazer jus à plena dedução das despesas com a educação de dependentes portadores de necessidade especiais, os seus pais deveriam comprovar que tais dispêndios são feitos em nome de “entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”, dentro das quais não se enquadra qualquer escola inclusiva.

Esse impedimento, contudo, não encontra guarida na ordem jurídica constitucional brasileira, tampouco nas diretrizes internacionais, como será demonstrado a seguir.

4. Da Inconstitucionalidade do Artigo 91, Parágrafo 5º, in Fini da IN n. 1.500/2014

A ordem jurídica pátria, seguindo diretrizes internacionais, vem reiteradamente estimulando que pessoas, especialmente crianças, portadoras de deficiência física ou mental, sejam matriculadas nas instituições de ensino regular do sistema de educação geral.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 208, que ao Estado cumpre o dever de garantir que a educação de portadores de deficiência se dê preferencialmente na rede regular de ensino.15

Tal dispositivo vai no mesmo sentido de diversas normas constitucionais entendidas como verdadeiros princípios que devem reger o direito como um todo. Dentre elas, cite-se a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF/1988)16; o objetivo fundamental da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos, sem preconceito ou quaisquer formas discriminação (artigo 3º, incisos I e III, da CF/1988)17 e a igualdade (artigo 5º, caput, CF/1988).18

Em nível infraconstitucional, em de 20 de dezembro de 1996 foi promulgada a Lei n. 9.394, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ratificando os citados dispositivos constitucionais, especialmente o artigo 208 da Constituição, ao apresentar a definição de educação especial nos seguintes moldes (artigo 58): “entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.”

Igualmente promovendo que a educação especial seja ofertada na rede de ensino geral, dispôs o Regulamento da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, positivado na ordem jurídica pátria pelo Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999.19

A tendência prevista pela ordem jurídica interna representa uma orientação mundial, como é possível constatar pelo advento de normas internacionais tratando a educação inclusiva como uma regra a ser seguida por todos os países em suas diretrizes sobre o ensino.

Com efeito, o Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, que trouxe ao sistema jurídico brasileiro a Convenção Internacional de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados no dia 30 de março de 2007, em Nova York, dispôs claramente que:

“1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos:

a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana;

b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais;

c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.

2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência;

b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem;

d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação.”

Cumpre recordar que a internalização deste diploma tem o condão de outorgar-lhe status jurídico de emenda constitucional, por força do artigo 5º, parágrafo 3º da CF/1988.20

Não foi de outra forma que estabeleceram a Convenção de Guatemala (Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001), que promulga a Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência; bem como a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Esta última coloca em seu texto a conclusão de que os colégios regulares com orientação inclusiva são possuem a melhor forma de educar, desenvolver e socializar os deficientes, merecendo que seja transcrito seu conteúdo:

“Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. (...)

3. Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles: (...) adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma. (...)

4. Nós também congregamos a comunidade internacional; (...) a reforçar sua colaboração com as entidades oficiais nacionais e intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento, implementação e avaliação de provisão em educação especial que seja inclusiva; (...)

6. A tendência em política social durante as duas últimas décadas tem sido a de promover integração e participação e de combater a exclusão. Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao desfrutamento e exercício dos direitos humanos. Dentro do campo da educação, isto se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram promover a genuína equalização de oportunidades. Experiências em vários países demonstram que a integração de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é melhor alcançada dentro de escolas inclusivas, que servem a todas as crianças dentro da comunidade. É dentro deste contexto que aqueles com necessidades educacionais especiais podem atingir o máximo progresso educacional e integração social. Ao mesmo tempo em que escolas inclusivas provêem um ambiente favorável à aquisição de igualdade de oportunidades e participação total, o sucesso delas requer um esforço claro, não somente por parte dos professores e dos profissionais na escola, mas também por parte dos colegas, pais, famílias e voluntários. A reforma das instituições sociais não constitui somente uma tarefa técnica, ela depende, acima de tudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a sociedade. (...)

8. Dentro das escolas inclusivas, crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer suporte extra requerido para assegurar uma educação efetiva. Educação inclusiva é o modo mais eficaz para construção de solidariedade entre crianças com necessidades educacionais especiais e seus colegas. O encaminhamento de crianças a escolas especiais ou a classes especiais ou a sessões especiais dentro da escola em caráter permanente deveriam constituir exceções, a ser recomendado somente naqueles casos infreqüentes onde fique claramente demonstrado que a educação na classe regular seja incapaz de atender às necessidades educacionais ou sociais da criança ou quando sejam requisitados em nome do bem-estar da criança ou de outras crianças.”

Por sua vez, o Decreto 7.611, de 17 de novembro de 2011 (Decreto 7.611/2011), que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado, foi ainda mais enfático na determinação de que portadores de necessidades especiais não devem ser excluídos do sistema de ensino geral.21

Ademais, o próprio Ministério da Educação, por intermédio de sua Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e Diretoria de Políticas de Educação Especial (DPEE), emitiu a Nota Técnica 62/2011, cujos dizeres são hialinos sobre o enterro do antigo paradigma de que crianças especiais devem ser educadas em entidade especiais para o seu acolhimento, separadamente das demais crianças. Segundo seu conteúdo, deve ser promovida uma “ruptura com o modelo de educação especial substitutiva ao ensino regular, que encaminha estudantes considerados não aptos às classes e escolas especiais, separando-os dos demais.” No mesmo documento, conclui-se que “a modalidade de Educação Especial é parte integrante do ensino regular e não se constitui em sistema paralelo de educação.”

De tudo quanto exposto, constata-se que o Direito se adequou aos estudos médicos e pedagógicos,22 de modo que o antiquado entendimento segundo o qual pessoas portadoras de deficiência física ou mental deveriam ser educadas em institutos especializados e exclusivos, separadamente, portanto do conteúdo normal do ensino regular, não possui mais fundamento jurídico.

Em conclusão, o parágrafo 5º do artigo 91 da IN n. 1500/2014 e o RIR/1999 positivam normas inconstitucionais e ilegais, pois impõem a educação de crianças especiais em escolas exclusivas como condição para que seja possível a plena dedutibilidade do IRPF dos valores dispendidos com a educação dessas crianças.

A bem da verdade, pode-se concluir que a legislação tributária ficou “velha”. Quer dizer, o artigo 91, parágrafo 5º da IN n. 1500/2014, que é, lembre-se, a transcrição exata do mesmo dispositivo constante do artigo 39, parágrafo 4º da revogada IN n. 15/2001, e o RIR/1999 tratam a questão do ensino dos deficientes de acordo com um modelo educacional que não existe mais, nem mesmo juridicamente. Afinal, sabe-se que o maior desafio do Direito é se adequar às mudanças sociais, sempre abarcando as novas realidades, juridicializando-as. Assim, as convenções internacionais, a Constituição e a legislação ordinária que estipulam as balizas da educação no Brasil já se amoldaram aos benefícios da educação inclusiva, mas a legislação tributária ainda não conseguiu alcançar este mesmo patamar.

Forma de resolver esse descompasso na legislação seria ou a declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário da condição imposta pela IN n. 1500/2014 e pelo RIR/1999; ou a sua interpretação conforme à Constituição,23 para que estes dispositivos sejam compatíveis com as normas jurídicas em vigor, de forma a admitir que o pagamento das despesas com instrução de pessoa com deficiência, feito a instituições de sistema educacional geral de orientação inclusiva, sejam passíveis de dedução integral da base de cálculo do IRPF. Do contrário, estar-se-ia criando situação de desigualdade entre contribuintes que optam por esta ou aquela instituição de ensino para pessoas especiais, além de romper com toda a lógica proposta para a evolução do sistema educacional brasileiro, que, como demonstrado acima, promove a educação de crianças especiais em escolas inclusivas.

Sobre a desigualdade instituída pela IN n. 1500/2014 e pelo RIR/1999 (posição menos vantajosa dos pais que colocam seus filhos portadores de deficiência em escola inclusiva em comparação com aqueles que optam pelas escolas exclusivas), cumpre relembrar a lição de Humberto Ávila, que tão profundamente estudou a matéria da igualdade tributária.

Segundo o Professor gaúcho, somente estará assegurada a igualdade se a lei for aplicada de modo uniforme, e, ao mesmo tempo, for isonômica em seu conteúdo, “isto é, não diferencie os contribuintes senão por meio de fundadas e conjugadas medidas de comparação, atreladas a finalidades constitucionalmente postas. A Constituição estabelece um modelo de igualdade particularista, ao prever o dever de obediência à capacidade contributiva sempre que isso for possível.”24

Analisando artigo 91, § 5º da IN 1500/2014 e o RIR/99 à luz desse ensinamento, chega-se de fato à constatação de que os ditames constitucionais da promoção do ensino inclusivo, da igualdade tributária e da capacidade contributiva não foram observados. Afinal, o que justificaria o tratamento tributário desigual, especialmente com relação à capacidade contributiva (esforço financeiro despendido para a melhor educação dos seus filhos), do pai de uma criança deficiente, que opta pelo seu ensino em determinada instituição regular inclusiva (na qual todos os cuidados especiais para o tratamento e a educação da criança serão feitos nos mesmos moldes de uma instituição especializada, só que integrando-a fisicamente com as demais crianças, e, com isso, trazendo o bônus de promover uma melhor socialização e desenvolvimento do aluno especial), em relação a um pai que opta por atribuir a mesma função a uma entidade de assistência que, separadamente, educa crianças deficientes? Não há justificativa na ordem jurídica para discriminação dessa sorte. Ao contrário, o Direito brasileiro promove que as crianças especiais tenham acesso prioritariamente às escolas inclusivas, além de estabelecer a dignidade da pessoa humana e a promoção de uma sociedade justa e igualitária como linhas mestras a ser seguidas pela lei. Desse modo, sabendo-se que a educação especial é uma modalidade de ensino que pode ocorrer dentro do próprio sistema de educação regular, e não mais necessariamente separado em locais físicos que segregam as pessoas portadoras de limitações físicas ou mentais - como será melhor destacado mais a frente -,25 e, outrossim, que o esforço financeiro dos pais zelosos que buscam a melhor educação possível para seus filhos especiais é o mesmo em quaisquer das duas situações,26 é preciso igualá-los no que diz respeito à tributação do imposto sobre a renda, permitindo que ambos efetuem a dedução integral dos montantes despendidos em estabelecimentos de educação para crianças especiais, sejam eles inclusivos ou não, da base de cálculo do IRPF.

Interpretação neste sentido aplica a igualdade tributária na sua dimensão fundamental de princípio, vale dizer, “um mandado de otimização da igualdade dentro das possibilidades fáticas e jurídicas, que impõe aos agentes estatais a realização da máxima igualdade possível na criação e aplicação do Direito.”27

Neste diapasão, ressalte-se que o próprio texto do artigo 91, parágrafo 5º da IN n. 1500/2014 e do artigo 80, parágrafo 3º, do RIR/1999 permite a interpretação conforme à Constituição ora proposta.

De fato, a condição de que sejam “os pagamentos efetuado a entidades destinadas a deficientes físicos ou mentais” permite compreender as escolas inclusivas em sua delimitação. Afinal, as escolas inclusivas visam justamente garantir a educação de todos, sem discriminação alguma, sejam portadores de deficiência ou não. Assim, tais escolas são sim destinadas a deficientes físicos e mentais, inclusive por determinação das leis atinentes às bases da educação nacional, que impõe que o ensino geral esteja preparado para a educação de todos, indistintamente. Lembre-se do conteúdo do artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional citado acima: “entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.”

Não é por outra razão que atualmente o Ministério da Educação, em cartilha intitulada Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - Educação Inclusiva,28 coloca que, na realidade, a educação especial faz parte da educação básica, e não outra forma da escolarização apartada. Veja-se:

“Atualmente a Educação Especial é uma modalidade de ensino que atravessa toda a Educação Básica, não se caracterizando como um nível de ensino e nem substituindo a escolarização. Portanto, os alunos de que trata a Educação Especial devem estar regularmente matriculados e frequentando o ensino comum.”

Assim, paralelamente à forma tradicional de controle de validade dos atos normativos por meio declaração incidental de inconstitucionalidade, também poderia ser resolvida a incongruência da legislação fiscal com o sistema jurídico pátrio pela interpretação conforme à Constituição da condição imposta pelo parágrafo 5º do artigo 91 da IN n. 1500/2014 (“pagamento for efetuado a entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”), de modo a incluir o pagamento efetuado a entidades de ensino regular como legitimadora da dedução integral da base de cálculo do IRPF.

5. Da não Aplicação do Artigo 111 do Código Tributário Nacional

Sobre o tema em análise, não seria possível deixar de confrontar as conclusões até aqui alcançadas com a disposição constante do artigo 111 do CTN. Relembre-se seu texto:

“Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”

Em primeiro lugar, em se tratando de declaração de inconstitucionalidade da oração “pagamento for efetuado a entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais” do parágrafo 5º do artigo 91 da IN n. 1500/2014, não é o caso de aplicação do artigo 111 do CTN, já que este trata de como deve ser interpretada a norma tributária a ser aplicada ao caso concreto, e não da análise e declaração de sua invalidade perante a ordem jurídica legal e constitucional.

Em segundo lugar, é sabidamente inócua a tentativa do legislador de impor ou vedar uma interpretação unicamente literal dos textos jurídicos, como pretende o artigo 111 do CTN. Isto porque a interpretação literal é só o primeiro passo do exegeta quando do início da construção de sentido das normas jurídicas.29

Com efeito, toda interpretação, invariavelmente, só se inicia pela literalidade do texto pois, em seguida, inexoravelmente o intérprete atribui sentido e valor aos termos escritos em tinta no papel. A norma é construída pelo intérprete. Assim, não é possível fugir da valoração do texto pelo jurista, como bem percebeu Paulo de Barros Carvalho.30

Não foi de outra forma que concluiu Luís Eduardo Schoueri, qualificando como infeliz a redação do artigo 111 e sua tentativa de fazer prevalecer a interpretação gramatical das normas tributárias, método esse “condenado pela hermenêutica pela sua pobreza. Não é possível a construção da norma a partir do texto, sem considerar o contexto.”31

Em suma, interpretar é o ato humano de atribuir significações (conteúdo) aos símbolos, dando com isso também referências a objetos.32 É impossível, portanto, falar-se em interpretação literal.

Pois bem. Deixando de lado a ingenuidade do Código Tributário Nacional com relação ao processo exegético, deve-se perceber que para casos em que a lei cria situações discriminatórias, que atentem contra a igualdade ou a dignidade da pessoa humana, têm restado a salvo da dicção do artigo 111 do CTN.

Nesse sentido, o Poder Judiciário não tem fechado os olhos às particularidades dos casos concretos que lhe são apresentados, os quais podem ensejar a aplicação de princípios em detrimento de específicas regras jurídicas, para que seja possível cumprir sua função de trazer justiça ao caso concreto.

Com efeito, os atuais julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm utilizado o raciocínio descrito acima especialmente para situações de benefícios fiscais ligados a pessoas portadoras de deficiência: afastando o artigo 111 do CTN (REsp n. 192.531/RS, REsp n. 523.971/MG e REsp n. 567.873/MG).33

Percebe-se assim a tendência de se interpretar extensivamente, e não literalmente, a outorga de isenção, como prevê o artigo 111 do CTN, adequando a legislação tributária aos ditames constitucionais maiores, como o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, quando se está diante de casos de discriminação de portadores de deficiência.

Ademais, destes precedentes constata-se o valor dado à finalidade das normas tributárias (exegese teleológica), no mesmo sentido que se manifesta Luciano Amaro34 sobre o tema em questão, ao afirmar que “não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas, não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica, histórica e sistemática dos preceitos legais que versem as matérias em causa.”

Desse modo, deve ser buscada a finalidade da norma positivada no artigo 91, parágrafo 5º, da IN n. 1500/2014.

Parece claro que o artigo 91, parágrafo 5º da IN 1500/2014 visa justamente dar tratamento benéfico e isonômico aos contribuintes que gastam enormes somas de dinheiro para poderem dar aos seus dependentes, portadores de necessidades especiais, a melhor educação possível. No caso, são as escolas inclusivas, e não escolas especiais como se pensava antigamente. Por isso, a norma tributária deve ser lida de modo a promover sua finalidade, vale dizer, dando o direito à plena dedução da base de cálculo do IRPF de montantes pagos a título de educação de pessoas portadoras de deficiência física, ainda que a assistência exclusiva e específica para essas pessoas se dê em instituição de ensino regular, e não em instituição de ensino especial.

Afinal, não é recomendado para crianças portadoras de deficiência ficarem reclusas em um sistema de ensino que não é o mais adequado para seu desenvolvimento. A melhor forma de cuidar e estimular estes meninos e meninas é conjuntamente com outras crianças sem necessidades especiais, tendo acesso ao conteúdo normal de ensino e ao convívio com os colegas.

6. Conclusão

Tendo em vista que na matéria sob análise existem diversas leis (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; o regulamento da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; o Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado), além da própria Constituição (artigo 208) e tratados internacionais, adotando como regra o incentivo cada vez maior a medidas inclusivas para a educação de deficientes, constata-se que a legislação tributária ficou realmente ultrapassada e anti-isonômica ao somente permitir a dedução integral das despesas com instrução de deficientes sob condição de tais despesas serem feitas a “entidades de assistência a deficientes físicos ou mentais”, entendidas como escolas exclusivas ou especiais.

Por conseguinte, o artigo 91, parágrafo 5º, da IN 1500/2014, in fini se não declarado inconstitucional, deve ao menos ser interpretado conforme à Constituição, para que seja lido de forma a abranger as escolas inclusivas em seus dizeres, permitindo a dedução integral de gastos com a educação de crianças especiais nestas instituições de ensino da base de cálculo do IRPF de seus responsáveis.

7. Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni; e VELTRONI, Alexandre Lucas. “A pessoa portadora de deficiência e a educação no Brasil”. Revista de Direito Constitucional e Internacional Vol. 60. Julho de 2007, p. 7.

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Pacto Nacional pela alfabetização na idade certa - educação inclusiva. Brasília. Disponível em http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/cadernosmat/PNAIC_MAT_Educ%20Incl_pg001-096.pdf. Acesso em 20.11.2015.

–. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 192.531/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 17.2.2005, DJ de 16.5.2005, p. 275. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=199800779515&dt_publicacao=16/05/2005. Acesso em 20.11.2014.

–. REsp n. 567.873/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10.2.2004, DJ de 25.2.2004, p. 120. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200301510401&dt_publicacao=25/02/2004. Acesso em 20.11.2014.

CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda - perfil constitucional e temas específicos. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

–. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2007.

–. Direito Tributário, linguagem e método. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 180.

CASTILHO, Ricardo. “A criança deficiente e o seu direito à escola”. Coleção Doutrinas essenciais de Direitos Humanos. Vol. 4.São Paulo: RT, 2011.

GREGÓRIO, Argos. A capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

HARET, Florence. “Regra-matriz de incidência tributária e presunções”. In: CARVALHO, Ana Carolina Papacosta de et al. Derivação e positivação no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. “O princípio da isonomia em matéria tributária”. Revista tributária e de finanças públicas vol. 78. Janeiro de 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. “As normas constitucionais de tutela das pessoas portadoras de deficiência”. Coleção Doutrinas essenciais de Direitos Humanos. Vol. 4. São Paulo: RT, 2011.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.

VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio de isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades positivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

1 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...)

III - renda e proventos de qualquer natureza”.

2 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 89.

3 Na lição de Geraldo Ataliba, a base de cálculo é a “perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 108).

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 241.

5 “O conceito constitucional de renda está a exigir que a legislação reconheça ao contribuinte o direito de abater, da base de cálculo do tributo, não só as despesas necessárias à obtenção da riqueza nova, como as que lhe garantem subsistência e a de seus dependentes econômicos (deduções com estudos, alimentação, vestuário, pensões alimentícias, mantença da saúde, etc.)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda - perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 80)

6 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”

7 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

8 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

9 “Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias.”

10 “Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias (Lei n º 9.250, de 1995, art. 8º, inciso II, alínea ‘a’).

§ 1º O disposto neste artigo (Lei n º 9.250, de 1995, art. 8º, § 2º): (...)

II - restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes.”

11 “Art. 81. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados a estabelecimentos de ensino relativamente à educação pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes do contribuinte e de seus dependentes, até o limite anual individual de um mil e setecentos reais (Lei n º 9.250, de 1995, art. 8º, inciso II, alínea ‘b’).”

12 “§ 3º Consideram-se despesas médicas os pagamentos relativos à instrução de deficiente físico ou mental, desde que a deficiência seja atestada em laudo médico e o pagamento efetuado a entidades destinadas a deficientes físicos ou mentais.”

13 Sobre a evolução do tratamento educacional das crianças especiais, veja-se: “no segmento educacional também encontraremos as fases de exclusão, segregação institucional, integração e inclusão da pessoa portadora de deficiência. Na primeira delas, simplesmente nenhuma atenção educacional era dispensada à ppd, mesmo porque era completamente ignorada pela sociedade em todos os aspectos. Justamente porque excluídas da sociedade, as ppds passaram a ser atendidas em instituições, no mais das vezes de cunho religioso ou filantrópico que, apesar do mérito do propósito, não se submetiam a qualquer controle sobre a qualidade do atendimento que prestavam. Foi nessa fase que nasceu a idéia de ‘educação especial’ para crianças deficientes, escolas especiais, centros de reabilitação e oficinas protegidas de trabalho. Muitas crianças passavam a vida inteira nestas instituições. A partir desse contexto avançou-se para a fase de integração, quando surgiram classes especiais em escolas comuns. Mas o propósito destas classes não era humanitário e sim de garantir que as crianças com necessidades educacionais especiais não ocupassem os professores dos alunos ditos ‘comuns’. (...) Por fim, no apagar das luzes da década de 80, influenciado pela idéia da equiparação de oportunidades e bilateralidade de esforços de integração (ou seja tanto a sociedade se modifica para incluir como a ppd se prepara para ser inserida), surge o conceito de inclusão. Países do chamado primeiro mundo como EUA, Canadá e Espanha foram os pioneiros na implantação.” (RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. “As normas constitucionais de tutela das pessoas portadoras de deficiência”. Coleção Doutrinas essenciais de Direitos Humanos. Vol. 4. São Paulo: RT, 2011, p. 989, p. 20.

14 “Assim, o deficiente tem necessidade de proteção especial em função da desvantagem física, sensorial ou psíquica que possui em relação à pessoa não portadora de deficiência e, para que seja respeitado o princípio constitucional da dignidade humana impõe-se observar o princípio da isonomia. Então, na educação inclusiva poderá haver um tratamento diferenciado para o aluno portador de deficiência, visando garantir a aplicação da isonomia como condição da cidadania. (...) O verdadeiro papel da educação é construir e ampliar as experiências das pessoas, preparando-as para a vida e para alcançarem seus objetivos e aspirações, bem como os da sociedade em que estão inseridos, sendo a inclusão de todos os indivíduos o caminho para a verdadeira democracia, ao proporcionar a todos igualdade de possibilidades, para que se sintam capazes de serem verdadeiramente livres, respeitados e iguais aos demais, podendo exercer um dos direitos fundamentais para se atingir a cidadania, que é o direito à educação.” (ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni; e VELTRONI, Alexandre Lucas. “A pessoa portadora de deficiência e a educação no Brasil”. Revista de Direito Constitucional e Internacional vol. 60. Julho de 2007, p. 7, pp. 19 e 20)

15 “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”

16 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana.”

17 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

18 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”

19 “Art. 25 Os serviços de educação especial serão ofertados nas instituições de ensino público ou privado do sistema de educação geral, de forma transitória ou permanente, mediante programas de apoio para o aluno que está integrado no sistema regular de ensino, ou em escolas especializadas exclusivamente quando a educação das escolas comuns não puder satisfazer as necessidades educativas ou sociais do aluno ou quando necessário ao bem-estar do educando.”

20 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

21 “Art. 1º O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades;

III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência;

V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;

VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.” (Destaques nossos)

22 Sobre a questão pedagógica do ensino inclusivo, ver: CASTILHO, Ricardo. “A criança deficiente e o seu direito à escola”. Coleção Doutrinas essenciais de Direitos Humanos. Vol. 4. São Paulo: RT, 2011, pp. 769 - 784.

23 Vale, nesse ponto, realçar o papel do controle de constitucionalidade das normas via a “interpretação conforme a Constituição” no sistema jurídico. Para tanto, destacamos o ensinamento de Alexandre de Moraes, que bem resumo a questão: “a supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico.” (Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 11)

24 Teoria da Igualdade Tributária. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 194.

25 Outrossim, cabe realçar que a simples “facilidade” do Estado em detectar entidades especializadas na educação de crianças portadoras de deficiência física ou mental para a concessão das deduções do IRPF não pode servir de escusa para suprimir o direito dos contribuintes. Ou seja, mesmo que haja uma complexidade maior para a verificação de quais ou tais escolas são inclusivas, para fins de concessão do direito de dedução dos valores despendidos com educação do IRPF, o legislador não pode utilizar desta complexidade para ir na contramão dos princípios e regras estampados na Constituição brasileira, privando o contribuindo . Veja-se a ponderação de Florence Haret nesse sentido: “Reputamos que nada adianta ao Ente Fiscal reduzir, eliminar ou criar facilitações para si próprio na constituição do fato jurídico tributário para fins de garantir a validade da estrutura formal da norma quando em clara violação à Carta Maior.” (“Regra-matriz de incidência tributária e presunções”. In: CARVALHO, Ana Carolina Papacosta de. et al. Derivação e positivação no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 481.

26 Atente-se que o princípio da capacidade contributiva constitui parâmetro constitucional para a igualdade tributária, sendo a melhor expressão da Justiça Fiscal. (GREGÓRIO, Argos. A capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 156)

27 VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio de isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades positivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 328. No mesmo sentido, ver MARTINS, Ives Gandra da Silva. “O princípio da isonomia em matéria tributária”. Revista Tributária e de Finanças Públicas vol. 78. Janeiro de 2008, p. 269.

28 Encontrado em sua integralidade no sítio do MEC. Disponível em http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/cadernosmat/PNAIC_MAT_Educ%20Incl_pg001-096.pdf. Acesso em 20.11.2014.

29 O processo de interpretação, ou trajetória da interpretação, para que o intérprete construa a norma jurídica ocorre em quatro planos: (i) plano da literalidade textual dos suportes materiais da linguagem prescritiva graficamente representadas. É o único dado objetivo e marcador no início do caminho de conhecimento trilhado pelo exegeta (S1); (ii) plano das significações proposicionais, ou enunciados prescritivos, onde o intérprete atribui conteúdos significativos aos enunciados e frases. Aqui vemos a prescritividade das proposições disfarçadas, normalmente, na forma de descrições. Ainda, devemos estar atentos para as proposições implícitas na literalidade textual (S2); (iii) plano das normas jurídicas stricto sensu, onde o exegeta, tomando como base os enunciado prescritivos isoladamente considerados de S2, promoverá sua contextualização, produzindo unidades completas de sentido das mensagens deônticas. Aqui aparece como capaz de orientar a conduta jurídica (S3); (iv) planos do sistema normativo, caracterizado pelo conjunto articulado das normas jurídicas em relações de coordenação e subordinação (S4). (Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. Op. cit., pp. 108-122)

30 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 107.

31 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 665.

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 180.

33 “Administrativo e Tributário. Recurso Especial. Aposentadoria por Tempo de Serviço. Moléstia Grave. Cardiopatia. Isenção do Imposto de Renda. Ausência de Violação do Art. 111, Inciso II, do CTN. Lei n. 4.506/64 (Art. 17, Inciso III). Decreto n. 85.450/80. Precedentes. 1. O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas. 2. O STJ firmou o entendimento de que a cardiopatia grave, nos termos do art. 17, inciso III, da Lei n. 4.506/64, importa na exclusão dos proventos de aposentadoria da tributação pelo Imposto de Renda, mesmo que a moléstia tenha sido contraída depois do ato de aposentadoria por tempo de serviço. 3. Recurso especial conhecido e não-provido.” (REsp 192.531/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 17.2.2005, DJ de 16.5.2005, p. 275)

“Recurso Especial - Alínea ‘a’ - Mandado de Segurança - IPI - Aquisição de Veículo por Portadores de Deficiência Física - Isenção - Exegese do Artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95. A redação original do artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95 estabelecia que estariam isentos do pagamento do IPI na aquisição de carros de passeio as ‘pessoas, que, em razão de serem portadoras de deficiência, não podem dirigir automóveis comuns’. Com base nesse dispositivo, ao argumento de que deve ser feita a interpretação literal da lei tributária, conforme prevê o artigo 111 do CTN, não se conforma a Fazenda Nacional com a concessão do benefício ao recorrido, portador de atrofia muscular progressiva com diminuição acentuada de força nos membros inferiores e superiores, o que lhe torna incapacitado para a condução de veículo comum ou adaptado. A peculiaridade de que o veículo seja conduzido por terceira pessoa, que não o portador de deficiência física, não constitui óbice razoável ao gozo da isenção preconizada pela Lei n. 8.989/95, e, logicamente, não foi o intuito da lei. É de elementar inferência que a aprovação do mencionado ato normativo visa à inclusão social dos portadores de necessidades especiais, ou seja, facilitar-lhes a aquisição de veículo para sua locomoção. A fim de sanar qualquer dúvida quanto à feição humanitária do favor fiscal, foi editada a Lei nº 10.690, de 10 de junho de 2003, que deu nova redação ao artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95: ‘ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional’ (...) ‘adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal’. Recurso especial improvido.” (REsp n. 523.971/MG, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 26.10.2004, DJ de 28.3.2005, p. 239)

“Deficiente Físico Impossibilitado de Dirigir. Ação Afirmativa. Lei 8.989/95 Alterada pela Lei nº 10.754/2003. Princípio da Retroatividade da Lex Mitior. 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender. (...) 5. Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal que consubstancia verdadeira positive action significa legitimar violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade da pessoa humana. 6. O Estado soberano assegura por si ou por seus delegatários cumprir o postulado do acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. 7. Incumbe à legislação ordinária propiciar meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos deficientes físicos. 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. (...) Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. (Art. 5º LICC) 12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem”. (REsp n. 567.873/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10.2.2004, DJ de 25.2.2004, p. 120)

34 AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 247-248.