Lançamento Tributário nos Crimes Fiscais

Tax Assessment in Tax Crimes

José Evandro Lacerda Zaranza Filho

Professor de Direito Tributário no UNI-RN. Especialista em Direito Tributário pelo Ibet. Mestre em Direito Constitucional pela UFRN. Advogado em Natal (Rio Grande do Norte). E-mail: evandrozaranza@andreelali.com.br.

Resumo

O Código Tributário Nacional reserva especial atenção ao sujeito passivo tributário, distinguindo a figura do contribuinte e do responsável tributário. O Código impõe a correta identificação, pelo lançamento tributário, de cada espécie de sujeito passivo. Exige-se, no âmbito da persecução criminal tributária, a observância das regras previstas na legislação tributária, notadamente diante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O assunto também foi disciplinado por súmula vinculante. Utiliza-se metodologia que associa uma análise e revisão bibliográfica e documental, tais como, o conceito de sujeito passivo tributário, bem como lançamento tributário, e a investigação empírica, através da análise jurisprudencial. Conclui-se: o Código Tributário Nacional distingue a figura do contribuinte e do responsável tributário; apenas a autoridade administrativa tributária pode constituir o crédito tributário pelo lançamento tributário; é necessária a identificação, pelo lançamento tributário, da espécie de sujeito passivo, identificando o responsável tributário se for caso de imputar a responsabilidade tributária; o lançamento tributário é imprescindível à constituição do crédito tributário; o Poder Judiciário manifestou entendimento no sentido de que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Palavras-chave: tributário, crime tributário, sujeito passivo.

Abstract

The Brazilian Tax Code reserves special attention to taxable person, distinguishing between the figured/passive taxpayer and the tax responsible deductor. The Code requires the correct identification by the tax assessment of each type of taxpayer. It is required under the tax criminal prosecution act, in compliance with the rules provided for in the tax law, notably on the jurisprudence of the Brazilian Supreme Court. The subject was also disciplined by binding precedent. It uses a methodology that combines an analysis and review of the literature and documentary, such as the concept of the figured/passive taxpayer, as well as tax assessment and empirical research through jurisprudential analysis. The conclusion: the Tax Code distinguishes the figure of the taxpayer and the tax charge; only the tax administrative authority may constitute a tax credit for tax assessment; it is necessary to identify the tax assessment and the kind of taxpayer identifying the tax charge if tax liability is imputed; the tax assessment is essential to the constitution of the tax credit; the Judiciary Power expressed understanding in the sense that it does not typify material crime against the tax order, referred to in art. 1, item I to IV, of Law 8.137/1990, before the final release of the tribute.

Keywords: tax, criminal tax, taxable person.

1. Introdução

O Código Tributário Nacional, ao prescrever sobre a figura jurídica do sujeito passivo tributário, estabelece duas espécies de sujeitos, a primeira identificada pelo contribuinte que pratica o fato jurídico tributário e, a segunda, o responsável tributário que, muito embora não pratique o fato jurídico tributário, vincula-se a ele por expressa previsão da lei tributária, podendo existir ainda a figura do agente, é dizer, aquele que pratica materialmente ato de infração de natureza criminal, nos termos do art. 137 do CTN.

Observa-se falha nos processos judiciais que apuram a prática de crimes contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, no que pertine à correta identificação do sujeito passivo tributário ou do agente tipificado no art. 137 do CTN. Via de regra, as autoridades administrativas tributárias têm se omitido em constituir o crédito tributário contra o responsável tributário, bem como contra o agente, conforme determina o Código Tributário Nacional. Pretende-se analisar se a omissão do agente fiscal em constituir o crédito tributário quanto ao agente, implica a incorreta formação do processo criminal, viciando a pretensão punitiva da prática do crime tributário, quando praticado por este. O tema mostra-se pertinente diante da posição jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal ao firmar o entendimento, através da Súmula Vinculante n. 24, no sentido de que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Cabe à autoridade tributária a tarefa de identificar a espécie de sujeito passivo tributário, o que deve se dar, segundo expressa previsão do Código Tributário Nacional, por meio do lançamento tributário.

Preliminarmente, na seção 2 iremos tratar da relação entre o Direito Tributário e o Direito Penal, buscando identificar a função de cada ramo no Direito e a relação com o tema em questão. Na seção 3 da presente análise, abordaremos a importância da correta identificação do sujeito passivo tributário na relação jurídica tributária, buscando verificar a importância da distinção entre as espécies de sujeito passivo e a figura do agente, para apuração dos crimes tributários. Na seção 4 abordaremos a imprescindibilidade jurídica do lançamento tributário na identificação, pela autoridade administrativa, do crédito tributário contra o correto sujeito, posto que é do Fisco o ônus de provar as situações que implicam a responsabilidade tributária, seja na modalidade objetiva seja na subjetiva, garantindo ao sujeito da relação jurídica tributária o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

Na seção 5, analisaremos a exigência legal no que diz respeito à necessidade de constituir o crédito também contra o sujeito tributário do tipo responsável tributário diante das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, notadamente, frente à edição da Súmula Vinculante n. 24, do Supremo Tribunal Federal, que exige o lançamento tributário definitivo para a configuração do crime tributário.

Na seção 6 concluiremos ressaltando a ilegalidade da persecução criminal tributária quando inexistente lançamento tributário lavrado, apurando, regularmente em processo administrativo tributário, os atos praticados pelo agente, tipificado no art. 137 do CTN, que pratica infração tributária objeto da denúncia do Ministério Público.

2. Relação entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário

O estreitamento entre o Direito Tributário e o Direito Penal advém do poder de punir que o Estado detém, cuja finalidade é garantir a observância do ordenamento jurídico. Não se confunde o poder de tributar e o poder de punir e é justamente nesta diferenciação que a doutrina identifica o Direito Penal Financeiro, e nele, o Direito Penal Tributário, como o ramo do Direito que cuida do estudo das infrações e sanções em matéria tributária.1 Distingue-se o Direito Tributário Penal, ramo do Direito Tributário, do Direito Penal Tributário, ramo do Direito Penal. No primeiro, observam-se as sanções administrativas originadas da prática de atos ilícitos administrativos por parte do sujeito passivo. Em outras palavras, o sujeito passivo descumpre norma contida no Direito Tributário, pratica assim, mera infração administrativa. Já o segundo, Direito Penal Tributário, a norma descumprida pelo sujeito passivo é de natureza penal. Registra Luís Eduardo Schoueri que entre os ilícitos não há diferença ontológica, “é opção do legislador incluir a conduta numa ou noutra categoria ou, ainda prever que ambas se deem simultaneamente”.2-3 Fala-se ainda em uma distinção a depender do bem jurídico protegido.4

O Direito enquanto ordenamento jurídico é dotado de subsistemas que se comunicam, que sofrem interferência entre si.5 O ordenamento jurídico, portanto, vincula não somente o legislador, mas também os intérpretes e aplicadores do direito,6

“(...) a adequação valorativa determina que, desde a criação até a última aplicação in concreto do Direito, haja coerência sistêmica, ou seja, legisladores e aplicadores encontram-se vinculados a decidir em conformidade com os postulados resultantes de uma ordem teleológica decorrente dos princípios gerais do Direito, princípios fundantes, dotados de alta carga axiológica, que desempenham as funções constitutivas e estruturantes do próprio sistema jurídico”.7

Merece ainda atenção identificar os princípios previstos da Constituição Penal, é dizer, a parte da Constituição que cuida de prever regras orientadoras para todas as normas sancionatórias, no caso, o princípio da legalidade previsto no art. 5º, inciso XXXIX; o princípio inserto no art. 5º, LXVII que proíbe a conversão em pena privativa de liberdade, quando a sanção prevista for de multa; o princípio da retroatividade para benéfica, previsto no art. 5º, XL; o princípio que informa que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, previsto no art. 5º, XXXV; e, o princípio da personalização inserto no art. 5º, XLV, que proíbe a aplicação de sanção à pessoa diversa da que cometeu o ilícito.

Quanto ao princípio da pessoalidade da pena ou da culpabilidade previsto no art. 5º, XLV, da Constituição, registre-se novamente que proíbe a responsabilidade aleatória e determina a individualização do sujeito que pratica o ilícito. Observa Nilo Batista que “Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão só de uma associação causal entre a conduta e o um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. É indispensável a culpabilidade.”8

É importante para o Direito Penal o aspecto subjetivo da conduta. A vontade do agente autor do ilícito, o dolo, elemento do fato jurídico penal. Assim como a norma jurídica tributária, a penal apresenta em seu antecedente o critério material formado por um verbo e um complemento, que no crime de sonegação fiscal, previsto na Lei n. 8.137/1990, caput, do art. 1º, consubstancia em suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social, omitindo informações ou prestando declaração falsa à autoridade tributária, inserindo elementos inexatos ou omitindo operação de qualquer natureza, falsificando ou alterando nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou ainda elaborando, distribuindo, fornecendo, emitindo ou utilizando documento que saiba ou deva saber ser falso ou inexato, negando ou deixando de fornecer nota fiscal ou documento equivalente, ou fornecê-lo em desacordo com a legislação.

O crime tributário é de resultado,9 conforme disciplina o art. 18 do Código Penal, logo, deve ficar demonstrado a real intenção do agente que pratica o ilícito, portanto, a demonstração do dolo é imprescindível na apuração do crime tributário, chegando Andreas Eisele a sustentar que

“Como os crimes contra a ordem tributária apenas podem ser praticados na forma dolosa, a presença de situação configuradora de erro do tipo no comportamento do agente afasta a tipicidade da conduta.

Ou seja, ‘é preciso que se verifique o elemento subjetivo, a intenção, a má-fé, que moveu o agente ao burlar o Fisco’, ainda que de forma indireta (dolo eventual), consistente na assunção do risco de que seu comportamento acarretará o resultado fraudulento.”10

O Código Tributário Nacional disciplina de forma minudente o instituto da responsabilidade tributária por transferência que surge em face da ação ou omissão praticada pelo responsável. As regras previstas nos arts. 134 e 135 vinculam-se ao “dever de zelo, legal ou contratual, que certas pessoas devem ter com relação ao patrimônio de outrem (...)”.11 A responsabilidade tributária é objetiva, nos termos do que prescreve o art. 136 do CTN, entretanto, na hipótese de crimes tributários ou contravenções, segundo prescreve o art. 137 do CTN, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, pessoal do agente.

Via de regra, em matéria tributária é o sujeito passivo que sofre as punições em virtude da prática de ilícitos e não o agente causador da infração. Entretanto, em situações mais gravosas que a legislação tipifica como crime ou contravenção, o CTN exclui o sujeito passivo (exempli gratia, a pessoa jurídica) para penalizar diretamente o agente executor material (exempli gratia, o gestor da pessoa jurídica). São as hipóteses do art. 137 do CTN. Em tais hipóteses, o agente não atua em nome do sujeito passivo, logo, não é caso de responsabilidade de terceiros, prevista nos arts. 134 e 135 do CTN,12

“Se o agente incorre diretamente no fato jurídico tributário, então não há como exigir da pessoa jurídica o tributo: o próprio agente há de responder pelo tributo e pela penalidade.

Se há infração conceituada como crime ou contravenção, não há, portanto, atuação em conformidade com a lei, mas contra a lei. Quem incorre em crime, responde pelo que faz, pessoalmente. Não há que falar em responsabilidade por fato imputável a terceiro; aliás, não há transferência a outrem de encargo inicialmente imputável ao contribuinte: a responsabilidade é pessoal.”13

Observa-se, portanto, segundo a sistemática da legislação tributária, a necessidade de identificar o agente, ou seja, a pessoa que executa materialmente o ilícito tipificado como crime ou contravenção, identificando-se o dolo do agente, constituído o crédito tributário contra essa pessoa física que passa a ser responsável pelo crédito tributário e pela penalidade. Entretanto, deve-se garantir ao agente o direito de exercitar o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa e na esfera judicial, observando-se ainda que não é possível a instauração da pretensão punitiva por parte do Ministério Público antes de restar concluída a fase administrativa de constituição do tributo contra o sujeito passivo ou agente.14

3. A Necessária Identificação do Sujeito Passivo Tributário na Identificação do Crime Fiscal

O termo sujeito passivo15 é gênero do qual são espécies o contribuinte e o responsável.16 Sujeito passivo da obrigação tributária principal é, segundo o Código Tributário Nacional, “a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” (art. 121, caput), sendo que o contribuinte é aquele que pratica o fato jurídico tributário ou, conforme o Código Tributário Nacional, tem “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” (art. 121, inciso I); já o responsável, é contemplado pelo Código Tributário Nacional, quando sua obrigação decorre de expressa previsão legal, mesmo sem revestir a condição de contribuinte. O responsável tributário não tem vínculo direto17 com a prática do fato jurídico tributário.18 Trata-se de substituto legal tributário.19

O responsável tributário é hipótese de sujeição passiva indireta e divide-se em responsável tributário substituto20 e responsável tributário stricto sensu.21 A figura mais frequente de responsabilidade tributária no âmbito de querelas judiciais envolvendo crimes fiscais é aparentemente a do responsável tributário stricto sensu ou, conforme denominado pelo Código Tributário Nacional, responsável tributário por transferência, cuja ocorrência se dá apenas e tão somente na hipótese de ocorrer um outro fato, diverso do fato jurídico tributário, que, caso ocorra, faz surgir para uma terceira pessoa vinculada ao fato imponível a referida responsabilidade. Vale reproduzir Luís Eduardo Schoueri:22

“No caso da responsabilidade stricto sensu, devem ser considerados dois fatos distintos (que podem ou não ser simultâneos, ambos descritos hipoteticamente pela lei): o fato jurídico tributário, que faz nascer a pretensão tributária em face de uma pessoa (normalmente, o contribuinte, mas pode até mesmo ser um substituto) e um outro fato jurídico, que desloca a obrigação para o responsável stricto sensu (solidariamente ou não). Ou seja: o surgimento da obrigação tributária para o último, conquanto dependa da concretização da hipótese tributária, não se esgota nela. Para que surja tal sujeição passiva, é necessário, além dessa ocorrência (que dará surgimento à obrigação tributária), a constatação fática da hipótese de responsabilização.”

O Código Tributário Nacional prevê diversas hipóteses de responsabilidade tributária stricto sensu ou de transferência, conforme se vê da leitura dos arts. 129 a 137, é dizer, a responsabilidade tributária por transferência pode ser do tipo sucessão que, por sua vez, divide-se em imobiliária, pessoal e empresarial; do tipo de terceiros; e do tipo por infração.23 Logo, o Código Tributário Nacional descreve de forma minuciosa as circunstância que, uma vez identificadas na conduta praticada pelo indivíduo, farão com que esta conduta seja juridicizada,24 assumindo o indivíduo que praticou a conduta a condição de responsável tributário por transferência.

Exige a legislação tributária que ocorra a imputação da norma que prevê a hipótese de responsabilidade tributária stricto sensu ou por terceiro à conduta praticada pelo indivíduo. Portanto, se a Administração Fazendária pretende responsabilizar qualquer daquelas pessoas previstas no Código Tributário Nacional, deve promover a imputação da situação abstratamente descrita no Código, a conduta praticada pelo indivíduo. Tal imputação dar-se-á, necessariamente, por meio do lançamento tributário, conforme preconiza o art. 142. Ocorrendo a imputação quanto à responsabilidade tributária, instaura-se, via de consequência, o processo administrativo tributário,25 permitindo ao imputado, suposto responsável tributário por transferência, o exercício do contraditório e da ampla defesa.26

Mais uma vez, tomamos apoio no ensinamento de Luís Eduardo Schoueri:27

“(...) Afinal, muitas vezes o processo administrativo – quando ocorre – é movido em face da pessoa jurídica, sem o envolvimento dos potenciais responsáveis tributários solidários; encerrado aquele processo, dá-se a inscrição na Dívida Ativa. A mera declaração da autoridade não pode suprir o direito ao contraditório e à ampla defesa daquele responsável.”

No contencioso administrativo tributário, seja no âmbito fiscal municipal, seja no âmbito do Fisco estadual ou federal, nos casos em que o Fisco pretende responsabilizar o sócio gestor da pessoa jurídica contribuinte, exempli gratia, conforme preconiza o art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, via de regra, observa-se omissão das autoridades administrativas tributárias em proceder ao lançamento tributário contra responsável tributário, no caso, o sócio gestor.

Nessas hipóteses não ocorre a constituição do crédito tributário contra o sócio, suposto responsável tributário. É necessário que a autoridade administrativa,28 conforme determina o art. 142 do CTN, identifique o sujeito passivo, é dizer, indique as provas de que o sujeito exerceu função de gestão na sociedade empresarial contribuinte, e que o sujeito praticou atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos,29 notificando-o do lançamento tributário de modo a permitir que possa defender-se da imputação da responsabilidade tributária.30 Do mesmo modo, se a autoridade tributária identifica se tratar de crime tributário ou contravenção, deve proceder com o lançamento tributário, de modo a subsumir ao disposto no art. 137 do CTN. De fato, se o sujeito passivo responsável tributário pratica ilícito administrativo (de caráter objetivo) e, concomitantemente, o ilícito penal (de caráter subjetivo), deve o Fisco proceder com o lançamento tributário contra o sujeito, também denominado pelo CTN de agente, cuja responsabilidade pelas infrações é pessoal.31

É necessário que a autoridade tributária e somente ela32 constitua o crédito tributário contra o responsável tributário, e se for o caso de crime tributário ou contravenção também contra o agente (art. 137 do CTN), sob pena de impactar negativamente a validade do processo criminal tributário, já que exige, para a tipificação do crime contra a ordem tributária, lançamento tributário definitivo. Antes, porém, é imperioso refletir sobre lançamento tributário.

4. A Importância do Lançamento Tributário na Identificação do Sujeito Passivo Tributário

A Constituição Federal33 atribuiu à lei complementar a qualidade de espécie legislativa apta a tratar de matéria tributária no que diz respeito à estipulação de normas gerais; o lançamento tributário é uma das matérias que devem ser tratadas por lei complementar, como também a sujeição passiva tributária. Portanto, cabe ao Código Tributário Nacional e somente a ele disciplinar o assunto.

O lançamento tributário tem por função formalizar34 o crédito tributário, entendido como a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinando a matéria tributável, o montante do tributo devido, identificando o sujeito passivo:

Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (Destaque nosso)

O lançamento tributário,35 gênero do qual o auto de infração é espécie, é ato administrativo vinculado que somente pode ser praticado por autoridade administrativa tributária,36 logo, o sujeito passivo, qualquer ele, não pratica ato de lançamento tributário, no máximo formaliza a obrigação tributária e antecipa o pagamento do tributo, como é o caso do lançamento por homologação, hipótese do ICMS e, neste caso, após o exame da autoridade tributária, expressamente homologa (art. 150, caput, do CTN) ou, ocorre a homologação tácita, pelo decurso do prazo de cinco anos (art. 150, parágrafo 4o, do CTN).

Uma vez praticado o fato imponível37 pelo contribuinte, instaura-se entre este e o ente fiscal, sujeito ativo, liame que adstringe um ao outro e cujo conteúdo é a obrigação tributária,38 entretanto, a obrigação tributária tem existência diversa do crédito tributário,39 muito embora dele decorra.

Após o surgimento da obrigação tributária, notadamente da obrigação tributária principal, torna-se imprescindível a prática do ato40 administrativo de lançamento tributário sob pena do crédito tributário jamais vir à tona, podendo inclusive operar-se a decadência tributária na hipótese do lançamento tributário não correr no prazo legal, acontecendo, assim, a extinção do crédito.

Como prescreve exaustivamente o parágrafo único do art. 142 do CTN, a atividade administrativa de lançamento tributário é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, é dizer, diante dos critérios objetivo legais não há opção para o agente administrativo fiscal senão realizar o lançamento tributário segundo prescreve a legislação complementar. Trata-se de exigência formal.

É de se registrar que é irrelevante a vontade41 do agente fiscal em matéria de lançamento tributário e é assim em face do princípio da segurança jurídica, donde decorre os princípios da legalidade, da reserva legal e da determinação, que proíbem a manipulação do conteúdo descrito no dispositivo legal. Tenho que o lançamento tributário é da classe dos atos administrativos vinculados propriamente ditos, é dizer, “aqueles de mais intenso condicionamento aos requisitos previamente estabelecidos pelo ordenamento, com escassa e residual liberdade de determinação do conteúdo das disposições normativas”,42 visto que do contrário, poderia descambar para o plano da criação de comportamentos legais, portanto, atuação legiferante.

Dito desta forma, conforme consta expressamente do conceito legal de lançamento tributário, contido no art. 142 do Código Tributário Nacional, cabe a autoridade administrativa, sob pena de responsabilidade funcional, verificar a ocorrência do fato gerador (fato jurídico tributário) identificando o sujeito passivo, qualquer deles. Trata-se de um poder-dever.43

A autoridade administrativa deve identificar o contribuinte que realizou o fato gerador e, se for o caso, identificar o responsável tributário e o agente que praticou crime tributário ou contravenção, na hipótese do art. 137 do CTN, notificando-o do lançamento realizado para que possa impugnar, se assim desejar. Sem lançamento tributário não há crédito tributário constituído contra o sujeito tributário, logo, não há possibilidade de exercer a persecução criminal, porque o crime tributário tipifica-se com a constituição definitiva do crédito tributário contra o responsável infrator.44 Também, se não houve respeito ao contraditório e ao exercício da ampla defesa no processo administrativo tributário, não há como, juridicamente, existir crédito tributário definitivamente constituído contra o denunciado em processo criminal, ao menos de forma legal.45

5. Entendimentos Jurisprudenciais acerca da Exigência do Lançamento Tributário

O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário de n. 608.426,46 que teve como relator o Ministro Joaquim Barbosa, ratificou o entendimento de que aos princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se a constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo da relação jurídica tributária. O entendimento da Corte Constitucional ratifica o enunciado prescritivo contido no art. 142 do Código Tributário Nacional que exige, no lançamento tributário, que a autoridade tributária identifique o sujeito passivo, identificando, se for o caso, as hipóteses de caracterização da responsabilidade tributária, de modo a permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Do voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa observa-se passagem importante à concretização do direito fundamental do sujeito passivo tributário, posto que afirma que o ônus da prova é do Fisco quanto à pretensão de formalizar o crédito tributário contra o responsável tributário:

“(...) Considera-se presunção inadmissível aquela que impõe ao sujeito passivo deveres probatórios ontologicamente impossíveis, irrazoáveis ou desproporcionais, bem como aquelas desprovidas de motivação idônea, isto é, que não revelem o esforço do aparato fiscal para identificar as circunstâncias legais que permitem a extensão da relação jurídica tributária.”

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte já acompanhou o mesmo entendimento ao proferir acórdão no Recurso de Apelação de n. 2010.002863-8, proveniente da 1ª Câmara Cível, que teve como relator o Desembargador Dilermando Mota, ao reconhecer ser dever do Fisco estadual apurar a responsabilidade tributária por transferência no processo administrativo tributário.

“(...)

Indevida inclusão do nome dos sócios da empresa na certidão de dívida ativa, uma vez que, no procedimento administrativo fiscal, não há qualquer menção a que tivessem eles agido com excesso de poder ou infração à lei, contratos sociais ou estatutos, conforme exigido pelo artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

(...)”

Observa-se que a regra contida no art. 142 do Código Tributário Nacional tem importância basilar para o processo criminal. O lançamento tributário é indispensável para a constituição do crédito tributário em face do sujeito passivo do tipo responsável tributário, inclusive na hipótese em que incorre na prática de crime tributário ou contravenção (art. 137 do CTN). Logo, a persecução criminal somente pode ter início contra o responsável pela prática da infração, supostamente sonegador, após a regular constituição do crédito tributário que irá confirmar as hipóteses legais para a caracterização do instituto jurídico.

O crime tributário é consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como crime material,47 requerendo para tanto constituição definitiva do crédito tributário contra o denunciado. O tema, inclusive, encontra-se amparado pela segurança jurídica proporcionada pela Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal n. 24, ao prescrever que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte proferiu julgamento, compatibilizando-se com a orientação pretoriana sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, é dizer, no julgamento de Habeas Corpus n. 2011.000190-3,48 que teve como relator o Desembargador Virgílio Macêdo Jr., ao proferir entendimento no sentido de faltar justa causa para a ação penal se não houver “instauração do procedimento fiscal em desfavor do paciente para o esgotamento da via administrativa, com o lançamento definitivo do crédito fiscal”.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento através da Súmula Vinculante n. 24 no sentido de que o crime material contra a ordem tributária tipifica-se somente com o lançamento tributário definitivo e o lançamento tributário é indispensável para a constituição do crédito tributário contra o responsável pela prática da infração, logo, para que ocorra a tipificação do crime tributário, tendo o responsável como infrator, é imperioso que haja lançamento tributário dirigido contra o responsável apurando o dolo nos termos do art. 137 do CTN, constituindo o crédito tributário também contra este de modo a configurar o crime tributário, permitindo a pretensão punitiva do Estado contra o agente que executou materialmente o ilícito criminal.

6. Conclusão

À guisa de conclusão, o Código Tributário Nacional reserva especial atenção à figura do sujeito passivo tributário, construindo regras claras para a identificação de cada espécie de sujeito passivo, é dizer, contribuinte e responsáveis tributários. O responsável tributário deve, necessariamente, ser identificado pelo lançamento tributário. É ônus do Fisco constituir o crédito tributário contra o responsável tributário quando for caso de responsabilização, preenchidos os requisitos previstos no Código Tributário Nacional para cada hipótese.

Exige-se lançamento tributário também na hipótese da prática de crime tributário e contravenção no termos do art. 137 do CTN, momento em que deverá a autoridade tributária identificar o dolo do agente executor material da infração, de modo a constituir o crédito tributário contra esse, dada a sua responsabilidade pessoal, viabilizando, com a constituição definitiva do crédito tributário, a futura pretensão punitiva do Estado.

Somente com o lançamento tributário dirigindo contra o agente executor material da infração é que é possível viabilizar o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo tributário. Se não há lançamento tributário dirigido contra o responsável pela infração, não há processo administrativo tributário regular e podemos afirmar que o crédito tributário não foi constituído de forma válida.

É com a constituição válida do crédito tributário que surge a possibilidade de realizar a persecução criminal quando evidenciada, com constituição do crédito tributário contra o responsável, pelo menos em tese, a prática do crime tributário, já que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, através da Súmula Vinculante n. 24, que o crime tributário somente se tipifica com o lançamento tributário definitivamente constituído contra o obrigado.

Referências

ABRÃO, Carlos Henrique et al. Lei de execução fiscal comentada e anotada. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002.

ALVARENGA, Aristide Junqueira. “Crimes contra a ordem tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Crimes contra a ordem tributária. 4a ed. São Paulo: RT, 2002.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico semântico. São Paulo: Noeses, 2013.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

CASTRO, Aldemário Araújo. Direito tributário. Brasília: Fortium, 2006.

COSTA, Cláudio. Crime de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

COSTA JR., Paulo José da; e DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2002.

FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 1999.

FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

GUERRA, Cláudia. Lançamento tributário: invalidação & controle. Curitiba: Juruá, 2003.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

. “Crimes contra a ordem tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002.

. Crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

. “Redirecionamento da execução fiscal e prescrição”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 181. São Paulo: Dialética, 2010.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MIRETTI, Luiz Antônio Caldeira. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. 2: (art. 96 a 218). 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Da necessidade de apuração da responsabilidade tributária no âmbito do processo administrativo fiscal”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 211. São Paulo: Dialética, 2013.

RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. “Responsabilidade tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Pesquisas Tributárias n. 17. São Paulo: RT, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

. “Responsabilidade tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Pesquisas Tributárias n. 17. São Paulo: RT, 2012.

SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1982.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

ZILVETI, Fernando Aurelio. Obrigação tributária fato gerador e tipo. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

1 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 21.

2 Cf. Luís Eduardo Schoueri. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 730.

3 É o entendimento compartilhado por Hugo de Brito Machado: “Também no ordenamento jurídico brasileiro outra distinção não pode ser estabelecida entre o ilícito administrativo e o ilícito penal, senão aquela ligada à sanção correspondente a cada um deles. E, no que concerne à sanção, também outra distinção não se pode estabelecer que não seja a que diz respeito à competência da autoridade para a respectiva aplicação. Enquanto as sanções penais só podem ser aplicadas pelo Poder Judiciário, as sanções administrativas podem ser aplicadas pelas autoridades da Administração Tributária.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 11)

4 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 39. Ver ainda: COSTA JR., Paulo José da; e DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 106.

5 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico semântico. São Paulo: Noeses, 2013, p. 646.

6 “Portanto, a principal consequência do princípio da unidade ontológica das sanções é que as normas que estabelecem sanções de qualquer espécie devem ser interpretadas e aplicadas em solidariedade com todas as normas constitucionais que tratam do direito de punir e de executar a norma sancionatória. Essa integração deve ser feita mutatis mutandis, com a devida prudência, considerando as distinções que a própria Constituição Federal já faz.” (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 42)

7 Cf. SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 266.

8 Cf. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 29.

9 “Crimes de dano ou crimes materiais são aqueles cuja consumação depende da efetiva lesão do bem jurídico protegido, em momento posterior a da conduta criminosa, enquanto os crimes de mera conduta são aqueles em que a ação ou omissão do agente bastam para constituir o elemento material (objetivo) da figura típica penal sem qualquer resultado posterior, destacado da ação ou omissão.” (Cf. ALVARENGA, Aristide Junqueira. “Crimes contra a ordem tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 56)

10 Cf. EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 65.

11 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 737.

12 “Agora, no art. 137, o Código arrola situações em que a responsabilidade por infrações é pessoal do agente, não, obviamente, em situações na qual ele atue em seu nome e por sua conta, hipótese em que não haveria dúvida, mas em casos nos quais, agindo embora em nome e por conta de terceiro, a responsabilidade é imputada ao próprio agente ou executor material.” (Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 446)

13 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 547.

14 “A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente (art. 83 da Lei 9.430/96). A norma positiva veio confirmar a orientação da doutrina no sentido de que descabe a condenação pelo Judiciário antes de o tributo ser julgado devido pela Administração.” (Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 332)

15 “O art. 121 do CTN aponta apenas duas categorias de sujeito passivo: o contribuinte e o responsável. O estudo dos dispositivos acerca da última categoria revela que, em verdade, sob tal rubrica apresentam-se figuras diversas, com regimes jurídicos próprios. Daí ser o caso de se desdobrar a categoria do responsável lato sensu em responsável stricto sensu (este, responsável ‘por transferência’).” (Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Responsabilidade tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Pesquisas Tributárias n. 17. São Paulo: RT, 2012, p. 141)

16 FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 1999, pp. 500-501.

17 Nesse sentido, observa Luiz Antônio Caldeira Miretti, ao afirmar que o legislador não poder escolher a esmo um responsável tributário, recebe limites claros da legislação, é dizer, o inciso II do art. 121 e o art. 128 do CTN (In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentário ao Código Tributário Nacional. Vol. 2: (art. 96 a 218). 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 237). Da mesma forma Luís Eduardo Schoueri observa que na responsabilidade tributária tanto ao substituto quanto ao responsável stricto sensu aplica-se o art. 128 do CTN, que exige a existência de vínculo entre o responsável e o fato jurídico tributário (Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 506-507).

18 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1982, pp. 91 e ss.

19 José Souto Maior Borges observa que a figura da responsabilidade na Teoria Geral do Direito quer dizer aquele que responde pelo ato ilícito praticado por terceiro, já no Código Tributário Nacional o sentido é diverso porque o “responsável tributário” responde pela obrigação e pela sanção de ilícito alheio (BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 153-154).

20 “(...) é aquele que fica no lugar do contribuinte, afastando a responsabilidade deste” (cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 261).

21 Ricardo Lobo Torres vai denominar de responsável solidário ou subsidiário (sucessores e terceiros), e cita Rubens Gomes de Souza, que observa que a sujeição passiva indireta se apresenta sob duas modalidades, quais sejam, transferência e substituição, sendo que a responsabilidade tributária por transferência divide-se em: solidariedade, sucessão e responsabilidade (Curso de direito financeiro e tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 261).

22 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 506.

23 CASTRO, Aldemário Araújo. Direito tributário. Brasília: Fortium, 2006, pp. 137-142.

24 “A motivação é a declaração da ocorrência de um evento concreto e da sua respectiva correspondência à descrição constante do antecedente da regra-matriz de incidência tributária. Contém, portanto, o fato jurídico tributário (enunciação do motivo do ato) e a declaração que ocorreu a subsunção à hipótese da norma geral e abstrata (ao motivo legal).” (Cf. GUERRA, Cláudia. Lançamento tributário: invalidação & controle. Curitiba: Juruá, 2003, p. 93)

25 Nesse sentido reproduz trecho de decisão proferida pelo Conselho Fiscal de Recurso Administrativo: “Termo de Responsabilidade – O lançamento, conforme disciplina do art. 142 do CTN, é procedimento composto por várias etapas, dentre as quais, a de identificação do sujeito passivo; expressão empregada pela codificação tributária, no parágrafo único do art. 121, para designar ambos: contribuinte e responsável. Assim, o termo de responsabilidade tributária não é a peça despicienda do lançamento, mas sim instrumento formal de imputação da condição de sujeito passivo a pessoa diversa do contribuinte. Responsabilidade dos Sócios – Uma vez comprovado nos autos que os sócios, no exercício de seu poder de gerência, foram os agentes da conduta delitiva e dela pessoalmente tiveram proveito, deve ser imputada a responsabilidade tributária prevista no art. 135 do CTN.” (Carf, Acórdão n. 103-23375, Relator Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, data da sessão 4.3.2008)

26 “(...) O contribuinte é identificado pela lei, de acordo com a conceituação estabelecida pelo art. 121, parágrafo único, I, do CTN. No entanto, o sujeito passivo indireto não é indicado pela lei, à medida que esta apenas indica o pressuposto de fato que possibilita a atribuição da responsabilidade tributária a alguém. Sendo assim, tal pressuposto deverá ser apurado mediante processo administrativo, do qual resultará uma decisão fixando um prazo para que ele possa se insurgir contra a imputação de ocorrência do pressuposto de fato da responsabilidade tributária. Portanto, a apuração da responsabilidade tributária deve anteceder à inscrição da dívida.” (Cf. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Da necessidade de apuração da responsabilidade tributária no âmbito do processo administrativo fiscal”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 211. São Paulo: Dialética, 2013, p. 152)

27 Op. cit., p. 544.

28 “Assim, se a Fazenda Pública pretende promover a execução contra o responsável tributário, deve fazer prova, já no processo administrativo de constituição do crédito, de que o mesmo corresponde a obrigação tributária decorrente de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, e assim incluir o nome do responsável na Certidão da Dívida Ativa que serve como título executivo.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Redirecionamento da execução fiscal e prescrição”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 181. São Paulo: Dialética, 2010, p. 76)

29 “Para que incida o dispositivo, um requisito básico é necessário: deve haver prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes, ou de ato que tenha infrigido a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade. Se inexistir esse ato irregular, não cabe a invocação do preceito em tela.” (Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 327-328)

30 “A responsabilidade pessoal dos sócios e administradores e a sua inclusão no polo passivo da relação processual somente poderá ser admissível após procedimento administrativo em que comprove a atuação dolosa dos mesmo, identificando-se os possíveis responsáveis pela prática do ilícito e demonstrando-se, inclusive, que obtiveram vantagem pessoal com a inadimplência.” (Cf. RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. “Responsabilidade tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Pesquisas Tributárias n. 17. São Paulo: RT, 2012, p. 221)

31 ABRÃO, Carlos Henrique et al. Lei de execução fiscal comentada e anotada. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 119.

32 “Assim, nenhuma autoridade que não seja a responsável pela administração tributária pode dizer que alguém é devedor do tributo. Ou, mais exatamente, nenhuma autoridade, que não seja competente para fazer o lançamento, pode dizer que ocorreu certo fato gerador de obrigação tributária, ou, em consequência, dizer que ocorreu a inadimplência de uma obrigação tributária, seja acessória, ou principal.

A atividade de lançamento tributário é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional da autoridade administrativa. (…) Inadmissível, porém, que outra autoridade, por mais importante que seja, pratique aquela atividade.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Crimes contra a ordem tributária”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, pp. 124-125)

34 “Lançamento, enfim, é ato de simplesmente conferir liquidez e exigibilidade ao crédito tributário, condição necessária para o exercício do direito de crédito tributário pelo ente público e, por outro lado, para que o contribuinte possa satisfazer o débito. Lançamento é formalização do crédito tributário.” (Cf. ZILVETI, Fernando Aurelio. Obrigação tributária fato gerador e tipo. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 80)

35 “Lançamento tributário, portanto, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 126)

36 Nesse sentido é o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho: “Entre as decisões tomadas pelo legislador brasileiro, nesse campo, revela acentuar o caráter privativo da realização do lançamento para as autoridades administrativas, o que implicaria admitir a impossibilidade do particular desincumbir-se dessa tarefa.” Adiante conclui: “A figura canhestra do ‘lançamento por homologação’ é mero disfarce que o direito positivo criou para atender ao capricho de não reconhecer, na atividade do sujeito passivo, o mesmo ato que costuma celebrar, de aplicação da norma geral e abstrata para o caso concreto.” (Cf. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 369)

38 CTN: “Art. 113 – A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”

40 Sobre a discussão doutrinária quanto à natureza do lançamento tributário remeto o leitor aos ensinamentos de Alberto Xavier, que reconhece o caráter de ato jurídico, partilhando da mesma opinião os autores Fabio Fanucchi, Luciano Amaro, Misabel Derzi e Paulo de Barros Carvalho, contrapondo-se a essa orientação, segundo o autor, estão Ruy Barbosa Nogueira, Alfredo Augusto Becker, Antônio Roberto Sampaio Dória, Hugo de Brito Machado, Edvaldo Brito, Souto Maior Borges e Marco Aurélio Greco (cf. XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 45).

41 Oportuna a advertência de Alberto Xavier sobre o tema: “A doutrina fiscalista tem sido avara no tratamento dos problemas ligados à relevância da vontade da Administração na instituição e na aplicação dos tributos. O fato, que decerto tem contribuído para a subsistência no Direito Tributário de erros e equívocos de há muito já dissipados noutros ramos do Direito, encontra a sua explicação numa dupla ordem de circunstâncias: primeiro, no menor relevo que até há contados anos se imprimia ao chamado Direito Tributário formal na dogmática desta disciplina; segundo, em o problema da natureza jurídica do lançamento ou ter sido abordado incidentalmente no quadro mais vasto da obrigação tributária ou, mesmo quando objeto de análise autônoma, se ter sido em vista mais a sua eficácia do que o seu conteúdo.” (Cf. Op. cit., p. 202)

42 Cf. FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 32. O autor realiza classificação do ato administrativo quanto à intensidade da subordinação à legalidade estrita em (a) atos administrativos vinculados propriamente ditos; e (b) atos administrativos discricionários, sendo que neste últimos o agente administrativo pratica o ato mediante juízo de conveniência e oportunidade visando a melhor consequência em termos de objetivos públicos a serem alcançados.

43 “Assim, o exercício da competência para lançar o tributo corresponde a uma habilitação conferida ao Fisco pelo ordenamento administrativo-tributário, que se identifica com um poder-dever da Administração.” (Cf. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 438)

44 “A regular constituição do tributo através das etapas previstas em lei para tal mister (art. 142, Código Tributário Nacional) é a solução jurídica da questão prejudicial ao crime de sonegação fiscal. Esse é o conteúdo material da norma em estudo.” (Cf. COSTA, Cláudio. Crime de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 57)

45 “(...) o lançamento é manifestação de discordância entre o Fisco e o contribuinte, é indispensável que este último conheça as razões das imputações que lhe estão sendo feitas, até para que possa efetuar de modo útil a sua defesa, se for o caso.” (Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 78)

46 STF, RE n. 608.426/PR, Relator Min. Joaquim Barbosa, data de julgamento 28.2.2011, DJe de 4.3.2011.

47 Ver os seguinte julgados: ADI n. 1.571/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJ de 30.4.2004; HC n. 84.423/RJ, Relator Min. Carlos Britto, DJ de 24.9.2004; HC n. 85.207/RS, Relator Min. Carlos Velloso, DJ de 29.4.2005; HC n. 81.611/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13.5.2005; e HC n. 85.949/MS, Relatora Min. Cármen Lúcia, DJ de 6.11.2006.

48 “Processo Penal. Habeas Corpus com Liminar. Crime contra a Ordem Tributária. Art. 1º, incisos I e II, da Lei n. 8.137/90. Trancamento da Ação Penal. Alegação de que o Paciente não participou de Processo Administrativo Tributário e não foi Apontado como Responsável pelo Crédito Tributário Objeto da Ação Penal. Ausência de Justa Causa. Acolhimento. Concessão da Ordem. I – A teor do que prescreve a Súmula 24 do STF, não há justa causa para a persecução penal dos crimes previstos no art. 1º, incisos I a IV da Lei n. 8.137/90, quando o suposto crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo, posto que isto constitui condição objetiva de punibilidade. II – A inexistência de lançamento definitivo em desfavor do paciente motiva o trancamento da ação penal instaurada para apuração de crime contra a ordem tributária, em virtude da ausência de justa causa. III – Concessão da Ordem.” (TJ-RN, Relator Des. Virgílio Macêdo Jr., data de julgamento 13.6.2011, Câmara Criminal)