O Plano de Recuperação Judicial e seus Principais Efeitos à Luz dos Direitos Contábil e Tributário (sobre as Receitas e a Renda) – uma Análise Crítica Interdisciplinar

Judicial Recovery Plan and its Main Effects According to Accounting and Tax Law (Concerning Revenues and Income) – A Critical and Interdisciplinary Analysis

Alexandre Naoki Nishioka

Advogado em São Paulo. Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Ex-Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Professor Doutor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. E-mail: nishioka@nglaw.com.br.

Carlos Henrique Crosara Delgado

Advogado em São Paulo, formado em Direito e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Professor do Curso de Pós-graduação do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). E-mail: carloshcd@tostoadv.com.

Recebido em: 16-5-2021

Aprovado em: 6-11-2021

Resumo

A recuperação judicial, nos moldes que a conhecemos atualmente, foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n. 11.101/2005 e posteriores alterações. Tal legislação, apoiada no princípio da preservação das empresas e na inegável função social que exercem, buscou viabilizar a permanência delas no mercado em situações excepcionais de crise financeira, mediante flexibilização quantitativa e temporal de seus passivos. Apesar de essa legislação já estar em vigor há mais de quinze anos, os regimes contábil e jurídico, que orientam a tributação das receitas e da renda contabilmente decorrentes, ainda estão bem longe do nível ideal de qualidade, suscitando os mais diversos questionamentos. O presente estudo, dentro das suas limitações, busca contribuir para o aprimoramento técnico da questão.

Palavras-chave: plano de recuperação judicial, efeitos contábeis e tributários, análise jurídica interdisciplinar.

Abstract

Judicial recovery, as we currently know, was introduced in the legal system by Federal Law number 11.101/2005 and subsequent amendments. Such legislation, based on preservation of companies’ principle and on the undeniable social role they run, targeted to make possible their remain in the market in case of exceptional financial crisis, easing their liabilities quantically and temporally. Even though this legislation has been in force for more than 15 (fifteen) years, the accounting and legal regimes that guide taxation on the revenues and on the income derived from accounting effects of judicial recovery plan are still way far from the ideal level of quality, raising the most diverse questionings. This study, within its limitations, seeks to contribute to the technical improvement of the issue.

Keywords: judicial recovery plan, accounting and tax effects, interdisciplinary legal analysis.

1. Introdução

Há pouco mais de quinze anos, sob a vigência do longínquo Decreto-lei n. 7.661/1945, a única alternativa ao empresário com dificuldades financeiras de evitar a decretação da sua falência era o ajuizamento da chamada concordata preventiva1, instituto que trazia algum alívio para seus passivos, mas com diversas condições e pré-requisitos objetivos, bem como prazos e benefícios fixos2, já determinados pela legislação, sem espaço algum para negociação mais fluida entre o concordatário e seus credores. Não cumpridos tais requisitos, sucedia inexoravelmente a quebra.

Fato é que a concordata preventiva, por conta da rigidez do seu regramento, não se revelou uma ação judicial tão eficaz na prevenção do decreto de quebra, até porque no passado o pedido de falência era usado tal como se fosse ação de cobrança, tendo essas situações levantado diversas críticas de especialistas à época3, que chamavam a atenção para a necessidade de uma reformulação geral da lei de regência, quiçá sua revogação para que uma nova lei fosse editada e trouxesse consigo os aprimoramentos técnicos necessários.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), esse tema começou a ganhar novos contornos, principalmente por conta de a Lei Maior ter rompido com a tradição puramente privatista das empresas, por meio da qual eram elas vistas sob uma concepção individualista, em especial de serem unicamente pessoas jurídicas de direito privado constituídas para gerar lucros aos seus sócios ou acionistas, dissociadas de qualquer relevância que transcendesse seus limites subjetivos4.

Com a nova ordem constitucional, além da liberdade de exercício de atividade econômica5, novos vetores axiológicos passaram a orientar o exercício da atividade empresarial e foram eles expressamente positivados no texto da Lei Maior, como valores sociais do trabalho6, livre-iniciativa7, pleno emprego8, função social da propriedade9 e, por extensão, a função social da própria empresa.

Respirando novos ares, a doutrina então começa a rever a concepção individualista das empresas que até então reinava, para inseri-la dentro do contexto social, ampliando o ângulo jurídico de análise em torno de si, já tratando de seus novos papéis, tais como entidade mantenedora de empregos e fonte geradora de renda, de indiscutível relevância para o fortalecimento da economia local.

Diante dessa nova moldura jurídica, com o reconhecimento de sua função social e de seus bens de produção10, a preservação das empresas no mercado passou a ser vista como um objetivo maior11, de modo que a falência, em contraponto a essa nova premissa, somente deveria ser cogitada em último caso, quando restassem cabalmente comprovadas a inexistência ou absoluta ineficiência dos meios possíveis à recuperação da saúde financeira.

Fixado esse novo arcabouço jurídico, passou a aumentar sensivelmente a pressão do meio empresarial sobre os parlamentares, pois a legislação então em vigor mostrou-se totalmente incompatível com os valores trazidos pela nova ordem constitucional.

No entanto, os trabalhos legislativos caminhavam a passos lentos. Foi somente ao cabo de dezessete anos de tramitação legislativa que, finalmente, foi promulgada a Lei n. 11.101/2005, inspirada no direito norte-americano12. Tal lei promoveu mudanças sensíveis no direito falimentar, alinhadas aos novos valores constitucionais e à nova realidade econômico-empresarial do momento, muito distante daquela considerada pelo legislador quando da edição do Decreto-lei n. 7.661/1945. Trata-se, acima de tudo, de uma “modernização” legislativa.

A principal alteração que merece destaque para efeito do presente artigo foi, sem dúvida, a substituição do instituto da concordata preventiva pelo da recuperação judicial, com menor objetividade e rigidez e, no lugar delas, maior flexibilidade, sobretudo com a criação de um espaço controlado para fomentar a negociação plurilateral entre credores e devedor13, no tocante à carência, aos valores e aos prazos das obrigações inadimplidas, cujas tratativas servirão de ponto de partida para a elaboração do plano de recuperação. O objetivo principal era o de encontrar um denominador comum entre devedor e credores para manter a empresa em atividade, de modo a continuar exercendo a sua função social.

Cabe insistir: a recuperação judicial veio com a missão de evitar, ao máximo possível, a decretação da quebra, amparada na função social da empresa, esta considerada pela nova legislação fonte produtora de renda e geradora de empregos, importante, portanto, para a economia nacional14.

Indubitável é, pois, que o objetivo da preservação da empresa permitiu a flexibilização da quitação dos passivos e, ainda que esta pudesse redundar em alguma perda individual aos credores, numa visão de curto prazo, sem dúvida, importará, por outro lado, em ganhos sociais efetivos a médio e longo prazos, na medida em que a sobrevivência do empreendimento implica a movimentação da economia, a manutenção de empregos, a saúde financeira dos próprios fornecedores, o recolhimento de tributos futuros, entre outros inúmeros ganhos.

Caminhando nessa direção, o direito adjetivo estabelece que, processada a ação judicial e deferido o plano de recuperação pelo juízo competente, a recuperanda, para provar sua capacidade de superação e de retomada de sua saúde financeira, deverá cumpri-lo à risca, respeitando todos os seus comandos15. Nesse período, continuará ela a exercer sua atividade econômica, mas sob a supervisão de um administrador judicial16 e sob os olhares atentos do juiz e dos credores. É importante destacar que o cumprimento do plano de recuperação dentro dos termos e das condições nele fixadas é de relevância primacial, uma vez que, do contrário, significará inevitável decretação de quebra da empresa recuperanda17.

Por assim ser, afigura-se absolutamente necessário que, além de existirem condições financeiras suficientes para essa empreitada, seja assegurado um mínimo de previsibilidade e estabilidade no tocante aos fluxos de caixa futuros, sem que estes sofram oscilações bruscas no curso do plano de recuperação, pois só com alguma segurança quanto a esse particular será possível à recuperanda traçar uma estratégia de negócios consistente para vencer a crise.

Nessa linha, no processo de negociação dos passivos com cada um dos credores, a recuperanda leva em conta suas projeções futuras de receitas, custos e despesas para, a partir delas, traçar seu plano, obtendo descontos e prazos maiores a serem homologados em assembleia, desde que formada uma maioria.

Todavia, por razões desconhecidas, na casuística não se tem notado grande atenção das recuperandas quanto aos reflexos contábeis que todo esse processo de negociação engendra nos seus balanços, em especial nas contas de resultado, talvez porque as contrapartidas sejam puramente escriturais, desacompanhadas de fluxos de caixa.

Ato reflexo, não são suficientemente mensurados, tampouco discutidos previamente, os possíveis efeitos tributários decorrentes, que incidiriam tanto sobre a receita bruta quanto sobre o lucro, nem em que momento seriam exigíveis. Quando da edição da Lei n. 11.101/2005, tal assunto passou despercebido. De lembrar que despesas tributárias significativas, não previstas e orçadas quando da elaboração do plano de recuperação, caso se tornem exigíveis no meio do caminho, podem dificultar o seu cumprimento, além de constituir problema adicional, na hipótese de a recuperanda depender, no todo ou em parte, de regularidade fiscal para exercer suas atividades.

Tal omissão ganhou atenção ainda maior dos estudiosos, em especial com a migração das normas contábeis brasileiras ao padrão contábil internacional International Financial Reporting Standards (IFRS), que veio com a edição da Lei n. 11.638/2007, uma vez que as regras contábeis baixadas sob sua égide estabelecem que, havendo redução dos passivos, a contrapartida, em respeito ao princípio contábil das partidas dobradas, será crédito no resultado (receita), o que por certo aumentará o faturamento e, consequentemente, o resultado do exercício.

Após a vigência do Regime Tributário de Transição (RTT), a Lei n. 12.973/2014, que foi editada com o propósito específico de regulamentar os efeitos tributários decorrentes da reforma contábil, não atribuiu a esse ponto em particular nenhum regime jurídico tributário específico, lacuna essa que leva justamente à pergunta a que se pretende responder ao final do presente artigo: os reflexos contábeis decorrentes das negociações plurilaterais do plano de recuperação judicial seriam tributáveis, considerando-se que as demonstrações financeiras das empresas sabidamente servem de ponto de partida para a apuração das bases de cálculo de diversos tributos?18

Acredita-se que tal questão não pode ser resolvida de forma simplista, merecendo aprofundamento teórico, na órbita tanto do direito contábil quanto do direito tributário, tudo isso sem perder de vista que a recuperação judicial traz consigo regras de jaez constitucional próprias, que não podem ser desprezadas pelo intérprete na construção de um entendimento jurídico coerente em torno dessa matéria. É o que se passa a examinar a seguir.

2. A contabilização das vantagens concedidas pelo plano de recuperação judicial e seus principais reflexos na receita bruta e no lucro societário

De início, cabe-nos esclarecer que, em sede de assembleia, o devedor e seus credores, sempre num ambiente de acaloradas discussões, negociam descontos substanciais nos valores em aberto, que importam em perdão ou remissão de dívida. Tais descontos, no jargão corporativo, são conhecidos como haircuts.

Sob a ótica do direito privado, aplica-se a essas hipóteses o art. 385 do Código Civil19, que trata da remissão de dívida no todo ou em parte, que consiste em liberalidade da parte do credor, sem prejuízo a terceiro, ficando o devedor exonerado da dívida remitida. Ora, se o direito subjetivo ao crédito é disponível e embasado no princípio da autonomia da vontade, é natural que, quando o credor renuncia a ele, tal direito se extinga, assim como a relação obrigacional a ele inerente.

Já do ponto de vista contábil, em primeiro lugar, cabe frisar que não se tem conhecimento de nenhuma norma, parecer, interpretação ou qualquer regramento que trate dessa matéria especificamente em relação às empresas recuperandas, tanto sob a égide das antigas normas contábeis brasileiras (BR GAAP) quanto agora, na vigência do atual padrão IFRS, recepcionado pela Lei n. 11.638/2007. Isto posto, na falta de normas específicas, a única alternativa que resta ao intérprete é a de recorrer às normas gerais.

Nessa linha, levando-se em conta as normas contábeis brasileiras vigentes antes da entrada em vigor do padrão internacional IFRS, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), instado a se manifestar formalmente sobre o assunto, entendeu que as reduções de passivos devem ser consideradas situações de insubsistência ativa, uma vez que aumentam a situação líquida patrimonial20. Devem, pois, aumentar a receita bruta e o resultado.

Em outras palavras, de acordo com o CFC, sendo reduzido um passivo, haverá um total menor de obrigações a serem quitadas pela empresa com seus ativos, de modo que os índices de liquidez consequentemente aumentarão, representando um ganho escritural a ela, daí, pois, a necessidade de a redução do passivo ter como contrapartida uma receita, lançada na conta de resultado21.

Abraçando a mesma linha de raciocínio, cabe destacar a Resolução CFC n. 1.374/2011, a qual estabelece que todo aumento de ativos, bem como toda redução de passivos resultam em aumento de benefícios econômicos, devendo, pois, ser reconhecidos como receitas na formação do resultado. Por assim ser, haverá aumento nominal na receita bruta da empresa recuperanda e, consequentemente, possível efeito no resultado, podendo aumentar o lucro societário22.

Tempos depois, sob a égide do padrão internacional IFRS, o entendimento sobre a matéria permaneceu inalterado. De acordo com o Pronunciamento Contábil Básico (R1), as receitas são “aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais” (grifos nossos).

Cabe também destacar que, durante as assembleias de credores, além dos haircuts, são também negociados prazos mais alongados para o pagamento das obrigações, que costumeiramente é parcelado pelo tempo de duração do plano de recuperação, podendo, por vezes, ultrapassá-lo.

Questão interessante que surge dessa temática é a de saber o momento do reconhecimento contábil, ou seja, se todos os descontos devem ser reconhecidos contabilmente duma só vez, quando homologado judicialmente o plano de recuperação judicial ou, tendo sido obtidos prazos maiores e carências, se tais descontos podem ser reconhecidos pro rata, isto é, diluídos no prazo de duração do plano.

A uma primeira vista, pelo princípio da competência dos exercícios, aliado à primazia da substância econômica sobre a forma jurídica, ficando esta desprezada em benefício daquela23, seria arguível a tese de que o reconhecimento dever--se-ia fazer de uma só vez, levando-se em conta que o plano já está aprovado e pronto para ser cumprido, visto que chancelado pelo Poder Judiciário24. Além disso, com a aprovação do plano, todos os seus números já estariam certos, passíveis, portanto, de contabilização. Nesse momento, numa exegese mais rápida, a recuperanda já faria jus a todas as benesses do plano, razão pela qual se poderia cogitar a contabilização imediata de todas elas.

No tocante aos passivos objeto de renegociação, dos quais derivam os haircuts, seus valores devem ser ajustados a valores justos. Tais ajustes, porém, são neutros para efeitos de tributação25, pois não revelam capacidade contributiva.

No entanto, parece-nos que o reconhecimento contábil total dos haircuts, logo no início do cumprimento do plano de recuperação, não se revela adequado, uma vez que contrariará os prazos nele fixados. Sabe-se de antemão que os descontos que foram obtidos com os credores não serão contábil e financeiramente usufruídos de uma só vez, porquanto não há pagamento de passivos à vista, mas sim a prazo.

Logo, é necessário que a contabilidade espelhe nos seus demonstrativos o tempo de vigência do plano de recuperação; do contrário, irá de encontro a ela mesma e ao que se denomina matching contábil, que exige o correto emparelhamento temporal das receitas, custos e despesas, isto é, dentro de um mesmo exercício em que são auferidos e incorridos26, para que com isso se evitem distorções substanciais nos resultados, a ponto de confundirem os investidores, credores e demais stakeholders quanto à situação patrimonial.

Ou seja, com a contabilização toda feita num momento só, as demonstrações financeiras ficariam com suas receitas e resultados artificialmente “inflados” pelo efeito dos haircuts, sem haver aqui nenhum lastro em fluxos financeiros, aliado ao fato de que os custos e as despesas não serão todos reconhecidos duma só vez no mesmo exercício para se fazer o necessário contraponto, obviamente porque a empresa recuperanda, para tanto, deverá observar os prazos prescritos no plano de recuperação. Haveria, pois, flagrante distorção da contabilidade em prejuízo da finalidade informativa27 que a orienta.

Portanto, parece-nos fazer maior sentido reconhecer contabilmente os haircuts pro rata tempore, isto é, ao longo do prazo do plano de recuperação judicial, lançando-se fracionadamente, contra o resultado, as receitas deles decorrentes, junto com as demais, oriundas do exercício das atividades sociais da empresa recuperanda, para, em conjunto com os custos e despesas incorridos nesse mesmo exercício, formarem um resultado coerente no tempo, em linha com o matching contábil e, principalmente, para melhor refletir a capacidade econômica da empresa a quem de direito.

É dizer, com o matching contábil, haverá, além de melhor precisão, maior previsibilidade e segurança nos fluxos de caixa, o que é de capital relevância para preencher a finalidade informativa da contabilidade, vital para que seus utentes, a partir dela, tomem decisões corporativas acertadas, criando-se, com isso, um ambiente mais favorável ao bom cumprimento do plano de recuperação.

Todavia, todas as questões anteriormente discutidas vêm trazendo questionamentos no âmbito tributário, pois, se o direito contábil determina que os haircuts devem ser contabilizados em conta de resultados, aumentando a receita bruta e, possivelmente, o resultado do exercício, teoricamente, a recuperanda poderia, em princípio, ser compelida à tributação de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, o que lhe geraria uma carga tributária sobremodo pesada, a ponto de constituir entrave à própria recuperação judicial em si.

É importante repisar que os efeitos tributários decorrentes de haircuts não costumam ser estimados para efeito de cumprimento do plano de recuperação, até porque, conforme é cediço, dívidas tributárias não o integravam propriamente28, já que não são passíveis de negociação livre com a Fazenda Nacional, por meio de assembleia.

Numa visão imediatista, poderia o Fisco alegar que, se o direito tributário não prevê qualquer efeito ou regra específica aos haircuts, no sentido de lhes afastar ou diferir a tributação no tempo, então seriam perfeitamente tributáveis de uma só vez.

Tal entendimento seria, contudo, muito perfunctório, uma vez que a contabilidade não pode produzir efeitos imediata e automaticamente na seara do direito tributário, tal como num sistema de vasos comunicantes. É indispensável que a informação contábil antes passe pelos “filtros” do direito tributário para com ele se tornar compatível, já vez que este é regido por princípios e regras diversos daquela, que devem ser sempre observados quando o intérprete estudar esse assunto juridicamente.

Desse modo, bem compreendida a questão dentro do domínio das ciências contábeis, para efeito de seu exame jurídico, é necessário fazer-se um estudo mais aprofundado, a começar no âmbito do direito tributário e, em seguida, também na seara do direito recuperacional. É o que se passa a verificar a seguir.

3. Regime contábil x regime jurídico-tributário: dois mundos diferentes que necessitam de diálogo interdisciplinar para afinar suas relações

É inegável que as ciências contábeis e o direito tributário, historicamente, sempre mantiveram entre si uma relação umbilical, de mútua cooperação, uma vez que muitas das informações contábeis (e.g., receita, faturamento, lucro etc.) sempre foram tomadas de empréstimo pelo direito tributário para servir aos seus fins, ainda que como ponto de partida.

Tal se pode dizer pois a finalidade primacial da contabilidade é a de registrar, segundo critérios e métodos próprios de investigação, eventos econômicos de uma pessoa jurídica, assumindo, pois, finalidade informativa e servindo à tomada de decisões no âmbito empresarial. Como é sabido, a contabilidade também exerce papel fundamental na órbita dos investidores, mostrando-lhes, além do retrato patrimonial da entidade, o seu potencial dinâmico de geração de fluxos de caixa (finalidade prospectiva29).

Já ao direito tributário, observadas as suas regras e princípios, em resumo interessa gravar pelo peso dos tributos os eventos econômicos ocorridos na esfera privada, sobre os quais as pessoas detenham efetiva disponibilidade econômica ou jurídica, com isso imprimindo maior segurança jurídica à tributação, evitando que ela venha a incidir sobre meras oscilações contábeis30.

Tal se pode dizer pois, sempre que possível, só se pode exigir tributo daquelas pessoas que possuam capacidade contributiva31, isto é, que possuam recursos mínimos para contribuir com o abastecimento dos cofres públicos, sem prejuízo do seu próprio sustento. Do contrário, não haverá tributação, em obediência aos princípios do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana.

Bem separados os escopos, cabe por outro lado frisar que, frequentemente, o direito tributário, para atender às suas finalidades, positiva nos seus textos normativos conceitos que são ontologicamente contábeis. Como visto anteriormente, como a contabilidade tem por objeto mensurar economicamente o patrimônio e a renda das pessoas jurídicas, tal propósito obviamente interessa ao direito tributário, que toma tais dados como bases de cálculo, que, por essa razão, incorpora tais conceitos.

Ocorre que, ao adentrarem no domínio do direito tributário, mencionados conceitos assumem o papel fundamental de servir aos seus propósitos, devendo, portanto, obedecer às suas regras e aos seus princípios inerentes.

Ou seja, uma coisa é estudar um conceito contábil a partir do ponto de vista da sua ciência de origem, sempre com apoio nos seus métodos de análise e objeto de investigação. Estuda-se ele aqui em si, pela lente das ciências contábeis, ficando de fora qualquer exame jurídico.

Por outro lado, coisa bem diferente consiste em estudar um conceito contábil positivado, isto é, expressamente constante num texto normativo, por exemplo, uma lei tributária32. Nesse caso, com o fenômeno da positivação, o legislador considerou a contabilidade assunto de relevância jurídica, trazendo-a para dentro do direito, integrando, pois, seu objeto de investigação. Nasce, daí, o chamado direito contábil.

Nessa hipótese, o conceito contábil positivado passou a ser assunto de interesse jurídico por excelência, devendo, portanto, ser estudado sob a sua perspectiva. Ou seja, tal conceito, apesar de ter sua raiz na contabilidade e de serem úteis as definições e considerações propedêuticas da sua ciência de origem, deve ser estudado a partir de uma análise estritamente jurídica, para evitar-se confusões metodológicas.

Insiste-se: apesar de conversarem muito, cabe destacar que ciências contábeis e direito são ramos distintos do saber, sendo que cada um deles possui campo objetal próprio de investigação e métodos distintos de pesquisa, não podendo ser confundidos aleatoriamente.

Isto posto, o que para as ciências contábeis pode ser considerado receita ou lucro, não necessariamente o será para o direito tributário, se seus princípios e regras assim não estabelecerem.

Seguindo esse raciocínio, enquanto para as ciências contábeis a finalidade é informativa, isto é, mostrar aos investidores, credores e demais interessados a situação patrimonial mais realista de determinada entidade, mormente sua capacidade de gerar fluxos de caixa futuros, para o direito tributário, com a sua eminente finalidade prescritiva33, interessa gravar fenômenos econômicos que manifestem capacidade contributiva, municiando o Estado de recursos suficientes para cumprir seus deveres legais e constitucionais para com a sociedade.

Por conta desse cenário é que Láudio Camargo Fabretti34 chama veementemente a atenção para a necessidade de integração entre as duas formas de conhecimento, já de longa data umbilicalmente ligadas, como forma de garantia efetiva da correta interpretação do Direito.

Ao fenômeno de integração entre ciências distintas dá-se o nome de interdisciplinaridade. Trata-se do fenômeno pelo qual duas ou mais ciências estabelecem, entre si, canais de diálogo para compreensão de seus próprios institutos, muitas vezes porque cada uma delas trata de um dado assunto em comum, mas cada uma a partir de suas premissas e métodos próprios de investigação35.

Trata-se da existência de verdadeiros pontos de intersecção entre duas ou mais ciências e, a partir deles, travam-se verdadeiros diálogos comutativos. Exemplo clássico disso é o conceito de renda, que é estudado ontologicamente pelas ciências econômicas, mas também pelas ciências jurídicas, contábeis e das finanças.

De notar que o conceito de renda, nesse caso, assumirá diferentes significados a depender do ramo do conhecimento em que se inserir, de modo que esse conceito para o direito tributário poderá ser diferente ou mais limitado do que aquele relativo a outra ciência, não podendo ser aleatoriamente confundidos.

Quanto a esse assunto, Luís Eduardo Schoueri, ao estudar o conceito de ágio, faz muito bem essa diferenciação, esclarecendo haver um ágio para a contabilidade e outro para o direito tributário, cada um deles devendo ser examinado a partir de suas próprias premissas, não se admitindo confusão36.

Em suma, não se pode, a partir de uma interpretação literal, entender que conceitos contábeis, tais como o de receita e lucro, da forma como definidos pela contabilidade, automaticamente serão aproveitados, ipsis litteris, para fins de tributação, sem antes passarem pelos “filtros conceituais” do direito tributário, para que se tornem com ele compatíveis.

4. Dos efeitos tributários do plano de recuperação

4.1. Receitas (PIS e Cofins)

Tal como se frisou anteriormente, direito e contabilidade são áreas de conhecimento que seguem juntas e acompanham as mudanças da sociedade, porém, são realidades autônomas sujeitas a regramentos distintos, sendo que, para legitimar uma tributação, faz-se imprescindível a observância às normas jurídicas tributárias.

Inicialmente, cabe diferenciar a receita de mero ingresso financeiro, já que o segundo compreende, de forma genérica, qualquer entrada financeira, mas sem que isso acarrete, necessariamente, em incremento patrimonial.

Na mesma linha, cabe distinguir receita para fins contábeis e tributários. No caso dos haircuts, estudou-se que devem ser reconhecidos como receita no resultado, mesmo não estando eles atrelados à entrada de valores financeiros, não havendo, portanto, qualquer incremento patrimonial.

Trata-se, pois, de receita puramente escritural, apenas para dar contrapartida à redução de passivos, com a apoio no princípio das partidas dobradas, que orienta os lançamentos contábeis. Com efeito, a redução de passivos aumenta o grau de liquidez da empresa, mas não implica a entrada de novos recursos financeiros sobre os quais ela poderá dispor. Não há, pois, aumento da capacidade econômica, tampouco da capacidade contributiva.

É necessário frisar que, para efeito de tributação, as receitas, por outro lado, representam verdadeira vantagem econômica geradora de capacidade contributiva, implicando a modificação positiva do patrimônio do contribuinte37. Receita é elemento positivo que se agrega ao patrimônio, decorrente da exploração do binômio capital e trabalho que tem o condão de interferir no resultado, acrescendo-o em regime de definitividade38.

Noutras palavras, a receita que interessa ao direito tributário está diretamente relacionada a um conteúdo econômico sob a titularidade do sujeito de direito, capaz de ser avaliado pecuniariamente e que traz a ideia do aumento da riqueza, que se exterioriza como um signo de riqueza.

Ou seja, as receitas, para o direito tributário, vão além de meros registros contábeis escriturais, sempre vindo acompanhadas de ingressos financeiros que têm o condão de alterar positivamente o patrimônio, acrescendo-o. É dizer, a receita que serve aos propósitos do direito tributário deve estar acompanhada de lastro financeiro, que revele claramente a existência de capacidade contributiva.

Em reforço aos fundamentos já apresentados, Alexandre de M. Wald, Alexandre Naoki Nishioka e Allan Moraes, em interessante estudo sobre o aspecto temporal da hipótese de incidência do PIS e da Cofins sobre receitas inadimplidas, asseveram que, no tocante ao PIS e à Cofins, devem tais contribuições, à luz do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998, incidir sobre as receitas auferidas, isto é, aquelas efetivamente recebidas, embolsadas pelos contribuintes, pressupondo, portanto, a existência de fluxos financeiros39. Ficam descartadas, pois, as receitas puramente escriturais, registradas com amparo no direito contábil. Ademais, a necessidade de as receitas serem auferidas para efeito de incidência do PIS e da Cofins persiste na metodologia não cumulativa de apuração40.

O Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 606.107, sedimentou o entendimento de que receita é conceito constitucional e que deve ter seu conteúdo delimitado pelo seu intérprete, em atendimento a princípios e postulados constitucionais, principalmente o da capacidade contributiva, que é de observância obrigatória pelo legislador e pela Administração Tributária. A receita, expressão de capacidade contributiva e delimitada constitucionalmente, é “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.

Em contraste, no âmbito do IFRS, de acordo com o Pronunciamento Contábil Básico (R1), as receitas são “aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais”.

A essa altura fica clara, pois, a dicotomia conceitual. Insiste-se: independentemente do regramento contábil, para o direito tributário receita é o ingresso financeiro definitivo que gera um acréscimo no patrimônio do contribuinte, o que não é o caso do haircut, já que ele corresponde a um perdão de dívida classificado contabilmente como insubsistência ativa e, como tal, apresenta-se como conta de receita. Trata-se o haircut, pois, de mero lançamento escritural, sem trânsito de recursos financeiros e que, consequentemente, não revela capacidade contributiva41.

Com base nesses fundamentos, bem como em todos os demais estudados ao longo deste artigo, conclui-se pela não incidência de PIS e da Cofins sobre as receitas contábeis oriundas dos termos e das condições do plano de recuperação judicial (haircuts), uma vez que não preenchem a conceituação de receita para fins de tributação.

4.2. Renda e lucro (IRPJ e CSLL)

Feitas as considerações pertinentes quanto às receitas para fins tributários, cabe agora investigar o conceito de renda, de grande complexidade e que interessa a diversos ramos do saber, que o estudam de acordo com seus propósitos e métodos investigativos próprios. Para o direito tributário, o conceito de renda tem densidade e contornos próprios que o distinguem das demais ciências.

Nessa linha, Luís Eduardo Schoueri adverte expressamente que renda não é tudo aquilo que a lei disser, mas sim o que o legislador economicamente descrever como tal42. Ao assim se pronunciar, o autor claramente afasta a possibilidade de o legislador ordinário considerar renda qualquer grandeza desprovida de lastro econômico, até porque não teria sentido, uma vez que tributação sem base econômica não atingiria manifestações de riqueza, podendo, em determinados patamares, até mesmo revelar confisco.

Seguindo esse raciocínio, o ponto de partida para a fixação do conceito jurídico de renda é a sua origem, definida pelas ciências econômicas. É sobre esse conceito que deve o legislador trabalhar.

Em relação à base econômica da renda, vale trazer à colação, como primeira contribuição, o modelo chamado Schanz – Haig – Simons (ou simplesmente modelo SHS), hoje amplamente adotado, que define renda como o acréscimo monetário de riqueza, mais a renda imputada e as despesas de consumo verificadas num determinado período. Aqui, os citados economistas já enxergam a renda por meio de três ângulos distintos: a consumida, a imputada e a poupada43.

No entanto, é bom sempre lembrar que a renda das pessoas jurídicas, na prática, corresponde ao lucro por elas apurado, cuja substância tem mais a ver com a contabilidade, mas que não ignora as ideias do modelo SHS, pois o lucro pode ser consumido pelos sócios ou reinvestido.

De toda sorte, a renda, portanto, remete-nos a uma noção intuitiva de resultado positivo decorrente do exercício de alguma ação efetiva (renda ativa) ou decorrente de um bem ou direito (renda passiva). Com isso, pode-se concluir, em primeira mão, que a renda nunca surge do nada, ou seja, não se pode criá-la, ainda que com base em lei, de modo artificial, puramente fictício, mas sim a partir de algo concreto, existente e com lastro, que traz, em regra, uma consequência economicamente benéfica ao seu titular.

Cabe agora falar resumidamente sobre as espécies de renda de acordo com a classificação econômica.

A renda-produto é o tipo de renda oriunda dos resultados do trabalho, do capital ou da combinação de ambos. Seria o produto periódico de uma fonte permanente de geração de riqueza. É adquirida, no mais das vezes, quando de sua disponibilidade, ou seja, no recebimento do valor ou quando estiver econômica ou juridicamente disponível ao titular, que pode, por mero ato de vontade livre e desprendida, tê-la em mãos sem qualquer resistência, dificuldade ou embaraço e independentemente de quaisquer atos imputáveis a terceiros.

A renda-acréscimo constitui o incremento patrimonial verificado pelo contribuinte num determinado intervalo de tempo, mediante a comparação de um patrimônio inicial e um final. É adquirida também quando de sua disponibilidade, que surge só no término do exercício e normalmente é mensurada mediante declaração elaborada pelo contribuinte, após o ano-calendário.

A renda-psíquica, também conhecida como renda imputada, é aquela decorrente do fluxo de satisfações produzidas ao seu titular, oriundas do lazer ou da economia gerada a uma pessoa proveniente do serviço por ela prestado a si própria, independentemente de uma mensuração econômica efetiva. É difícil medi-la objetivamente para fins de incidência tributária, daí por que muitos países optam por não tributá-la.

A renda-consumo considera a renda a partir do montante efetivamente consumido pelo contribuinte na aquisição de bens e/ou serviços para a geração do seu bem-estar, devendo sempre ultrapassar suas necessidades vitais e essenciais (mínimo existencial, se pessoa física, e manutenção da fonte produtora de riqueza, se for pessoa jurídica).

Existem também os chamados ganhos de capital, decorrentes de ganhos isolados havidos na alienação de bens do ativo que, segundo alguns autores, não devem ser considerados renda propriamente dita em função da natureza, mas devem ser igualmente tributados porque implicam um incremento na força econômica do contribuinte e, se não forem onerados, violariam o princípio da capacidade contributiva e também a equidade (horizontal e vertical)44.

Conforme visto anteriormente, a renda tem um núcleo complexo de significação, cujo conteúdo é eminentemente econômico. Nesse sentido, gravitam em torno dela diversas noções como “acréscimo”, “produto”, “consumo”, “imputação”, “ganho”, “bem-estar” etc., que ao menos em parte devem ser levados em conta pelo legislador tributário quando do processo de positivação, do contrário, o conceito positivado poderá ser inconsistente ou oco.

Em outras palavras: o conceito jurídico de renda precisa ter substância econômica. Não precisa englobar todos os predicados abordados anteriormente, pois cabe ao direito positivo absorver as características econômicas que considerar mais harmônicas com o sistema normativo e com a política fiscal que o Estado pretender implementar, mas pelo menos alguns deles não poderão faltar, do contrário o legislador prescreverá um conceito que só será renda para o Direito e, sendo ele insuficiente na sua natureza, trará uma série de distorções à ordem jurídica.

Firmadas essas premissas e descartando a discussão em torno da existência de um possível conceito constitucional de renda, para efeito deste estudo parte-se do fato gerador do imposto de renda na órbita do Código Tributário Nacional (CTN). Cite-se, para tanto, o art. 43 do referido diploma legal:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”.

Da leitura do dispositivo supramencionado, quanto à definição do fato gerador do imposto sobre a renda, duas interpretações possíveis se abrem, a saber:

a) a primeira, de que o imposto de renda incide tão somente sobre a disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimo patrimonial havido entre dois momentos temporais distintos (renda-acréscimo), levando em conta o conceito jurídico de patrimônio e, para efeito de apuração desse acréscimo patrimonial, entrarão no seu cômputo tanto os produtos do capital, trabalho ou combinação de ambos (art. 43, I) quanto dos proventos de qualquer natureza (art. 43, II). Há, portanto, apenas um fato gerador. Essa corrente é defendida por autores do porte de Ricardo Mariz de Oliveira45 e Gilberto de Ulhôa Canto46, que entendem que tanto as grandezas contidas no inciso I quanto as contidas no inciso II do art. 43 do CTN correspondem juntas a acréscimos patrimoniais, por conta da expressão contida no inciso II, “os proventos de qualquer natureza, assim compreendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”. Ou seja, esses autores entendem que tanto os produtos do capital e trabalho quanto os proventos de qualquer natureza são, juntos, acréscimos do patrimônio jurídico, que não devem merecer quaisquer distinções e, por essa razão, devem ser conjuntamente considerados; e

b) a segunda, que enxerga dois fatos geradores distintos para o imposto sobre a renda, sendo um deles previsto no inciso I do art. 43 do CTN (renda-produto), e o outro previsto no inciso II desse artigo (renda-acréscimo). Essa corrente doutrinária é defendida principalmente por Alcides Jorge Costa47 e Luís Eduardo Schoueri. Para esses autores, trata-se de fatos geradores isolados, de modo que o legislador complementar quis – e é perfeitamente possível – tributar dois tipos diferentes de renda, segundo a teoria econômica. À luz dessa corrente doutrinária, torna-se possível onerar todas as manifestações de riqueza em reverência ao princípio da capacidade contributiva, por exemplo, a já clássica hipótese dos rendimentos auferidos no Brasil por residente no exterior (em regime de fonte).

Isto posto, cabe esclarecer que, no âmbito das pessoas jurídicas, a renda para efeito de tributação, segundo observa Bulhões Pedreira48, corresponde ao lucro por elas auferido, conceito esse que não é definido pela legislação tributária, mas que se pode concebê-lo como o lucro societário posteriormente ajustado conforme a legislação tributária.

Independentemente da teoria adotada para a definição do(s) fato(s) gerador(es), fato é que, no caso tanto da renda-acréscimo quanto da renda-produto, somente haverá a incidência do imposto se o contribuinte detiver, sobre essas grandezas, as chamadas disponibilidades econômica ou jurídica, tal como determina o caput do art. 43 do CTN.

Comumente, a disponibilidade econômica de renda tem a ver com a disponibilidade do rendimento “em caixa”, isto é, em poder do titular, que sobre ele detém a posse (tendo como apoio o art. 45 do CTN49), podendo, por ato livre de sua vontade, consumir tal renda, poupá-la, doá-la etc.

Já no que tange à disponibilidade jurídica de renda, de uma maneira meramente perfunctória, tem ela a ver com o direito que o titular tem de, mediante ato de sua vontade livre e desimpedida, reclamar a disponibilidade econômica do rendimento, que lhe será transferida de imediato.

É importante advertir que não há aqui nenhuma dúvida quanto à existência jurídica do rendimento, pois, havendo tal dúvida ou se o direito for controvertido, não há falar em disponibilidade jurídica, mas sim, apenas, em mera expectativa de direito que, se se concretizar no futuro, poderá então se tornar uma disponibilidade jurídica.

Compartilha esse entendimento Henry Tilbery, que sustenta ter a disponibilidade econômica a ver com o recebimento de valores em moeda ou então em algo que se possa exprimir monetariamente, e a disponibilidade jurídica seria o nascimento do direito de receber tal rendimento50.

Com base nesses conceitos doutrinários e respeitando-se a limitação deste trabalho, pode-se seguramente sustentar que, para efeito de incidência do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), há necessidade de haver disponibilidade econômica e jurídica sobre renda com substância econômica, renda essa que implique bem-estar, capacidade de aquisição de bens e direitos. Fica, pois, descartada a renda contábil puramente escritural.

Por essa linha, não constitui fato gerador do IRPJ a mera existência de renda escritural, puramente contábil e decorrente do efeito que os haircuts produziram no resultado, pois, sendo ela desacompanhada de lastro econômico, não representa, portanto, capacidade contributiva.

Quanto à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o seu fato gerador é a apuração do lucro líquido societário definido pelo direito privado (resultado do exercício), antes da provisão para o recolhimento do imposto de renda, conforme dispõe o art. 2º da Lei n. 7.689/198851.

Ou seja, a base de cálculo da CSLL é distinta da do IRPJ e, por assim ser, poder-se-ia dizer que os efeitos no resultado do exercício, decorrentes da contabilização dos haircuts, seriam prima facie tributáveis pela referida contribuição social, pois a Lei n. 12.973/2014 não trouxe nenhuma regra específica que afastasse a incidência da CSLL nesse caso específico, tampouco cogitou a possibilidade de compensação desse resultado com bases de cálculo negativas dessa contribuição, sem a trava de 30%.

Exatamente nesse sentido já se pronunciou a Receita Federal do Brasil no passado, precisamente na Solução de Consulta DISIT n. 17/2010, a qual entendeu que: “REMISSÃO DE DÍVIDA. INCIDÊNCIA DE IRPJ, CSLL, PIS/PASEP E COFINS. A remissão de dívida importa para o devedor (remitido) acréscimo patrimonial (receita operacional diversa da receita financeira), por ser uma insubsistência do passivo, cujo fato imponível se concretiza no momento do ato remitente”.

Todavia, tal entendimento, além de caminhar na contramão do princípio da capacidade contributiva, viola o conceito de lucro líquido previsto no art. 259 do RIR/201852, o qual é composto pelo confronto de receitas (já juridicamente conceituadas anteriormente) e despesas, pressupondo, portanto, a existência de lastro financeiro.

Como se não bastasse, há prejuízo ao próprio plano de recuperação em si, pois, quanto maiores forem os haircuts obtidos, maior será a carga tributária, o que se afigura como verdadeiro desestímulo ao instituto da recuperação judicial.

Em face do exposto, apresentadas as considerações sobre a matéria no âmbito dos direitos contábil e tributário, cabe agora examinar a matéria sob a ótica da lei de recuperação judicial.

5. Peculiaridades jurídicas inerentes à recuperação judicial e cuidados extras que o intérprete tributário deverá adotar na sua exegese

Sem prejuízo das considerações apresentadas nos tópicos anteriores, é importante ter em mente que o intérprete está diante de uma empresa recuperanda, cujo regime jurídico apresenta particularidades que não podem ser desprezadas.

Tal como analisado na parte introdutória deste artigo, a recuperação judicial vem acompanhada de vários objetivos de cunho social e econômico, todos com assento na Lei Maior, que não podem ser ameaçados por razões tributárias, embora estas também tenham jaez constitucional.

É dizer, em torno do plano de recuperação gravitam questões de ordem contábil e tributária, cujas regras e princípios devem ser harmonizados com aqueles que regem a recuperação judicial, para que não existam antinomias nem insegurança jurídica, ambas indesejáveis em qualquer contexto. Devido a essa pluralidade de normas, deve o intérprete examiná-las sistematicamente.

De início, cabe esclarecer que o plano de recuperação, até então, não contemplava dentro de si passivos tributários passíveis de negociação com o Fisco, mas todos os demais débitos de outra natureza53. Firmada essa premissa, a liquidação dos passivos tributários até pouco tempo se fazia em separado à do passivo submetido ao plano de recuperação, cujas regras, por óbvio, não se misturam. Com a edição da Lei n. 11.101/2005 e posteriores alterações, foram previstos parcelamentos especiais de tributos federais em favor das recuperandas, mas não submetidos a negociação livre, quando muito comportando transação tributária, mas com várias condições e requisitos.

Fato é que as dívidas tributárias não podem servir de empecilho ao cumprimento do plano de recuperação judicial, tampouco podem, por si sós, servir de fundamento, de causa de pedir para a propositura da ação de recuperação judicial ou de falência.

Ou seja, o cumprimento do plano de recuperação não pode ser ameaçado pela carga tributária, tanto de passivos já constituídos quanto daqueles que ainda nascerão no futuro. Não se quer dizer com isso que as recuperandas devem simplesmente fazer tábula rasa de suas obrigações para com o Fisco, virando-lhe as costas. Devem as recuperandas, dentro de suas limitações, envidar os melhores esforços para cumprir seus deveres tributários, mas sem que isso as ameace de quebra.

Há na espécie aparente colisão de regras e princípios constitucionais, os quais precisam ser harmonizados pelo teste de proporcionalidade, para, partindo-se da premissa de que não há entre eles relação hierárquica, saber de que modo sopesar, relativizar a aplicação de uma regra ou princípio para a aplicação de outros, especialmente para aferir a existência ou não de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito na solução adotada.

De um lado, existe a necessidade de arrecadação tributária, essencial ao abastecimento dos cofres públicos e para prover o Estado dos recursos necessários ao cumprimento dos seus deveres legais e constitucionais. De outro, é preciso manter empresas recuperandas no mercado, para que seja protegida a função social que exercem, junto com todos os demais valores constitucionais.

Para resolver esse embate, por meio adequado, segundo Paulo Bonavides, tem-se aquele que, por definição, tem o potencial de atingir o objetivo colimado, havendo compatibilidade entre meios e fins54.

Na sequência, tem-se por necessário o meio que, entre todos os disponíveis, consiga atingir o seu propósito com o mínimo de sacrifício a outro princípio ou regra conflitante. Conforme esclarece Alexy, a ideia é a de elencar todas as alternativas adequadas à resolução do problema e, dentre elas, escolher a menos onerosa55.

Por fim, sucede o exame de proporcionalidade em sentido estrito, o qual, superados os quesitos anteriores, consiste em aferir se a medida adotada para fazer valer um princípio ou regra compensa, em contrapartida, a restrição do escopo dos outros, submetidos à relativização. Trata-se de verdadeiro equilíbrio entre forças contrapostas. Segundo Humberto Ávila, trata-se de exame bastante subjetivo56, havendo necessidade de aprofundamento na fundamentação do intérprete ou aplicador do direito.

Feitas essas considerações, no caso em estudo parece não haver proporcionalidade stricto sensu quando o Fisco força a arrecadação tributária com o risco de comprometer a existência da empresa recuperanda no mercado, aumentando-se o risco de decretação da sua quebra.

Não entendemos ser correta tal medida que, para satisfazer os interesses arrecadatórios, redunde na extinção do contribuinte, pois teria ela efeito de confisco, vedado pela Constituição Federal57. De lembrar que o peso da tributação não pode esmagar os contribuintes, sobretudo quando estes se encontram em situações de crise e precisam, mais do que nunca, de fôlego financeiro.

Nessa linha, em reverência ao princípio da proporcionalidade, parece-nos mais correto limitar o cumprimento das obrigações tributárias à própria viabilidade do plano de recuperação, ficando o que exceder a esse limite diferido para após o seu prazo de duração.

De lembrar que o plano de recuperação tem prazo certo de vigência, de modo que, quando de seu término, vislumbram-se duas situações: i) o seu cumprimento, com a restauração da saúde financeira da empresa, momento em que terá fôlego para cumprir suas obrigações tributárias; ou ii) o descumprimento dele, com a convolação da recuperação judicial em falência, situação em que o Fisco poderá habilitar seu crédito na massa falida, tendo preferência em relação a outros créditos, exceto os de natureza trabalhista58, sem prejuízo de responsabilização pessoal do falido, sendo preenchidos os requisitos legais necessários.

Embora a conclusão apresentada careça de disposição legal expressa, é ela fruto de interpretação sistemática das várias normas que se sobrepõem ao tema, na tentativa de conciliá-las da melhor forma possível, mediante freios e contrapesos.

Quanto a esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça já foi instado a se manifestar por muitas vezes, tendo prolatado inúmeras decisões que têm amenizado o rigor tributário em prol do cumprimento do plano de recuperação.

Nessa linha, há julgados dessa Corte Superior no sentido de submeter – ao crivo do juízo recuperacional – a expropriação em sede de hastas públicas de bens da recuperanda penhorados em execuções fiscais. Ou seja, há necessidade inafastável de autorização do juízo recuperacional para que se viabilize a expropriação, que só ocorrerá se esta não prejudicar o cumprimento do plano nem expuser a recuperanda ao risco de falência59.

Fica claro que a jurisprudência, com ponderação e sopesamento dos bens jurídicos postos em litígio, em atenção à proporcionalidade em sentido estrito, inclinou-se para o lado de viabilizar o cumprimento do plano de recuperação em detrimento do interesse arrecadatório, cuja satisfação fica condicionada à viabilidade do plano.

Outro exemplo em que essa tendência jurisprudencial fica clara reside na dispensa da necessidade de apresentação ou renovação de certidão de regularidade fiscal para as empresas recuperandas, para ingressarem com a ação de recuperação ou para participarem de licitações. A premissa adotada é a de que praticamente todas as recuperandas possuem passivos fiscais expressivos e, numa situação de crise financeira aguda, não dispõem de recursos para quitá-los, sendo que estes devem ser canalizados para o cumprimento do plano, sob pena de falência60.

Ora, por essa linha, de nada adiantaria à recuperanda manter a sua regularidade fiscal e vir a quebrá-la pouco tempo depois. Tal situação, além de não passar no teste de proporcionalidade, por evidente esvaziaria por completo toda a finalidade prática da Lei n. 11.101/2005, desaguando num enorme retrocesso no que toca ao direito falimentar e recuperacional.

É inútil ao Fisco, pois, asfixiar as recuperandas para receber algo no curto prazo, ceifando suas existências doravante, o que as impedirá de recolher tributos no futuro. Há, portanto, necessidade de se traçar uma visão a médio e longo prazos, sobretudo em relação aos impactos futuros na arrecadação.

Isso sem contar os efeitos deletérios que seriam produzidos na economia nacional. Sabe-se que, com a expansão da pandemia do Covid-19, o número de recuperações judiciais cresceu sobremaneira61, assim como o endividamento tributário, tendo em vista que as medidas restritivas impostas pelo Governo para conter a crise sanitária implicaram isolamento social por meses, com sério desaquecimento econômico.

Se, além das dificuldades da pandemia, a carga tributária se revelar um problema ao cumprimento dos planos de recuperação judicial, por certo haverá um aumento exponencial no número de decretações de falência, com efeitos nefastos para todo o país.

Cabe lembrar que, com o encolhimento da economia, cairão na mesma proporção os níveis de arrecadação tributária, o que será péssimo para todos, principalmente para a fixação das metas fiscais do governo, bem como para aqueles que dependem de auxílio emergencial durante esse período difícil que o Brasil atravessa. A questão, pois, abre um leque de desdobramentos relevantes que precisam ser considerados pelo intérprete.

Firmada essa premissa, pode-se concluir com segurança que a recuperação da saúde financeira das empresas é assunto que também deve ser de interesse do próprio Fisco, para que sejam, no médio e longo prazos, mantidas as bases tributárias do país e, consequentemente, ao menos preservados os índices de arrecadação no futuro.

Seguindo esse raciocínio, é imperioso que o direito tributário abra um capítulo dentro da seara da recuperação judicial para atender às peculiares necessidades das recuperandas. De fato, o legislador, com o art. 10-A da Lei n. 10.522/2002, introduziu o parcelamento ordinário às recuperandas em 84 parcelas, mas sem descontos sobre os valores cobrados a título de juros e multa, o que dificulta a adesão das recuperandas.

No entanto, tal medida não se revelou adequada e suficiente, pois não aliviou o peso da tributação a ponto de torná-lo suportável. Fato é que para as recuperandas só era possível aderir a parcelamentos especiais e incentivados, sob pena de pôr em risco o plano de recuperação.

Dessa forma e com o agravamento da crise causada pela pandemia, foi elaborado às pressas o Projeto de Lei n. 4.458/2020, votado a toque de caixa no Congresso Nacional.

Na seara tributária, além de introduzir parcelamentos com maior prazo de vigência, abriu a possibilidade para as recuperandas de aproveitar parte dos seus prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSLL, para quitarem em parte os passivos submetidos ao parcelamento. De fato, uma medida que alivia a carga fiscal, ainda mais levando em conta que praticamente a totalidade das recuperandas possui saldos expressivos de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSLL.

Além disso, merece destaque o fato de que o mencionado projeto de lei expressamente isentou de PIS e Cofins as receitas decorrentes dos haircuts, anteriormente tratados62, o que revela a preocupação do projeto em preservar a capacidade econômica das recuperandas, para que cumpram seus planos.

Na órbita da tributação da renda, o Projeto de Lei n. 4.458/2020, em relação aos ganhos de capital na alienação de bens e unidades autônomas, assim como no que tange aos lucros gerados por conta dos haircuts, houve por bem permitir, para a redução das bases de cálculo, o aproveitamento integral dos prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, afastando a trava de 30%63.

O mercado reagiu positivamente a tais medidas e foram criadas grandes expectativas, mas, infelizmente, quando do envio do projeto de lei à sanção presidencial, foi ele aprovado (sendo editada a Lei n. 14.112/2020), mas as duas últimas alterações foram vetadas, ao principal argumento de que não viriam acompanhadas do cancelamento de despesas equivalentes, promovendo efeitos sensíveis na arrecadação tributária, sem as compensações necessárias para promover o equilíbrio das contas públicas, agarrando-se, pois, ao consequencialismo64. Atualmente, os vetos em questão estão sendo objeto de ataque no âmbito do Congresso Nacional, devendo-se aguardar a tramitação legislativa para então saber-se qual será o tratamento jurídico a ser dispensado sobre a matéria.

Logo, sendo tais dispositivos vetados expressamente, não caindo os vetos, persistirá a situação de anomia quanto à tributação ou não dos haircuts, o que levaria o Fisco a sustentar sua tese inicial pela incidência de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, diante da ausência de norma tributária prescrevendo regime diverso.

Em face desse vácuo normativo e com o aumento sensível das recuperações judiciais, imagina-se que a situação entre o Fisco e os contribuintes recuperandos acabará em contencioso administrativo e judicial, que só se resolverá na jurisprudência depois de um bom tempo, até o entendimento das Cortes Superiores restar pacificado, salvo se for editada nova lei sobre a matéria.

6. A jurisprudência administrativa e judicial formada até o momento

Em primeiro lugar, cabe frisar que não há, no presente momento, jurisprudência pacificada sobre o assunto nem nas Cortes Superiores, tampouco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Existem, tão somente, precedentes isolados que tangenciam alguns dos aspectos tratados neste artigo, como os conceitos jurídicos de receita e renda comparados àqueles próprios da contabilidade, mas dissociados do contexto da recuperação judicial.

No âmbito do CARF, pode-se dizer que existem precedentes prós e contras. Nessa linha, o Acórdão n. 3402-004-002, de lavra da 2ª Turma Ordinária do CARF, vai ao encontro dos fundamentos até aqui expostos, diferenciando os conceitos jurídico e contábil de receita para fins de tributação ao firmar que:

“[…] O conceito contábil de receita, para fins de demonstração de resultados, não se confunde com o conceito jurídico, para fins de apuração das contribuições sociais. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo, sem reservas ou condições. A mera redução de passivo, conquanto seja relevante para apuração de variação do patrimônio líquido, não se caracteriza como receita tributável pelo PIS e Cofins, por não se tratar de ingresso financeiro”.

Em sentido diametralmente oposto, o Acórdão n. 1401-001.114 do CARF entende pela tributação do perdão de dívida, conforme se denota de sua ementa: “PERDÃO DE JUROS DE MORA. NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. A remissão de dívida importa para o devedor (remitido) acréscimo patrimonial (receita operacional diversa da receita financeira), por ser uma insubsistência do passivo, cujo fato imponível se concretiza no momento do ato remitente”.

Na seara do STF, vale citar o RE 172.058, que tratou sobre a inconstitucionalidade de revelar como fato gerador do imposto de renda na modalidade “desconto na fonte”, relativamente aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já que o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas no art. 43 do CTN65. Aqui é interessante a discussão em torno dos conceitos de disponibilidade econômica e jurídica sobre renda em si. Como visto ao longo deste estudo, a renda produzida pelos haircuts não se subsume ao conceito jurídico de renda.

Sobre essa matéria, não poderia passar despercebido o emblemático acórdão proferido nos autos do RE 611.586, em que a Suprema Corte declarou inconstitucional o art. 74 da Medida Provisória n. 2.158/2002, uma vez que estabeleceu que os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior seriam considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento, bem como que os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes dessa data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor, em afronta ao conceito constitucional de renda, já que o “procedimento” seria mero método de equivalência patrimonial66.

Também merece atenção o julgado proferido nos autos do RE 633.922, sedimentando que o vocábulo “renda” deve ser interpretado como o efetivo acréscimo patrimonial, sendo que a CF/88 atribuiu competência à União para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 153, III), sem qualquer adjetivação ao vocábulo “renda”, razão por que coube ao legislador ordinário complementar, no art. 43 do CTN, a sua definição como “o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e estabelecer como fato gerador “a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou dos proventos de qualquer natureza”.

De nossa parte, com base nos precedentes anteriormente mencionados e nos fundamentos tratados ao longo deste artigo, entendemos pela não tributação dos haircuts, ainda que na ausência de lei expressa sobre a matéria.

7. Conclusões

Da longínqua concordata preventiva, após muitas discussões em nível doutrinário, sucedeu a substituição desta pela recuperação judicial, em alinhamento ao novo contexto jurídico trazido pela promulgação da CF/88 e à mudança da economia e da realidade de mercado, muito distantes daquelas que inspiraram o Decreto-lei n. 7.661/1945.

A recuperação judicial é instituto que veio para ficar no direito brasileiro, apesar da necessidade de seu constante aperfeiçoamento técnico. Em tempos de pandemia e agravamento da situação econômica do mundo, de modo geral, mais do que nunca contribuintes em crise financeira aguda verão na recuperação as suas boias de salvação.

A Lei n. 11.101/2005, já em vigência há algum tempo, vem sendo discutida e aprimorada ao longo dos anos, à medida que o cenário econômico evolui, bem como à medida que as relações jurídicas entre recuperandas e seus credores vão se tornando cada vez mais complexas.

Todavia, é nítido que, passados mais de quinze anos, ainda é embrionário o nível de evolução técnica do regime jurídico-tributário a ser dispensado aos efeitos do plano de recuperação judicial na contabilidade diante da ausência de regras jurídicas expressas sobre a matéria, as quais chegaram a ser propostas em sede de projeto de lei, mas terminantemente barradas pela muralha do consequencialismo jurídico, externado pelo Poder Executivo. Os vetos, atualmente, estão sendo objeto de resistência pelo Congresso Nacional, que poderá derrubá-los.

Essa situação, somada ao aumento significativo de recuperações judiciais ajuizadas, prepara o terreno para um novo embate entre o Fisco e os contribuintes. De um lado, ergue-se a interpretação literal, tradicional aliada das autoridades fazendárias, no sentido de que, se não houver regra específica de direito tributário regendo um dado efeito contábil (haircuts), será ele levado em consideração, tal como é e sem “filtros”, para efeitos tributários.

De outro lado, ainda que na ausência de lei tributária específica, tem o sofrido intérprete do direito tributário a árdua missão de frear o insaciável apetite fiscal com apoio nos princípios e nas regras de direito tributário e, também, do direito recuperacional, já expostos ao longo deste trabalho, na tentativa de manter de pé o instituto da recuperação judicial, que, após tanto esforço para ocupar seu espaço, não pode sucumbir ao peso implacável da tributação.

Quanto a esse ponto, mesmo sem lei que o discipline, é evidente que os efeitos contábeis do plano de recuperação não podem de plano produzir efeitos no direito tributário sem antes passar pelos seus “filtros”.

Viu-se que, apesar de não haver jurisprudência específica e pacificada nos Tribunais Superiores quanto ao tratamento tributário dos haircurts, em alguns julgados isolados constatou-se que questões relevantes como o conceito de receita e renda, para o direito tributário, foram corretamente examinadas, em conformidade com o regime jurídico próprio. Isso sinaliza alguma expectativa de direito.

Além disso, dentro do contexto da recuperação judicial, verificou-se a existência de um número considerável de precedentes no sentido de conciliar os interesses arrecadatórios à viabilidade do plano de recuperação, figurando este como verdadeiro limite objetivo, numa clara apologia ao princípio da proporcionalidade, consagrando a função social da empresa.

No entanto, a questão não deve estacionar no âmbito jurisprudencial, sob pena de inexorável aumento da litigiosidade, que já atinge patamares estratosféricos no Brasil. Até a questão se pacificar no âmbito das Cortes Superiores, muitos problemas poderão ocorrer, com prejuízos incalculáveis a um número indefinido de pessoas.

A relação entre Fisco e contribuintes recuperandos, quanto aos efeitos do plano de recuperação, deve ser disciplinada por meio de lei, para que, com a clareza de seus comandos, haja previsibilidade, certeza do direito e segurança jurídica para todos, sobretudo à recuperanda para que, na árdua tarefa de traçar seu plano, possa navegar em águas mais calmas para vencer sua crise.

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1 Conforme art. 156 do Decreto-lei n. 7.661/1945.

2 De acordo com os arts. 156, § 1º, e 177, parágrafo único, ambos do Decreto-lei n. 7.661/1945.

3 TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005.

4 De acordo com Ricardo Luis Lorenzetti. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

5 Conforme art. 5º, XIII, da CF/88.

6 Conforme art. 1º, IV, da CF/88.

7 De acordo com o art. 170, caput, da CF/88.

8 Art. 170, VIII, da CF/88.

9 Art. 170, III, da CF/88.

10 COMPARATO, Fábio Konder. Função social de propriedade dos bens de produção. In: COMPARATO, Fábio Konder. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 125-135.

11 CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na Lei de Recuperação e Falência. [S.l.: s.n.], 2012.

12 O legislador brasileiro teve como base o Bankruptcy Code Americano, Capítulo 11, de 1978.

13 Esse espaço é a assembleia geral de credores, conforme art. 35 da Lei n. 11.101/2005.

14 Nesse sentido, cabe transcrever o art. 47, caput, da Lei n. 11.101/2005: “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

15 Conforme art. 29 da Lei n. 11.101/2005.

16 De acordo com o art. 22, I e II, da Lei n. 11.101/2005.

17 Conforme art. 61, § 1º, da Lei n. 11.101/2005.

18 Nesse sentido é a Solução de Consulta n. 17/2010, da Receita Federal do Brasil, no sentido de que aumento líquido patrimonial, criado a partir de lançamentos contábeis, se sujeita ao IRPJ e à CSLL.

19 “Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro.”

20 “PARECER CT/CFC N. 11/04 – Origem: Presidência do Conselho Federal de Contabilidade. Interessados: Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais – CRCMG. Data da aprovação: 16/04/04 Ata CFC N. 857 Relatora: Contadora Verônica Cunha de Souto Maior.”

21 A esse respeito, confira-se excerto do Parecer CT/CFC n. 11/04: “6.3. A superveniência do ativo é denominada de superveniência ativa, porque acresce a situação líquida patrimonial. A superveniência do passivo é denominada de superveniência passiva, porque diminui a situação líquida patrimonial. A insubsistência do ativo é denominada de insubsistência passiva, porque diminui a situação líquida patrimonial. Insubsistência do passivo é denominada de insubsistência ativa, porque aumenta a situação líquida patrimonial. 6.4. Resumindo, as superveniências e as insubsistências são ditas ativas, porque promovem aumento da situação líquida. As superveniências e insubsistências são ditas passivas, porque promovem diminuição da situação líquida patrimonial. 7. Respondendo às consultas, informamos o seguinte: 7.1. A insubsistência ativa é uma conta de receita, portanto de natureza credora; 7.2. A insubsistência passiva é uma conta de despesa, portanto de natureza devedora; 7.3. A superveniência ativa é uma conta de receita, portanto de natureza credora; 7.4. A superveniência passiva é uma conta de despesa, portanto de natureza devedora. [...]”. (grifos nossos).

22 Confira-se, a esse respeito, o item 4.47 da Resolução CFC n. 1.374/2011: “4.47. A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em aumento nos benefícios econômicos futuros relacionado com aumento de ativo ou com diminuição de passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade. Isso significa, na prática, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos (por exemplo, o aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga)”.

23 SCHOUERI, Luís Eduardo. Nova contabilidade e tributação: da propriedade à beneficial ownership. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014, v. 5, p. 200-221.

24 Conforme itens 4.47 e 4.48 do Pronunciamento Técnico 00 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).

25 Conforme art. 13 da Lei n. 12.973/2014.

26 Conforme American Accounting Association (AAA), apud Hendriksen “[...] a mensuração do lucro líquido deveria representar a diferença entre receitas, registradas em dado período, e despesas associadas a essas receitas, registradas no mesmo período. Uma vinculação correta ocorre apenas quando é encontrada uma relação razoável entre receitas e despesas. A determinação do momento em que as despesas ocorrem exige, portanto: 1. Associação a receitas. 2. Registro no mesmo período em que a receita correspondente é registrada” (HENDRIKSEN, Eldon S.; VAN BREDA, Michael F. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999, p. 237).

27 Conforme o Pronunciamento CPC 00, que traz a Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro. Quanto às finalidades perseguidas pela contabilidade, vale transcrever um excerto desse pronunciamento: “Demonstrações contábeis elaboradas dentro do que prescreve esta Estrutura Conceitual objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões econômicas e avaliações por parte dos usuários em geral, não tendo o propósito de atender finalidade ou necessidade específica de determinados grupos de usuários. Demonstrações contábeis elaboradas com tal finalidade satisfazem as necessidades comuns da maioria dos seus usuários, uma vez que quase todos eles utilizam essas demonstrações contábeis para a tomada de decisões econômicas, tais como: (a) decidir quando comprar, manter ou vender instrumentos patrimoniais; (b) avaliar a administração da entidade quanto à responsabilidade que lhe tenha sido conferida e quanto à qualidade de seu desempenho e de sua prestação de contas; (c) avaliar a capacidade de a entidade pagar seus empregados e proporcionar-lhes outros benefícios; (d) avaliar a segurança quanto à recuperação dos recursos financeiros emprestados à entidade; (e) determinar políticas tributárias; (f) determinar a distribuição de lucros e dividendos; (g) elaborar e usar estatísticas da renda nacional; ou (h) regulamentar as atividades das entidades” (COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS – CPC. Pareceres e normas técnicas. Brasília. Disponível em: http://www.cpc.org.br. Acesso em: 1º mar. 2021, grifos nossos).

28 Conforme art. 187 do CTN: “Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”.

29 Nesse ponto, especificamente, é oportuna a observação de Ricardo Mariz de Oliveira: “[...] Isso ocorre porque, a partir da convergência contábil derivada da Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007, entre outras facetas a Contabilidade passou a colocar o custo histórico em segundo plano, dedicando-se desde então a avaliar os ingredientes do ativo e do passivo numa visão prospectiva, como bem apontou o Professor Nelson Carvalho no segundo Seminário sobre Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos), da Dialética, realizado em 26 de maio de 2011. Nesse sentido, ainda sem entrar em detalhes, mas apenas lançando uma situação teórica possível na sua generalidade, havendo uma dose segura de que determinado bem do ativo possui valor de venda superior ao custo de aquisição, acompanhada de segurança de que tal valor pode ser realizado em venda, já há o reconhecimento, tal como se a venda tivesse sido feita na data de avaliação, de uma receita correspondente ao respectivo acréscimo de valor, ou seja, para efeitos contábeis, ela é tida como realizada. Muitas vezes, as revalorizações de ativos são creditadas a uma conta patrimonial de ajustes de variação patrimonial, sendo neutras na determinação do lucro (tal como se deu com as reservas de reavaliação), mas outras vezes, como no exemplo acima, a Contabilidade antecipa o crédito à receita, afetando o lucro líquido” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reconhecimento de receitas – questões tributárias importantes – uma nova noção de disponibilidade econômica? In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2013, v. 3, p. 305-306).

30 DONIAK JR., Jimir. Considerações gerais sobre a adaptação da legislação do imposto sobre a renda às novas normas contábeis. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2012, v. III, p. 320.

31 Conforme art. 145, § 1º, da CF/88.

32 Nesse particular, cabe bem o magistério de Natanael Martins: “[...] Dito de outro modo, na perspectiva de que contabilidade também é direito, o discurso científico não pode ignorar este fato, pelo contrário, o cientista do direito deve olhar o material de sua investigação pela lente do objeto que se propôs a examinar. Assim, se de tributo se trata, deve olhar a contabilidade pela lente das regras de tributação; se, por outro lado, seu objetivo repousa em um problema societário qualquer, em que em jogo estiver, por exemplo, questões quanto à representação patrimonial do balanço, deve olhar a contabilidade como ela é, pela sua própria lente, isto é, pelas regras próprias do hoje já denominado direito do balanço” (MARTINS, Natanael. Contabilidade e direito tributário: do fato (jurídico) contábil ao fato jurídico tributário – a construção da renda tributável. 2012. 187 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, f. 83-84).

33 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2006, p. 42.

34 Contabilidade tributária e societária para advogados. 2. ed. São Paulo: Atlas, Prefácio. No original: “Contabilidade e direito são parceiros de longa data. Vencida a fase do escambo, com a criação da moeda como instrumento de troca, surgiu a necessidade de calcular custos e preços para realizar negócios, controlar haveres e deveres, estoques e o patrimônio. O surgimento do crédito, permitindo a realização de investimentos e negócios a prazo, impôs também a necessidade de firmar contratos, definir direitos e obrigações entre as partes, prazos, garantias, possibilidades de rescisão e as penalidades para o eventual descumprimento deste pacto. Para a expansão dos negócios, tornou-se necessário organizar sociedades e, quando oportuno, reestruturá-las. Assim, direito e contabilidade são instrumentos indispensáveis para garantir a convivência social, inclusive para o correto pagamento dos tributos, cobrados desde os primórdios da civilização. Não se pode negar que essa parceria não tem sido muito harmoniosa, por preconceitos de ambos os lados. Mas, no estágio atual da economia e da globalização, não é possível planejar a gestão de tributos, de forma eficaz, sem a colaboração mútua de advogados e contabilistas. O advogado, para poder participar com êxito das operações de reestruturação societária, sendo as mais frequentes as fusões, cisões, incorporações e aquisições de empresas, precisa estar capacitado a analisar e interpretar as demonstrações contábeis, possibilitando-lhe avaliar o negócio a ser realizado e suas repercussões na área tributária” (FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade tributária e societária para advogados. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, grifos nossos).

35 Segundo Hilton Japiassu, a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa. (JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 74.)

36 São palavras do autor: “É o instituto jurídico do ágio, portanto, que produz consequências tributárias. É ele – e não a figura contábil em que se inspirou – que deve ser considerado na apuração da base de cálculo do imposto de renda. Eventuais conclusões extraídas da ciência contábil acerca do ágio apenas podem ser aceitas, na seara tributária, quando compatíveis com a conceituação jurídica do ágio (SCHOUERI, Luís Eduardo. Ágio em reorganizações societárias. São Paulo: Dialética, 2012, p. 16, grifos nossos).

37 José Antonio Minatel define receita da seguinte forma: “Receita é o conteúdo material qualificado pelo ingresso de recursos financeiros no patrimônio da pessoa jurídica, em caráter definitivo, proveniente dos negócios jurídicos que envolvam o exercício da atividade empresarial, que corresponda à contraprestação pela venda de mercadorias, pela prestação de serviços, assim como pela remuneração de investimentos ou pela cessão onerosa e temporária de bens e direitos de terceiros, aferido instantaneamente pela contrapartida que remunera cada um desses eventos” (MINATEL, José Antonio. O conceito de receita, para efeito da incidência do PIS e da Cofins. In: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro (coord.). Contribuições para seguridade social. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 536, grifos nossos).

38 Segundo Ricardo Mariz de Oliveira: “receita é qualquer ingresso ou entrada de direito que se incorpore positivamente ao patrimônio e que represente remuneração ou contraprestação de atos, atividades ou operações da pessoa titular do mesmo, ou remuneração ou contraprestação do emprego de recursos materiais, imateriais ou humanos existentes no seu patrimônio ou por ele custeados” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 158).

39 São palavras dos autores: “Conforme já mencionamos anteriormente, o aspecto material da hipótese de incidência é o núcleo ao qual os demais aspectos estão condicionados. Assim, se o aspecto material das contribuições é ‘auferir receita’, o aspecto temporal irá determinar em que momento deve ser considerada auferida a receita” (WALD, Alexandre de M.; NISHIOKA, Alexandre Naoki; MORAES, Allan. O aspecto temporal da hipótese de incidência das contribuições ao PIS e Cofins e as receitas não auferidas em virtude de inadimplemento. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FISCHER, Octavio Campos (coord.). PIS – Cofins: questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 652).

40 Conforme art. 1º da Lei n. 10.637/2002 e art. 1º da Lei n. 10.833/2003.

41 BORGES, Alessandro Barreto et al. Conceito de receita e faturamento para fins de incidência das contribuições ao PIS e da Cofins. In: GAUDÊNCIO, Samuel Carvalho; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). Fundamentos do PIS e da Cofins e o regime jurídico da não cumulatividade. São Paulo: MP Editora, 2007.

42 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 241-264.

43 Conforme Kevin Holmes em The concept of income: A Multi-Disciplinary Analysis (Amsterdam: IBFD Publications, 2001, p. 35-36). Quanto ao embasamento econômico da renda, o autor esclarece que: “The Schanz – Haig – Simons model postulates that a practical concept of income is represented by a monetary increase in wealth plus imputed income and consumption expenditure over a period. That measure is a surrogate for immeasurable psychic income. To the extent that (at least some) imputed income can be measured, the Schanz – Haig – Simons model is justified as the most comprehensive model that can be practically implemented to determine a person’s income and taxable capacity”.

44 FREEDMAN, Judith. Treatment of capital gains and losses. In: ESSERS, Peter; RIJKERS, Arie (org.). The notion of income from capital. Amsterdam: IBFD, 2010, p. 193.

45 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 41.

46 CANTO, Gilberto de Ulhôa. A aquisição de disponibilidade e o acréscimo patrimonial no imposto sobre a renda. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Estudos sobre o imposto de renda (em memória de Henry Tilbery). São Paulo: Resenha Tributária, 1994, p. 36.

47 COSTA, Alcides Jorge. Conceito de renda tributável. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Estudos sobre o imposto de renda (em memória de Henry Tilbery). São Paulo: Resenha Tributária, 1994, p. 19-31.

48 São palavras do autor: “3. Lucro – A legislação do imposto não define lucro, mas dispõe que as pessoas jurídicas ‘que tiverem lucros apurados de acordo com a lei’ são contribuintes do imposto (DL 5.844/43, art. 27) e serão tributadas de acordo com os ‘lucros reais’ verificados anualmente segundo suas demonstrações financeiras, ou com base em ‘lucro presumido’ ou ‘arbitrado’. Lucro, em sentido econômico, é espécie de renda repartida ou distribuída. A renda repartida, classificada segundo os fatores de produção que remunera, pode ser salário, aluguel, juro ou lucro. Lucro é a parte da renda repartida que excede da remuneração do trabalho, dos recursos naturais e do capital” (PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda: pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 110).

49 “Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.”

50 TILBERY, Henry; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 290.

51 “Art. 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda.”

52 “Art. 259. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional, das demais receitas e despesas, e das participações, e deverá ser determinado em observância aos preceitos da lei comercial.”

53 Conforme art. 49 da Lei n. 11.101/2005.

54 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 396.

55 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução brasileira de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 590.

56 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 173.

57 Conforme art. 150, IV, da CF/88.

58 Conforme art. 186 do CTN.

59 Conforme restou decidido, por exemplo, no AgInt no AREsp 956.853/SP, no REsp 1.701.330/SP e no REsp 1.701.654/SC.

60 Nesse sentido, são o REsp 1.864.625/SP e o REsp 1.173.735.

61 Conforme divulgado no Conjur, o número de recuperações judiciais aumentou cerca de 82,2% na pandemia. Informação obtida em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-14/pedidos-falencia-sobem-289-junho-recuperacao-822. Acesso em: 24 fev. 2021.

62 Conforme art. 2º do Projeto de Lei, que inseriu o art. 50-A à Lei n. 11.101/2005.

63 Conforme art. 2º do Projeto de Lei, que inseriu o art. 50-A à Lei n. 11.101/2005.

64 Mensagem 752/2020 – Razões de veto: “Entretanto, e embora se reconheça a boa intenção do legislador, tais medidas ofendem o princípio da isonomia tributária, acarretam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que viola o art. 113 da ADCT, e o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal”.

65 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ATO NORMATIVO DECLARADO INCONSTITUCIONAL – LIMITES. [...] No embate diário Estado/contribuinte, a Carta Política da República exsurge com insuplantável valia, no que, em prol do segundo, impõe parâmetros a serem respeitados pelo primeiro. Dentre as garantias constitucionais explícitas, e a constatação não excluí o reconhecimento de outras decorrentes do próprio sistema adotado, exsurge a de que somente a lei complementar cabe ‘a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes’ – alínea ‘a’ do inciso III do artigo 146 do Diploma Maior de 1988. [...] O artigo 35 da Lei n. 7.713/88 é inconstitucional, ao revelar como fato gerador do imposto de renda na modalidade ‘desconto na fonte’, relativamente aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já que o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas no artigo 43 do Código Tributário Nacional, isto diante da Lei n. 6.404/76” (RE 172.058, rel. ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 30.06.1995, DJ 13.10.1995).

66 “Tributário. Internacional. Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Participação de empresa controladora ou coligada nacional nos lucros auferidos por pessoa jurídica controlada ou coligada sediada no exterior. Legislação que considera disponibilizados os lucros na data do balanço em que tiverem sido apurados (‘31 de dezembro de cada ano’). Alegada violação do conceito constitucional de renda (art. 153, III da Constituição). Empresa controlada sediada em país de tributação favorecida ou classificado como ‘paraíso fiscal’. MP 2.158-35/2001, art. 74. Lei 5.720/1966, art. 43, § 2º (LC 104/2000)” (RE 172.058, rel. ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 10.10.2014, DJ 09.10.2014).