As Impropriedades do Art. 166 do Código Tributário Nacional e a sua Inaplicabilidade ao Levantamento de Depósitos Judiciais de ICMS

The Flaws of the Article 166 of Brazilian Tax Code and the Impossibility of its Application to the Withdrawal of ICMS Judicial Deposits

Leonardo Aguirra de Andrade

Pós-doutorando, Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). LLM em Direito Tributário Internacional pela Georgetown University. E-mail: leonardo.aguirra@gmail.com.

Rosa Sakata Fridman

Pós-graduanda no Curso de Especialização em Direito Tributário Brasileiro no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). E-mail: rosasfridman@gmail.com.

Recebido em: 15-06-2021

Aprovado em: 27-07-2021

Resumo

O presente trabalho tem dois objetivos: (i) analisar as impropriedades do art. 166 do Código Tributário Nacional, e (ii) apontar as razões que justificam a impossibilidade da sua aplicação ao levantamento de depósitos judiciais ao final das ações judiciais propostas pelos contribuintes de direito para questionar a validade da cobrança de débitos de ICMS.

Palavras-chave: art. 166 do Código Tributário Nacional, depósito judicial, legalidade tributária, enriquecimento ilícito.

Abstract

This work has two aims: (i) to analyze the flaws of art. 166 of Brazilian Tax Code, and (ii) to point out the reasons that justify the impossibility of its application to the withdrawal of judicial deposits at the end of the lawsuits proposed by the taxpayers to challenge the lawfulness of the charge of ICMS debts.

Keywords: art. 166 of Brazilian Tax Code, judicial deposit, tax legality, illegal enrichment.

Introdução

Tem se tornado cada vez mais comum a hipótese em que os contribuintes (de direito) ajuízam ações judiciais para questionar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de uma exigência relativa ao ICMS. Por exemplo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 1.093 da repercussão geral, em que os contribuintes (de direto) discutiam a constitucionalidade da exigência do Diferencial de Alíquota de ICMS (também chamado de “Difal”), instituída pela Emenda Constitucional n. 87/2015, antes da edição de uma lei complementar sobre o tema1. Em alguns desses casos, os contribuintes optam por realizar depósitos judiciais, a fim de suspender a exigibilidade dos débitos questionados, com base no art. 151, II, do Código Tributário Nacional, buscando impedir que tal questionamento judicial lhe cause problemas no exercício normal das suas atividades, tais como a apreensão, em barreiras fiscais, das mercadorias por eles comercializadas.

Na hipótese em que, ao final da ação, o contribuinte obtém uma decisão favorável, pode se tornar controversa a aplicabilidade, ou não, do art. 166 do Código Tributário Nacional, uma vez que, em relação aos débitos de ICMS depositados em juízo, houve o seu destaque em notas fiscais, caracterizando assim o repasse jurídico do “encargo financeiro” do tributo.

Nesse cenário, surge a questão a ser examinada no presente artigo: o art. 166 do Código Tributário Nacional deve ser aplicado ao levantamento de depósitos judiciais realizados em ações judiciais propostas pelos contribuintes de direito para questionar a validade da cobrança dos débitos de ICMS depositados?

Como se sabe, o art. 166 do Código Tributário Nacional impõe uma restrição à restituição de tributos, cujo encargo financeiro, por sua natureza, é repassado pelo “contribuinte de direito” (responsável pela apuração e recolhimento do tributo) ao “contribuinte de fato” (consumidor final). Referida restrição corresponde à necessidade de o contribuinte de direito realizar duas provas alternativas como condição para estar autorizado a receber a restituição nessa hipótese: (i) provar que não repassou o encargo financeiro, assumindo ele tal ônus, ou (ii) apresentar uma autorização do contribuinte de fato para receber tal restituição.

Elege-se o ICMS como tributo que é objeto de exame neste artigo, a fim de tornar inconteste o repasse jurídico do respectivo encargo financeiro. Assim, a hipótese em análise é aquela em que o contribuinte de direito não paga o ICMS, mas questiona judicialmente a sua cobrança e, no âmbito do respectivo processo, realiza depósitos do tributo discutido. Concomitantemente, como o débito fiscal questionado continua a existir e são devidas certas obrigações acessórias, o contribuinte de direito destaca nas notas fiscais o valor do ICMS questionado, o qual é embutido no preço cobrado do cliente, bem como declara regularmente a operação em GIA (Guia de Informação e Apuração do ICMS).

Diante disso, questiona-se se, nessa hipótese, caso o contribuinte tenha êxito ao final do processo, ele tem direito ao levantamento dos valores depositados sem que seja imposta a restrição prevista no art. 166 do Código Tributário Nacional.

Para responder a essa questão, o presente artigo avalia, em um primeiro momento, o histórico e o racional subjacente a esse dispositivo do Código, assim como as suas impropriedades. Com isso, justifica-se a inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional de maneira geral, independentemente de ele ser aplicado, ou não, ao levantamento de depósitos judiciais. Nesse plano geral, o trabalho apresenta três linhas de raciocínio em relação ao art. 166: (i) a sua inconstitucionalidade, (ii) a sua derrotabilidade, e (iii) a sua revogação. Além disso, o artigo aponta motivos pelos quais, mesmo que se considere tal dispositivo válido e em vigor, ele não é aplicável ao levantamento dos depósitos judiciais de débitos de ICMS. Por fim, são avaliados alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto.

1. O histórico e o racional do art. 166 do CTN

A compreensão do art. 166 do Código Tributário Nacional demanda um exame do contexto histórico no qual esse dispositivo foi editado, assim como da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

Quanto ao referido contexto, Brandão Machado ensina que a edição art. 166 do Código Tributário Nacional foi, indevidamente, influenciada pela “doutrina do enriquecimento injustificado” oriunda do Direito Civil, com base em um erro de premissa jurídica: foram adotados, nas relações tributárias (que são direito público), os requisitos da condictio do direito romano, que são direito privado, como se a legalidade tributária fosse insuficiente para tratar do tema2.

Investigando as razões para adoção desses requisitos, Brandão Machado observa que a jurisprudência da Suprema Corte exerceu uma influência significativa na formulação do entendimento que veio a ser positivado, no sentido de que a repetição do indébito tributário deveria, supostamente, levar em consideração o repasse do encargo financeiro do tributo. Nessa investigação, Brandão Machado encontra, em acórdãos do Supremo Tribunal Federal publicados no período entre 1900 e 1905, referências ao prejuízo do contribuinte (de direito) como condição para a restituição de um tributo:

“Vê-se, desse voto vencido, que a preocupação exclusiva do seu prolator era verificar se o contribuinte que repetiu o imposto havia, ou não, sofrido prejuízo. Partindo da premissa de que o pagamento do imposto chamado indireto é sempre o terceiro que contrata com o contribuinte legal, segundo explicavam os financistas e até juristas (cf. José Rubino de Oliveira, artigo na revista O Direito, 10:32-9, 1876), a preocupação do julgador ficou concentrada não na falta de razão jurídica para a cobrança ilegal do tributo, mas na não ocorrência do empobrecimento do postulante da devolução. Embora se tratasse de uma relação de direito público, pretendia-se no voto dissidente que solução do litígio observasse os requisitos da condictio do direito romano.”3 (Destaques nossos)

Como se vê, chamou a atenção de Brandão Machado o fato de que a invalidade da norma que gerou o indébito recebia menos atenção do que a verificação da recomposição ou de ganho patrimonial por parte do contribuinte que era postulante da repetição. Tratava-se ali de uma questão típica de direito privado, e não de direito público.

Brandão Machado identifica dois fatores determinantes para tanto: (i) a “insistência” do Fisco em defender a chamada doutrina do Tesouro Nacional, segundo a qual o tributo indireto não seria passível de restituição; e (ii) a falta de uma formação sólida dos juristas da época – e de uma cadeira nos cursos universitários – sobre matéria tributária:

“Essa doutrina pretoriana, de natureza mais política do que jurídica (v. § 11, n. 4), e que posteriormente veio a ser consagrada em normas de direito positivo, resultou, entre nós, de dois fatores: de um lado, a insistência com que a Fazenda Pública, no puro interesse da arrecadação, defendeu e ainda defende a tese, que ela mesma criou, da irrepetibilidade do imposto indireto, porque repercutível, tese que se elaborou já no fim do século passado, com apoio nas ideias correntes nos tratados de Ciência das Finanças; e, de outro lado, a falta de qualquer literatura de direito tributário ou mesmo financeiro, omissão evidentemente imputável à falta de um cadeira da matéria no currículo universitário forçando o autodidatismo do jurista a orientar o seu preparo segundo os institutos e conceitos do direito privado, com noções tomadas à Ciência das Finanças e Economia Política.”4

Na visão de Brandão Machado, a criação de obstáculos à repetição de indébitos de tributos indiretos também tinha fundamento em uma questão política, qual seja, preferia-se proteger o Erário em detrimento dos interesses dos contribuintes:

“Em lugar de eliminar a origem dos atos irregulares, educando ou corrigindo os seus autores, ou neutralizar-se a cobrança do indébito com o ressarcimento, prefere-se proteger o Tesouro Público contra a justa pretensão do contribuinte, por meio de decisões ou normas que decretam que o direito restituindo, embora não seja tributo, não pertence a quem entregou ao Estado. Também aqui prevalece o político sobre o jurídico.”5

Nesse contexto, está inserido o processo de construção do art. 166 do Código Tributário Nacional.

A versão original do Anteprojeto do Código Tributário Nacional, de autoria de Rubens Gomes de Sousa, datada de 1954, não condicionava a repetição dos chamados “tributos indiretos” à verificação da sua não repercussão econômica ou à autorização do contribuinte de fato. Pelo contrário, o anteprojeto do Código Tributário Nacional possuía uma previsão, em seu art. 201, de que o contribuinte teria direito à restituição de tributo pago “seja qual for a sua natureza ou a modalidade do seu pagamento”.

Dentre as 1.152 sugestões oferecidas para o aprimoramento do Anteprojeto, destaca-se aquela elaborada pelo Procurador da Fazenda Nacional no Amazonas, constante do item 445 dos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, no sentido de alterar o art. 201 do Anteprojeto, para “suprimir as palavras ‘seja qual for a sua natureza ou a modalidade do seu pagamento’”, uma vez que a sua redação permitiria a restituição de impostos indiretos.

A sugestão fazendária de alteração do art. 201 do Anteprojeto estava fundamentada em três argumentos: se o dispositivo não fosse modificado (i) seria autorizado que “os contribuintes menos escrupulosos” aumentassem os valores destacados a título de tributo indireto e posteriormente pedissem a restituição dos valores recolhidos indevidamente, sem a devolução para os adquirentes das mercadorias, (ii) com efeito, haveria uma “nova indústria das restituições”, e (iii) na escolha entre a proteção dos interesses da Fazenda Pública e a tutela dos interesses do contribuinte de direito, deveria prevalecer a primeira, pois os recursos seriam destinados para fins públicos:

“Em que pese ao insigne Prof. Gomes de Sousa, que com tanto brilho defende a tese da restituição indiscriminada, sem atenção à natureza do tributo, entendemos que melhor seria prestigiar e consolidar a torrencial jurisprudência do Ministério da Fazenda, que, sistematicamente, vem negando a restituição de impostos indiretos. É que, consoante tem sido iterativamente proclamado, poderosas razões de ordem prática desaconselham a adoção da redação proposta no Anteprojeto, não sendo de estranhar que, vitoriosa a tese do Prof. Gomes de Sousa, contribuintes menos escrupulosos majorem desmesuradamente os tributos a serem suportados pelo consumidor, para, operada a repercussão, pleitear a restituição do excesso ardilosamente pago, ressarcimento de que o contribuinte de fato jamais teria conhecimento. Teríamos, assim, uma nova indústria: a das ‘restituições’, apta a propiciar pingues lucros a comerciantes e industriais inescrupulosos, inconveniente que poderá ser obviado, mediante a consolidação da jurisprudência ministerial, que assenta na impossibilidade de identificação do verdadeiro e último contribuinte. Os princípios nem sempre podem ser aplicados em sua pureza, de sorte que a tese sustentada pelo eminente autor do Anteprojeto, conquanto teoricamente exata, não se concilia com os efeitos ou resultados de ordem prática. A ter alguém de locupletar-se com o tributo indevidamente arrecadado, que seja a Fazenda Pública, cujos fundos revertem em favor da coletividade, pela construção e manutenção de escolas, hospitais, estradas etc.”6

A relevância desses argumentos merece alguns comentários.

O primeiro argumento sustentado pelo Procurador da Fazenda Nacional, acima mencionado, foi considerado por Brandão Machado como “ridículo”, uma vez que o entendimento que lhe dá suporte não levaria em consideração “a lei do mercado”, a qual define o preço que o vendedor consegue cobrar do comprador. Ademais, se fosse possível cobrar um preço maior, não seria necessário pagar um tributo indevido para depois recuperá-lo, bastante ao vendedor permanecer com a “parte excedente”. Brandão Machado assim leciona:

“Esse argumento, que chegou a ser acolhido até por um membro do Supremo Tribunal Federal, é verdadeiramente ridículo. O comerciante ou industrial não necessitaria montar uma ‘indústria das restituições’. Bastaria cobrar ao consumidor o imposto desmesuradamente majorado e recolher aos cofres públicos apenas o imposto exato, retendo consigo a parte excedente, majorada ardilosamente, como disse o autor da sugestão. O credor do imposto não poderia exigir do comerciante ou industrial dessa parte excedente, porque ilegal, de modo que seria uma verdadeira aberração de raciocínio imaginar que o comerciante ou industrial, depois de cobrar o excesso ilegal, viesse a recolhê-lo para depois repeti-lo. Uma vez cobrado, mantê-lo consigo, sem o recolher, usando para isso um mínimo de inteligência. Com um argumento dessa ordem, que não leva em conta a lei do mercado, a única que regula os limites do quantum que o contribuinte pode cobrar ao consumidor, com tal argumento é que se viola, com a maior falta de seriedade, um dos mais arduamente conquistados direitos fundamentais do indivíduo protegidos pela Constituição.”7

Quanto ao segundo argumento – relativo à chamada “indústria de restituições” – é curioso notar que não havia uma preocupação com a causa das restituições (o fato de que o Estado estaria promovendo uma “indústria” de cobranças tributárias ilegais ou inconstitucionais), e sim apenas com ônus para o Erário em devolver os valores que foram exigidos indevidamente dos contribuintes. O terceiro argumento será avaliado no item 2.2 abaixo.

Feitos esses comentários, destaca-se que, após a apresentação do referido Anteprojeto e das sugestões oferecidas pela Comissão Especial, foram aprovados, para compor o projeto do Código Tributário Nacional (Projeto de Lei n. 4.834/1954) os arts. 130 e 131, que tratavam, respectivamente (i) do pagamento indevido, da restituição do tributo, e (ii) da necessidade de apresentação de prova de que o encargo financeiro da arrecadação do tributo não foi repassado a terceiros. O Projeto de Lei n. 4.834/1954, todavia, foi arquivado em abril de 1971 e não foi objeto de votação à época, contudo, como visto, já demonstrava uma preocupação em relação à restituição dos tributos indiretos.

No lapso temporal entre a apresentação do Anteprojeto do CTN por Rubens Gomes de Sousa e sua efetiva aprovação e conversão em lei, foi apresentado, por Gilberto de Ulhôa Canto, o anteprojeto de lei orgânica nomeado “Anteprojeto do Processo Tributário”. Neste Anteprojeto, dentro do título referente às “normas sobre a ação de repetição de indébito”, estava o art. 177, cuja redação previa que seria parte legítima para obter a restituição do tributo pago indevidamente o sujeito passivo da obrigação tributária, “ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem”. Havia, ainda, a previsão de que aquele que provasse a transferência do encargo financeiro poderia ajuizar uma ação de regresso em face daquele que tivesse obtido o reembolso do tributo, ou ainda integrar a ação como assistente8.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal consolidou a sua jurisprudência sobre o tema, em Sessão Plenária datada do ano de 1963, quando foi aprovada a Súmula n. 71, cujo enunciado previa que “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”.

Analisando os precedentes que deram origem à Súmula n. 71 (Recursos Extraordinários n. 470.069, n. 45.678, n. 44.115 e n. 46.450), é possível notar que o racional utilizado pelos Ministros da Suprema Corte estava fundado na premissa de que o contribuinte de direito proponente da ação judicial, por não ter sofrido com o encargo financeiro do tributo, não teria percebido o prejuízo referente ao pagamento indevido e, portanto, não poderia ser parte legítima para requerer a repetição do indébito, em consonância com a doutrina do Tesouro Nacional.

Com a Súmula STF n. 71 em vigor, foi publicada Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), que, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1965, regulamentava o sistema tributário nacional. Ao tratar do “pagamento indevido”, o art. 166 do Código Tributário Nacional acabou por flexibilizar a rigidez da Súmula STF n. 71, ao permitir a restituição dos tributos que comportem a transferência do encargo financeiro, desde que o contribuinte cumpra dois ônus da prova alternativos: (i) prova de que arcou com o encargo financeiro do tributo, ou (ii) não tendo arcado com tal encargo, a prova de que está autorizado a restituir o tributo por aquele para o qual o ônus financeiro do tributo foi transferido (o que pode demandar mais uma autorização, em uma mesma cadeia de comercialização, na hipótese em que o repasse do encargo financeiro tenha sido transferido para outro contribuinte de direito – revendedor, por exemplo – antes da sua transferência para o contribuinte de fato).

Após a edição do Código Tributário Nacional, o Supremo Tribunal Federal atualizou a sua consolidação jurisprudencial, em dezembro de 1969, quando foi aprovada a sua Súmula STF n. 546, prevendo que “cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.

Uma vez analisado o contexto e o racional subjacente à edição do art. 166 do Código, passa-se ao exame das razões pelas quais esse dispositivo não deve ser aplicado ao levantamento dos depósitos judiciais.

Por razões didáticas, o presente artigo realiza esse exame em quatro partes: (i) as impropriedades do art. 166 do Código Tributário Nacional, que, por si só, já seriam suficientes para afastar a sua aplicação (a qualquer caso, e, com efeito, inclusive ao levantamento dos depósitos judiciais); (ii) a sua derrotabilidade; (iii) a sua revogação tácita; e (iv) em caráter subsidiário, ainda que o referido dispositivo pudesse ser considerado válido e em vigor, ainda assim, ele não poderia ser aplicado especificamente à hipótese de levantamento dos depósitos judiciais.

2. A inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional

O art. 166 do Código Tributário Nacional é inaplicável por diversas razões, as quais passam a ser avaliadas a seguir. Didaticamente, essas razões podem ser segregadas a partir (i) dos vícios de origem nessa norma, isto é, impropriedades que já constavam do dispositivo desde a sua edição, e (ii) das mudanças que se desenvolveram com a passagem do tempo, sobretudo em razão da evolução das relações comerciais, que pode justificar a derrotabilidade dessa norma, ou mesmo a sua revogação tácita pela legislação posterior.

2.1. Vício de origem: a modificação posterior nos fatores que compõem o preço não caracteriza, juridicamente, um direito de restituição para o contribuinte de fato

Gilberto de Ulhôa Canto, em artigo publicado no clássico Caderno de Pesquisas Tributarias n. 8, sustentava que o art. 166 do Código Tributário Nacional seria “equivocado”, uma vez que (i) a regra relativa à comprovação de quem suportou o encargo financeiro do tributo seria “desnecessária”, e (ii) esse dispositivo legal trata de “relação jurídica estranha ao direito tributário”9.

Na visão de Ulhôa Canto, o melhor caminho para endereçar o tema seria aquele constante do já mencionado art. 177 do Anteprojeto do Processo Tributário, por quatro razões: (i) sendo a obrigação tributária uma obrigação ex legis, o restabelecimento da ordem jurídica violada deve perpassar necessariamente a repetição do tributo indevidamente pago, pouco importando, para tanto, se o solvens (o contribuinte de direito) recebeu o valor correspondente ao tributo de terceiro (contribuinte de fato); (ii) como o contribuinte de fato não tem legitimidade ativa para pleitear a restituição do tributo indireto, na medida em que ele não tem relação jurídica alguma com o Estado, a recusa à devolução do tributo exigido indevidamente ao contribuinte de direito significaria perpetuar cobranças indevidas; (iii) “embora não se possa sequer afirmar a sua recuperação irá ser possível”, “para que possa o contribuinte econômico dispor, contra o contribuinte de direito, de ação visando a recompor o seu patrimônio desfalcado”, “é necessário que ele seja ressarcido antes pela Fazenda”; e (iv) o art. 166 adota uma presunção falsa de que haveria uma relação determinável entre o valor do tributo indireto e o preço cobrado pelo contribuinte de direito, porém essa relação seria, na verdade, uma “incógnita”10.

O terceiro argumento apresentado por Gilberto de Ulhôa Canto merece uma maior atenção. Ulhôa Canto sinalizou uma dúvida sobre a possibilidade de recuperação de valores por parte do contribuinte de fato contra o contribuinte de direito, porém sustentou a adoção do art. 177 do Anteprojeto do Processo Tributário11, que previa uma “ação de regresso” para o contribuinte de fato contra o contribuinte de direito, caso aquele provasse a “transferência”.

A questão que se coloca aqui é se haveria um direito por parte do contribuinte de fato à recuperação de valores recuperados pelo contribuinte de direito. A lógica do cabimento de uma ação de regresso parte do pressuposto – equivocado – de que o contribuinte de direito teria causado algum dano ou teria dado ensejo a um crédito para o contribuinte de fato em relação a um dos fatores que impactam a formulação do preço praticado. Entretanto, como o dinheiro não é carimbado e, da perspectiva do contribuinte de fato, é irrelevante juridicamente a discriminação dos elementos que compõem o preço, não existe crédito algum sujeito ao regresso.

Se a relação entre contribuinte de direito e contribuinte de fato quanto ao preço praticado é “estranha ao direito tributário”, na medida em que “constitui mero fenômeno econômico de mercado”, como sustenta o próprio Gilberto de Ulhôa Canto12, então a “ação de regresso” não deveria ser admitida, nem mesmo em tese.

Mais acertada nos parece, nesse particular, a visão de Brandão Machado, segundo a qual o contribuinte de fato paga um preço, e não um tributo ao contribuinte de direito. Segundo Machado, a “denominação que se dê a essa parcela não lhe muda a natureza: ou ela constitui elemento de custo, ou então faz parte da margem de lucro”. Com efeito, não há direito algum para o contribuinte de fato, uma vez que o “tributo aí é apenas o nome de uma parcela dentre outras tantas que compõem o preço, mas que não é paga pelo terceiro a título de tributo”13.

Ou seja, o destaque do tributo em nota fiscal é mera informação à disposição do fisco para facilitar o procedimento de fiscalização, conforme o art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional. Tal destaque não tem o condão de tornar o tributo uma parte autônoma no preço. A composição do tributo no preço é desprovida, do ponto de vista jurídico, de identidade e autonomia, uma vez que ele se mistura aos demais fatores que compõem o preço, tais como margem de lucro, custos, despesas etc. Em outras palavras, uma vez pago o preço, não há mais do que se falar em tributo enquanto elemento integrante do preço. Da perspectiva do comprador, só há preço.

Até porque o preço não é regido (apenas) pelos impactos fiscais da operação, mas (também) pelas condições mercadológicas. Maior prova disso é o fato de que o preço pactuado entre contribuinte de direito e contribuinte de fato pode ser o mesmo com ou sem a inclusão do valor de tributo que posteriormente seja declarado indevido. Nestes casos, é certo que o contribuinte de direito poderia cobrar do contribuinte de fato o mesmo valor com ou sem a cobrança do tributo, o que alteraria apenas sua margem de lucro14.

Dessa maneira, é impossível a caracterização do enriquecimento ilícito do contribuinte de direito na recuperação de um tributo (indireto), porque, uma vez aceito o preço, é juridicamente irrelevante a eventual modificação futura dos elementos que o compõem, inexistindo direito algum para o contribuinte de fato, caso essa modificação se materialize.

Não por outra razão, Hugo de Brito Machado Segundo defende que o recebimento do valor do preço pelo contribuinte de direito ocorre exclusivamente em decorrência do contrato de compra e venda, sendo certo que este contrato em nada é afetado caso o tributo que incidiu sobre a operação seja declarado como indevido. Nesse ponto, Machado Segundo ensina que “se, por qualquer razão, um custo que onerava o vendedor desaparecer, o preço, que havia sido pactuado por meio de um acordo de vontades, não se torna indevido por isso”15.

Na nossa visão, o preço constitui um fenômeno econômico e a alteração futura dos fatores que o compõem não caracteriza, juridicamente, um direito para quem o pagou.

O art. 166 do CTN tem um vício de origem relevante: protege o titular de um direito inexistente, a fim de criar obstáculos para a repetição de tributos indiretos, com a intenção de proteger o Erário. Para tanto, adota-se uma premissa jurídica falha (de que o contribuinte de fato sofreria um prejuízo ao aceitar um preço maior do que ele poderia ser), a partir de uma lógica de direito privado que é inaplicável ao direito público.

Se a doutrina do Tesouro Nacional estivesse certa, o contribuinte de fato, que recebeu uma mercadoria, em cujo preço havia embutido tributo não recolhido, também deveria ser alvo das medidas da Administração Tributária, pois ele teria se beneficiado ao receber uma mercadoria, desonerada – por falta de pagamento – do ICMS. Seria factível conjeturar que vendedor e comprador poderiam acordar um preço menor do que aquele indicado na nota fiscal, a fim de beneficiar exclusivamente o consumidor. A hipótese parece sem sentido (e até criminosa), mas ela é didática para reforçar a ideia de que o pagamento do preço pelo contribuinte de fato encerra a sua relação com aquela operação (e com o contribuinte de direito), não tendo ele direitos ou pretensões em relação à recuperação do ICMS pelo vendedor da mercadoria. Se, por um lado, as medidas por parte do fisco para a cobrança do ICMS se direcionam apenas contra o contribuinte de direito, por outro lado, o contencioso iniciado pelo contribuinte de direito para recuperar esse mesmo tributo deve se limitar à relação entre contribuinte de direito e o Fisco, inclusive para fins do destino do indébito fiscal restituído.

A nosso ver, a melhor leitura a ser dada ao art. 166 do Código Tributário Nacional é aquela segundo a qual esse dispositivo acolhe, indevidamente, o critério da ausência do enriquecimento ilícito do direito privado como condição para a repetição do indébito. Trata-se de um erro de premissa jurídica, por razões políticas. Como visto acima, essa é a linha de pensamento de Brandão Machado16, segundo o qual o único fundamento jurídico da repetição do indébito tributário (ainda que se trate de imposto indireto) é a legalidade tributária, sendo, portanto, desnecessário considerar elementos do direito privado – tal como o enriquecimento ilícito – para o reconhecimento do direito à restituição. A respeito do tema, são oportunas as lições de Luís Eduardo Schoueri, que ensina que o princípio da legalidade é fundamento suficiente para a restituição de tributos, “não porque tenha sofrido empobrecimento, mas porque foi coagido a pagar ilegalmente”17.

Em matéria tributária, uma vez reconhecida a invalidade da cobrança fiscal, deve-se garantir a repetição do indébito, independentemente da repercussão jurídica ou econômica do tributo, pois esta é matéria estranha ao Direito Tributário e irrelevante do ponto de vista dos direitos dos consumidores na esfera privada.

2.2. Vício de origem: a falsa premissa de prevalência do interesse público sobre o interesse privado

Ainda que se admita o enriquecimento ilícito como um fator a ser considerado nessa seara18, o art. 166 do Código Tributário Nacional conteria uma impropriedade relevante: legitima-se o enriquecimento do Estado, mesmo quando se verifica uma ilegalidade ou inconstitucionalidade na exigência tributária, sob o argumento de que o interesse público deveria prevalecer sobre o interesse privado.

Tal intenção de legitimação do ilícito por parte do Estado foi registrada, expressamente, nas razões apresentadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional no item 445 dos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, cujos debates parecem ter influenciado a elaboração do art. 166 do Código Tributário Nacional. A lógica da defesa da manutenção de cobranças indevidas, sob o argumento de que os valores, embora arrecadados de maneira indevida, são revertidos “em favor da coletividade, pela construção e manutenção de escolas, hospitais, estradas”19, evidencia a ausência de rigor na compreensão do tema sob o ponto de vista juridicamente técnico, para se valer de questões políticas e até morais, como se estas fossem fundamentos aplicáveis para impedir a repetição de indébitos fiscais.

O Supremo Tribunal Federal, em sessão de julgamento ocorrida em 2 de outubro de 196120, chegou a acolher o argumento de que, entre devolver o valor pago a título de tributo indevido a quem não o pagou ou conservar esse montante nos cofres públicos (onde entrou indevidamente), seria preferível que se opte pela segunda opção, considerando a aplicação do recurso em favor da coletividade.

A nosso ver, há duas impropriedades nessa interpretação.

Primeiramente, parte-se de uma falsa premissa de que o ordenamento jurídico brasileiro admitiria uma prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Nesse ponto, são oportunas as lições de Humberto Ávila, no sentido de que não há no ordenamento jurídico brasileiro atual uma relação de prevalência entre interesse público sobre o interesse privado, uma vez que tais interesses não podem ser lidos como interesses contrapostos:

“A verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados. Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado. O interesse público e os interesses privados não estão principialmente em conflito como pressupõe uma relação de prevalência.”21

Segundo as lições do Ministro Luís Roberto Barroso, existe uma “transformação pragmática que vem passando o Direito Administrativo e seus respectivos pilares” em relação ao tema, de modo a se verificar que “a concretização do interesse público, muitas vezes, é consumada pela satisfação de determinados interesses privados”22.

A premissa – de prevalência do interesse público sobre o interesse privado – que parece ter influenciado a edição do art. 166 do Código Tributário Nacional é incompatível com o dever do Estado de promover, com “centralidade”23 e da maneira mais ampla possível24, os direitos fundamentais (dentre os quais está a tutela da propriedade privada), os quais somente são restringíveis apenas em caráter excepcional, se houver fundamentos suficientes e legítimos para tanto25.

O equívoco da doutrina do Tesouro Nacional (que, por sua vez, tinha relação direta com a tese da prevalência do interesse público sobre o privado) também se justifica pelo fato de que o Estado não tem o monopólio na geração de benefícios para a sociedade. Desconsidera-se, nesse particular, que a repetição do indébito de tributo indireto pode permitir que a iniciativa privada gere mais empregos ou realize mais investimentos na atividade produtiva. Ou seja, a manutenção dos recursos da esfera pública não é a única via para a satisfação de interesses públicos.

Nessa mesma linha de pensamento, Paulo Caliendo leciona que é inconstitucional o entendimento segundo o qual “entre o enriquecimento ilícito do Estado e a repetição do indébito aos contribuintes de fato deve-se sempre privilegiar o interesse público, mesmo que ilegítimo, em detrimento aos interesses privados”26. Para tanto, Caliendo parte da premissa de que o interesse público, protegido na Constituição Federal, não autoriza a “manutenção de valores indevidos nos cofres públicos”, pois a tutela da liberdade dos contribuintes integra o rol dos interesses gerais da coletividade. Ou seja, o direito à repetição de indébitos também deve ser considerado um interesse público.

Em segundo lugar, o art. 166 do Código Tributário Nacional estimula a “indústria” – para usar o mesmo termo empregado pela Procuradoria da Fazenda Nacional nos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional acima mencionados – de cobranças tributárias ilegais ou inconstitucionais, uma vez que a exigência do ICMS, ainda que indevida, em operações massificadas tem como consequência lógica a impossibilidade de restituição do indébito, vez que impraticável o cumprimento dos requisitos desse dispositivo.

Hugo de Brito Machado faz referência, nesse particular, à existência de um “estímulo à inconstitucionalidade útil”27, no sentido de que a argumentação fazendária segue um raciocínio de que, ainda que haja cobrança ilegal de tributo indireto, este não deve ser restituído, em razão da inobservância das exigências previstas no art. 166 do Código Tributário Nacional.

No mesmo sentido, são as críticas à então vigente Súmula STF n. 71 feitas pelo Ministro Aliomar Baleeiro, em voto proferido nos autos do Recurso Extraordinário n. 45.977/ES, julgado em 27 de setembro de 1966, no sentido de que a rejeição ao pedido de restituição do tributo indireto indevido estimula o Estado a “praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades”:

“Não se pode negar a nocividade do ponto de vista ético e pragmático, duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor do direito – a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao progresso do Direito e a realização da ideia-força da Justiça.”28

Esse estímulo implícito à realização, por parte do Estado, de ilegalidades ou inconstitucionalidades em matéria de tributos indiretos, decorrente das dificuldades de o contribuinte de direito cumprir com as exigências do art. 166 do Código Tributário Nacional, contraria o interesse público, atrelado à tutela da segurança jurídica, da legalidade, da propriedade privada e da liberdade da iniciativa privada, resguardada pela Constituição Federal. Nesse particular, portanto, o art. 166 do Código Tributário Nacional contraria o texto constitucional.

Esses vícios de origem no art. 166 do Código Tributário Nacional, por si só, já seriam suficientes para afastar a sua aplicação. Entretanto, há outras impropriedades que podem ser verificadas pelos elementos de fato pertinentes ao exame do tema e pela evolução do ordenamento jurídico nacional.

2.3. A derrotabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional

Ainda que não se considere o art. 166 do Código Tributário Nacional inconstitucional, caberia avaliar, no plano legal, a sua vigência e seu vigor, caso a caso. Trata-se da derrotabilidade do referido dispositivo, cuja apreciação pode ser efetuada no âmbito infraconstitucional, cabendo uma definição sobre o assunto no âmbito do Superior Tribunal Justiça.

A derrota dessa norma tributária demanda um exame das mudanças que ocorreram no cenário fático subjacente à sua aplicação ao longo do tempo. Nesse sentido, as dificuldades verificadas na atualidade para atender as exigências previstas no art. 166 do Código Tributário Nacional, para fins da restituição de tributos indiretos, não são as mesmas que aquelas existentes na década de 1960, contexto no qual esse dispositivo foi editado.

A massificação das atividades comerciais on-line, sobretudo nos tempos de pandemia29, acompanhada da comum ausência de interação entre vendedor e comprador, da popularização do uso da internet e dos sistemas de pagamento via cartão de crédito, da despersonalização da figura do estabelecimento comercial, que, cada vez mais, configura-se apenas em meio digital, são traços marcantes do atual cenário do comércio brasileiro.

Com o desenvolvimento das relações comerciais, as operações de venda (especialmente aquelas realizadas por varejistas no e-commerce) ficaram cada vez mais impessoais e começaram a ocorrer em maior escala, no território nacional ou mesmo em nível mundial. Assim, com a mudança do cenário comercial, a autorização do contribuinte de fato para que o contribuinte de direito possa obter a restituição de tributos indevidamente pagos por este, tornou-se cada vez mais impraticável. No caso das empresas varejistas on-line, a autorização expressa por parte de milhões de consumidores (contribuintes de fato) se torna uma verdadeira prova impossível.

Recorde-se que não se trata aqui da comprovação da ausência de repercussão jurídica do tributo, uma vez que, na hipótese em exame, parte-se da premissa de que houve sim tal repercussão, com o destaque do ICMS nas notas fiscais. A comprovação impossível de que se fala aqui se refere à autorização expressa mencionada no art. 166 (“no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”).

Esses elementos de fato da realidade concreta não estavam presentes à época da promulgação do art. 166 do Código Tributário Nacional. No Brasil, por exemplo, a primeira empresa que realizou comercialização de produtos eletrônicos foi a Livraria Cultura, em 1995, quase trinta anos depois da edição do referido dispositivo30.

Também não nos parece factível acreditar que o legislador, editor do Código Tributário Nacional em 1966, teria imaginado o cenário de um hipermercado – loja física – solicitando, em seus caixas, a cada dos seus milhões de clientes, em cada uma das vendas, a formalização de uma autorização expressa para eventual recuperação do ICMS, caso venha querer ingressar em juízo para questionar a exigência desse tributo, em uma eventual hipótese que a respetiva cobrança se mostre indevida. Se assim se quis, não há dúvida: trata de dispositivo inconstitucional, ao impor a pré-constituição de prova impraticável e excessivamente limitadora de direitos fundamentais do contribuinte (de direito). A sua excessividade se torna cada vez maior com o agigantamento das operações dos hipermercados e das lojas on-line, o que não nos parece o cenário idealizado quando da edição do art. 166 do Código.

Nesse sentido, a autorização expressa apontada nessa norma parece denotar uma pré-pactuação particular e individual entre comprador e vendedor a respeito do destino da restituição, sendo possível que, nesse acordo, fique estabelecido que o contribuinte de direito devolverá, integral ou parcialmente, os valores restituídos. Luciano Amaro enxerga de modo diverso, ao ensinar que essa autorização, na verdade, indicaria que o contribuinte de direito deveria, antes de pedir a restituição, devolver o valor do tributo que será objeto do pedido de repetição. Seria um “prévio ressarcimento”31. Não entendemos dessa maneira, pois o art. 166 do Código não delimita precisamente o aspecto temporal relativo à devolução.

Note-se, nesse ponto, que o art. 166 do Código se refere a uma autorização para receber a restituição, nada dizendo sobre o que deve ser feito com o montante recebido, nem mesmo quando ou se essa devolução deve ser efetivada pelo contribuinte de direito. Esse destino pode ser definido entre as partes, o que denota a pactuação – prévia ou condicionante da autorização expressa – individual, caso a caso, entre comprador e vendedor, havendo plena liberdade para se estabelecer – ainda que tacitamente – o destino dos recursos. Esse tratamento individual nos parece incompatível com a realidade atual do comércio eletrônico massificado e despersonificado ou mesmo das lojas físicas de hipermercados.

Além da dificuldade na implementação das referidas pactuações individuais, há um segundo obstáculo prático, na atualidade, à lógica subjacente ao art. 166 do Código Tributário Nacional: a realização da prova no processo de restituição. Tal dispositivo parte da premissa de que seria viável a apresentação, em um processo administrativo ou judicial, de cada uma das autorizações obtidas pelos vendedores dos consumidores. Entretanto, em um ambiente de comércio eletrônico ou de comércio massificado em que são realizadas, por cada contribuinte de direito, milhares – em alguns casos, até milhões – de operações por dia, essa comprovação se torna impossível de ser realizada e, mais, de ser analisada por um julgador.

Essa mudança nos fatos pertinentes à aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional traz à tona o tema da derrotabilidade das normas jurídicas.

Frederick Schauer explica que, em certos casos, a natural incapacidade de o legislador prever, completamente, o futuro (que é parte da condição humana) faz com que a aplicação da lei gere resultados “absurdos, injustos, ineficientes, ingênuos e irreais”. Em função disso, os sistemas jurídicos mais desenvolvidos adotam mecanismos interpretativos por meio dos quais o aplicador do Direito pode amenizar tais consequências negativas32. Nesse sentido, a derrotabilidade de normas jurídicas poderia ser definida como a viabilidade de modificações excepcionais na norma jurídica a ser aplicada, por meio da sua interpretação em face de um caso concreto, quando o seu resultado seria absurdo, injusto ou ineficiente33.

Em tese de doutorado sobre o tema, Carlos Augusto Daniel Neto sustenta que a derrota de uma regra está condicionada “axiológica e teleologicamente” à demonstração de uma grave experiência recalcitrante ou da consequência “desproporcional” ou “irrazoável” da sua aplicação a um caso concreto34. Um dos exemplos apresentados por Carlos Daniel, nesse sentido, refere-se à hipótese em que o “pressuposto de uma regra não foi considerado pelo legislador no momento de criar o texto legal”, de modo que a sua aplicação em um caso concreto contraria a razoabilidade na aplicação do Direito35.

Trata-se da situação – aqui pertinente – em que a norma se torna obsoleta em relação a uma determinada situação concreta, na medida em que o cumprimento de um dos seus requisitos se mostra impossível, em função da modificação dos aspectos fáticos considerados inicialmente na edição da regra, e sua aplicação em casos concretos viola excessivamente direitos fundamentais dos contribuintes. É justamente o caso da exigência de comprovação de autorização expressa constante do art. 166 do Código Tributário Nacional, que, em tese, pode ser pertinente para operações presenciais em volume reduzido (consideradas à época da elaboração daquela regra), porém, mostra-se impraticável para o cenário de comércio eletrônico ou massificado.

O fundamento, no Brasil, para a derrota de uma norma tributária está no art. 108, IV, do Código Tributário Nacional, partindo da premissa de que a vedação constante do respectivo § 2º não proíbe o uso da equidade como método interpretativo para fins da aplicação da norma tributária (seara na qual a derrotabilidade é pertinente), mas veda apenas a situação em que, uma vez já ocorrido o fato gerador do tributo e existente o débito tributário, o aplicador dispensa o devedor do seu pagamento36. Como sustenta Carlos Augusto Daniel Neto, o § 2º do art. 108 do Código veda a utilização da equidade como “causa imediata para a concessão de remissão ou anistia”, o que em nada se confunde com derrotabilidade de normas tributárias na avaliação particular e excepcional de um caso concreto37. No caso do art. 166 do Código, a inaplicabilidade da vedação constante do § 2º do art. 108 do Código é ainda mais evidente, porque não se trata sequer de situação de inexigência de tributo, mas da repetição de indébito fiscal, a partir do exame das particularidades do cenário fático que justificam impertinência de uma norma tributária.

Há de se reconhecer, nesse particular, uma relação de proximidade entre a razoabilidade (em sua dimensão de equidade) e a derrotabilidade das normas jurídicas, de modo a exigir do julgador/intérprete a consideração dos aspectos particulares do caso concreto, inclusive para afastar a aplicação da regra, ainda que pontual e especificamente para um caso particular, quando essa aplicação implica violação uma restrição excessiva aos direitos fundamentais dos contribuintes, em contrariedade ao princípio da proporcionalidade.

Na hipótese em exame, a violação à razoabilidade e à proporcionalidade se justifica pelo fato de que a aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional às operações massificadas de comércio eletrônico resulta na impossibilidade de cumprimento dos requisitos previstos nesse mesmo dispositivo, tornando inviável a recuperação de tributos exigidos de maneira ilegal ou inconstitucional. A impraticabilidade da prova torna a presunção relativa, prevista nesse dispositivo, uma presunção absoluta e irrazoável, que, ao estar fundada em um ônus probatório excessivo (no que contraria a proporcionalidade), acaba por limitar, também em excesso, o direito de ação, protegido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal38.

Nesse exame, cabe recordar que, atualmente, está consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de recursos repetitivos39 no sentido de que, como regra geral40, apenas o contribuinte de direito tem legitimidade ativa para postular em juízo a restituição de tributos. Com isso, a restituição de tributos indiretos encontra obstáculos práticos, muitas vezes intransponíveis na hipótese em que houve transferência do encargo do tributo, tal como ocorre em milhares de operações massificadas tributadas pelo ICMS, destacado em nota fiscal. Por um lado, o contribuinte de fato, em regra, não tem legitimidade ativa para pleitear a restituição; por outro lado, o contribuinte de direito não tem condições de cumprir os requisitos comprobatórias para obter tal restituição. Na prática, o direito à restituição deixa de existir, ainda que por vias indiretas.

Nessas situações específicas, a aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional representa um obstáculo – positivado – ao exercício de direito fundamental à propriedade que foi tolhida pelo Estado, de maneira contrária à ordem jurídica. É aplicável para justificar o afastamento desse tipo de violação a direito fundamental o princípio da proporcionalidade, assim como os seus subprincípios da proibição do excesso e da proibição de proteção insuficiente, para concluir que, tratando-se de direito fundamental, cabe ao Estado não apenas proteger determinados direitos (evitando a excessiva restrição de sua eficácia), mas também garantir os meios adequados para o seu exercício, afastando as medidas estatais sejam obstáculos para tanto41.

Por essas razões, a exigência de comprovação de autorização expressa do contribuinte de fato como condição para o contribuinte de direito possa receber a restituição de tributos indiretos deve ser derrotada, no caso de operações comerciais massificadas.

2.4. A revogação tácita do art. 166 do Código Tributário Nacional por normas posteriores

Além da modificação do cenário factual existente à época da edição do art. 166 do Código Tributário Nacional, é oportuno destacar as alterações na legislação brasileira que, substancialmente, podem ter impactado as regras constantes desse dispositivo. Para fins didáticas, separam-se abaixo as modificações verificadas no Código Civil e nas normas processuais.

2.4.1. Alterações nas regras do Código Civil

Não nos parece haver dúvida de que o art. 166 do Código Tributário Nacional é uma norma de direito público, a qual deveria estar sujeita aos princípios do Direito Tributário42. Entretanto, recordando das lições de Brandão Machado, pode-se afirmar que esse dispositivo legal incorporou, ainda que indevidamente, elementos do direito privado, tutelando o interesse do contribuinte de fato contra uma eventual irregularidade (enriquecimento ilícito) por parte do contribuinte de direito43.

Como visto acima, a lógica subjacente a esse entendimento está equivocada. Isso porque não há irregularidade alguma na consideração do tributo indevido na formação do preço seguida da restituição desse tributo sem o repasse para o consumidor, pois o preço pago pelo consumidor tem natureza de preço, e não de tributo. Apesar do equívoco nessa lógica, a admissão – para argumentar – da sua validade permite uma consideração interessante sobre a lei no tempo.

Cogita-se – frisa-se: apenas para argumentar – que o art. 166 do Código, substancialmente, busca tutelar o interesse do contribuinte de fato, fixando que a sua autorização seria uma espécie de condição para o reconhecimento do direito à repetição por parte do contribuinte de direito de tributo que, por sua natureza, é transferido juridicamente ao consumidor final. Essa autorização representaria uma exigência de uma pré-pactuação do direito de regresso por parte daquele que, eventualmente, tenha sido prejudicado financeiramente pela cobrança indevida, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do contribuinte de direito. Ou seja, antes mesmo do reconhecimento do dano (cobrança ilegal do tributo), exige-se o exercício de uma pretensão por parte do contribuinte de fato que não foi sequer prejudicado.

Nessa parte, o art. 166 do Código Tributário Nacional adentra a uma seara que sequer é de Direito Tributário, protegendo supostos interesses de terceiros no âmbito do Direito Privado. Como diria Brandão Machado, o repasse do encargo financeiro a terceiro é “irrelevante ao direito tributário”44. É dizer (para argumentar), o art. 166 exerceria a função de norma de natureza do Direito Civil e, substancialmente, tem natureza de lei ordinária (e não de lei complementar), sendo, portanto, admissível a sua alteração por outra lei ordinária.

Caso se entenda que a disposição do art. 166 do Código Tributário Nacional tenha como objetivo obstar o enriquecimento ilícito, como se verificava na jurisprudência em vigor à época da sua edição, caberá notar que o Código Civil de 2002 positivou uma regra que não existia no Código Civil de 1916, qual seja, aquela constante do art. 886 do atual Código: “Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.”

Por um lado, essa norma reforça a ideia de que o enriquecimento pressupõe a caracterização de um “prejuízo”, o que não se observa na hipótese em que o consumidor paga um preço, por ele aceito. Por outro lado, essa norma é pertinente ao tema em exame, tendo em vista que afasta o cabimento do enriquecimento ilícito, quando o prejudicado tem “outros meios” para se ressarcir. Adotando essa lógica para a hipótese em questão, pode-se afirmar que o contribuinte de fato não tem direito à restituição por enriquecimento ilícito, seja porque não houve prejuízo, seja porque, se houver, há “outros meios” – tais como uma ação de indenização, ou uma ação de regresso – para demonstrar o seu suposto prejuízo.

Portanto, mesmo que se admita, para argumentar, que o art. 166 do Código Tributário Nacional tutele os interesses do contribuinte de fato em relação à restituição de tributos indiretos, ainda assim, ele não poderia subsistir, dada sua revogação tácita pelo Código Civil.

Por essas razões, a inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional se justifica também pela existência de norma posterior, mais específica, e contrária às suas disposições, consubstanciada no Código Civil.

2.4.2. Alterações nas normas processuais

Uma das razões apontadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional nos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, para justificar a criação de obstáculo à restituição dos impostos indiretos, refere-se à preocupação com a chamada “nova indústria das restituições”. Isto é, uma autorização legal para restituição de tributos indiretos poderia prejudicar o Erário em razão do aumento do montante que deveria ser devolvido pelos entes tributantes aos contribuintes. Recorde-se que, na visão da Procuradoria da Fazenda Nacional, registrada naquele documento, melhor seria autorizar a Fazenda Pública “locupletar-se com o tributo indevidamente arrecadado”, uma vez que os tributos exigidos indevidamente “revertem em favor da coletividade, pela construção e manutenção de escolas, hospitais, estradas etc.”45

Cogita-se, para fins científico-especulativos, que havia ali uma preocupação com o impacto nas finanças públicas das decisões administrativas ou judiciais que reconhecem o direito à repetição dos indébitos relativos a tributos indiretos. Trata-se, nesse particular, dos efeitos das decisões tributárias em face do Erário.

Entretanto, essa preocupação foi endereçada, na evolução das normas processuais, como um tema atinente à modulação dos efeitos das decisões, e não como condição das ações. Ou seja, as regras processuais editadas posteriormente determinaram que o exame dos impactos das decisões judiciais deve ser efetuado no âmbito da sua eficácia, e não como requisito para a propositura das ações. Encontra-se esse tratamento, por exemplo, no art. 27 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, que trata da ação direta de inconstitucionalidade46, no art. 927, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil47, ou mesmo nos arts. 20 e 21 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro48, que sinalizam para a modulação de efeitos de decisões, como medida de tutela do referido bem jurídico que foi objeto de preocupação por parte Procuradoria. É dizer, limitam-se os efeitos (de decisões), e não os direitos (dos postulantes).

Desse modo, a evolução das normas processuais sinaliza o afastamento do pressuposto lógico sustentado pela Procuradoria da Fazenda Nacional nos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, que veio a influenciar a edição do art. 166 do Código Tributário Nacional, uma vez que os impactos financeiros das decisões não podem ser tidos como condições das ações de repetição de indébito, como veio a ser positivado nesse dispositivo legal.

3. A inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional ao levantamento de depósitos judiciais

Os fundamentos acima apresentados já seriam suficientes para motivar o afastamento do art. 166 do Código Tributário Nacional para qualquer hipótese, tendo em vista as suas impropriedades e a sua revogação tácita. No entanto, considerando que esse dispositivo continua sendo aplicável na prática, é oportuno aprofundar o debate sobre os limites da sua aplicabilidade. Nesse sentido, busca-se aqui desenvolver as razões pelas quais o art. 166 do Código Tributário Nacional não se aplica à hipótese de levantamento de depósitos judiciais.

Esse objeto de análise se justifica por dois motivos. Em primeiro lugar, intuitivamente, é fácil acreditar – ao menos, à primeira vista – que haveria uma proximidade (econômica) entre a restituição de um tributo e o levantamento de um depósito judicial de um tributo. Todavia, como se verá abaixo, as diferenças jurídicas entre tais atos obstam a sua equiparação para fins do referido dispositivo. Em segundo lugar, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, o que indica a existência controvérsia sobre o assunto. É o que se passa a examinar.

3.1. As diferenças entre a restituição e o levantamento de depósito judicial para fins da aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional

O art. 166, ora em estudo, está inserido em Seção do Código intitulada de “pagamento indevido” de tributos, integrante de um Capítulo denominado “extinção do crédito tributário”. Isso, por si só, já poderia sinalizar uma delimitação conceitual importante para fins de distinção entre a restituição e o levantamento de depósito judicial, uma vez que, neste último caso, não há nem pagamento, nem extinção do crédito tributário. No entanto, cogita-se que o Código não foi muito rigoroso na definição científica desses títulos49.

A nosso ver, há entre os arts. 165 e 166 do Código uma relação de regra e exceção. Como regra geral, o art. 165 estabelece uma previsão genérica de que qualquer tributo pago indevidamente deve ser restituído ao sujeito passivo. Em caráter de exceção, o art. 166 aplica-se a apenas um tipo específico de tributo, qual seja, “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”. A excepcionalidade, portanto, está na distinção entre espécies tributárias, ou, mais precisamente, em uma qualidade (“transferência” do seu ônus financeiro) de alguns tributos. Nesse ponto, é correta a crítica feita pela doutrina à classificação adotada no Código entre tributos direito ou indiretos, a partir da sua repercussão econômica, tendo em vista que todos os tributos repercutem economicamente50. No nosso sentido, a melhor interpretação – na tentativa de salvar o art. 166 do Código – é aquela que sustenta que melhor seria considerar a repercussão jurídica do tributo, enquanto dever do contribuinte de direito destacar o tributo nos documentos fiscais51.

De todo modo, independentemente da interpretação que se dê à expressão “transferência do respectivo encargo financeiro”, o art. 166 do Código – que, como dito, tem caráter de exceção – deve ser lido em conjunto com a respectiva regra geral, constante do art. 165, na medida em que os eventos pertinentes a esses dispositivos são todos posteriores ao pagamento do tributo, caracterizando, com definitividade, a extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, inciso I, do mesmo Código.

Com efeito, o art. 166 não poderia tratar de algo que não fosse a extinção do crédito tributário, uma vez que não há que se falar em “restituição”, sem a caracterização pretérita da extinção da obrigação. O depósito judicial no montante integral do crédito tributário, por sua vez, é uma modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, prevista pelo art. 151, II, do CTN, e nunca tem o condão de extinguir o crédito tributário, enquanto depositado.

Conforme ensina Luís Eduardo Schoueri, não há que se confundir o pagamento com o depósito do montante integral do crédito tributário, uma vez que se trata de atos jurídicos com naturezas e efeitos jurídicos diferentes:

“Acerta o legislador em falar em suspensão, e não em extinção, já que o depósito não é um pagamento. O valor permanece nas mãos de depositário a título precatório. Se, mais tarde, houve decisão no sentido de que o valor é devido aos cofres públicos, então dir-se-á haver conversão do depósito em renda e, essa sim, nos termos do inciso VI do art. 156 do Código Tributário Nacional, extinguirá o crédito tributário. [...] Quem paga o faz para que se encerre uma obrigação antes incorrida; o depósito, ao contrário, não tem por finalidade a extinção da obrigação, mas mera suspensão da exigibilidade de um crédito cuja validade se questiona. Ou seja: o depósito serve para extinguir a obrigação. Não é, pois, pagamento. A extinção da obrigação, se vier a ocorrer, dar-se-á em momento posterior, com a decisão de mérito favorável à Fazenda Pública.”52

O pagamento e o depósito judicial do tributo são atos jurídicos que não se confundem. As principais diferenças se referem aos seus efeitos tributários: o primeiro extingue o crédito tributário, e o segundo suspende a sua exigibilidade, remanescendo o crédito como existente. Além disso, há outras diferenças entre tais atos jurídicos, que reforçam a impossibilidade de eles serem tratados como semelhantes:

Definitivamente da destinação dos recursos

Existência de controvérsia quanto à respectiva obrigação

Redução do patrimônio do contribuinte

Dedutibilidade para fins
IRPJ/CSLL

Possibilidade de caracterizar denúncia espontânea (segundo o STJ)

Pagamento

4

8

4

4

4

Depósito judicial

8

4

8

8

8

Como destacado no quadro acima, no caso do depósito judicial, não há certeza quanto ao destino dos recursos depositados, que podem ser percebidos pelo contribuinte ou pela Fazenda Pública, a depender da decisão final do processo. Diferente é a hipótese do pagamento do tributo, cujo destino para o Erário é certo e imediato.

Diferentemente da hipótese do pagamento, que consubstancia a não insurgência do contribuinte contra a exigência tributária, o processo judicial simboliza a existência de uma controvérsia contra tal exigência, não havendo certeza se a obrigação tributária questionada – relativa ao tributo depositado – vai ser mantida ou afastada pelo Poder Judiciário.

Enquanto não ocorre a definição do desfecho do processo judicial, os valores depositados permanecem dentro da esfera patrimonial do contribuinte, em conta judicial vinculada ao processo. Contabilmente, os valores depositados são registrados em conta contábil do seu ativo e podem não afetar o resultado, caso a probabilidade de perda da ação judicial não seja considerada “provável”, conforme o item 14 do Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábil n. 2553, ou até o término da ação com desfecho que seja desfavorável. Os valores depositados, em regra, ficam indisponíveis, porém ainda integrantes da sua esfera patrimonial.

Embora a não dedutibilidade dos depósitos judiciais, por força dos arts. 7º e 8º, da Lei n. 8.541/1992 e do art. 41 da Lei n. 8.981/199554 possa ser considerada um aspecto alheio ao tema, sendo mero tratamento fiscal específico, é oportuna a sua identificação como aspecto distintivo dos depósitos judiciais em comparação com o pagamento de tributo, como argumento de reforço da ausência de definitividade da destinação dos recursos depositados. Ou seja, enquanto se trata de mera provisão contábil ou tendo sido a sua exigibilidade suspensa, o tributo depositado não pode ser tratado, para fins fiscais, como pagamento. A incerteza momentânea – no curso do processo judicial – do destino dos valores depositados é uma marca determinante para que a sua recuperação não seja considerada uma restituição para fins fiscais.

Ademais, a atual jurisprudência da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça não reconhece o depósito judicial como ato apto para caracterizar a denúncia espontânea, que somente se caracterizaria por meio de pagamento55. O critério adotado pela Corte Superior para diferenciar o pagamento do tributo e o seu depósito judicial, para fins da denúncia espontânea, refere-se aos “custos de conformidade”. Segundo essa decisão, a Administração Tributária estaria, no caso do pagamento do tributo, “preservada dos custos administrativos correspondentes à fiscalização, constituição, administração, cobrança administrativa e cobrança judicial dos créditos tributários”. Por outro lado, no caso dos depósitos judiciais, haveria a “criação de um novo custo administrativo para a Administração Tributária”, que para receber o tributário deve “ir a juízo para discutir” a correição da exigência do “crédito tributário cuja exigibilidade encontra-se suspensa pelo depósito”.

Embora o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seja questionável, porque nos dois casos o contribuinte tomou a iniciativa de promover a sua conformidade (antes de qualquer procedimento de fiscalização), esse precedente reforça a ideia de que o pagamento do tributo e o depósito judicial de tributo não vem sendo equiparados, para diversos fins fiscais.

Por fim, cabe afastar um possível argumento em sentido diverso, qual seja, o de que o fato de a Lei Complementar n. 151, de 5 de agosto de 2015, autorizar que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a utilizarem até 70% (setenta por cento) “valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativo” representaria uma espécie de pagamento. No entanto, esse argumento seria improcedente, pois a disponibilização dos recursos constantes em instituições financeiras públicas para utilização dos entes federativos em nada altera a natureza jurídica do depósito judicial56. Além disso, essa autorização representa uma mera regra de fluxo de caixa da Administração Pública que em nada modifica a esfera do patrimônio do contribuinte, nem deve prejudicar o seu direito de levantar depósitos judiciais ao final de ações que se encerrarem com decisão que lhe seja favorável. Mal comparando, é como se o fato de a instituição financeira, onde depositamos nossas reservas pessoais, poder investir os recursos sobre a sua administração alterasse a nossa titularidade em relação a tais montantes. É dizer: uso do recurso depositado não altera a natureza, nem a titularidade do depósito.

Feita a distinção da natureza e dos efeitos do pagamento e do depósito judicial, é oportuno avaliar a inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional aos depósitos judiciais. Há divergência na doutrina sobre o tema.

De um lado, José Eduardo Soares de Melo ensina que, “caso tenha ocorrido o depósito, mas, ao mesmo tempo, tenha sido lançado o tributo (em documento fiscal) e este tenha sido suportado por terceiro, seria o caso de cogitar a aplicação do art. 166 do CTN”57.

De outro lado, Hugo de Brito Machado leciona que o art. 166 do Código “não comporta interpretação ampliativa”, acrescentando que seria um “contrassenso” o não levantamento do depósito judicial após a decisão judicial favorável ao contribuinte, e que, se assim fosse, não estaria garantida a “eficácia da sentença”58.

No mesmo sentido, Schubert de Farias Machado defende a ideia de que, no caso do depósito judicial, o contribuinte não entrega recursos ao Poder Executivo, mas realiza um depósito que fica à disposição do Poder Judiciário, com a intenção de, ao final da ação, recuperá-lo ou ver a sua conversão em renda. Além disso, Schubert enxerga no art. 166 do Código uma regra excepcional que, como tal, não poderia ser objeto de uma interpretação extensiva, de modo a contemplar situações que nela não foram previstas, como o depósito judicial59.

Por fim, também com a mesma conclusão, Hugo de Brito Machado Segundo afirma que o escopo de aplicação do art. 166 do Código se limitaria à hipótese da restituição de tributo, o que, por sua natureza, não se confundiria com o levantamento dos depósitos judiciais60.

A nosso ver, portanto, há diversas razões para justificar a não aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional ao levantamento de depósitos judiciais.

A primeira razão para justificar a impossibilidade de sua aplicação aos depósitos judiciais é óbvia: sem pagamento, não há restituição e, portanto, o critério fixado pelo legislador é impertinente às situações em que não houve pagamento, e sim mero depósito judicial. Até porque, como visto acima, pagamento e depósito judicial são inconfundíveis para fins fiscais. Logo, a restituição e o levantamento de depósito judiciais também não devem ser equiparados, nada havendo no art. 166 do Código que justifique tal equiparação para fins da sua aplicação.

Em segundo lugar, sendo o art. 166 uma norma excepcional que limita o exercício de direito fundamental à propriedade, ele deve ser interpretado restritivamente. Se o legislador quisesse ampliar a regra excepcional do art. 166 para outras situações além da restituição, ele deveria ter assim o feito de maneira expressa. A exigência de precisão, assertividade e clareza da norma excepcional é uma garantia do contribuinte contra a extensão indevida, porque ilegal, das normas que atentam contra o seu patrimônio. A limitação do direito fundamental à propriedade (consubstanciado no direito à repetição de indébitos fiscais), nesse particular, deve respeitar, restritivamente, os limites da lei aplicável e esta lei deve estar escorada em fundamento constitucional válido para motivar tal limitação61. A exigência de previsão expressa serve como um mecanismo de identificação do fundamento constitucional a ser testado; sem tal previsão, não se sabe, ao certo, qual é o seu fundamento de legitimação, que, assim, deve ser considerado inexistente. No caso do depósito judicial, não há lei, nem fundamento constitucional aplicável. É dizer: se a exceção não for expressa, aplica-se a regra geral, sobretudo quando essa regra geral reafirma a tutela de direitos fundamentais.

A exigência de previsão expressa do depósito judicial tem um fundamento adicional: de acordo com o art. 109 do Código Tributário Nacional, o legislador pode estabelecer regras específicas em matéria tributária, porém, se assim não o fizer de maneira expressa, aplicam-se as disposições do Direito Privado. As lições de Humberto Ávila62, Aliomar Baleeiro63 e Luciano Amaro64 são eloquentes no sentido da exigência de previsão expressa para justificar um tratamento específico em matéria tributária quando ele é diferente daquele encontrado no Direito Privado. Tais lições são aqui pertinentes para fundamentar a conclusão de que, como o art. 166 do Código Tributário Nacional não tratou expressamente do depósito judicial, aplicam-se as regras sobre o tema previstas no Direito Privado, inclusive do Código de Processo Civil, segundo as quais ao término da ação judicial os tributos depositados devem ser convertidos em renda da Fazenda Pública, caso a decisão final seja favorável ao Fisco, ou levantados pelo contribuinte, na hipótese de a decisão final ser favorável ao contribuinte. Aplica-se, nesse caso, a regra geral constante do art. 8º da Lei Complementar n. 151/201565.

Em terceiro lugar, caso fosse aplicado o art. 166 do Código Tributário Nacional aos depósitos judiciais, haveria uma limitação excessiva do direito de petição, protegido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), uma vez que os contribuintes de direito do ICMS, em um cenário de comércio massificado, estariam desprovidos do direito de acessar o Poder Judiciário para questionar materialidades relativas ao ICMS. Por um lado, a restituição estaria obstada por força da previsão expressa no art. 166 do Código; por outro lado, o depósito judicial sofreria o mesmo desfecho (ainda que sem previsão expressa). O resultado prático seria a impossibilidade de recuperação de valores indevidos a título de ICMS nesse contexto do comércio eletrônico ou massificado. Na prática, a inaplicabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional aos depósitos judiciais é um estímulo – por meio da recuperabilidade de tributos indevidos – para que os contribuintes de direito colaborem com o aprimoramento do Sistema Tributário Nacional, por meio de ações judiciais que culminam com o reconhecimento da invalidade de determinadas cobranças do ICMS.

Essas razões, a nosso ver, são suficientes para motivar a não aplicação do art. 166 do Código Tributário Nacional ao levantamento dos depósitos judiciais.

3.2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria

Para finalizar o presente estudo, é oportuno avaliar o atual cenário jurisprudencial sobre o tema, a fim de identificar a eventual correspondência entre os critérios acima examinados e os parâmetros empregados nos precedentes localizados.

De início, é oportuno mencionar que, de maneira geral, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em regime de recursos repetitivos66, aplica o art. 166 do Código Tributário Nacional para a restituição de indébitos de ICMS. É curioso notar que, em alguns casos, o Superior Tribunal de Justiça aponta que não caberia a aplicação do art. 166, sob a justificativa de que não haveria repasse do ônus do tributo. Entretanto, uma das hipóteses previstas pelo art. 166 é justamente aquela em que não há repasse do encargo financeiro do ICMS. Ou seja, o repasse, ou não, do encargo é um critério adotado pelo referido dispositivo. Mais correto seria, portanto, aplicar o art. 166 para permitir a restituição, uma vez que atendidos os seus requisitos.

Quatro situações – de suposta “inaplicabilidade” do art. 166 – merecem destaque, quais sejam, as restituições do ICMS nos casos de: (i) bonificação; (ii) transferência de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte; (iii) preços regulados ou tabelados; e (iv) compra de bens de uso e consumo.

A primeira situação se refere à hipótese em que as mercadorias são dadas em bonificação e houve recolhimento indevido do ICMS, sujeito, portanto, à restituição. Nesse caso, como o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que não haveria incidência de ICMS sobre entrega de mercadorias em bonificação67, adota-se a conclusão de que “não há contraprestação financeira que possa fazer constar o repasse da exação”68. Ou seja, como não houve tributação, não houve repasse e, portanto, é permitida a restituição.

A segunda situação estaria relacionada com a mesma premissa: na transferência de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, não há incidência de ICMS. Logo, “não se aplicaria” o art. 166, na medida em que inexistiria “a figura de terceira pessoa a quem possa ser transferido o encargo financeiro”69.

A terceira situação remonta às bases teóricas – e às impropriedades – do art. 166: o preço tabelado ou regulado já foi considerado, pelo Superior Tribunal de Justiça, como um indicativo de que o contribuinte de direito não teria qualquer ingerência – nem potenciais benefícios – em relação à futura variação na carga tributária de ICMS na operação, uma vez, havendo o destaque ou não do ICMS, o preço seria o mesmo. Nesses casos, até 2010, o Superior Tribunal de Justiça sinalizava que o art. 166 do Código seria inaplicável, porque “em se tratando de produto tabelado, há uma presunção (relativa) de não repasse, que precisa ser elidida pelo Fisco com prova contrária, que, no caso, não houve, de modo específico”70. Mais recentemente, sobretudo, após o ano de 2016, o Superior Tribunal de Justiça passou a acolher o entendimento de que, mesmo na hipótese de preços tabelados ou controlados, o art. 166 seria aplicado para obstar a restituição do ICMS. Essa mudança de orientação ocorreu no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.191.469/AM, realizado em 13 de abril de 2016, quando a Primeira Seção, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, rejeitou a restituição de ICMS pleiteada pela companhia aérea VASP sobre passagens aéreas, passando a não mais admitir a premissa de que existiria uma “presunção relativa de não repasse ao consumidor final nos casos em que houve o tabelamento de preços”71. Infelizmente, equivoca-se a Corte Superior ao desconsiderar que uma eventual alteração futura no valor do ICMS na operação não modifica, juridicamente, o preço anteriormente praticado (do ponto de vista do contribuinte de fato), sendo irrelevante se esse preço é regido pelo mercado ou por normas regulatórias.

A quarta e última situação aqui destacada se refere à hipótese em que o contribuinte compra bens destinados a uso e consumo em operações interestaduais e realiza pagamento do Diferencial de Alíquota de ICMS. Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça tem afastado a aplicação do art. 166 do Código sob o argumento de que deveria ser respeitado o princípio da não cumulatividade para se admitir o aproveitamento do crédito relativo ao ICMS, ainda que registrado de maneira extemporânea72. A nosso ver, a restituição de ICMS nessa hipótese atende aos critérios do art. 166, na medida em que não há repasse, pelo contribuinte de direito para terceiros, do encargo econômico do ICMS no uso e consumo de bens, tendo em vista que, nessa situação, ele também atua como contribuinte de fato, pois é vedado o creditamento de ICMS sobre o imposto incidente nessa aquisição, conforme o art. 33 da Lei Complementar n. 87/1996.

Além da questão da aplicação do art. 166 do Código para repetição de ICMS e das respectivas exceções, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem precedentes sobre o não emprego desse dispositivo na hipótese em que o contribuinte realiza um depósito judicial. Embora existam poucos precedentes sobre o assunto, é possível identificar duas linhas de raciocínio: (i) processualmente, a consequência lógica da decisão favorável ao contribuinte é o levantamento do depósito; e (ii) a aplicação do art. 166 depende da existência de um pagamento indevido de tributo indireto, o que não se verifica no caso de depósito judicial.

Essas linhas de raciocínio podem ser encontradas, por exemplo, em dois precedentes: (i) Recurso Especial n. 547.706/DF, e (ii) Recurso Especial n. 1.377.781/MG.

No Recurso Especial n. 547.706/DF73, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a aplicação do art. 166, sob o argumento de que a restituição e o levantamento de depósito judicial não se confundem. Adotou-se o entendimento de que como não havia pleito de repetição de indébito no mandado de segurança (“até pela inadequação da via”), seria “impertinente a alegação de vulneração ao disposto no art. 166 do Código Tributário Nacional”.

Já o Recurso Especial n. 1.377.781/MG74 merece um exame mais detalhado. Tratava-se de um Mandado de Segurança impetrado pela empresa Telemar Norte Leste S/A para questionar a incidência de ICMS sobre valores cobrados a título de linhas telefônicas.

Nos autos do Mandado de Segurança, diante da negativa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para que a empresa pudesse efetuar o depósito judicial dos valores controvertidos nos autos, a Impetrante optou por realizá-los na via administrativa, conforme prevê a lei mineira. Ao final da demanda, restando a Impetrante vitoriosa no mérito, esta realizou um requerimento nos autos do processo judicial para que pudesse realizar o levantamento do depósito administrativo efetuado. Após indeferimento do pedido em primeiro grau, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu, em sede de Agravo de Instrumento, que o levantamento depositado deveria ser deferido pois (i) a legislação estadual prevê que obtida decisão judicial favorável transitada em julgado, deve ser garantida a devolução dos valores depositados administrativamente e (ii) ao caso concreto, não se aplicaria o art. 166 do CTN.

Defendendo que o valor depositado administrativamente não pertencia à empresa, uma vez que houve repasse do tributo aos consumidores de fato, o Estado de Minas Gerais interpôs Recurso Especial à Corte Superior. O voto do relator Napoleão Nunes Maia Filho, que foi acompanhado pela maioria dos Ministros, acolheu os dois argumentos acima apontados.

De um lado, sustentou-se ser inadmissível empregar o art. 166 do Código Tributário Nacional, uma vez que este dispositivo legal seria aplicável exclusivamente aos casos de restituição ou repetição de indébito (i.e., quando há pagamento indevido de algum tributo), afastando assim a sua equiparação ao depósito judicial. De outro lado, o Ministro Relator afirmou que “inexiste dúvida de que este fica vinculado ao resultado da demanda ajuizada para discutir aquele débito”. Isso porque “é consequência lógica e imediata do resultado positivo da demanda para o contribuinte a liberação da garantia ofertada”. Isto é, o depósito poderá ser levantado por aquele que sair vencedor da demanda judicial, sem necessidade de se comprovar a ausência de repasse do tributo discutido ao contribuinte de fato.

A nosso ver, é acertada essa decisão do Superior Tribunal de Justiça, pois o art. 166 do Código Tributário Nacional não se aplica aos depósitos judiciais, pelas diversas razões acima apontadas. Entretanto, um breve comentário constante dessa decisão merece críticas: o Ministro Relator afirmou que “o Ministério Público poderá atuar na defesa dos interesses desses consumidores, tomando as medidas administrativas ou judiciais cabíveis, se for o caso”. Porém, não há direitos dos consumidores em relação ao ICMS a serem tutelados pelo Ministro Público, pois, como dito acima, o preço pago pelo contribuinte de fato não tem natureza de tributo, não havendo pretensão alguma contra ato – do contribuinte de direito – que não atenta contra o Direito. É dizer: não há irregularidade alguma por parte do contribuinte de direito que dê ensejo a “medidas administrativas ou judiciais cabíveis”. A ressalva indicada no voto (“se for o caso”) é impertinente ao tema, pois em “nenhum caso”, tais medidas seriam cabíveis.

Conclusões

O art. 166 do Código Tributário Nacional é inaplicável ao levantamento dos depósitos judiciais por quatro grupos de argumentos, baseados na sua: (i) inconstitucionalidade, (ii) derrotabilidade, (iii) revogação e (iv) impertinência.

Primeiramente, esse dispositivo legal é inconstitucional e maculado de diversas impropriedades. Trata-se do que chamamos neste artigo dos seus “vícios de origem”, dentre os quais, foram destacados (i) o fato de que a modificação posterior nos fatores que compõem o preço não caracteriza, juridicamente, um direito de restituição para o contribuinte de fato, e (ii) o acolhimento, equivocadamente, da premissa de prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Tais aspectos permitem dizer que o art. 166 do Código Tributário Nacional não deve ser considerado como recepcionado pela atual Constituição Federal de 1988.

Além dos vícios de origem, foram identificadas razões para a derrotabilidade do art. 166 do Código Tributário Nacional, em função da sua obsolescência e impraticabilidade no cenário de comércio eletrônico ou massificado. Mais do que isso, o seu emprego tem como consequência prática relativa à restrição excessiva a direitos fundamentais do contribuinte (dentre eles, o direito à propriedade privada e o direito de petição), em contrariedade aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ademais, a edição de normas de Direito Civil e normas processuais posteriores à promulgação do art. 166 do Código Tributário Nacional tratando de bens jurídicos análogos – ou atrelados aos seus fundamentos de origem – justifica a sua revogação tácita.

Em segundo lugar, em caráter subsidiário, ou seja, mesmo que o art. 166 do Código não seja afastado em razão dos seus vícios de origem, da sua inconstitucionalidade, da sua derrota ou da sua revogação tácita, ainda assim, ele não poderia ser aplicado ao levantamento de depósitos judiciais, porque impertinente, o que se justifica por três razões específicas.

Primeiramente, pagamento de tributo e depósito judicial são atos jurídicos com natureza e efeitos jurídico-tributários bastante diferentes e, assim, a restituição de tributo e o levantamento de depósito de tributo não podem receber o mesmo tratamento para fins do art. 166 do Código. Nesse ponto, a viabilidade do uso pelos Estados de parte (até 70%) dos recursos depositados, conforme autorizado pela Lei Complementar n. 151, de 5 de agosto de 2015, não altera a natureza desses atos e, assim, nada muda quanto à impossibilidade de equiparação entre restituição de tributo e levantamento de depósitos judiciais.

Em segundo lugar, o art. 166 do Código Tributário Nacional deve ser lido como uma norma de exceção que limita o exercício de direito fundamental e, como tal, não pode ser interpretada extensivamente. Seria necessário uma previsão expressa, nesse dispositivo, tratando do depósito judicial (e não apenas da restituição), para que fosse possível a sua aplicação naquela hipótese. A exigência de normas expressas para estabelecer efeitos tributários diferentes daqueles encontrados no Direito Privado é decorrência lógica do art. 109 do Código Tributário Nacional, o que deve ser observado nessa seara.

Por fim, a interpretação segundo a qual o art. 166 do Código Tributário Nacional seria uma condição de ação para discutir débitos de ICMS com efeitos patrimoniais em relação a período do passado representa uma violação ao direito de petição, garantido art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, além de resultar em desestímulo os contribuintes a buscarem o Poder Judiciário para fins do aprimoramento do Sistema Tributário Nacional em matéria de tributos indiretos.

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1 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 1.287.019, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 24.02.2021.

2 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (61).

3 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (69).

4 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (72-73).

5 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (100-101).

6 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário. Rio de Janeiro, 1954, p. 462.

7 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (75).

8 IBDF. Codificação do direito tributário n. 4. Rio de Janeiro, 1955, p. 309.

9 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Tema: repetição de indébito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Caderno de Pesquisas Tributarias n. 8. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 1-16 (10).

10 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Tema: repetição de indébito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Caderno de Pesquisas Tributarias n. 8. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 1-16 (5-8).

11 Anteprojeto do Processo Tributário. “Art. 177. É parte legítima da pleitear a repetição, o sujeito passivo da obrigação tributária ou o infrator que tiver pago penalidade, ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá de ação de regresso contra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide como assistente, e requerer ao juiz que a restituição lhe seja feita.” (Destaques nossos)

12 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Tema: repetição de indébito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Caderno de Pesquisas Tributarias n. 8. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 1-16 (6).

13 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (87).

14 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Ainda a restituição dos tributos “indiretos”. Revista do Programa de Pós-graduação em Direito da UFC vol. 32.1, jul./dez. 2012.

15 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 212-242 (224).

16 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (100-101).

17 SCHOUERI, Luís Eduardo. A restituição de impostos indiretos no sistema jurídico-tributário brasileiro. Revista de Administração de Empresas vol. 27, n. 1. São Paulo, jan./mar. 1987. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901987000100005. Acesso em: 29 mar. 2021.

18 Nesse sentido, confira-se: GRECO, Marco Aurélio. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Caderno de Pesquisas Tributarias n. 8. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 277-291 (278-279).

19 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário. Rio de Janeiro, 1954, p. 462.

20 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 44.115/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Ribeiro da Costa, julgado em 02.10.1961: “[...] é certo que o consumidor anônimo e inominado dificilmente poderá recuperá-lo. Mas, entre devolvê-lo a quem não o pagou ou conservá-lo nos cofres públicos, onde entrou indevidamente é preferível e convinhável optar pela última alternativa, que assegura a sua aplicação no interesse geral da coletividade.”

21 ÁVILA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado n. 11. Salvador, set./nov. 2007, p. 14.

22 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 70-71.

23 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo – direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 103-105.

24 ROCHA, Paulo Victor Vieira da. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos dos contribuintes e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 36 (nota de rodapé 21).

25 SILVA, Virgílio Afonso. Na encruzilhada liberdade-autoridade: a tensão entre direitos fundamentais e interesses coletivos. In: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes et. al. (coord.). Direito público em evolução: estudo em homenagem à Professora Odete Medauar. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 735-747 (745).

26 CALIENDO, Paulo. Repetição de indébito de ICMS: legitimidade ad causam. In: BRIGADÃO, Gustavo; MATA, Juselder Cordeiro da (org.). Temas de direito tributário: em homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2020. vol. 2, p. 499-525 (524).

27 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 210.

28 Supremo Tribunal Federal. Memória Jurisprudencial – Ministro Aliomar Baleeiro. Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. Brasília, 2006, p. 131.

29 Em 2020, o comércio eletrônico cresceu 68% em comparação com 2019. Confira-se: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/comercio-eletronico-salto-2020-varejo/. Acesso em: 29 mar. 2021.

30 TOMÉ, Luciana Mota. Comércio eletrônico. Caderno Setorial ETENE ano 3, n. 43, set. 2018.

31 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 455.

32 SCHAUER, Frederick. Is defeasibility an essential property of law? In: BELTRÁN, Jordi Ferrer; RATTI, Giovanni Battista (org.). Law and defeasibility. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 77-88 (77).

33 FENSTERSEIFER, Wagner Arnold. A derrotabilidade da regra tributária. Revista Direito Tributário Atual vol. 40. São Paulo: IBDT, 2018, p. 443-468 (457-459).

34 DANIEL NETO, Carlos Augusto. Derrotabilidade de regras tributárias e a segurança jurídica substancial. Tese de Doutorado sob a orientação do Professor Estevão Horvath. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018, p. 121.

35 DANIEL NETO, Carlos Augusto. Derrotabilidade de regras tributárias e a segurança jurídica substancial. Tese de Doutorado sob a orientação do Professor Estevão Horvath. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018, p. 125.

36 Código Tributário Nacional: “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: [...] IV – a equidade. [...] § 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.”

37 DANIEL NETO, Carlos Augusto. Derrotabilidade de regras tributárias e a segurança jurídica substancial. Tese de Doutorado sob a orientação do Professor Estevão Horvath. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018, p. 225.

38 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 212-242 (225).

39 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 903.394/AL, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.03.20210.

40 Excepciona-se, deste entendimento, a questão da incidência de ICMS sobre a aquisição de energia elétrica, em relação à qual o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade ativa do contribuinte de fato: Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.299.303/SC, Primeira Seção de Julgamento, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 08.08.2012.

41 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 76.

42 Nesse sentido, confira-se: CALIENDO, Paulo. Repetição de indébito de ICMS: legitimidade ad causam. In: BRIGADÃO, Gustavo; MATA, Juselder Cordeiro da (org.). Temas de direito tributário: em homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2020. vol. 2, p. 499-525 (517).

43 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (88).

44 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106 (88).

45 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário. Rio de Janeiro, 1954, p. 462.

46 Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

47 Código de Processo Civil: “Art. 927 [...] § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”

48 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.”

49 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 449.

50 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 487-490.

51 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2009. vol. 3, p. 392-393.

52 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 695-696.

53 Comitê de Pronunciamentos Contábil. Pronunciamento n. 25, divulgado em 16.09.2009, p. 5.

54 Lei n. 8.541, de 23 de dezembro de 1992: “Art. 7° As obrigações referentes a tributos ou contribuições somente serão dedutíveis, para fins de apuração do lucro real, quando pagas. § 1º Os valores das provisões, constituídas com base nas obrigações de que trata o caput deste artigo, registrados como despesas indedutíveis, serão adicionados ao lucro líquido, para efeito de apuração do lucro real, e excluído no período-base em que a obrigação provisionada for efetivamente paga. Art. 8º Serão consideradas como redução indevida do lucro real, de conformidade com as disposições contidas no art. 6º, § 5º, alínea b, do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, as importâncias contabilizadas como custo ou despesa, relativas a tributos ou contribuições, sua respectiva atualização monetária e as multas, juros e outros encargos, cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do art. 151 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial em garantia.”

Lei n. 8.981, de 20 de janeiro de 1995: “Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência. § 1º O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial.”

55 Superior Tribunal de Justiça, Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.131.090/RJ, Primeira Seção, Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28.12.2015.

56 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 696.

57 MELO, José Eduardo Soares de. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 243-260 (249).

58 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 180-211 (191).

59 MACHADO, Schubert de Farias. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 401-431 (419).

60 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 212-242 (227).

61 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 42-50.

62 ÁVILA, Humberto. Eficácia do Novo Código Civil na legislação tributária. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Direito tributário e o Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 71-72.

63 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualização de Misabel Abreu Machado Derzi. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 685: “O art. 109 autoriza o legislador tributário a atribuir a um instituto de Direito Privado – dentro dos limites constitucionais existentes – efeitos tributários peculiares. E se o legislador tributário não o fizer expressamente, não poderá o intérprete adaptar o princípio ou instituto de Direito Privado para aplicar-lhe efeitos tributários especiais.” (Destacou-se)

64 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 244-245: “A identidade do instituto, no direito privado e no direito tributário, dá-se sempre que o direito tributário não queira modificá-lo para fins fiscais, bastando, para que haja essa identidade, que ele se reporte ao instituto sem ressalvas. Se, porém, o direito tributário quiser determinar alguma modificação, urge que o diga de modo expresso. [...] Só quando queira é que a lei tributária irá, de modo expresso, modificar esses institutos ou conceitos (para fins tributários, obviamente).”

65 Lei Complementar n. 151/2015: “Art. 8º Encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o depositante, mediante ordem judicial ou administrativa, o valor do depósito efetuado nos termos desta Lei Complementar acrescido da remuneração que lhe foi originalmente atribuída será colocado à disposição do depositante pela instituição financeira responsável, no prazo de 3 (três) dias úteis [...].”

66 Superior Tribunal de Justiça. Regime de recursos repetitivos, Tema 114. Recurso Especial n. 1.110.550, Primeira Seção, Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 22.04.2009. No mesmo sentido, confiram-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp 201.055/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 02.10.2012, DJe 09.10.2012; AgRg no REsp n. 1.233.729/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24.09.2013.

67 Superior Tribunal de Justiça. Regime de recursos repetitivos, Tema 144, Recurso Especial n. 1.111.156/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14.10.2009.

68 Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no REsp n. 1.366.622/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 10.09.2013; AgInt no REsp n. 1.352.948/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 09.02.2018; REsp n. 1.795.770/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15.08.2019.

69 Superior Tribunal de Justiça. AREsp n. 581.679/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 04.12.2018; AgInt no AREsp n. 1.134.366/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 15.12.2020.

70 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no Ag n. 1.020.121, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10.08.2010. No mesmo sentido, confira-se: Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 781.285/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 26.06.2007; REsp n. 317.920/BA, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20.08.2007; REsp n. 138.007/ES, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 07.11.1997.

71 Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.191.469/AM, Rel. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 13.04.2016.

72 Superior Tribunal de Justiça. AgInt no Recurso Especial n. 1.863.615, Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 08.02.2021. A tese da inaplicação do art. 166 do CTN ao crédito extemporânea de ICMS tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica, por exemplo, no seguinte precedente: AgRg no REsp n. 1.178.563/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01.03.2011.

73 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 547.706/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.12.2003.

74 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.377.781/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 10.12.2013.