Subvenções para Investimento e os Incentivos de ICMS: uma Análise da SC Cosit n. 145/2020 e da LC n. 160/2017

Investment Grants and the ICMS Tax Credits/Incentives: an Analysis of SC Cosit n. 145/2020 and LC n. 160/2017

Carlos Eduardo Makoul Gasperin

Mestre em Direito Tributário pela FGV/Direito SP. Advogado em Curitiba/PR. E-mail: carlos@casilloadvogados.com.br.

Recebido em: 16-05-2021

Aprovado em: 13-07-2021

Resumo

O presente trabalho analisa as conclusões postas pela Receita Federal (RFB) na SC Cosit n. 145/2020 quanto aos requisitos para qualificação dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção de investimento em face do disposto no art. 30 da Lei n. 12.973/2014. Conclui-se pela inadequação jurídica do posicionamento da RFB face ao ordenamento jurídico nacional, apontando que a LC n. 160/2017, ao alterar a Lei n. 12.973/2014, equiparou todos os incentivos de ICMS às subvenções para investimento, desde que preenchidos os requisitos contábeis exigidos.

Palavras-chave: ICMS, incentivos, subvenção para investimento, LC 160/2017, IRPJ, SC Cosit n. 145/2020.

Abstract

This essay addresses the conclusions presented by the Brazilian Federal Revenue Service (FRS) under SC Cosit n. 145/2020 about the requirements for considering ICMS tax credits/incentives as investment grants as determined by Section 30 of Law n. 12.973/2014. Therefore, it concludes that the FRS’s understanding is not suitable to the best approach of the Brazilian legal order and states that when LC n. 160/2017 has modified the Law n. 12.973/2014 it has treated as investment grants all of ICMS tax credits/incentives, as long as such credits/incentives fulfills the accounting requirements.

Keywords: ICMS, tax incentives, tax credits, investment grants, LC 160/2017, IRPJ, SC Cosit n. 145/2020.

1. Introdução

Apesar de seu caráter intencionalmente “pacificador” de temas controvertidos a respeito da chamada “guerra fiscal” do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, a Lei Complementar (LC) n. 160/2017 tem suscitado dúvidas quanto aos impactos da tributação pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos incentivos e benefícios fiscais e financeiros daquele imposto estadual.

A Receita Federal do Brasil (RFB) tem contribuído de certa maneira com esse cenário de incerteza. Nos estertores do ano de 2020, com a publicação da Solução de Consulta (SC) Cosit n. 145, de 22 de dezembro de 2020, que reformou a SC Cosit n. 11, de 9 de março de 2020, a autoridade tributária reascendeu o debate sobre as condições para que incentivos fiscais de ICMS possam ser considerados como subvenções para investimento, a fim de que sejam excluídos das bases do IRPJ e da CSLL.

O objetivo do presente trabalho é analisar essa nova interpretação dada pela RFB ao art. 30, § 4º, da Lei n. 12.973/2014 em face da própria LC n. 160/2017 e de seus desígnios extraídos do seu texto normativo para, com isso, solucionar o problema proposto de saber se esse “novo” entendimento do fisco federal é ou não adequado ao escopo normativo que rege os impactos tributários no IRPJ e na CSLL dos incentivos fiscais de ICMS tratados como subvenção para investimento.

Para isso, no segundo capítulo será feita uma análise da LC n. 160/2017 e da conjuntura em que ela foi inserta no ordenamento jurídico brasileiro, bem como serão apresentados os posicionamentos da Receita Federal que culminaram na SC Cosit n. 145/2020, cujas conclusões e fundamentos são o objeto do presente estudo.

Na terceira parte do estudo será analisado o novel entendimento exarado pela RFB na citada SC Cosit n. 145/2020 e sua adequação ou não diante do texto normativo posto pela LC n. 160/2017, sua função e correlação com a norma constitucional, a fim de que se aponte se a justificativa por detrás da interpretação oficial sugerida é razoável e adequada ao nosso ordenamento.

Por fim, serão apresentadas as conclusões extraídas do breve estudo que aqui se propõe, apresentando resposta ao problema central do presente artigo, bem como algumas recomendações práticas à comunidade jurídica nacional.

2. A RFB em face da questão dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento: breve análise dos principais posicionamentos já exarados

2.1. Dos entendimentos anteriores à Lei n. 12.973/2014 e à LC n. 160/2017

As subvenções, tratadas pelo Direito Financeiro como investimentos do poder público na modalidade de Transferências Correntes, classificam-se como subvenções sociais (destinadas a entidades de caráter assistencial ou cultural sem fins lucrativos) ou econômicas, estas últimas destinadas a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola, ou pastoril, sendo, inicialmente, previstas pela legislação financeira (Lei n. 4.320/64, art. 12, §§ 2º e 3º) como “destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas”.

Nessa época, a legislação tributária já entendia que essas dotações para custeio recebidas do poder público deveriam transitar pelo resultado tributável para fins de apuração do Imposto sobre a Renda, conforme previa o art. 44, IV, da Lei n. 4.506/64.

Esse vácuo na legislação tributária causava dúvidas aos contribuintes, principalmente quando esses se beneficiavam de incentivos fiscais do antigo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM). A RFB tentou preencher esse vácuo por meio do Parecer Normativo CST 142/73 (DOU 16.10.1973), fixando o entendimento de que os auxílios recebidos, vinculados ou não a impostos, ainda que como estímulo à industrialização mediante investimentos em ativo fixo, seriam considerados subvenções e, como tais, deveriam transitar pelo resultado tributável1.

A Lei n. 6.404/76 inovou o ordenamento jurídico nacional, trazendo nova realidade societária e contábil. Dentre as inovações postas estava a determinação de diferenciar contabilmente as subvenções para investimento, devendo os valores recebidos a esse título, pela companhia, serem creditados à conta de reservas de capital, no patrimônio líquido.

Essa determinação trazia claro impacto na determinação do lucro real, tendo a capacidade de excluir da tributação pelo IRPJ determinadas quantias recebidas pela companhia, do poder público. Além disso, a Lei das S/A não solucionava o problema de saber se e quando determinado incentivo fiscal deveria ou não ser considerado como subvenção para investimento e, assim, creditado à conta de reserva de capital.

Em setembro de 1977 foi promulgado o Decreto-lei n. 1.598/77, que atualizou a legislação tributária diante da nova realidade contábil imposta pela Lei n. 6.404/76. No que toca ao tema das subvenções para investimento, coube ao seu art. 38, § 2º, regulamentá-lo. De forma expressa, apontou que a subvenção para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, não seria tributada – superando o entendimento do PN CST n. 142/73 –, desde que registrada como reserva de capital que poderia ser utilizado apenas para absorver prejuízos ou ser incorporado ao capital social.

Nesse momento, então, poder-se-ia dizer que o ordenamento jurídico tributário nacional vislumbrava duas subespécies de subvenções econômicas: (i) as destinadas a fazer frente às despesas correntes da companhia, sem nenhuma contrapartida específica2, cuja tributação era determinada pelo art. 44, IV, da Lei n. 4.506/64; e (ii) aquelas destinadas a estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, mesmo que por meio de reduções de impostos, que poderiam não ser computadas no lucro real, desde que creditadas à conta específica de reserva de capital do patrimônio líquido e respeitando-se as limitações de utilização previstas no art. 38, § 2º, do Decreto-lei n. 1.598/77.

Contudo, a legislação tributária à época não esclareceu os requisitos necessários para que determinado incentivo fiscal pudesse receber o tratamento contábil-fiscal de subvenção para investimento e, como tal, não compor o lucro real do período.

Nesse cenário de incerteza, a RFB pronunciou-se, inicialmente, por meio do Parecer Normativo CST n. 2/78 (DOU 16.01.1978)3. Nesse ato, fixou-se a ideia de que a subvenção para investimento estaria vinculada à aquisição de ativos pela empresa subvencionada ou à realização de obra pública a ser, posteriormente, entregue ao ente subvencionante ou a outra pessoa de direito público.

Nessa esteira, em 11/01/1979, foi publicado o Parecer Normativo (PN) CST n. 112/78 (DOU 11.01.1979)4, por meio do qual a Receita Federal do Brasil exarou seu entendimento oficial no sentido de que as isenções e reduções de impostos, para serem consideradas como subvenções para investimento e poderem receber o tratamento contábil-fiscal que lhes capacitem a serem excluídas do lucro real, seriam apenas aquelas que reunissem, cumulativamente, os seguintes requisitos (item 7.1, II e III): “(i) a intenção do subvencionador de destiná-las para investimento”; “(ii) a efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado”; e “(iii) o beneficiário da subvenção ser a pessoa jurídica titular do empreendimento econômico”.

Com o advento do novo padrão contábil, inserido no ordenamento nacional pelas Leis n. 11.638/2007 e 11.941/2009, a contabilização das subvenções passou a ser realizada em conta específica no patrimônio líquido, a conta de “Reservas de Incentivos Fiscais”, que passou a ser prevista no art. 195-A da Lei n. 6.404/76 como uma conta de reserva de lucros. Ou seja, a legislação societária não mais passou a prever a chamada conta de “reservas de capital”, que, em essência, existia para registrar aportes financeiros na companhia não originados do lucro por ela produzido. A partir de então, em princípio, toda a subvenção deve transitar pelo resultado, e, somente após o encerramento do exercício, por decisão em assembleia, é que a companhia poderia decidir criar essa reserva específica e nela registrar os impactos da subvenção recebida5.

Tais alterações, que, teoricamente, teriam impacto significativo na tributação das subvenções para investimento, foram neutralizadas pela Lei n. 11.941/2009, instituidora do Regime Tributário de Transição (RTT), que em seu art. 18 traçou a movimentação contábil necessária para que os valores de subvenções reconhecidos contabilmente no resultado fossem excluídos do lucro real, mediante a criação da conta de “Reserva de Incentivos Fiscais” e a não destinação dos valores subvencionados senão para os fins ali previstos.

A Lei n. 12.973/2014, que pôs fim ao RTT, basicamente repetiu, de forma mais sintética, o que ia disposto no art. 18 da Lei n. 11.941/2009, prevendo em seu art. 30 a não tributação das subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, desde que registradas na referida conta de reserva de incentivos fiscais. Contudo, referida norma não pôs fim à celeuma de saber quais critérios de fato importavam para a caracterização de uma subvenção para investimento, limitando-se, em seu caput, a determinar que essa dotação governamental, inclusive mediante incentivos fiscais, fosse concedida “como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”.

Por conta disso, desde então, até a promulgação da LC n. 160/2017, a Receita Federal veio mantendo o entendimento exarado e consolidado no PN Cosit n. 112/78. É o caso, por exemplo, das Soluções de Consulta Cosit n. 188/2015 e 32/2016, nas quais se reafirmam as exigências da existência não só da intenção de subvencionar, como, também, de projeto específico pré-aprovado pelo ente subvencionador e a vinculação plena dos recursos a tal empreendimento, não sendo possível disponibilizar esses valores diretamente à empresa. Esse posicionamento, aliás, foi, posteriormente, em 14 de março de 2017, cristalizado no art. 1986, § 7º, da IN/RFB n. 1.700/2017. Em decorrência disso, manteve-se a litigiosidade tributária sobre o tema na esfera administrativa.

No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)7, é possível encontrar entendimentos da sua Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) que ratificam e intensificam alguns dos critérios exigidos pela RFB para a caracterização de uma subvenção para investimento. Tem-se, por exemplo, os Acórdãos 9101-002.346, 9101-002.348 e 9101-002.345 (DJ 14.06.2016) nos quais se exigem não só a intenção subvencionadora e a existência de projeto, como, também, mecanismos de controle do ente estatal sobre a realização do investimento projetado com a utilização do montante subvencionado.

A mesma CSRF, mais adiante, fixou no Acórdão 9101-002.566 (DJ 13.03.2017) “etapas de verificação a serem cumpridas para caracterizar a subvenção para investimento”, sendo elas duas, consistindo a primeira em verificar “se a legislação do ente subvencionante, em tese, estabelece critérios objetivos e efetua o devido controle para acompanhar a efetiva aplicação dos recursos” e a segunda consistente em verificar se os requisitos formais de contabilização foram cumpridos pela entidade subvencionada e se os recursos foram efetivamente aplicados em investimentos (leia-se: ativos), em “tempo razoável” que não necessariamente é imediato ao recebimento dos recursos.

Tem-se, portanto, um cenário de insegurança causado pela subjetividade na análise das legislações estaduais concessoras de incentivos fiscais, geralmente concentrado na busca da identificação da intenção do ente concedente, a partir de critérios que sequer estão expressos na legislação e dela nem poderiam ser retirados (como o de existência de mecanismos de acompanhamento da execução de projetos, p. ex.), a não ser a partir de um exercício de hermenêutica criativa.

É nesse ambiente que se insere a LC n. 160/2017.

2.2. A LC n. 160/2017 e os posicionamentos conflitantes da RFB: as Soluções de Consulta Cosit n. 11/2020 x 145/2020

Como se sabe, a LC n. 160/2017, além de alterar regras para concessões de benefícios e incentivos fiscais de ICMS, modificou a legislação tributária ordinária, incluindo, especialmente, o § 4º no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, para constar que tais incentivos relacionados àquele imposto estadual seriam “considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos nesse artigo”. O § 5º do mesmo artigo, também incluído por aquela lei complementar, foi expresso ao apontar, ainda, que o § 4º deveria ser aplicado, inclusive, para os “processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados”.

Inicialmente esses dispositivos, que não constavam do texto original, foram vetados pela Presidência da República, veto esse que foi derrubado pelo Congresso Nacional, passando tais alterações a valer a partir de 22.11.2017.

A referida LC n. 160/2017 não só aparentemente ampliou o espectro das possibilidades de configuração de incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento, como, também, trouxe comandos de aparente aplicação retroativa, impondo dúvidas aos contribuintes sobre o alcance temporal8 e material das novas disposições.

Somente em 2020 a Receita Federal do Brasil se manifestou por meio de instrumento vinculante à Administração Tributária9, e o fez de forma conflitante.

Inicialmente, exarou a Solução de Consulta (SC) Cosit n. 11, de 4 de março de 2020. Segundo esse posicionamento, todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS deveriam ser considerados como subvenções para investimento, desde a promulgação da LC n. 160/2017, sendo-lhes exigidos, apenas, o registro em reserva de capital e o respeito aos limites de utilização desses valores. Do referido entendimento, aliás, consta a expressa mitigação do alcance do PN Cosit n. 112/78, que a referida SC entendeu não mais aplicável a esses tipos de incentivos, a saber:

21 Esse é o entendimento consubstanciado nos atos aludidos os quais se encontram em vigor, sendo, portanto, de observância obrigatória por toda administração tributária federal, não tendo sido mitigado até o advento da Lei Complementar (LC) n. 160, de 7 de agosto de 2017. Ocorre que essa Lei Complementar, introduziu novo comando legal, que, ao modificar, em parte, o objeto daquilo que é disciplinado tanto pelo PN CST n. 112, de 1978, quanto pela IN RFB n. 1.700, de 2017, faz com que esses atos normativos devam ser interpretados à luz do novo paradigma.

(…)

23 A norma em questão insere novo comando legal ao dispositivo que confere o adequado tratamento tributário, no que tange ao IRPJ e a CSLL, às subvenções para investimento. A LC n. 160, de 2017, atribui a qualificação de subvenção para investimento a todos os incentivos e os benefícios fiscais ou econômico-fiscais atinentes ao ICMS. Significa dizer que a essa espécie de benefício fiscal não mais se aplicam os requisitos arrolados no PN CST n. 112, de 2017, com vistas ao enquadramento naquela categoria de subvenção (grifo adicionado).

Tal entendimento respaldou uma série de contribuintes que se sentiram seguros para, avaliando as suas operações, registrarem, a título de reserva de capital, valores de incentivos e benefícios de ICMS recebidos dos seus respectivos Estados, excluindo tais montantes das bases tributáveis de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

Contudo, no mesmo ano de 2020, a Receita Federal, em menos de 9 (nove) meses, alterou o entendimento exposto na referida SC n. 11/2020. Em 15 de dezembro de 2020 foi publicada a SC Cosit n. 145/2020, que reforma as conclusões postas na resposta anterior e, sub-repticiamente, reinsere no ordenamento jurídico a celeuma causada pelo PN CST n. 112/78, cuja inaplicabilidade antes declarada restou agora revogada. O novo entendimento restou assim ementado:

INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS-FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES.

A partir da Lei Complementar n. 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei n. 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Reforma a Solução de Consulta Cosit n. 11, de 4 de março de 2020 (grifo adicionado).

Como se nota, por esse novo posicionamento, a RFB passa a exigir para que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS sejam considerados como subvenção de investimento que esses não só sejam registrados em conta de reserva especial de lucros, como, também, que tenham sido instituídos pelos Estados concedentes com o propósito de estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Para firmar tal entendimento, apega-se a Administração Tributária no que vai descrito no próprio § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973, introduzido pela LC n. 160/2017, quando aponta que esses incentivos de ICMS devem ser considerados subvenção para investimento, vedando-se “a exigência de outros requisitos ou condições não previstos” no art. 30. Alega a RFB que uma das condições/requisitos ali postos é o que vai no caput do dispositivo, consubstanciado na necessidade de que as isenções ou reduções de impostos sejam concedidas como estímulo à “implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”. Ou seja, a LC n. 160/2017 teria apenas extirpado aqueles critérios restritivos anteriormente defendidos pela RFB, sem dispensar, contudo, que, no mínimo, a intenção do ente subvencionador seja demonstrada conjuntamente com o cumprimento dos preceitos contábeis10.

De fato, a partir de uma interpretação literal e restrita ao próprio dispositivo interpretado (art. 30 da Lei n. 12.973/2014), aparentemente não há como refutar a conclusão a que chega a RFB. Até porque, a teor do art. 11, III, “c”, da LC n. 95/98, caberia aos parágrafos trazer aspectos complementares ao caput do artigo e, assim, na medida em que aqueles fazem referência a requisitos desse, deve haver uma completude de análise.

Contudo, há um equívoco nesse racional interpretativo empreendido por essa corrente, cristalizada na SC Cosit n. 145/2020, na medida em que, basicamente, interpretam a LC n. 160/2017 e as alterações por ela promovidas na Lei n. 12.973/2014 a partir da conjugação, exclusiva, do caput do art. 30 com seu § 4º, desprezando-se não só os demais parágrafos, especialmente o 5º, como, também, os outros dispositivos insertos na própria LC n. 160 e o contexto legislativo que os circunda.

Vale dizer: a mera análise gramatical entre um parágrafo e seu caput é suficiente para sustentar tal entendimento? Nos parece que não, na medida em que, nessa hipótese, não se teria por completo o interpretativo, superando-se todos os seus planos cognoscitivos.

Como sumariza Robson Maia Lins, há três planos cognoscitivos para entendermos o texto legislado e, com isso, erigir a norma jurídica dele extraída; sempre, “dentro de certo contexto”. A literalidade é o primeiro deles, “ou o nível fundamental”, compreendendo a compreensão sintática dos elementos do texto (palavras, frases, parágrafos etc.). O segundo plano é o do conteúdo, construído a partir da identificação dos significados (semântica) das palavras organizadas. O último deles é “a contextualização das significações obtidas no curso desse processo”, compreendendo o texto, sua sintaxe e semântica, em conjunto com os demais elementos do sistema jurídico, liberando o processo hermenêutico de uma análise isolada de seu significado11.

Parece que a interpretação capitaneada pela RFB na SC Cosit n. 145/2020, quando muito, aproxima-se do segundo plano hermenêutico, fazendo-o, como se verá, de forma incompleta, na medida em que pretende extrair o significado completo do art. 30 da Lei n. 12.973/2015, com a redação que lhe deu a LC n. 160/2017, analisando, em relação ao caput, apenas um dos parágrafos introduzidos por aquela lei complementar e desprezando os demais dispositivos constantes desse veículo legislativo que modifica o texto interpretado.

Com a devida vênia, não se pode conceber como norma jurídica – entendidas como resultado da interpretação12 – o produto de um processo hermenêutico incompleto; até porque, como pontifica Gustavo Zagrebelsky, as palavras escritas não dizem tudo, uma vez que aludem a contextos aos quais os intérpretes estão vinculados13.

Conhecer e entender o contexto de significações em que inserto o texto interpretado é essencial, o que será feito no próximo capítulo a fim de propor uma interpretação mais holística. E assim se faz não na intenção de apontar a norma jurídica verdadeira, mas sim para demonstrar que a norma extraída desse raciocínio posto pela RFB não se justifica, não é aceitável, porque não é racional e razoável; na medida em que “a norma não é objeto de demonstração, mas de justificação14.

3. Da necessária interpretação sistemática da LC n. 160/2017

3.1. Breve análise do art. 111, II, e da sua aplicabilidade ao presente caso

Para que se possa continuar com a análise que se pretende fazer, é preciso avaliar a extensão do art. 111, II, do CTN na construção de sentido do texto normativo aqui interpretado, uma vez que alguém poderia argumentar que a interpretação da Receita Federal vai ao seu encontro e não estaria fazendo outra coisa senão analisar literalmente o dispositivo do art. 30, § 4º, da Lei n. 12.973/2014. Em assim sendo, correto estaria esse entendimento.

De início poder-se-ia discutir, até, se o art. 30 da Lei n. 12.973/2014 cuidaria de norma isentiva, ante aos relevantes questionamentos da doutrina sobre a natureza jurídica das subvenções para fins de enquadramento como fato gerador da tributação da receita e da renda15; o que afastaria a própria aplicabilidade do citado art. 111, II, do CTN. Contudo, deixamos esse argumento de lado, não porque não seja importante – pois, o é –, mas, sim, dado ao fato de que no presente estudo nos interessa mais o argumento subjacente ao entendimento oficial exarado pela Receita Federal, exposto anteriormente, e que, por si só, é de todo relevante.

Dito isso, em tese, a exigência da literalidade posta no comando do citado art. 111 seria aplicável ao caso. O leitor desavisado ou o mais apegado à letra estrita do referido dispositivo se apressaria a apontar que tal comando impediria maiores digressões acerca da extensão dos comandos da Lei n. 12.973/2014 insertos pela LC n. 160/2017. Em sendo assim, quando o § 4º do art. 30 daquela norma faz referências aos critérios do artigo como um todo, dever-se-ia entender como adequada a exigência de que os incentivos e benefícios de ICMS fossem concedidos como estímulo à expansão industrial para que se enquadrassem no regime tributário ali previsto.

Contudo, até mesmo o art. 111, II, do CTN deve ser objeto de interpretação. Isso significa que a norma extraída a partir de sua aplicação não pode ser contraditória com os ditames constitucionais, nem, muito menos, sustentar-se em justificação que contrarie a própria lógica que torne irracional o preceito normativo extraído a partir do texto interpretado, como já ensinava José Souto Maior Borges em monografia específica sobre o tema16. Em outras palavras, sob o escudo da interpretação literal, o intérprete não pode desconsiderar a integralidade do próprio texto normativo, produzindo norma incongruente em si mesma e que esbarra em limites constitucionais preestabelecidos.

Como se verá na sequência, é o que parece resultar da interpretação sugerida pela Receita Federal, que interpreta literalmente apenas um dos parágrafos do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 em função do seu caput, desconsiderando todos os demais elementos do referido texto normativo e daquele que os inseriu, dando ensejo a uma norma que apresenta contradição interna, entre seus próprios desígnios e com o próprio princípio federativo entabulado na Constituição Federal.

Daí por que se propõe nos itens abaixo um novo olhar sobre o tema, que, respeitando os limites da literalidade dos textos da LC n. 160/2017 e da Lei n. 12.973/2014, possibilite extrair uma norma mais coerente, razoável, e adequada aos padrões constitucionais brasileiros.

3.2. Do caráter saneador da LC n. 160/2017

Somente compreendendo a relação do texto normativo em uma relação intertextual é que compreenderemos seu real sentido e alcance, na medida em que, “a interpretação pressupõe a análise de todo o contexto normativo, sob pena de não ser considerada apta para a aplicação das normas, por ser incompleta”17, como ensina Priscila de Souza. Até porque, como aponta Eros Grau, “ao interpretar os textos normativos, o intérprete toma como objeto de compreensão também a realidade em cujo contexto se dá a interpretação, no momento histórico em que ela se dá”18.

A LC n. 160/2017, inicialmente, teve como missão primordial dispor sobre a forma como os Estados deliberariam para pôr fim à chamada “guerra fiscal”, por meio de convênio específico que regulamentaria a forma como isenções, benefícios e incentivos fiscais, concedidos à revelia do Confaz, poderiam vir a ser convalidados, definindo o prazo de sua produção de efeitos, bem como possibilitando a remissão de eventuais créditos tributários pelos entes estaduais e adesão de um Estado a benefícios concedidos por outro da mesma região.

Referida norma tem como claro escopo garantir segurança e previsibilidade jurídica tanto ao contribuinte recebedor da mercadoria – que se vê em risco de questionamento quanto à validade do crédito destacado na operação –, quanto ao remetente – de quem poderia se exigir o imposto não pago em caso de nulificação da lei ou ato concedente – e, principalmente, do Estado transgressor que se encontrava em irregularidade perante as cortes de contas, o que lhe impossibilitaria o recebimento de repasses dos fundos constitucionais, problemas práticos já eram identificados pela doutrina19.

O texto original da medida não tratava do problema da caracterização desses incentivos como subvenção para investimentos. Foi no Parlamento que os arts. 9º e 10 da referida lei foram incorporados ao texto final.

O art. 9º incluía os §§ 4º e 5º no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, com a seguinte redação:

§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo.

§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.

O art. 10, por sua vez, estabelecia que o disposto nos §§ 4º e 5º supra se aplicariam, inclusive, para isenções, benefícios e incentivos fiscais de ICMS que haviam sido instituídos ao arrepio do Confaz por lei estadual publicada até a publicação da LC n. 160/2017 e, desde que convalidados nos moldes ali previstos, dando a indicação de uma aplicação ampla dos referidos dispositivos. Essa foi, aliás, a própria motivação exposta no parecer de aprovação do Projeto de Lei (PLP) n. 54/201520, aprovado em 31.05.201721, que dá origem ao texto final da LC n. 160/2017, a seguir transcrita:

Além disso, acolhemos ideia do nobre Deputado Luiz Carlos Hauly e incluímos artigos que deixam claro que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS recebidos pelas pessoas jurídicas, desde que esses valores sejam mantidos em conta de reserva no Patrimônio Líquido, são subvenções para investimentos, sobre eles não incidindo, por consequência, IRPJ e CSLL. Impede-se, com isso, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil continue a autuar as empresas beneficiárias de incentivos do ICMS com base em interpretações jurídicas equivocadas, reforçando a segurança jurídica e garantindo a viabilidade econômica dos empreendimentos realizados (grifo adicionado).

Foi justamente essa amplitude normativa que levou a Presidência da República a vetar os arts. 9º e 10 da LC n. 160/2017, expondo as seguintes razões para tanto:

Os dispositivos violam o disposto no artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional n. 95, de 2016 (“Novo Regime Fiscal”), por não apresentarem o impacto orçamentário e financeiro decorrente da renúncia fiscal. Ademais, no mérito, causam distorções tributárias, ao equiparar as subvenções meramente para custeio às (sic) para investimento, desfigurando seu intento inicial, de elevar o investimento econômico, além de representar significativo impacto na arrecadação tributária federal. Por fim, poderia ocorrer resultado inverso ao pretendido pelo projeto, agravando e estimulando a chamada “guerra fiscal” entre os Estados, ao invés de mitigá-la22 (grifo adicionado).

Veja, portanto, que a própria Mensagem de Veto já, dê início, considerava a amplitude normativa imposta, ao entender que a redação dos artigos vetados imporia uma vasta equiparação entre o que antigamente era considerado como subvenção para custeio e passaria a ser, com a nova lei, encarado como subvenção para investimento, independentemente da sua vinculação com o investimento econômico, uma vez que estaria “desfigurado” esse intento inicial, no entendimento da Presidência.

O veto foi derrubado, e os arts. 9º e 10 mantidos, dando início à celeuma objeto do presente trabalho.

Contudo, o debate histórico existente nos ajuda a entender o contexto legislativo em que inserta a norma interpretada, nos auxiliando em uma melhor compreensão da extensão normativa dos comandos postos pela LC n. 160/2017.

A citação prévia desses elementos pré-textuais não se faz para buscar a chamada “vontade do legislador”, mas, sim, para captar a ratio legis de que fala Riccardo Guastini23, caracterizada pela razão, o motivo, o fim para o qual a norma foi criada, o que se capta tanto a partir do texto da lei como, também, das circunstâncias contextuais que ocasionaram a propositura legislativa sob análise. Assim, esses elementos do processo legislativo ajudam a compreender o texto posto na medida em que formam aquilo que Aurora Tomazini de Carvalho chama de “contexto jurídico para a construção (interpretação) das normas veiculadas pelo enunciado-enunciado24. Esse “contexto jurídico” amplo e saneador permeia todo o texto normativo, e deve influenciar o processo hermenêutico.

Em outras palavras, para além de interpretar a significação isolada de cada uma das palavras da LC n. 160/2017 ou do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, como parece ter sido feito pela interpretação proposta pela RFB aqui debatida, o que se entende por adequado é buscar aquilo que Lon Fuller apontou como sendo a justificativa ou propósito por detrás da lei interpretada, analisando as disposições legais em sua totalidade para daí extrair um todo coerente e funcional25. Daí por que a análise das referidas normas não pode ser feita apenas com base na relação entre um parágrafo e um caput.

Sendo assim, é preciso considerar no processo hermenêutico que aqui se propõe o § 5º introduzido ao art. 30 da Lei n. 12.963/2014 pela LC n. 160/2017, e o próprio art. 10 dessa lei complementar. Referidos dispositivos apontam para um efeito retrospectivo saneador do § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, aplicando-o para litígios administrativos e judiciais ainda não julgados, inclusive quando os incentivos e benefícios fiscais ou financeiros-fiscais do ICMS tiverem sido instituídos à revelia do Confaz, desde que, posteriormente, convalidados nos termos daquela lei complementar – como reconhece a própria RFB por meio da SC Cosit n. 40/202126. Não há dúvidas, portanto, de que a função da norma foi a de estabelecer um ambiente de segurança jurídica e de isonomia entre os entes federativos.

Ocorre que, como vimos anteriormente, além de requisitos extralegais impostos pela RFB, um dos principais pontos controvertidos no contencioso tributário em torno do tema da caracterização de incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento é, justamente, a intenção do ente subvencionador, que, agora, a RFB pretende impor como condição sine qua non para que o favor fiscal estadual seja assim considerado.

Raciocinar como quer a RFB é expor a própria justificação da norma a argumentos contraditórios, o que se nota, inclusive, na própria tentativa daquele órgão de regulamentar a matéria, no art. 198, da IN/RFB n. 1.700/2017. Desse dispositivo destacam-se os §§ 7º e 8º. O primeiro deles determina que não poderão ser caracterizados como subvenção para investimento o incentivo fiscal recebido quando os valores desses puderem ser livremente movimentados pelo beneficiário, não havendo obrigatoriedade de aplicação da totalidade dos recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à expansão empresarial – que seria a base do conceito de subvenção à investimento, mas teria sua aplicação “mitigada” ao ICMS, segundo a SC Cosit n. 40/2021. Já o § 8º, por sua vez, cuidando especificamente do ICMS, diz que para incentivos desse imposto estadual não podem ser exigidos outros requisitos que não os dispostos no art. 30, da Lei n. 12.973/2014, dentre eles, o que consta do caput referente à intenção do ente público de conceder o benefício como estímulo à expansão empresarial.

A pergunta que fica é como demonstrar a intenção do ente subvencionador? Os requisitos extralegais anteriormente exigidos pela RFB (“concomitância, sincronia e equivalência de montante dos benefícios em relação ao empreendimento”, fiscalização, ausência de liberdade de movimentação financeira dos recursos e aplicação em itens do não circulante vinculados ao projeto) não eram, justamente, elementos para essa identificação da “vontade do legislador Estadual”?

A LC n. 160/2017 trouxe essa resposta. Basta que o benefício fiscal recebido seja de ICMS e esteja registrado em conta especial de reserva de lucros no patrimônio líquido do subvencionado para que se tenha por aceito que os valores recebidos estão atrelados à expansão patrimonial do empreendimento e não serão livremente movimentados, sendo, por exemplo, destinados aos sócios.

Ou seja, valeu-se o legislador da técnica presuntiva por equiparação, na qual partiu da semelhança havida entre os incentivos de ICMS e as subvenções para investimento, ambos atrelados à política econômica e fiscal dos entes concedentes, para presumir a identidade dos primeiros às segundas, equiparando àqueles os tratamentos dados a essas27. O que fez a LC n. 160/2017, portanto, foi dar tratamento especial e específico aos incentivos daquele imposto estadual, em detrimento de outros.

Para se ter isso ainda mais claro, basta lembrar que o art. 30 da Lei n. 12.973/2014 é norma geral do tratamento tributário a ser dado a todas as subvenções de investimento concedidas por meio de reduções de tributos, aí incluídos, por exemplo, a redução de ISS, IPTU, IPI etc. Sendo assim, qual a serventia da inclusão de parágrafo específico (que, no caso, tem natureza excepcional28) para tratar expressamente dos benefícios fiscais de ICMS se o tratamento prático a ser despendido será o mesmo da norma geral aplicável a outros benefícios? Tanto as benesses do imposto estadual como as dos tributos municipais e federais estariam sujeitas a, por exemplo, demonstração da intenção do ente subvencionador, o que, por esse argumento, tornaria inútil uma diferenciação posta em lei complementar, quebrando a necessária coerência interna entre os dispositivos do texto interpretado29.

Nem se queira afirmar que a diferença de tratamento se explicaria no plano regulamentar, já que, como apontado, os requisitos exigidos no § 7º do art. 198 da IN/RFB n. 1700/17 não se aplicariam aos incentivos de ICMS, que seriam regulamentados genericamente no § 8º do mesmo dispositivo. Isso porque, ao assim afirmar, estar-se-ia a fazer uma interpretação da LC n. 160/2017 a partir do regulamento, invertendo-se toda a hierarquia normativa do sistema jurídico. Ademais, como já apontado, essa “diferenciação” na prática inexiste e acaba por impor um retorno aos regramentos anteriores, restritivos e causadores de conflitos.

Denota-se, então, que o argumento defendido pela RFB é baseado em círculos viciosos que se iniciam e se concluem em um mesmo ponto, o qual é, justamente, o objeto do litígio que se pretendeu derruir com a LC n. 160/2017. Ora, qual o sentido de um texto normativo determinar que a solução por ele proposta deve retroagir a feitos pendentes de julgamento, se essa solução não resolverá esses mesmos litígios? Não é possível que a norma jurídica extraída do texto normativo contrarie o próprio “sentido originário” inerente ao texto legislado, “involucrada no enunciado30.

Assim, já a partir desses elementos é possível apontar que a norma proposta pela RFB na SC Cosit n. 145/2020 apresenta um argumento que fere o cânone básico da coerência interna do dispositivo interpretado, na medida em que se presta a justificar norma que, ao fim e ao cabo, tornaria inútil a diferenciação de tratamento posta pela LC n. 160/2017, ao mesmo tempo que nulificaria o próprio propósito dessa diferenciação, pois impediria ou até intensificaria a solução de conflitos e a diferenciação entre entes federados, celeumas que aquela lei complementar veio a sanear.

3.3. Impactos na questão federal advindos da SC Cosit n. 145/2020

Aqui, não se desconhece o argumento por detrás do entendimento exarado pela Receita Federal. De fato, há uma lógica interna ao IRPJ e à CSLL a justificar o tratamento tributário diverso dado às subvenções para custeio àquelas destinadas a investimento. As primeiras são creditadas à receita tributável para neutralizar os efeitos de despesas incorridas pelo sujeito passivo, mas por ele não suportadas, como se recuperação de custo fossem, como manda o art. 44, IV, da Lei n. 4.506/64. Já as subvenções de investimento são registradas em conta de capital para que não haja impacto imediato no resultado dos exercícios, uma vez que os valores subvencionados serão destinados à aquisição de bens não circulantes para geração de resultados futuros, conforme disposto no art. 30 da Lei n. 12.973/201431-32.

É importante ter em mente que não obstante essa mecânica de construção do lucro real e do resultado ajustado indicar a necessidade de tributação das ditas subvenções para custeio, ou, no que nos interessa aqui, dos benefícios e incentivos de ICMS não vinculados diretamente a um projeto de expansão do empreendimento, fato é, contudo, que isso não basta para justificar a tributação desses valores.

E assim o é, pois, o comando legal deve ser interpretado em consonância com as normas constitucionais que lhe garantem validade. Daí por que, por exemplo, o recebimento de indenizações a título patrimonial e moral33 não deve ser tributado, por escapar ao conceito constitucional de renda, apesar de poder compor a lógica de apuração da tributação federal. Importante salientar que aqui não se está a equiparar indenizações às subvenções, apenas se utiliza das discussões atinentes àquelas para demonstrar que a lógica de apuração do tributo não deve ser absoluta na definição da incidência no caso concreto.

No caso concreto, a norma legal posta no art. 44, IV, da Lei n. 4.506/64 em conjunto com a interpretação dada pela RFB ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014, exarada na SC Cosit n. 145/2020, ao exigir a inclusão no lucro real e no resultado ajustado dos incentivos e benefícios fiscais de ICMS não vinculados diretamente a projeto de expansão especial, acaba, por sobremaneira, a ferir o princípio federativo, ao qual devem estar atrelados e submetidos todos os intérpretes e todas as normas, inclusive as infraconstitucionais, como ensina Geraldo Ataliba34.

É da essência do princípio federal, que é pedra fundamental da constituição do Estado brasileiro, que não pode ser ameaçada, nem menos por Emenda à Constituição (CF, art. 60, § 4º), a noção de igualdade entre os entes políticos que compõem a Federação35. É o que dá forma àquilo que Tercio Sampaio Ferraz Jr. denominou de “federalismo solidário”, a exigir, para a concretização desse princípio basilar, a cooperação entre os entes federados, tanto no sentido vertical quanto horizontal”36. Essas concepções são quebradas quando um ente federado, ainda que indiretamente, acaba por interferir no âmbito de autonomia de outro, diminuindo-a ou tornando-a sem efeito prático em determinada seara.

É exatamente o que ocorre quando a União, via tributação da receita e da renda, pretende gravar parcela dos incentivos fiscais concedidos pelos Estados via desonerações do seu principal tributo. Ao assim fazer, o Governo Federal, ainda que indiretamente, acaba por interferir no âmago da política fiscal, econômica e tributária, levada a efeito pelo governo local, na qual é soberano37.

Devemos nos lembrar, com Henry Tilbery, que as isenções e outros benefícios fiscais possuem os mais diversos motivos atrelados a diferentes intenções e políticas públicas dos entes locais, que vão desde motivos sociais até os econômicos e que se interligam entre si quando o Estado opta por seguir uma política de desoneração de tal ou qual setor38. Em verdade, como apontou Tilbery em lição voltada à União, mas perfeitamente aplicada ao caso em tela, “o país que inicia uma política de incentivos fiscais para um determinado setor ou uma região demonstra, com isso, o seu interesse na promoção dessa área, criando assim um ambiente favorável a investimentos nesse setor ou nessa região (investment climate)”39.

Ou seja, o Estado, quando inicia uma política de concessão de incentivos e benefícios fiscais, visa a fomentar toda uma política econômica e social para o desenvolvimento de seu território, como, por exemplo, desenvolver determinado setor agrícola ou industrial, geração de empregos, redistribuição de renda, integração do território local, interiorização da atividade econômica etc., objetivos esses que se distinguem da mera recuperação de custos e vão muito além da simples vinculação à aquisição de bens do imobilizado atrelados a um projeto de investimento, que, pela mecânica do IRPJ e da CSLL, possibilitariam sua exclusão desses tributos federais.

Em outras palavras, é inerente ao ato de concessão de incentivo a intenção fomentadora de um determinado setor econômico. O fato de, por exemplo, se conceder uma redução de base de cálculo do ICMS ou um crédito presumido desse imposto nas operações com determinado produto, sem exigir elementos específicos, por si só, já representa uma ação de estímulo para atração de investimentos para aquele setor, tornando-o mais competitivo. Isso, então, já deveria ser levado em consideração para a exclusão desses valores do lucro real e do resultado ajustado, uma vez que não se trata de mera recuperação de custos.

Não obstante, pretender fazer incidir a tributação federal sobre esses valores, como quer a Receita Federal, seria o mesmo que permitir à União que interferisse e/ou mitigasse o próprio alcance da política econômica imaginada pelo gestor Estadual à época, o que é inadmissível em face dos limites impostos pelo princípio federal disposto na Constituição.

Além do que, não custa lembrar, tal tributação acabaria por impor, ainda que indiretamente, uma diferenciação entre os Estados, podendo fazer com que a política de atração de investimentos de um se torne mais atrativa daquela imaginada por outro, em total descompasso com a solidariedade exigida dos entes da Federação; em flagrante infração ao art. 151, I, da CF.

Não se desconhece, é verdade, o argumento de que o princípio federativo estaria verdadeiramente ferido se se permitisse a não tributação desses valores pelo IRPJ/CSLL, pois, aí, sim, ter-se-ia uma invasão de competência tributária de um ente sobre o outro por meio de criação de benefício de tributo federal inexistente em lei40.

Contudo, a análise deve ser apriorística ao próprio exercício da competência tributária federal, que não pode ser entendida e exercida como algo em si mesma apartada do todo constitucional que a circunda e que lhe dá validade. Ou seja, primeiramente é preciso saber se a União pode exercer validamente a sua competência tributária sobre elemento inerente à autonomia administrativa de outro ente federado. Somente se a resposta a essa pergunta fosse positiva é que se poderia avaliar se a exclusão das subvenções do campo da tributação federal afrontaria ou não a competência federal ou concederia ou não um benefício fiscal de IR/CSLL, por exemplo, não previsto em lei. Em sendo negativa, como é o caso, inexistiria a própria competência federal e, por isso, não haveria que se falar em concessão indireta de benefício de tributos da União, uma vez que, apenas pode--se isentar ou beneficiar algo que esteja no campo de competência do ente interessado.

Portanto, a exclusão daquelas dotações concedidas pelos Estados no bojo da sua política econômica e fiscal não é a causa da infração ao pacto federativo, mas sim a solução para o problema que é inerente, justamente, pelo mal exercício da competência tributária da União.

Daí por que, foi salutar para o Pacto Federativo a LC n. 160/2017 ao trazer elemento pacificador de conflitos fiscais entre Estados e entre esses e a própria União, ao, de um lado, trazer mecanismos de sanear o cenário caótico de benefícios fiscais concedidos unilateralmente por aqueles entes federados e, de outro, garantir o tratamento igualitário desses incentivos perante os tributos federais.

Para além disso, outro elemento importante trazido pela referida lei complementar é a exigência de registro dos valores recebidos a título de benefícios e incentivos de ICMS em conta específica do patrimônio líquido do ente subvencionado, para que, com isso, se tenha a manifestação expressa da pessoa jurídica de que tais valores, em que pese a intenção da legislação estadual, serão, de fato, aplicados no incremento patrimonial da empresa beneficiada.

Com isso corrige-se, inclusive, uma distorção que se cria com o entendimento que vem se pacificando no Superior Tribunal de Justiça41 e no Supremo Tribunal Federal42, que, apesar de reconhecer a impossibilidade de tributação de incentivos fiscais de ICMS pelos tributos federais – o que é o adequado do ponto de vista constitucional –, acabam por nada dizer quanto à necessidade de registro dessas subvenções em conta apartada de patrimônio líquido.

4. Considerações finais

Como visto anteriormente, a interpretação literal parcial feita pela RFB na SC Cosit n. 145/2020 não é suficiente para extrair a completude da norma posta pela LC n. 160/2017, o que se conclui a partir da compreensão de que a argumentação trazida pela autoridade tributária é irrazoável e descompassada com a própria integralidade do texto interpretado, suas funções e correlação com o ordenamento constitucional vigente.

Da análise da integralidade do texto da LC n. 160/2017, das modificações por ela feita na Lei n. 12.973/2014, do contexto normativo em que inserto e da própria Constituição Federal, percebe-se que o entendimento que alberga como subvenção de investimento para fins da tributação federal da receita e da renda todos os incentivos e benefícios de ICMS concedidos, inclusive àqueles conferidos ao arrepio do Confaz, desde que convalidados e que sofram as restrições de controle e uso impostas pelo art. 30 da Lei n. 12.973/2014, além de parecer ser mais razoável em face da própria ratio sancionadora, também é a que melhor se adequa aos ditames e anseios normativos inerentes ao princípio federativo.

E assim o é porque o que fez a LC n. 160/2017, de fato, foi uma equiparação de antigas subvenções para custeio atreladas a incentivos de ICMS, como sendo dotações para investimento, bastando, para tanto, sua reserva em contas específicas do PL para que tivesse repercussão na tributação do IRPJ e da CSLL43, pois, a partir daí, ter-se-ia, por presunção legal, a expectativa de que o incentivo concedido no bojo da política econômica do ente estatal concedente será aplicado na expansão patrimonial da empresa beneficiada44, pondo-se fim aos intermináveis litígios inerentes ao tema, principal desígnio da referida lei complementar e que parecem ter sido desconsiderados pela RFB.

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1 O PN CST 142/73 foi assim ementado: “As subvenções, os auxílios ou outros recursos não exigíveis, públicos ou privados, vinculados ou não a recolhimentos de imposto, que sejam recebidos por pessoas jurídicas de direito privado, integram a receita bruta operacional dessas empresas para efeito de tributação pelo imposto de renda (art. 157, letra “d”, do RIR). A parcela do ativo imobilizado correspondente a auxílios, subvenções ou outros recursos públicos não exigíveis, escapa à correção monetária prevista no art. 3º da Lei n. 4.357/64 (art. 266, letra a, do RIR)”. Disponível em: https://www.normasbrasil.com.br/norma/parecer-normativo-142-1973_92102.html. Acesso em: 8 jan. 2021.

2 José André Wanderley Dantas de Oliveira contesta essa suposta ausência de contraprestação pela entidade beneficiada com subvenções para custeio apontando que o parágrafo único do art. 16, da Lei n. 4.320/64, imporia uma obrigação de fazer à empresa beneficiada, consubstanciada a prestar serviços de acordo com padrões mínimos de eficiência previamente fixados (Cf. OLIVEIRA, José André Wanderley Dantas de. Subvenções para investimentos derivadas de benefícios fiscais de isenções ou reduções: uma análise crítica. In: ROCHA, Sérgio André (coord.). Direito Tributário, Societário e a reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. V, p. 352-353).

3 O PN CST n. 2/78 restou assim ementado: “as subvenções que devem integrar a receita bruta operacional da pessoa jurídica beneficiária (RIR, art. 155, d) são as destinadas ao custeio ou operação, não alcançando as que se destinem, especialmente, à realização de investimentos”. Disponível em: https://www.normasbrasil.com.br/norma/parecer-normativo-2-1978_92564.html. Acesso em: 8 jan. 2021.

4 O PN CST n. 112/78 restou assim ementado: “As Subvenções Correntes para Custeio ou Operação integram o resultado operacional da pessoa jurídica; as Subvenções para Investimento, o resultado não operacional. Subvenções para Investimento são aquelas que apresentam características específicas, realçadas no presente Parecer. As Isenções ou Reduções de impostos só se classificam como subvenções para investimento, se presentes todas as características exigidas para tal. As Subvenções para Investimento, se registradas como reservas de capital, não serão computadas na determinação do lucro real, desde que obedecidas as restrições para a utilização dessa reserva. As Isenções, Reduções ou Deduções do Imposto de Renda devido pelas Pessoas Jurídicas não poderão ser tidas como subvenção para investimento. Aplica-se, a todas as pessoas jurídicas sujeitas à tributação pelo imposto de renda com base no lucro real, o disposto no art. 38, § 2º, do Decreto-lei n. 1.598/77. As contas do ativo permanente e respectivas depreciação, amortização ou exaustão, que registrem bens oriundos de Subvenções, são corrigidas monetariamente”. Disponível em: https://www.normasbrasil.com.br/norma/parecer-normativo-112-1978_92493.html. Acesso em: 8 jan. 2021.

5 Para uma melhor compreensão dos impactos da mudança havida, veja: UTUMI, Ana Cláudia Akie. Lei n. 11.638/2007 e implicações tributárias das subvenções para investimento. In: ROCHA, Sérgio André (coord.). Direito Tributário, Societário e a reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. V, p. 18-30; e MUNIZ, Ian; MONTEIRO, Marco. Tributos federais e o novo padrão contábil: comentários à Lei n. 12.973/2014. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 221-232.

6 “Art. 198. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público, reconhecidas no resultado com observância das normas contábeis, não serão computadas na determinação do lucro real e do resultado ajustado, desde que sejam registradas na reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei n. 6.404, de 1976, observado o disposto no seu art. 193, a qual somente poderá ser utilizada para: (…) § 7º Não poderá ser excluída da apuração do lucro real e do resultado ajustado a subvenção recebida do Poder Público, em função de benefício fiscal, quando os recursos puderem ser livremente movimentados pelo beneficiário, isto é, quando não houver obrigatoriedade de aplicação da totalidade dos recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação ou expansão de empreendimento econômico, inexistindo sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos.”

7 Em breve pesquisa realizada no sistema de buscas de acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no período que vai de 05.2009 (mês de criação do CARF) e 07.2017 (mês anterior à promulgação da LC n. 160/2017), com as palavras “subvenção e investimento” encontraram-se 79 acórdãos sobre o tema.

8 Sobre o tema, cf. GASPERIN, Carlos Eduardo Makoul. O caráter interpretativo e retrospectivo da LC n. 160/2017: consequências. Revista de Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 39, 2019.

9 Conforme dispõe o art. 9º da IN/RFB n. 1.396/2013, as Soluções de Consulta elaboradas pela Coordenação do Sistema de Tributação (Cosit) têm efeito vinculante para a RFB, desde a sua publicação, e respaldam o contribuinte que as aplicar.

10 Na doutrina, é possível encontrar argumento nesse sentido a sustentar a posição da RFB. Veja: “Ademais, tendo em vista a redação do parágrafo 4º, que faz alusão aos requisitos previstos no caput do art. 30, o cumprimento dos requisitos previstos na Lei Complementar n. 160 a princípio não afasta a necessidade de o contribuinte demonstrar que (i) há intenção do Poder Público de Subvencionar para investimento; e (ii) o incentivo foi contabilizado adequadamente (em reserva de capital ou reserva de incentivos), sem sua distribuição aos sócios ou titular da pessoa jurídica. Nessa perspectiva, é de se reconhecer que o que restou afastada foi a interpretação indevida feita pela fiscalização acerca dos requisitos necessários à caracterização das subvenções para investimento, pela qual eram exigidas vinculação, concomitância, sincronia e equivalência de montante dos benefícios em relação ao empreendimento, sem respaldo de lei” (FAJERSZTAJN, Bruno; SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. As subvenções para investimento no novo regulamento do Imposto de Renda. In: DONIAK JR., Jimir (coord.). Novo RIR: aspectos jurídicos relevantes do regulamento do Imposto de Renda 2018. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 533).

11 LINS, Robson Maia. Considerações sobre o conceito de norma jurídica e a pragmática da comunicação na decisão judicial na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014. v. I, p. 183.

12 GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 38.

13 Segundo o autor: “Le parole scritte non dicono tuto. I testi alludono a contesti e i contesti sono atmosfere spirituali. Che se ne rendano conto o no, i giuristi ne sono come avvolti” (BRUNELLO, Mario; ZAGREBELSKY, Gustavo. Interpretare: dialogo tra un musicista e un giurista. Bologna: Mulino, 2016. E-book).

14 GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 63.

15 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020. v. I, p. 193-194. Na mesma linha são as palavras do ministro Marco Aurélio, RE 835.818/PR, no qual se discute a não tributação pelo PIS e pela Cofins de créditos presumidos de ICMS, com maioria favorável à tese dos contribuintes, que apontou: “Cabe destacar que o registro contábil atinente à diminuição do passivo de ICMS a ser pago em razão do benefício, ainda que anotado como ingresso, não o transforma em receita. Entendimento contrário implica potencializar a forma em detrimento do conteúdo”.

16 Segundo o autor: “Efetivamente, não é possível cindir os processos gramatical e lógico de interpretação. Não se deve sustentar que a interpretação gramatical e a lógica sejam distintas porque o emprego da primeira implica na utilização de uma lógica gramatical, uma lógica própria linguagem, e é muito difícil, ao tentar-se uma interpretação baseada exclusivamente na letra do preceito, desconsiderar a ordem e significado razoável que todo vocábulo ou palavra, alocução ou frase representa e encerra em si mesmo, sem introduzir a lógica própria das normas gramaticais. Não é possível assim separar-se a interpretação literal da lógica, como não é possível separar-se, ao contemplar uma película ou projeção cinematográfica, os diversos fotogramas” (BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 130).

17 SOUZA, Priscila de. Intertextualidade na linguagem jurídica: conceito, definição e aplicação. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014. v. I, p. 119.

18 GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 46.

19 Sobre o tema, cf. ROTHMANN, Gerd Willi. A guerra fiscal dos Estados na (des)ordem tributária e econômica da Federação. In: TORRES, Heleno Taveira (coord.). Direito Tributário e ordem econômica: homenagem aos 60 anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 479.

20 BRASIL. Comissão de Finanças e Tributação. Projeto de Lei Complementar n. 54/2015. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1565095&filename=PPR+1+CFT+%3D%3E+PLP+54/2015. Acesso em: 18 jul. 2021.

21 Conforme cronologia de tramitação divulgada pela Câmara do Deputados. Disponível em: BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 54/2015. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1203158. Acesso em: Acesso em: 18 jul. 2021.

22 BRASIL. Presidência da República. Mensagem n. 276, de 7 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2017/Msg/VEP-276.htm. Acesso em: 18 jul. 2021.

23 GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 267.

24 Como ensina Aurora Tomazini de Carvalho: “A exposição de motivos é um texto criado no curso de um processo enunciativo jurídico. É, portanto, direito positivo, integra o sistema. (...) A exposição de motivos relaciona-se com o documento normativo que motiva, num dialogismo próprio da intertextualidade jurídica, formando um contexto, contexto jurídico para a construção (interpretação) das normas veiculadas pelo enunciado-enunciado daquele documento” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. 646-647).

25 Cf. FULLER, Lon L. Positivism and fidelity to law: a reply to professor Hart. Harvard Law Review, v. 71, n. 4 feb. 1958, p. 662-667.

26 Publicada em 22.03.2021 com a seguinte ementa: “INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS-FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. LUCRO REAL. EXCLUSÃO. REQUISITOS E CONDIÇÕES. LEI COMPLEMENTAR N. 160, DE 2017. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE. A partir da Lei Complementar n. 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei n. 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. O disposto no § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973, de 2020, aplica-se retroativamente, nos termos do § 5º desse mesmo artigo, não podendo desfazer a coisa julgada, e alcança os incentivos e benefícios fiscais instituídos por legislação estadual até a data de início da produção de efeitos da LC n. 160, de 2017. Na hipótese em que o incentivo ou benefício fiscal ou financeiro-fiscal tenha sido concedido em desacordo com o rito estabelecido pela LC n. 24, de 1975, impõe-se que sejam observadas as exigências de registro e depósito, na Secretaria Executiva do Confaz, da documentação comprobatória correspondente aos atos concessivos dos incentivos/benefícios, a teor do versado no art. 3° da LC n. 160, de 2017” (SC Cosit n. 40/2021).

27 Sobre a técnica de presunção por equiparação, ver: HARET, Florence. Teoria e prática das presunções no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010, p. 261-271.

28 Art. 11, III, “c”, da Lei Complementar n. 95/98.

29 Sobre o tema, cf. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer. Cambridge, MA: Harvard, 2012, p. 169-170.

30 Nas palavras de Eros Grau: “a norma encontra-se (parcialmente) em estado de potência, involucrada no enunciado (texto ou disposição). O intérprete a desnuda. Neste sentido – isto é, no sentido de desvencilhamento da norma de seu invólucro, no sentido de fazê-la brotar do texto, do enunciado – é que afirmo que o intérprete produz a norma. O intérprete compreende o sentido originário do texto e o mantém (deve manter) como referência de sua interpretação atualizando-o, contudo” (GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 45).

31 É o que explica Ricardo Mariz de Oliveira: “De fato, a distinção implícita feita por essa lei [Lei n. 6.404/76, art. 182, § 1º], entre subvenções para investimento e subvenções para custeio de operações, no sentido de que apenas as primeiras deviam ser levadas à reservas de capital, tinha uma razão de ser, que era a seguinte: as subvenções para investimento tinham (e ainda deveriam ter) esse tratamento porque elas não interferem diretamente com a apuração do lucro líquido da pessoa jurídica, do qual o lucro operacional é parte integrante, eis que se destinam ao fornecimento de fundos para aquisição de acréscimos ao ativo não circulante, e portanto para geração futura de lucros, enquanto as subvenções para custeio de operações afetam diretamente o lucro líquido, eis que os custos e despesas que elas reembolsam são debitados ao lucro líquido. Por isso, se as subvenções para custeio de operações não forem creditadas à receita, o lucro líquido ficará indevidamente diminuído, porque estará reduzido pelos valores de custos e despesas pagos com os recursos subvencionadas, recursos estes que neste caso estarão fora do lucro líquido. Ou seja, em virtude da não inclusão dos valores das subvenções no lucro líquido, neste não estará demonstrada a recuperação dos custos e despesas subvencionadas” (Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020. v. I, p. 195).

32 Esse racional, aliás, foi posto em prática pela Fazenda Nacional nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.517.492/PR, DJe 11.03.2019, e que pacificou o tema pela não tributação de incentivos de ICMS pelo IRPJ e CSLL.

33 Vide, por exemplo, a Súmula STJ n. 498: “Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”.

34 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. Malheiros: São Paulo, 1998, p. 45.

35 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 148.

36 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, Estado, Direitos Humanos e outros temas. Barueri: Manole, 2007, p. 450.

37 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 148.

38 TILBERY, Henry. Base econômica e efeito das isenções. In: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio (coord.). Incentivos fiscais para o desenvolvimento. São Paulo: José Bushatsky, 1971, p. 19-20.

39 TILBERY, Henry. Base econômica e efeito das isenções. In: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio (coord.). Incentivos fiscais para o desenvolvimento. São Paulo: José Bushatsky, 1971, p. 48.

40 Esse argumento foi utilizado pelo ministro Alexandre de Moraes, no RE 835.818/PR, para inaugurar a divergência em defesa da tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo PIS/Cofins, veja: “Assim, consoante o já citado artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, a concessão de isenções ou quaisquer outros benefícios fiscais deve ocorrer mediante lei específica do ente federado competente para instituir o tributo, não cabendo ao Judiciário ampliar o alcance da benesse. Noutro lado, permitir a exclusão do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins em razão da concessão de crédito presumido concedido por Estado-Membro seria o mesmo que aceitar a concessão de benefício fiscal de tributos federais por uma Unidade da Federação, o que importa grave violação do pacto federativo” (grifo adicionado).

41 É o que se depreende, por exemplo, do julgado no EREsp 1.517.492/PR.

42 Veja o RE 835.818/PR, no qual se discute a não tributação pelo PIS e pela Cofins de créditos presumidos de ICMS, cujo julgamento aguarda conclusão, mas já há maioria formada em favor da tese dos contribuintes.

43 Veja, por exemplo, as afirmações de Lucas Bevilacqua e Vanessa Marini Cecconello: “Da leitura do § 4º do art. 30, da Lei n. 12.973/2014, introduzido pela LC n. 160/2017, tem-se que são classificados como subvenções de investimento os benefícios fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, independentemente de outras exigências e condições não previstas no dispositivo. Inarredavelmente está-se diante de uma equivalência entre os conceitos de subvenção de custeio e de subvenção de investimento, passando a considerar-se a totalidade dos incentivos como subvenção de investimento. Para o IRPJ e a CSLL, para que não sejam computadas no lucro real, verifica-se, ainda, a exigência de registro na Reserva de Lucros e a sua utilização somente para ‘absorção de prejuízos desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal’ ou ‘aumento do capital social’ (BEVILACQUA, Lucas; CECCONELLO, Vanessa Marini. Incentivos fiscais de ICMS e subvenções para investimentos: tratamento fiscal após a edição da Lei Complementar n. 160/2017. Revista de Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 41, ano 37, 1º semestre 2019, p. 271).

44 É o que se colhe, por exemplo, do voto do ministro Dias Toffoli no julgamento do RE 835.818/PR, tratando da tributação de créditos presumidos de ICMS pelo PIS e pela Cofins: “A LC n. 160/17, ao incluir os §§ 4º e 5º nesse art. 30 da Lei n. 12.973/2014, estipulou que, observados tais requisitos e condições, são considerados subvenções para investimento os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao ICMS (o que abrange o crédito presumido de ICMS), não sendo, assim, eles computados na determinação do lucro real, para efeito de apuração do IRPJ e da CSLL. Para a nova lei, portanto, mesmo se esses incentivos e benefícios relativos ao ICMS consistirem em subvenções para custeio, aplicam-se a eles aquela isenção concernente às subvenções para investimento. Há, aqui, equiparação por força de lei” (grifos do original).