O Reconhecimento Contábil e a Tributação de Indébitos Tributários Decorrentes de Processos Judiciais
Accounting and Taxable Regime Applicable to Tax Credits Arising from Judicial Decisions
Roberto Codorniz Leite Pereira
Professor Colaborador do Mestrado Profissional em Direito Tributário Internacional e Comparado do IBDT. Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP. Mestre em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. LL.M. em International Tax Law pela Vienna University of Business and Economics (WU). E-mail: roberto@maneira.adv.br.
Daniel Azevedo Nocetti
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI). Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). E-mail: daniel.nocetti@souzamello.com.br.
Recebido em: 31-05-2021
Aprovado em: 26-07-2021
Resumo
O reconhecimento contábil de indébitos tributários decorrentes de processos judiciais vem se tornando um problema para as empresas enquadradas no Lucro Real nos últimos anos. A administração tributária argumenta que estes valores devem ser, indistintamente, oferecidos à tributação no momento do trânsito em julgado. Tal interpretação, contudo, não é coerente, por relativizar o próprio conceito de Renda, os Princípios da Capacidade Contributiva e do não Confisco. Partindo de premissas processuais, contábeis e próprias do Direito Tributário, esse estudo se propõe a analisar as diferenças no reconhecimento contábil e no reconhecimento para fins fiscais dos indébitos tributários que decorrem de processos judiciais, bem como investigar em que momento a noção de disponibilidade da renda se compatibiliza com compensação administrativa em âmbito federal e a emissão de precatórios.
Palavras-chave: indébito tributário, reconhecimento contábil, IFRS, ativo contingente, capacidade contributiva, Imposto sobre a Renda, disponibilidade, compensação, precatório.
Abstract
The accounting recognition of tax credits arising from judicial decisions have been a highly controversial matter for companies in recent years. The Brazilian federal tax authority argues that these amounts should be taxed when the decision acquires the status of res judicata. Such an interpretation is not coherent, as it relativizes the concept of Income, ability-to-pay principle and prohibition of confiscatory tax. Based on procedural, accounting and tax law assumptions, this study aims to analyze the differences in accounting recognition and recognition for tax purposes of tax credits arising from legal decisions, as well as to investigate at what point there is a relevant tax event in the federal offset procedure and in the issuance of writ of payment.
Keywords: tax credits, accounting, IFRS, contingent asset, ability-to-pay principle, Income Tax, offset procedure, writ of payment.
1. Introdução
Os últimos anos vêm sendo marcados por grandes julgamentos em matéria tributária por parte do Supremo Tribunal Federal (“STF”). A pauta de 2020 e do primeiro semestre de 2021 do tribunal estava especialmente interessante da perspectiva fiscal, tendo em vista a grande quantidade de casos com repercussão geral previstos para serem julgados.
Como resultado desses julgamentos, temos por vezes a declaração de inconstitucionalidade, com efeitos erga omnes, de normas tributárias, o que implica a geração de indébitos tributários de grande monta em favor dos contribuintes. A título exemplificativo, citamos a decisão proferida pelo STF em 2017 que entendeu como inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS1, convalidada recentemente pela Suprema Corte por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”). Em relação ao referido tema, o Fisco Federal estima que, em decorrência das ações propostas pelos contribuintes e a declaração do STF, os indébitos tributários a serem restituídos estão na casa dos 258 bilhões de reais2. Após a modulação dos efeitos da decisão pelo STF, embora o impacto para os cofres públicos tenha sido ligeiramente reduzido, ainda assim os valores a serem restituídos continuam sendo relevantes.
Ocorre que, há muito tempo, o Direito Tributário convive com a antiga noção de que os créditos reconhecidos em juízo devem ser submetidos à tributação quando do desfecho definitivo da ação judicial. A Secretaria da Receita Federal do Brasil defende há muito essa posição3, mas em sua manifestação mais recente, valendo-se do Ato Declaratório Interpretativo n. 25/2003, defendeu que os valores devem ser incluídos na determinação do lucro real no período de apuração em que ocorrer sua disponibilidade jurídica, sem dar maiores detalhes acerca da aplicação deste entendimento aos casos concretos4. Essas declarações são conflitantes em diversos aspectos, mas é fato que a Receita Federal impõe, até os dias de hoje, a tributação no momento em que a decisão judicial adquire a condição de coisa julgada.
O entendimento das autoridades fiscais pressupõe que, invariavelmente, o trânsito em julgado atribui certeza e liquidez aos créditos fiscais, sendo o patrimônio dos contribuintes acrescido de forma imediata com o término da ação judicial.
É chegada a hora de revisitar e repensar esta velha crença. Até porque é função da ciência jurídica questionar, de tempos em tempos, verdades até então tidas por absolutas. Como veremos adiante, o posicionamento da administração pública não pode ser aplicado indiscriminadamente aos casos concretos, considerando que existem variáveis de natureza processual, contábil e próprias de Direito Tributário que devem ser analisadas.
Na sequência, no tópico 2, antes mesmo de entrar no mérito quanto ao regime contábil que deve ser conferido aos créditos fiscais reconhecidos em juízo, analisaremos algumas questões que se colocam como variáveis a serem consideradas tanto pelo operador do Direito quanto pelo contabilista quando da análise do caso concreto. A natureza da ação judicial, o regime de apuração do contribuinte e a forma de utilização do crédito fiscal reconhecido em juízo estão intimamente relacionados ao momento correto da tributação. No tópico 3, após termos ultrapassado as variáveis apontadas, o foco do nosso estudo será a ciência contábil para que, a partir dela, possamos identificar o correto momento de contabilização do indébito tributário reconhecido em juízo. No tópico 4, pretendemos adentrar o tratamento tributário a ser conferido ao indébito reconhecido judicialmente, sob o enfoque dos distintos conceitos de renda e princípios constitucionais que coexistem em nosso ordenamento jurídico. No tópico 5, analisaremos os conceitos apresentados a partir de diferentes casos concretos, a fim de que seja possível identificar o momento em que deverá ocorrer a incidência tributária em cada cenário. No tópico 6, trataremos de algumas controvérsias que poderiam, eventualmente, infirmar as conclusões apresentadas nos tópicos anteriores. Por fim, apresentaremos as nossas conclusões.
2. Variáveis em jogo
2.1. Recuperação de caixa e a dedutibilidade de despesas
A primeira variável que deve ser esclarecida por este estudo é que os créditos oriundos de indébitos tributários não são uma nova receita do contribuinte, mas uma recuperação de uma saída de caixa ocorrida no passado.
Um dos pontos que devem ser levados em consideração para definição da existência (ou não) do fato jurídico-tributário relevante à incidência tributária, é a natureza do indébito. O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) possui firme posição de que a indenização – que visa recompor o patrimônio do Contribuinte – não está sujeita a incidência tributária, já que o patrimônio jurídico permanece estático, sendo aritmeticamente recomposto5.
Essa premissa, no entanto, pode ser igualmente aplicada às situações envolvendo indébitos tributários decorrentes de processos judiciais. Do ponto de vista processual e creditório, a medida judicial, independentemente de seu fundamento, teve o objetivo de desconstituir a relação tributária original que ensejou o pagamento a maior ou indevido de tributos. O direito à restituição ou compensação do indébito tributário decorrente de decisão judicial é a consequência da desconstrução integral da relação obrigacional original.
Ocorre que a sistemática do lucro real possibilita que as despesas inicialmente incorridas com o recolhimento do tributo (posteriormente reconhecido como indevido) sejam deduzidas como despesa operacional na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Assim, a tributação do indébito tem por finalidade neutralizar o efeito tributário advindo da dedução da despesa com o pagamento do tributo em momento anterior6. É dizer: a neutralização da dedução de despesas com o pagamento do tributo indevido se concretiza com a inclusão dos valores equivalentes ao direito creditório na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, assim que for verificada a existência de disponibilidade sobre a renda (no caso, o crédito oriundo do indébito).
Essa linha interpretativa é materializada tanto no art. 44, III, da Lei n. 4.506/19647, quanto no art. 53 da Lei n. 9.430/19968, que, em outras palavras, determinam que as devoluções de custos que foram deduzidos no passado sejam considerados na apuração do lucro fiscal da entidade.
Significa dizer que os indébitos tributários reconhecidos em juízo somente serão tributados se o contribuinte tiver computado, em momento anterior, estes valores como despesas dedutíveis na apuração do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL.
Nesses casos, a tributação dos indébitos tributários reconhecidos em juízo ocorre exclusivamente para que se anule uma dedução realizada no passado. Em outras palavras, aquele contribuinte que deduziu da base de cálculo o pagamento do tributo na competência do acontecimento, diante da restituição destes valores deverá incluí-los na base de cálculo dos tributos sobre o lucro9.
Considerando que não há uma nova receita, por consequência lógica, essa recuperação de despesas não é objeto das contribuições PIS/PASEP e COFINS. Esta posição, inclusive, foi aceita pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em mais de uma ocasião10.
Por esses motivos, esclarecemos que este estudo tratará tão somente da incidência do IRPJ e da CSLL, no caso das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração do Lucro Real quando tiver sido realizada a dedução das despesas, haja vista que, nas hipóteses em que não tiver ocorrido a referida dedução, não há que se cogitar a tributação do indébito.
2.2. Variáveis de natureza processual
Como dito na introdução deste estudo, a natureza da ação judicial tem íntima relação com o momento do reconhecimento contábil e tributação dos créditos que dela decorrem. Isso porque, a liquidez da decisão judicial é relevante para determinar, inicialmente, se existe a possibilidade de uma mensuração apropriada dos direitos creditórios vinculados à ação e o instrumento adequado para a fruição do crédito recuperado.
O conceito de liquidez de decisão judicial passa pelo aferimento da existência de cinco elementos: (i) an debeatur – declara a existência de dívida; (ii) o cui debeatur – a quem é devido; (iii) o quis debeat – quem é o devedor; (iv) o quid debeatur – o que é devido; e (v) o quantum debeatur – quanto é devido11. Na ausência de um desses elementos, a decisão judicial deve ser entendida como ilíquida.
Uma parte relevante das discussões em matéria tributária ocorre em sede de Mandado de Segurança, Ação Declaratória ou Repetição de Indébito.
As duas primeiras, por serem ações que se pautam em produzir sentenças declaratórias ou constitutivas de direito, normalmente geram decisões ilíquidas com relação aos valores dos créditos porventura reconhecidos. Esse fato, individualmente, afasta qualquer pretensão tributária no momento do trânsito em julgado da decisão judicial, pois não há sequer uma estimativa confiável do valor atribuído ao direito reconhecido em juízo, impossibilitando o reconhecimento dos valores nas demonstrações financeiras e a pretensão tributária.
Por sua vez, ao tratarmos de Repetição de Indébito, a resposta quanto à liquidez tende a ser diferente, já que o quantum debeatur costuma ser conhecido desde o momento do trânsito em julgado da sentença.
A despeito de existir uma possível mensuração do direito creditório, não se pode dizer que, para fins tributários, essa estimativa pode ser utilizada. É nosso entendimento que a tributação do indébito tributário dependerá, além da liquidez da decisão, também da forma de aproveitamento do crédito tributário, conforme será apresentado no tópico 5.
É importante explicitar que o trânsito em julgado das sentenças proferidas em matéria tributária, independentemente da modalidade processual adotada e da liquidez da decisão, não implica qualquer mutação patrimonial imediata. Mesmo munido de uma decisão favorável, transitada em julgado, o contribuinte deverá praticar uma série de atos precedentes, na esfera administrativa ou judicial, para efetivamente adquirir a disponibilidade dos valores reconhecidos em juízo e, efetivamente, acrescer seu patrimônio. Não se pode confundir a aquisição do direito à renda com a aquisição da disponibilidade sobre ela12. O trânsito em julgado da medida judicial confirma inequivocamente o direito à aquisição da renda, oponível ao fisco, mas não implica imediatamente a aquisição de disponibilidade sobre a renda relacionada.
3. Tratamento contábil
Contabilmente, um indébito tributário representa a entrada de recursos em caixa ou a constituição de um ativo oriundo de um direito da entidade em face do Fisco. Como tal, o indébito, uma vez reconhecido, implica um aumento do patrimônio líquido da entidade.
O reconhecimento contábil do indébito tributário, no entanto, está longe de ser tão simples quanto a afirmação apresentada acima faz parecer. Na prática, a depender do caso concreto, o analista se depara com diversas nuances e desafios que devem ser levados em consideração para a realização do correto registro contábil.
Antes de ingressarmos nos desafios contábeis relacionados ao reconhecimento dos indébitos tributários reconhecidos em juízo, é necessário estabelecer algumas premissas.
Deve-se deixar claro, inicialmente, que o Direito e a Contabilidade são duas ciências distintas, com pressupostos e objetivos diferentes13. Apesar de a Contabilidade e o Direito Tributário, por vezes, tratarem do mesmo objeto – patrimônio –, o tratamento tributário a ser conferido a determinado fato econômico é independente do tratamento contábil.
As estimativas dos valores relacionados ao indébito tributário reconhecido em juízo são informadas aos usuários externos para se cumprir o objetivo da ciência contábil, consistente em prover o investidor de todas as informações necessárias para tomada de decisões, mas esses fatos são neutros na perspectiva tributária. Neutralidade fiscal é imposição da segurança jurídica, a qual requer que a tributação da renda ocorra somente quando presentes os atributos da confiabilidade, certeza, calculabilidade e objetividade. Estimativas contábeis geram expectativas para os usuários externos, mas essas expectativas não são necessariamente determinantes da sua tributação14. A contabilidade retrata uma realidade, mas não cria realidades jurídicas novas, desatreladas da substância jurídica necessária15.
A contabilidade, a partir da convergência aos padrões internacionais (iniciada pela Lei n. 11.638/2007), passou a ter um olhar prospectivo, para cumprir com a função de fornecer informações aos usuários externos, visando atrair e manter investimentos estrangeiros16. A maior contribuição do processo de convergência foi introduzir de maneira definitiva e enfática a segregação da contabilidade para fins de demonstrações contábeis e contabilidade para fins fiscais17.
A contabilidade, por conta do processo de convergência, não possui um viés puramente fiscal, deixando de ser simplesmente uma fotografia do passado para se voltar para o futuro. O principal papel das demonstrações financeiras é informar aos investidores sobre o futuro esperado à luz do passado realizado, pois só se tomam decisões econômicas sobre aquele18.
Por sua vez, o Direito Tributário anda em sentido diametralmente oposto, não admitindo que meras expectativas ou aproximações sejam critério de validade para se definir o fato gerador do imposto sobre a renda, que requer objetividade, certeza e definitividade dos fatos abrangidos.
O próprio STF já esclareceu que “A contabilidade constituiu ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário.”19
Logo, não existem dúvidas de que o Direito Tributário e a Contabilidade são ciências distintas e, para fins tributários, os fatos contábeis devem ser interpretados de acordo com os princípios e regras contidos no ordenamento jurídico-tributário (i.e., na Constituição Federal, no CTN, nas leis e nos regulamentos). Estabelecida essa premissa, passemos aos desafios concretos, decorrentes do reconhecimento contábil dos indébitos tributários reconhecidos em juízo.
3.1. Os requisitos para o registro contábil do ativo
O primeiro desafio que se impõe diz respeito à identificação dos requisitos contábeis aplicáveis para que o indébito tributário seja registrado como ativo, com a correspondente contrapartida em conta de resultado – i.e., o lançamento de uma receita.
Para que possamos compreender quais são as condições necessárias para que um indébito tributário seja reconhecido como ativo e, consequentemente, como uma receita contábil, antes de tudo, devemos ter a mais absoluta clareza quanto ao alcance destes conceitos.
Os conceitos de “ativo” e “receita” estão detalhados no “Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro” – o chamado CPC 0020 –, cuja finalidade é a escolha de algumas dentre as diversas teorias contábeis existentes que deve nortear a atividade normativa do comitê de pronunciamento contábeis21.
Iniciando-se pelo conceito de “ativo”, tem-se que, nos termos do item 4.3 do referido pronunciamento, “ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados”, sendo “recurso econômico” definido no item 4.4 como “um direito que tem potencial de produzir benefícios econômicos”.
Da definição trazida pelo CPC 00, merece especial atenção a expressão “direito”. Ativo, por definição, é um direito (ou conjunto de direitos), sobre o qual se tenha controle, oponível a terceiros, que passam a estar na condição de alguém que tem a obrigação perante o detentor do direito de dar ou fazer algo. Como tal, o direito há de decorrer de um título jurídico (e.g., contrato ou lei). Só são considerados direitos aqueles que têm aptidão para gerar um benefício econômico futuro.
À ideia de que o ativo é representado por um conjunto de direitos, se contrapõe a noção de que o passivo corresponde a um conjunto de obrigações, ou melhor, nos termos do item 4.26 do CPC 00, uma “obrigação presente da entidade de transferir um recurso econômico como resultado de eventos passados”. Desse modo, o patrimônio líquido – em sintonia com o conceito que lhe é atribuído pelo Direito Privado22 – corresponde justamente à diferença entre o conjunto de direitos e o conjunto de obrigações da entidade (pessoa jurídica, no caso do Brasil), dotadas de valor econômico.
Trazendo-se estes fundamentos essenciais ao caso sob análise, constata-se que o indébito tributário, por representar um direito que se tem em face de um terceiro (no caso, o Fisco Federal, Estadual, Municipal ou Distrital), que pode ser controlado pela entidade e com potencial para a geração de benefício econômico futuro, preenche todos os requisitos para ser um ativo.
No entanto, como classificar os indébitos tributários antes do encerramento do processo judicial? A resposta é que estaremos diante de um ativo contingente, cuja entrada de benefícios econômicos pode ser classificada como: (i) não provável; (ii) provável mas não praticamente certa; ou (iii) praticamente certa.
A classificação do ativo contingente é necessária para a noção do tratamento contábil correspondente. Diante da classificação contábil, impõe-se a investigação quanto às repercussões tributárias decorrentes da classificação de um ativo contingente. Passemos, então, ao estudo do instituto.
3.2. A transformação do ativo contingente em ativo
O segundo desafio que merece a nossa especial atenção está intimamente relacionado ao anterior. Na verdade, trata-se de uma decorrência lógica do primeiro desafio que, por ter sido disciplinada por CPC próprio23, deve ser tratado individualmente.
Trataremos da análise do momento em que um ativo em potencial – i.e., ainda inexistente, mas sobre o qual se tem expectativa quanto à sua formação – se torna um ativo propriamente. Em linguagem contábil, fala-se da transformação de um ativo contingente em ativo.
O CPC 25 trata o ativo contingente como “um ativo possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade”. Esse ativo, enquanto contingente, não pode ser reconhecido, devendo, no entanto, ser divulgado em notas explicativas quando for provável a entrada dos benefícios econômicos.
O mesmo pronunciamento estabelece que, quando a entrada dos benefícios econômicos for praticamente certa, não existe mais um ativo contingente, mas sim, um verdadeiro ativo. Em outras palavras, para que o indébito seja reconhecido como ativo, é preciso que a entrada de benefícios econômicos seja praticamente certa.
Em se tratando de um crédito perante o Fisco, a partir de qual momento é possível afirmar que a entrada de benefícios econômicos é praticamente certa? Havendo jurisprudência majoritariamente favorável à tese defendida pelo contribuinte, inclusive por meio de precedente com eficácia vinculativa para todo o Poder Judiciário, é possível afirmar a certeza quanto ao direito pleiteado?
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), em razão da repercussão econômica para empresas listadas em bolsa, ao tratar da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, em mais de uma oportunidade, se manifestou no sentido de que a análise sobre o reconhecimento dos indébitos tributários deve ser feita caso a caso, devendo o profissional responsável analisar as situações do caso concreto e a probabilidade do recebimento futuro destes valores24.
A nosso ver, em regra, a certeza quanto ao direito surge com o desfecho definitivo da ação individual do contribuinte (i.e., trânsito em julgado), na medida em que apenas neste momento, desde que exista uma mensuração confiável, a empresa deverá proceder ao reconhecimento contábil desses valores, para fins gerenciais.
Nessa linha, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (“IBRACON”), através do Comunicado Técnico n. 2/2006, manifestou o entendimento de que o reconhecimento dos ativos apenas ocorre com o trânsito em julgado da ação favorável ao contribuinte. Apesar de o comunicado técnico ter sido editado antes da publicação do CPC25, não foram emitidos comunicados técnicos posteriores indicando mudanças de orientação quanto ao tema25.
Não se exclui a possibilidade, no entanto, de uma companhia, antes do trânsito em julgado de sua ação judicial, reconhecer os indébitos tributários em seu balanço patrimonial, partindo da premissa da existência de tema julgado em sede de repetitivo ou repercussão geral (tornando obrigatória a observância do precedente em caráter erga omnes, salvo, neste último caso, modulação dos efeitos da decisão em sentido diverso) e similitude entre o caso individual e o leading case26.
Note-se que, apesar de existir a possibilidade do reconhecimento contábil nas Demonstrações Financeiras da companhia, isso não significa necessariamente que os valores sejam tributados.
O reconhecimento de ativos que não existem segundo o conceito jurídico de patrimônio decorre de uma leitura econômica e somente se justifica por razões eminentemente gerenciais ou de informação. Este reconhecimento não é técnico-jurídico e, por esse motivo, não deve impactar na apuração dos tributos, por conta da interpretação dos fatos contábeis conforme aos preceitos constitucionais e do Código Tributário Nacional27.
4. Tratamento tributário
O primeiro ponto a ser esclarecido no âmbito do tratamento tributário é a natureza do indébito tributário. Não obstante a afirmação formulada no tópico 2.1, de que os valores equivalentes ao indébito tributário não representam qualquer nova receita para o contribuinte, apta a ensejar a incidência das contribuições PIS e COFINS, o entendimento não é idêntico para fins de IRPJ e CSLL. A distinção entre os tributos deve ser feita considerando que a dedutibilidade das despesas, na época do recolhimento indevido dos tributos, afetou a base de cálculo do IRPJ e CSLL, de modo a reduzir o resultado fiscal do período.
Como dito anteriormente, o reconhecimento do indébito para fins tributários visa apenas neutralizar a dedução realizada no passado, considerando que a relação jurídica original e seus reflexos foram integralmente desfeitos por meio da medida judicial. O que se busca, em essência, é evitar que o contribuinte tenha um duplo proveito: a dedução da despesa com o pagamento do tributo no passado e a não tributação do indébito no presente.
Por esse motivo, ao ter o direito reconhecido em juízo, o contribuinte irá realizar recuperação de caixa, anulando uma despesa anteriormente deduzida na apuração do resultado fiscal ao incluir o direito creditório na base de cálculo dos tributos, assim que existir disponibilidade sobre esses valores.
Mas o que é efetivamente disponibilidade? A luz dos princípios constitucionais e das regras estipuladas pelo Código Tributário Nacional o contribuinte, ao reconhecer os valores em seu balanço patrimonial deverá, imediatamente, tributá-los? Caso a resposta seja negativa, a partir de qual momento o contribuinte deve promover o pagamento dos tributos relacionados ao reconhecimento contábil do indébito tributário?
Estabelecidos esses questionamentos, passemos a respondê-los.
4.1. Renda, disponibilidade e os princípios da capacidade contributiva e do não confisco
O texto constitucional, em seu art. 153, III, atribuiu à União Federal a competência para instituir o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, sendo sua regra-matriz de incidência destrinchada pelos arts. 43 e seguintes do Código Tributário Nacional (“CTN”).
Apesar de existir divergência dentro da doutrina acerca do conceito de renda28, é possível afirmar que a corrente majoritária compreende que tal conceito pressupõe a existência de efetivo acréscimo patrimonial, sendo essa interpretação, inclusive, adotada pelo STF em mais de uma oportunidade29.
O art. 43 do CTN estabelece que o fato gerador do Imposto sobre a Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda30. Da breve leitura do artigo, surge o primeiro questionamento: o que é disponibilidade?
A noção de disponibilidade não é tão complicada de ser traduzida. A doutrina pouco diverge sobre seu o conceito, sendo quase um consenso que a disponibilidade consiste na possibilidade de o contribuinte utilizar seu acréscimo patrimonial para fazer o que bem entender com ele, podendo empregar, aproveitar, servir-se, utilizar-se, lançar de mão de ou usar31.
Nesse sentido, a disponibilidade deve ser entendida como a possibilidade de utilizar o acréscimo patrimonial para o que bem convir, não existindo elementos que possam impedir o uso integral e imediato do objeto.
Há disponibilidade quando o beneficiário desta pode, segundo seu entendimento, empregar os recursos para a destinação que melhor entender. O critério é relevante porque, uma vez disponível, pode-se esperar que o contribuinte utilize os recursos para pagar impostos. A ideia é simples: se não há disponibilidade, não há capacidade de pagar tributos32.
Essa conclusão nada mais é que a materialização do Princípio da Capacidade Contributiva, insculpido no art. 145, § 1º, da Constituição Federal33. Tal princípio, em sua faceta absoluta, demanda que esteja presente a manifestação de riqueza elegida pelo legislador como hábil a demonstrar aptidão para contribuir34. A capacidade contributiva é inerente a toda e qualquer obrigação tributária, pois implica que o tributo deve ser subtraído da materialidade econômica sobre a qual se dá a incidência tributária35.
O indivíduo que não pode usufruir dos indébitos tributários reconhecidos em juízo, não manifesta capacidade contributiva, por inexistir, naquele momento, manifestação de disponibilidade e riqueza palpável. O fato gerador do imposto sobre a renda pressupõe o ganho efetivo (acréscimo patrimonial) e não mera a capacidade ou expectativa de ganho (expectativa de direito), justamente porque ele onera a capacidade financeira presente, mas não a capacidade de realização futura36.
O trânsito em julgado de uma ação judicial não implica qualquer disponibilidade sobre a renda e, portanto, eventual tributo exigido pelo fisco naquele momento não estaria incidindo sobre a renda, mas sim sobre renda potencial. Em outras palavras, caso a interpretação da autoridade fiscal fosse admitida, o tributo não estaria recaindo sobre renda realizada, mas sobre o patrimônio da entidade.
Tal interpretação, ainda, estaria por ferir o princípio do não confisco, que age em conjunto com o princípio da capacidade contributiva ao impedir que o Estado, por meio de tributo, anule a riqueza privada contida no patrimônio37.
Mais uma vez, chegamos à conclusão de que não é possível a tributação dos indébitos tributários reconhecidos em juízo no momento do trânsito em julgado da ação judicial, visto que, conquanto o reconhecimento do indébito tenha aptidão potencial para influir positivamente na situação patrimonial do contribuinte, o ingresso por ele representado não é renda realizada, ou seja, disponível jurídica ou economicamente, até que exista a possibilidade de dispor do acréscimo.
É dizer: com o trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito creditório em favor do contribuinte, conquanto este venha a ter a sua situação patrimonial potencialmente afetada (tanto que a própria contabilidade poderá, desde já, refletir essa mutação), não se tem, ainda:
i) a liquidez, ou seja, o conhecimento do montante exato do crédito reconhecido em favor do sujeito passivo, razão pela qual não se tem certeza quanto à sua mensuração, ressalvada a escolha de via judicial em que este valor seja plenamente reconhecido (i.e., ação de repetição de indébito), mesmo nessa hipótese não há o imediato acréscimo do patrimônio jurídico, visto que a decisão judicial reconhece o direito à aquisição da renda, mas não confere a disponibilidade sobre a renda. Neste ponto, é importante destacar que a Contabilidade admite, em determinadas situações, que ativos sejam reconhecidos ainda que a partir de aproximações com vistas a melhor informar os investidores; por outro lado, o Direito Tributário exige a certeza e a mensurabilidade exata do ganho tributável para que haja a incidência do imposto sobre a renda.
ii) o exercício dos direitos de propriedade atinentes ao referido crédito, especialmente para fins de adquirir bens e serviços, quitar despesas (inclusive de natureza tributária), e praticar outros atos condizentes à propriedade. Até que seja possível o exercício desses direitos de propriedade, desde que respeitada a via processual escolhida e o pedido formulado, não se pode dizer que a renda – exteriorizada pelo reconhecimento do indébito – pode ser considerada disponível, seja econômica ou juridicamente.
Alertamos que, neste artigo, não adentraremos nas discussões relacionadas às noções de disponibilidade econômica e jurídica. Estamos convencidos de que não há qualquer disponibilidade no trânsito em julgado da medida judicial que reconhece o direito creditório. Partindo dessa premissa, parece razoável concluir que, qualquer que seja a noção de disponibilidade utilizada pelo intérprete, o resultado será o mesmo: se não há acréscimo patrimonial disponível, não há que se falar em tributação pelo imposto sobre a renda.
5. Casos concretos: o momento da tributação do indébito tributário
Estabelecidas as premissas contábeis e tributárias necessárias à verificação do momento correto da incidência tributária, passemos à aplicação dos conceitos nos cenários concretos de aproveitamento propostos.
5.1. Precatórios
Conforme apontamos anteriormente, uma das formas de incorporação ao patrimônio de indébitos reconhecidos judicialmente é por meio da figura do precatório. Os precatórios nada mais são do que requisições de pagamento de quantia certa (líquida) devida pela Fazenda Pública ao sujeito passivo.
A Constituição Federal, em seu art. 100, estabelece que é obrigatória a inclusão, no orçamento da pessoa de direito público, dos valores necessários para o adimplemento das obrigações presentes decorrentes de precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano, sendo necessário que o pagamento seja promovido até o fim do exercício financeiro (i.e., ano-calendário) seguinte38. A realidade prática, no entanto, demonstra que o reconhecimento de direitos pecuniários face à Fazenda Pública encontra-se totalmente esvaziado de efetividade39.
A Receita Federal do Brasil, através da Solução de Divergência n. 19/2006, estabeleceu que o indébito tributário e os juros devem ser oferecidos à tributação pelo IRPJ e pela CSLL “na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução; ou na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução”.
Este entendimento, no entanto, não pode ser acatado sem reservas. A tributação pelo imposto sobre a renda pressupõe a definitividade da aquisição de disponibilidade sobre os valores. Os entes de direito público, historicamente, não promovem o pagamento das obrigações em um prazo razoável. Diante desse contexto, como seria possível sustentar a existência de disponibilidade sobre os valores do indébito reconhecido em juízo na data de expedição do precatório, se sequer existe uma expectativa razoável de quando os valores serão recebidos?
Há uma expectativa de direito, que está sujeita a duas condições suspensivas40: a inclusão dos valores no orçamento do ente público e o efetivo pagamento41.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), em mais de uma oportunidade, ao tratar do momento correto da tributação do reconhecimento de um precatório, entendeu que os precatórios representam apenas uma expectativa de direito, um ganho patrimonial que não representa acréscimo patrimonial até seu pagamento, visto que não existe sequer uma previsão para tal ato acontecer42. Na mesma linha, o Poder Judiciário trata o tema com cautela, ao reconhecer que inexiste capacidade contributiva do titular do direito creditório antes do seu efetivo pagamento43.
Entendemos que a jurisprudência andou bem, neste ponto, haja vista que o caráter de incondicionalidade dos fatos geradores de acréscimo patrimonial é indispensável para a incidência tributária. Se existirem condições (eventos futuros e incertos – tal qual o montante e a data do pagamento) atreladas ao aperfeiçoamento do fato gerador, não há como se falar de subsunção do fato à norma44.
Sequer pode ser argumentado que a tributação poderia ocorrer por conta da possibilidade de negociação de precatórios. O argumento é frágil por duas razões: em primeiro lugar, a mera possibilidade de se levar o precatório a mercado não denota tampouco é capaz de suprir a exigência de que a renda seja realizada e, em segundo lugar, o argumento adota como premissa que o precatório será alienado pelo mesmo valor da sua expedição, o que não é verdade, sobretudo quando se tem em mente que diversas empresas se destinam justamente a adquirir precatórios com deságio para o recebimento futuro do valor integral ou para revendê-los com ágio na operação. Assim, inexiste disponibilidade plena sobre a renda, já que a negociação dos valores é extremamente prejudicial ao contribuinte, justamente pelo argumento de que o titular do precatório irá demorar um longo e incerto prazo para receber os valores45.
No caso da negociação de um precatório com terceiros, entendemos que não estamos mais tratando de uma recomposição de caixa, a qual demandaria a anulação da dedutibilidade praticada na época dos fatos, mas sim de uma verdadeira compra e venda do direito creditório. A rigor, a venda de precatório com deságio, em si, impossibilita a própria exigência do imposto de renda sobre o ganho de capital, motivo pelo qual a jurisprudência tende a afastar a cobrança, considerando que existe, essencialmente, uma redução patrimonial – e não acréscimo –, fato alheio à hipótese de incidência46.
5.2. Compensação tributária
Inicialmente devemos fazer um breve alerta ao leitor: o conteúdo exposto neste tópico diz respeito tão somente à compensação tributária no âmbito federal. Não iremos adentrar nas regras de compensação em âmbito estadual, municipal e distrital, visto que existem um sem-número de normas que regem o tema. Isto posto, passemos alguns breves comentários sobre a legislação federal em regência, para, então, aplicar as noções apresentadas nos tópicos 3 e 4.
O procedimento de compensação trata da situação de dois interessados que, ao mesmo tempo, possuem direitos creditórios contrapostos. Com a compensação, ocorre a extinção de obrigações recíprocas entre as mesas pessoas que se reputam pagas, total ou parcialmente47.
A compensação administrativa, em âmbito federal, é autorizada pelo art. 66 da Lei n. 8.383/1991. Por sua vez, a disciplina do art. 74 da Lei n. 9.430/1996 estabelece que a compensação extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua posterior homologação48.
As compensações, atualmente, se pautam pelo regime declaratório, segundo o qual o fisco federal tem a obrigação de acatar a compensação, uma vez preenchidos os requisitos formais e materiais49. Justamente, por esse motivo, a declaração de compensação tem eficácia imediata – tão logo ocorre a sua transmissão eletrônica, o débito é extinto –, ficando sujeita a uma condição resolutória, vez que o fisco não autoriza a compensação, inexistindo margem para discricionariedade. A conclusão é coerente também com o art. 156, II, do CTN50, que reconhece a compensação – e não a homologação do pedido de compensação – como causa de extinção do crédito tributário.
A Lei n. 9.430/1996 confere ao procedimento de compensação o mesmo tratamento adotado pelos lançamentos por homologação51: uma vez transmitido a declaração eletrônica, o débito será extinto, sob condição resolutória da sua posterior homologação52.
É verdadeira a afirmação que o art. 170 do CTN53 autoriza que a lei estipule condições e garantias relacionadas ao procedimento compensatório, mas a imposição de eventuais restrições – sob o argumento de proteção do fisco contra práticas fraudulentas – não pode servir de pretexto para restrições ao exercício regular dos direitos do contribuinte. O legislador pode, validamente, impor restrições instrumentais razoáveis no que concerne à comprovação da existência e à quantificação do crédito do contribuinte, porém essas restrições não podem afetar a própria essência do direito do contribuinte54.
Nesse contexto, a Instrução Normativa n. 1.717/2017, ao tratar especificamente da compensação de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, estabelece normas específicas quanto ao procedimento de preenchimento e transmissão de Declarações de Compensação (“DCOMP”).
Um dos atos precedentes à utilização dos créditos reconhecidos em juízo é sua habilitação perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil (“RFB”). O pedido de habilitação nada mais é do que um requisito formal para o aproveitamento dos créditos, sendo expressamente declarado que, uma vez deferido, tal fato não implica anuência da RFB quanto ao valor do direito creditório. A Administração Tributária apenas proferirá o seu entendimento quanto ao valor do crédito a ser reconhecido a favor do contribuinte por ocasião da homologação das Declarações de Compensação transmitidas pelo contribuinte55.
É equivocado, neste sentido, o entendimento de que o momento correto para se promover a tributação do indébito tributário é a data do deferimento do pedido de habilitação, visto que inexiste confiabilidade na mensuração e tampouco disponibilidade sobre a renda.
A partir do deferimento do pedido de habilitação, o contribuinte terá cumprido uma das condições precedentes à utilização do crédito fiscal, podendo iniciar a transmissão das Declarações de Compensação. Tal fato, no entanto, não demonstra disponibilidade sobre a renda e tampouco capacidade contributiva. O mero fato da existência do crédito tributário nada socorre o contribuinte se não há débito apto a ser compensado. Não há incremento do patrimônio jurídico do contribuinte enquanto não for transmitida a DCOMP, momento em que os débitos fiscais são extintos por compensação e, consequentemente, a própria obrigação tributária do contribuinte.
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em mais de uma oportunidade, afastou a pretensão da Receita Federal de declarar como prescritos créditos tributários reconhecidos em juízo e não compensados integralmente. O posicionamento do STJ é de que o prazo de cinco anos – decorrente da interpretação do art. 165 cumulado com o art. 168 do CTN –, é aplicável apenas para pleitear o direito, sendo que, enquanto inexistirem débitos suficientes para utilização do crédito, não se deve falar em prescrição56.
A existência do débito tributário, possibilitando a utilização do direito, é a condição fundamental, na compensação tributária, para que ocorra a disponibilidade do direito creditório do sujeito passivo. O direito à compensação está condicionado a um evento futuro e incerto, que é a existência de débitos fiscais. Portanto, a norma tributária deve incidir no encontro de contas, justamente por nesse momento existir disponibilidade com relação àquela parcela do indébito tributário reconhecido em juízo.
Não há como negar que com a transmissão da DCOMP há disponibilidade da renda, já que o contribuinte optou por utilizar crédito para quitar o débito, deixando de utilizar caixa para fazer frente à despesa. Estão presentes a certeza quanto ao valor e a definitividade da renda, já que a compensação tributária implica a extinção do débito, que apenas está sujeito a condição resolutória.
O art. 117, II, do CTN, por sua vez, é claro ao dispor que, considera-se ocorrido o fato gerador no momento da transmissão da declaração de compensação frente a existência de um débito, por estarmos diante de uma condição resolutória57. A constituição de cláusula resolutória não impede a incidência tributária pelo ato jurídico ou pelo negócio em que aquela condição foi inserida58. Em outras palavras: na condição resolutória, a eficácia dos atos não fica suspensa até que um evento futuro e incerto venha a ocorrer (tal como ocorre na condição suspensiva), mas, antes disso, os atos possuem eficácia plena desde o princípio, permitindo que haja a incidência tributária sobre os fatos geradores porventura ocorridos59.
Parte da doutrina, no entanto, argumenta que o art. 117, II, do CTN não poderia ser aplicado para se definir a disponibilidade da renda, tendo em vista que a compensação tributária não corresponde a ato ou negócio típico de Direito Privado, mas a um instituto regido por normas estatutárias de Direito Público. Para chegar a essa conclusão, é sustentado que:
“Ao tratar do fato gerador como situação jurídica, Luís Eduardo Schoueri indica que o fato jurídico-tributário se refere a uma situação contemplada por outro ramo do Direito. São os casos em que o Direito Tributário atua como ‘direito de sobreposição’, pois faz incidir a tributação sobre a situação previamente regulada pelo Direito. Exemplifica indicando que, na hipótese de um contrato celebrado de acordo com as leis civis, somente produzirá efeitos na ordem tributária quando o negócio jurídico estiver completo e acabado. Por isso que, havendo condição sobre esse negócio, a lei tributária deverá respeitar-lhe os efeitos. Não é o que ocorre na compensação tributária, instituto regido por normas estatutárias de Direito Público.”60
Com o devido respeito, devemos discordar da interpretação adotada. Os ensinamentos de Luís Eduardo Schoueri não condicionam o dispositivo do art. 117, II, do CTN a ato típico do Direito Privado. As lições, ao contrário do que foi defendido, se referem ao art. 116, I, do CTN (situação de fato), sendo exposto que a expressão utilizada pelo legislador não é feliz, pois toda situação de fato – típica do Direito Privado – ao ser contemplada pela hipótese tributária, se torna jurídica61.
A esse respeito, é importante lembrar que a noção de Direito Privado sobre a condição resolutória não diverge do regramento contido na norma geral tributária, bem como que o próprio CTN se utiliza da noção da condição resolutiva ao tratar do lançamento por homologação. Conforme expressamente estabelecido pela Lei n. 9.430/1996, a condição existente sobre a extinção do crédito compensado é resolutória, vinculando-se a redação do art. 117, II, do CTN ao tratar do momento em que se considera ocorrido o fato gerador. Portanto, a declaração de compensação implica, desde o início, a extinção do crédito tributário. O implemento dessa condição, no entanto, não é neutro na perspectiva fiscal e desencadeará nos efeitos previstos no tópico 6.1 desse artigo.
5.2.1. O posicionamento atual dos tribunais
A despeito de nosso posicionamento, não podemos negar a existência de decisões judiciais que são contrárias à posição defendida nesse estudo.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF2”), em mais de uma oportunidade, a Corte manifestou que há aquisição de disponibilidade jurídica da receita no momento do trânsito em julgado da sentença, independentemente da sua realização em moeda, nos termos do art. 187, § 1º, “a”, da Lei n. 6.404, de 197662.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF3”), no entanto, vem entendendo que o fato gerador apenas se aperfeiçoa no momento da homologação, expressa ou tácita, das Declarações de Compensação. As decisões afirmam que a caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorrerá somente no momento da homologação da compensação pelo Fisco63.
Por sua vez, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui julgados conflitantes. Existem decisões em sede de agravo de instrumento afirmando que o mero trânsito em julgado não demonstra disponibilidade da renda64, bem como acórdãos que afirmam que o trânsito em julgado implica a aquisição de disponibilidade da renda, embora a disponibilidade financeira (i.e., o efetivo ingresso do valor em caixa) ocorrerá em momento posterior, com a homologação da compensação65.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região assume que a liquidez da decisão judicial que origina o direito creditório é essencial para que os valores sejam tributários. Assim, determina que caso a decisão transitada em julgado seja líquida, os tributos devem incidir imediatamente. No entanto, se tratando de decisão ilíquida, o indébito apenas poderá ser incluído na base de cálculo dos tributos sobre o lucro apenas após a habilitação dos créditos perante a Receita Federal do Brasil66.
As decisões demonstram que não há um caminho claro sendo adotado pelo Poder Judiciário, existindo a possibilidade de a jurisprudência caminhar em quaisquer das posições defendidas, inclusive, no sentido da que é defendida nesse estudo que, até o momento não vem sendo utilizada como razão decisória pelos órgãos colegiados. Esses fatos demonstram que os tribunais superiores terão que analisar o tema detidamente, visando encerrar essa discussão através de um posicionamento vinculante.
6. Outras controvérsias acerca do tema
Os posicionamentos defendidos anteriormente não se resumem a verdades absolutas. É certo que a doutrina irá se aprofundar e apresentar relevantes argumentos para seguir uma ou outra linha interpretativa com relação ao tema.
Assim, o presente tópico foi estruturado como um convite aos leitores para refletirem sobre alguns fatores externos à hipótese de incidência que podem ser levantados no futuro por aqueles que defendem que a tributação deverá ocorrer no momento do trânsito em julgado da decisão que dá origem aos indébitos tributários.
6.1. Compensação tributária e a não homologação da declaração de compensação
Antes de adentrarmos efetivamente a proposta de solução do aparente problema, cabe fazer uma breve contextualização do possível impasse a ser enfrentado pelos contribuintes.
Em 2018, cerca de um ano após o julgamento do Recurso Extraordinário n. 574.706/PR (“RE n. 574.706/PR”), em que se se declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, a Receita Federal do Brasil editou a tão criticada Solução de Consulta Interna (“SCI”) n. 13/2018, que estabeleceu que o montante a ser excluído da base de cálculo das contribuições é o valor do ICMS efetivamente recolhido e não o destacado nas notas fiscais de venda.
Em sentido diametralmente oposto, era defendido que a interpretação sistemática da decisão proferida pela Corte Superior estabelecia que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições é o destacado nas Notas Fiscais de Venda, existindo importantes precedentes que robusteciam o entendimento67. Essa interpretação foi confirmada pelo plenário do STF que, no julgamento dos embargos de declaração manejados no RE n. 574.706/PR, esclareceu que a decisão se reportava ao valor destacado nas notas fiscais de venda.
Não nos parece improvável que a autoridade tributária já tenha promovido a análise de declarações de compensação e apresentado respostas negativas aos pleitos dos contribuintes, não as homologando, total ou parcialmente, a pretexto de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é o valor efetivamente recolhido e não o valor destacado nas notas fiscais de venda, até porque a autoridade administrativa estava vinculada ao entendimento da SCI, nos termos do art. 12, II, da Portaria RFB n. 1.936/201868.
Apesar desse ponto ter sido superado pelo recente julgado, a Corte Constitucional modulou os efeitos da decisão, para que ela passasse a surtir efeitos apenas após 15 de março de 2017, ressalvadas as ações administrativas e judiciais protocoladas até essa data.
Tal decisão, no entanto, não tratou das ações protocoladas após 15 de março de 2017 e que transitaram em julgado antes do julgamento dos embargos de declaração (que foi finalizado em 13 de maio de 2021)69. Não é difícil imaginar que a Receita Federal do Brasil irá se basear no julgado para não homologar as compensações de contribuintes que estão nesse cenário, e tenham sido feitas com créditos anteriores ao marco temporal estabelecido no julgamento. A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS não é o tema central deste estudo, no entanto, não se pode negar que, em muitos casos, ela será a origem dos indébitos reconhecidos em juízo. Nesse contexto, qual é o efeito prático da não homologação das compensações?
Conforme afirmamos anteriormente, as declarações de compensação extinguem o crédito tributário. Existe, no entanto, uma condição resolutiva, que no Direito Privado é objeto dos arts. 127 e 128 do Código Civil de 200270, relacionada à extinção do crédito tributário.
A doutrina esclarece que o direito, quando vinculado à uma condição resolutória, nasce desde o acontecimento do fato (i.e., declaração de compensação) e produz seus efeitos normalmente, sem qualquer limitação. O direito não é eventual, ele é assegurado pelo instrumento que dá sua origem, de modo que eventual é sua perda71.
É coerente, portanto, a noção apresentada pelo Direito Tributário no art. 117, II, do CTN, ao determinar a incidência tributária desde o momento da aquisição originária do direito, pois o direito naquele momento é certo, mensurado, determinado e exigível.
No entanto, convém advertir que parte da doutrina sustenta que, por existir uma condição resolutória atrelada a compensação, a extinção do crédito tributário não é definitiva, já que a administração pública mantém o poder de rever ou contestar a existência ou o quantum do direito creditório e, portanto, apenas após a extinção definitiva e inapelável do crédito tributário – i.e. homologação expressa ou tácita da Declaração de Compensação (“DCOMP”) –, pode-se cogitar a incidência tributária72.
O argumento é sedutor, mas parece desconsiderar a dicção do art. 74 da Lei n. 9.430/1996, que, conforme tratamos no tópico 5.2, dispõe que a extinção do crédito tributário se dá com a mera transmissão eletrônica do pleito, sob condição da ulterior homologação. Ademais, não se compensa – tampouco deveria se pleitear a compensação – crédito tributário que não é dotado de liquidez e certeza. Se tratando de decisão judicial transitada em julgado não pairam dúvidas quanto à existência do direito, o único ponto que pode ser objeto de discussão é o quantum que é atribuído ao direito creditório. Sobre esse ponto, devemos lembrar que a atividade da análise é vinculada, não sobrando qualquer margem para discricionariedade por parte do agente fiscal em tal conduta73, se o direito creditório e a comprovação acerca da extensão do direito existem, não poderá a autoridade fiscal, a seu bel-prazer, não homologar a transmissão, total ou parcialmente. De igual forma que o fisco não pode utilizar o argumento de proteção contra práticas fraudulentas para restringir de maneira irrazoada o direito à compensação, o contribuinte não pode utilizar o argumento da possibilidade de práticas ilegítimas do fisco para equiparar o tratamento da condição resolutória à condição suspensiva, quando, desde logo, há a extinção do crédito tributário e um acréscimo palpável ao patrimônio jurídico. Ademais, argumentar que a condição resolutória impede a ocorrência do fato imponível, nega vigência tanto o conceito de Direito Privado quanto ao art. 117 do CTN.
Ao nosso ver, o risco da superveniência da condição resolutória não descaracteriza a existência de disponibilidade da renda oriunda do indébito tributário quando da transmissão da DCOMP, no exato valor do crédito utilizado na referida declaração. Evidentemente, o saldo de crédito não utilizado no ato da transmissão da declaração de compensação não denota renda disponível. Se presentes todos os atributos da hipótese de incidência, o fato imponível se reporta perfeito naquele momento.
Não se pode negar, no entanto, que eventual implemento da condição resolutória surte efeitos na perspectiva tributária, pois o contribuinte, ao utilizar os créditos reconhecidos em juízo, acabou por inseri-los na base de cálculo dos tributos visando neutralizar a dedução praticada originalmente.
Cumpre investigar, portanto, quais são os efeitos do implemento da condição resolutória na perspectiva civil, já que esse é o critério que informa a determinação do evento crítico para o reconhecimento de receitas tributárias74.
O implemento da condição resolutória na perspectiva do Direito Privado, implica a “resolução” do direito em questão, extinguindo-o. A obrigação é desde logo exigível, mas o aperfeiçoamento da condição resolutiva restitui as partes ao estado anterior, apagando os traços do direito75.
Em outras palavras, caso a condição resolutória ocorra, significa dizer que a extinção do débito compensado nunca ocorreu. Notem que o débito compensado não tem qualquer relação com a lide que originou o crédito, sendo certo que o Fisco buscará a cobranças destes valores através das vias cabíveis.
O contribuinte, por sua vez, se verá diante de dois cenários: ou bem contestar o ato administrativo (despacho decisório) de não homologação, através de processo administrativo, que suspenderá a exigibilidade tanto do débito compensado, quanto da multa pleiteada, nos termos do art. 135, § 3º e 137 da Instrução Normativa n. 1.717/2017, ou bem promover o pagamento daqueles valores se reportá-los como devidos.
Partindo da premissa de que a DCOMP, ao final, não irá produzir seus efeitos próprios, é certo que, se a extinção do crédito tributário não existiu, a anulação da dedutibilidade das despesas também não deveria ter sido praticada. Assim, os valores equivalentes ao indébito tributário não poderiam ser incluídos na base tributável do IRPJ e CSLL do período.
Nessa linha, se os valores equivalentes não poderiam ser incluídos na base de cálculo, temos duas possibilidades: (i) o reconhecimento implicou aumento da base de cálculo positiva e, por consequência, o valor entregue foi maior; ou (ii) o reconhecimento diminuiu a base de cálculo negativa e, por consequência, o prejuízo fiscal apurado no período foi menor.
Independentemente do cenário, fato é que o contribuinte tem o direito de, dentro do prazo legal retificar os deveres instrumentais, para anular a inclusão dos valores na base tributável. Além da retificação das obrigações acessórias, o contribuinte diante do implemento da condição resolutória, poderá pleitear a restituição do eventual indébito recolhido indevidamente76.
6.2. Regime de competência: incompatibilidade com a tese defendida?
O segundo questionamento que costuma ser empregado contra a tese é que as pessoas jurídicas, por estarem, em regra, obrigadas a reconhecer os direitos no regime de competência, devem promover a tributação dos valores no trânsito em julgado, em razão de o direito ter sido reconhecido, definitivamente, naquele momento.
O regime de competência é adotado pelas pessoas jurídicas por imposição da Lei n. 6.404/1976 (“Lei das S.A.”), tanto por observância dos princípios de contabilidade geralmente aceitos, quanto de expressa decisão do legislador77.
No regime de competência, as receitas são consideradas na apuração do resultado no período em que a pessoa jurídica vende os bens ou presta os serviços e não no período em que se efetivamente recebe o preço, sendo autorizados ajustes de natureza fiscal78.
A estrutura conceitual para relatórios financeiros (CPC 00), ao tratar do regime de competência, esclarece que:
“1.17 O regime de competência reflete os efeitos de transações e outros eventos e circunstâncias sobre reivindicações e recursos econômicos da entidade que reporta nos períodos em que esses efeitos ocorrem, mesmo que os pagamentos e recebimentos à vista resultantes ocorram em período diferente. Isso é importante porque informações sobre os recursos econômicos e reivindicações da entidade que reporta e mudanças em seus recursos econômicos e reivindicações durante o período fornecem uma base melhor para a avaliação do desempenho passado e futuro da entidade do que informações exclusivamente sobre recebimentos e pagamentos à vista durante esse período.”
Em outras palavras, o regime de competência é adotado pelas demonstrações financeiras com o objetivo de apresentar informações aos usuários externos sobre transações passadas e também reportar outros eventos que sejam úteis aos usuários na tomada de decisões econômicas.
O registro dos valores no Balanço Patrimonial, no caso sob estudo, é apenas escritural e tem a função de informar os usuários externos sobre um direito creditório incontestável que a companhia tem contra a autoridade fiscal. A informação é relevante e deve ser disponibilizada, visando mitigar eventuais assimetrias informacionais, para que os interessados tomem as decisões de cunho econômico.
Importante destacar que a Lei n. 12.973/2014, que foi criada com a finalidade de neutralizar os efeitos decorrentes do processo de convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais de contabilidade, não impõe que o reconhecimento, para fins tributários, ocorra no mesmo momento que o reconhecimento para fins contábeis.
Os ajustes necessários à apuração do lucro real não se encontram apenas na norma neutralizadora. Os ajustes necessários são todos aqueles permitidos expressamente pela legislação e aqueles que se impõem em função da aplicação do art. 43 do CTN e dos demais princípios e regras constitucionais79, já que a noção contábil não necessariamente se amolda ao conceito jurídico fixado para fins de cobrança de imposto80.
A aplicação do regime de competência deve respeitar o princípio da capacidade contributiva e da própria noção de renda, principalmente quando o caso concreto sinalizar a necessidade de aplicação do princípio da prudência na apuração, de forma a não extrapolar a capacidade econômica da companhia de fazer frente às suas obrigações tributárias81.
Conforme afirmamos anteriormente, a decisão judicial transitada em julgado não implica aumento imediato do patrimônio do contribuinte, já que diversos atos precedentes precisam ser praticados para que se possa adquirir disponibilidade sobre a renda relacionada ao direito reconhecido em juízo. Na maioria das vezes, sequer há certeza acerca da extensão (i.e., do valor) dos direitos patrimoniais que dela decorrem no momento do trânsito em julgado da ação judicial.
Todos esses fatos são condições – eventos futuros e incertos – que infirmam a definitividade e determinação do exato valor da renda que o indébito conota. Tal materialidade só passará a ser passível de incidência do imposto sobre a renda quando esses fatos se concretizarem.
6.3. Distribuição de lucro por conta do reconhecimento de receitas
Após termos esclarecido, de maneira pormenorizada, os impactos tributários em cada forma de aproveitamento dos indébitos tributários reconhecidos em juízo, cumpre aos autores levantarem uma última questão: a distribuição de lucros, se baseando no indébito reconhecido em juízo, implica disponibilidade de renda apta a ensejar a incidência tributária?
O reconhecimento contábil dos indébitos decorrente de decisão judicial transitada em julgado afeta o resultado financeiro do exercício, por ser reconhecido como uma receita extraordinária do período.
Como a contabilidade considera na apuração do lucro, por força do princípio da competência, não somente os fatos financeiros, mas também os econômicos, dificilmente todo lucro apurado resulta em um aumento equivalente em seu ativo circulante82.
Tal interpretação está em linha com o art. 197 da Lei das S.A.83, que autoriza a distribuição dos lucros, mesmo diante de parcela não realizada financeiramente (leia-se, valores efetivamente recebidos e a serem recebidos no próximo exercício), e faculta à Companhia instituir a chamada Reserva de Lucros a Realizar.
A Reserva de Lucros a Realizar nada mais é do que uma forma de a companhia preservar suas disponibilidades financeiras (que não estão vinculadas ao reconhecimento do indébito tributário), evitando que a empresa tenha que se endividar para distribuir o lucro correspondente ao resultado.
Vejam que a origem financeira da distribuição de lucros não é efetivamente o valor equivalente aos indébitos tributários reconhecidos em juízo, estes são apenas a base de que autoriza a distribuição de lucros. Insistimos que o reconhecimento do indébito tributário – puramente contábil – não confere qualquer disponibilidade sobre a riqueza incluída na rubrica de tributos a recuperar.
Em outras palavras, a distribuição de lucros até pode decorrer do indébito tributário reconhecido em juízo, mas o pagamento efetivo dessa obrigação não tem qualquer vinculação com estes valores.
A distribuição de lucros independe da aquisição de disponibilidade da renda que a origina. O fato de se entregar parcela do resultado aos acionistas não implica aquisição de disponibilidade da renda, já que o contribuinte não pode utilizar livremente o acréscimo patrimonial. O Direito Tributário não observa a origem da distribuição de lucros para definir a existência ou não de disponibilidade sobre a renda decorrente de processos judiciais.
Não há qualquer disponibilidade, consoante as noções apresentadas no tópico 4.1, sobre o indébito reconhecido para fins escriturais contábeis, mesmo quando há distribuição de lucros da companhia. Insistimos que o tributo, por força do princípio da capacidade contributiva, somente pode ser retirado da própria materialidade sobre a qual incide, senão a tributação estaria recaindo sobre o patrimônio da entidade e não sobre acréscimo patrimonial.
7. Conclusões
Este estudo pretendeu tratar de uma controvérsia jurídico-contábil relacionada ao reconhecimento contábil e à tributação de indébitos tributários decorrentes de processos judiciais.
A Contabilidade e o Direito Tributário são ciências distintas e que têm premissas e objetivos diversos. Enquanto a primeira tem o enfoque de informar o usuário externo sob um olhar prospectivo, o segundo somente trabalha com situações definitivas e efetivamente reportadas.
Apesar de, por vezes, ambas as áreas tratarem do mesmo tema, os estudiosos e as normas de cada ciência fazem perguntas diferentes e atribuem respostas diferentes sobre uma mesma materialidade. Não há qualquer contradição, tampouco problema com essa afirmação.
Entendemos que não há incidência de IRPJ e CSLL sobre o valor de indébitos tributários decorrentes de processos judiciais no momento do trânsito em julgado, considerando as variáveis de natureza processual, contábil e próprias do Direito Tributário.
Ao nosso ver, a interpretação mais coerente com o art. 43 do CTN é que os tributos sejam devidos no pagamento do precatório pelo órgão gestor dos recursos públicos ou na data da transmissão das declarações de compensação.
O tema está engatinhando no Poder Judiciário, sendo que existem poucas decisões proferidas, mas fato é que os tribunais superiores terão de dar a palavra final acerca dessa controvérsia introduzida pelo fisco federal.
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
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SANTANNA, Gustavo da Silva; ALVES, Ramon Pinto. O regime de precatórios e o (des)interesse (público) no seu pagamento. Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo vol. 3, n. 1, 2016.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Comentários ao artigo imposto sobre a renda: a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Diálogos póstumos com Alcides Jorge Costa. São Paulo: IBDT, 2017.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Considerações acerca da disponibilidade da renda: renda disponível é renda líquida. Direito tributário: o princípio da realização no imposto sobre a renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Neutralidade fiscal das avaliações de ativos e passivos a valor justo: simples instrumento de política fiscal? Revista Fórum de Direito Tributário n. 95. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
SILVEIRA, Rodrigo Maito da. A realização da renda à luz do Código Tributário Nacional. Direito tributário: o princípio da realização no imposto sobre a renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019.
TONELLI JUNIOR, Renato Adolfo. A tributação do indébito tributário decorrente de decisão judicial transitada em julgado pelo IRPJ e pela CSLL. Revista Direito Tributário Atual vol. 46. São Paulo: IBDT, 2020.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
1 BRASIL. STF. RE n. 574.706/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 15.03.2017.
2 Balanço Geral da União de 2020, Tabela 111 (Provisões para Perdas Judiciais e Administrativas), p. 169. Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38245. Acesso em: 09 maio 2021.
3 Citamos: Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 25/2003, Solução de Divergência COSIT n. 19/2003 e Solução de Consulta SRRF 10ª DISIT n. 233/2007.
4 Solução de Consulta COSIT n. 92/2021.
5 A jurisprudência no tribunal é ampla, citamos, a título exemplificativo: REsp n. 748.868/RS. Rel. Min. Teori Zavaski, Primeira Turma, julgado em 18.02.2008; REsp n. 1.068.456/PE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18.06.2009.
6 MINATEL, José Antonio. Recuperação de tributos pagos indevidamente – efeitos tributários. Revista Dialética de Direito Tributário n. 47. São Paulo: Dialética, 1999, p. 61-62.
7 Lei n. 4.506/1964: “Art. 44. Integram a receita bruta operacional: [...] III – As recuperações ou devoluções de custos, deduções ou provisões.”
8 Lei n. 9.430/1996: “Art. 53. Os valores recuperados, correspondentes a custos e despesas, inclusive com perdas no recebimento de créditos, deverão ser adicionados ao lucro presumido ou arbitrado para determinação do imposto de renda, salvo se o contribuinte comprovar não os ter deduzido em período anterior no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro real ou que se refiram a período no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado.”
9 É bem verdade que existe uma grande discussão de se os valores restituídos, equivalentes à Taxa SELIC de juros, devem ser incluídos na base de cálculo dos tributos sobre o lucro. Não entraremos neste tema por não ser o objeto deste estudo.
10 Citamos, de forma exemplificativa, a Solução de Divergência COSIT n. 19/2003 e Solução de Consulta DISIT n. 10/2013.
11 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 381.
12 PEDREIRA, José Luís Bulhões. Imposto sobre a Renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979. vol. 1, p. 196.
13 BIFANO, Elidie Palma. Novos aspectos do direito contábil: Lei n. 11.638/2007, suas alterações e variações sobre a interpretação da norma contábil. Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – vol. III: Desafios da neutralidade tributária e do direito societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 176-177.
14 SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Neutralidade fiscal das avaliações de ativos e passivos a valor justo: simples instrumento de política fiscal? Revista Fórum de Direito Tributário n. 95. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 151.
15 GRECO, Marco Aurélio. COFINS da Lei n. 9.718/98 – variações cambiais e regime da alíquota acrescida. Revista Dialética de Direito Tributário n. 50. São Paulo: Dialética, 1999, p. 131.
Na mesma linha: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020. vol. 2, p. 1.296.
16 CHARNESKI, Heron. Normas internacionais de contabilidade e direito tributário brasileiro. Série Doutrina Tributária vol. XXIV. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 97.
17 FERNANDES, Edison Carlos. Direito e contabilidade: fundamentos do direito contábil. São Paulo: Trevisan Editora, 2015, p. 15-17.
18 CARVALHO, Nelson. Essência x forma na contabilidade. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 371-374.
19 BRASIL. STF. Recurso Extraordinário n. 506.107, Min. Rel. Rosa Weber, DJe 25.11.2013.
20 Trata-se da terceira versão das normas de estrutura conceitual publicadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), em 10 de dezembro de 2019, cuja finalidade foi trazer para a realidade brasileira as normas relativas ao “The Conceptual Framework for Financial Reporting” publicada pelo IASB.
21 GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu [et al.]. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 29.
22 Código Civil: “Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.”
23 Pronunciamento técnico CPC 25 – Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes. Correlação com IAS 37.
24 OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SNC/SEP/n. 01/2020, de 5 de fevereiro de 2020, item 12, p. 36-38.
OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SNC/SEP/n. 01/2021, de 29 de janeiro de 2021, item 7.2, p. 8-10.
25 QUERQUILLI, Alexandre Garcia; RODRIGUEZ, Marcelo Natale. Aspectos tributários decorrentes do reconhecimento contábil de créditos tributários antes do trânsito em julgado. Controvérsias jurídico-contábeis. São Paulo: Atlas, 2021. vol. 2, p. 21-22.
26 A título exemplificativo, citamos as Demonstrações Financeiras de 2018 da Ferrovia Centro Atlântica S.A. que foi aceita com ressalvas pelos auditores independentes. Destacamos, no entanto, que na demonstração financeira do ano subsequente (2019), a própria companhia reverteu o reconhecimento realizado em 2018. Disponível em: https://www.vli-logistica.com.br/relacoes-investidores/. Acesso em: 24 fev. 2021.
27 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020. vol. 2, p. 1.300.
28 Não adentraremos no mérito da discussão por existir extensa doutrina sobre o tema, além do fato que as conclusões eventualmente apresentadas não afetam a resposta do tema.
29 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 89.791, Rel. Min. Cunha Peixoto, julgado em 03.10.1978. Recurso Extraordinário n. 117.887, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 11.02.1993.
30 Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”
31 SCHOUERI, Luís Eduardo. Comentários ao artigo Imposto sobre a Renda: a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Diálogos póstumos com Alcides Jorge Costa. São Paulo: IBDT, 2017, p. 236-239.
32 SCHOUERI, Luís Eduardo. Considerações acerca da disponibilidade da renda: renda disponível é renda líquida. Direito tributário: o princípio da realização no imposto sobre a renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019, p. 23.
33 Constituição Federal: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
34 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 28.
35 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Regime tributário da compra vantajosa – questões fundamentais. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2013. vol. 4, p. 254.
36 KIRCHHOF, Paul. Tributação no Estado Constitucional. Tradução: Pedro Adamy. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 38.
37 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 170.
38 Constituição Federal: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. [...]
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.”
39 SANTANNA, Gustavo da Silva; ALVES, Ramon Pinto. O regime de precatórios e o (des)interesse (público) no seu pagamento. Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo vol. 3, n. 1, 2016, p. 230-231.
40 Código Tributário Nacional: “Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.”
41 DANIEL NETO, Carlos Augusto. A incidência de IRPJ e CSLL sobre os indébitos tributários decorrentes de decisões judiciais. Revista Direito Tributário Atual vol. 43. São Paulo: IBDT, 2019, p. 471.
42 CARF. Acórdão n. 1202-001.088. Processo n. 13896.722924/2011-36. Voto Vencedor do Conselheiro Orlando José Gonçalves Bruno, sessão de 11 de fevereiro de 2014.
CARF. Acórdão n. 1301-002.122. Processo n. 10880.726733/2012-13. Rel. Roberto Silva Junior, sessão de 13 de setembro de 2016.
43 TRF4. Apelação em Mandado de Segurança n. 2006.71.00.032049-9/RS. Publicado no DJe em 12.02.2009.
44 SILVEIRA, Rodrigo Maito da. A realização da renda à luz do Código Tributário Nacional. Direito tributário: o princípio da realização no imposto sobre a renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019, p. 105.
45 Por exemplo, o Município de São Paulo, no Edital n. 01/2020, estabelece um deságio de até 40% sobre os valores devidos para antecipar o pagamento da obrigação. Acesso em: 24 fev. 2021. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/procuradoria_geral/precatorios/?p=274562.
46 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 1.824.282/RJ, Min. Rel. Benedito Goncalves, julgado em 26.03.2020 e Agravo Interno no REsp n. 1.824.282/RJ, julgado em 05.05.2021.
47 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 375.
48 Lei n. 9.430/1996: “Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.
§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. [...]
§ 4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo.
§ 5º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação.”
49 PEREIRA, Roberto Codorniz Leite. Compensação no direito tributário, proporcionalidade e segurança jurídica. Revista Direito Tributário Atual vol. 46. São Paulo: IBDT, 2020, p. 407.
50 Código Tributário Nacional: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...] II – a compensação; [...]”.
51 Código Tributário Nacional: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. [...].”
52 Não adentraremos nas importantes discussões doutrinárias acerca da temática, na medida que remetemos o leitor à obra: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 681-687. Partimos da premissa de que o STJ editou a Súmula n. 436, que dispõe: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.”
53 Código Tributário Nacional: “Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”
54 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020, p. 221.
55 Instrução Normativa n. 1.717/2017: “Art. 101. O pedido de habilitação do crédito será deferido por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, mediante a confirmação de que: [...]
Parágrafo único. O deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica reconhecimento do direito creditório ou homologação da compensação.”
56 Citamos de maneira exemplificativa: STJ. REsp n. 1,469.954, Min. Rel. Og Fernandes, julgado em 18.08.2015; STJ. REsp n. 1.480.602/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16.10.2014.
57 Código Tributário Nacional: “Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.”
58 BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário brasileiro: CTN comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, comentários ao art. 117 do CTN.
59 Código Tributário Nacional: “Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.”
60 TONELLI JUNIOR, Renato Adolfo. A tributação do indébito tributário decorrente de decisão judicial transitada em julgado pelo IRPJ e pela CSLL. Revista Direito Tributário Atual vol. 46. São Paulo: IBDT, 2020, p. 379-380. O autor faz citação à SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 505.
61 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 563. Afirmamos que inexistiu mudança de posicionamento do autor entre as edições.
62 TRF2. Apelação n. 5035622-22.2019.4.02.5101, Rel. Desembargador Federal Marcus Abraham, Terceira Turma Especializada, julgado em 04.08.2020.
TRF2. Apelação n. 5004097-22.2019.4.02.5101, Rel. Desembargador Federal Theophilo Antonio Miguel Filho, Terceira Turma Especializada, julgado em 03.12.2019.
63 TRF3. Agravo de Instrumento n. 5002315-90.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, Terceira Turma, julgado em 07.11.2020; TRF3. Agravo de Instrumento n. 5033080-78.2019.4.03.0000, Rel. Desembargadora Marli Ferreira, julgado em 01.06.2020.
Sobre os precedentes citados neste tribunal, é curioso notar os pedidos formulados em ambas as ações era para que a incidência tributária ocorresse à medida das transmissões das DCOMP. O Tribunal, no entanto, foi além e concedeu o provimento jurisdicional para que a incidência ocorresse no momento da homologação das compensações. Nada, no entanto, foi dito sobre a condição resolutória da compensação.
64 TRF4. Agravo de Instrumento n. 5042788-91.2020.4.04.0000, Desembargador Rel. Rômulo Pizzolatti, Segunda Turma, decisão de 09.10.2020. Frisamos que em virtude de sentença proferida em primeiro grau, a decisão em sede de antecipação de tutela perdeu seus efeitos.
65 TRF4. Apelação n. 5017168-33.2019.4.04.7107, Des. Rel. Rômulo Pizzolatti, Segunda Turma, decisão de 07.12.2020.
66 TRF5. Processo n. 0801580-78.2020.4.05.8302, Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, Terceira Turma, julgado em 08.04.2021.
TRF5. Processo n. 0810715-48.2019.4.05.8400, Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, Terceira Turma, julgado em 02.07.2020.
67 STF. RE n. 954.262/RS, Min. Rel. Gilmar Mendes, julgado em 20.08.2018; TRF4. Apelação n. 5013847-79.2017.4.04.7100/RS, voto vencedor do Juiz Federal Andrei Pitten Velloso, julgado em 06.12.2018.
TRF3. Apelação n. 5000302-72.2017.4.03.6128, Rel. Desembargadora Federal Cecília Maria Piedra Marcondes da Terceira Turma do Tribunal Regional da 3ª Região, julgado em 04.04.2019.
68 Portaria RFB n. 1.936/2018: “Art. 12. Terão efeito vinculante no âmbito da RFB, a partir de sua publicação: [...] II – no Boletim de Serviço da RFB, a SCI e o Parecer Sutri.”
69 Apesar de o Ministro Luís Roberto Barroso ter ressalvado em seu voto que a modulação não poderia afetar as ações já transitadas em julgado, a proposta de modulação do ministro não foi acatada.
70 Código Civil: “Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.”
71 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – vol. I: Introdução ao direito civil e teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 452-453.
72 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Reconhecimento contábil e tributação dos valores dos indébitos tributários em caso de compensação: considerações sobre o ofício circular CVM/SNC/SEP n. 01/2021. Revista de Direito Contábil Fiscal n. 5. São Paulo: MP/APET, 2021, p.73-76.
73 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, capítulo XIV, tópico 5.
74 POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda – reconhecimento de receitas e despesas para fins do IRPJ. Série Doutrina Tributária VII. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 191-192.
75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2019, comentários aos arts. 126, 127 e 128 do CC.
76 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020, p. 136.
77 Lei n. 6.404/1976: “Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará: [...] § 1º Na determinação do resultado do exercício serão computados: a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.”
78 RIR/2018: “Art. 258. O lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Regulamento. § 1º A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuração em observância às disposições das leis comerciais. § 2º Os valores que, por competirem a outro período de apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou dele excluídos, serão, na determinação do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente.”
79 BIANCO, João Francisco; SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Reconhecimento de receitas (CPC 30) – ausência de norma expressa na Lei n. 12.973/14 que regule o tratamento aplicável a divergências entre os critérios contábil e fiscal. Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – Vol. V: Controvérsias após a Lei n. 12.973. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 341.
80 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. Dos regimes fiscais de reconhecimento das variações monetárias cambiais nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. O momento de exercício do direito. Revista Dialética de Direito Tributário n. 171. São Paulo: Dialética, 2009, p. 122.
81 POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda – reconhecimento de receitas e despesas para fins do IRPJ. Série Doutrina Tributária VII. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 237.
82 GELBCKE, Ernesto Rubens [et al.]. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades – de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 389.
83 Lei das SAs: “Art. 197. No exercício em que o montante do dividendo obrigatório, calculado nos termos do estatuto ou do art. 202, ultrapassar a parcela realizada do lucro líquido do exercício, a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar o excesso à constituição de reserva de lucros a realizar.
§ 1º Para os efeitos deste artigo, considera-se realizada a parcela do lucro líquido do exercício que exceder da soma dos seguintes valores:
I – o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial (art. 248); e
II – o lucro, rendimento ou ganho líquidos em operações ou contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de realização financeira ocorra após o término do exercício social seguinte.
§ 2º A reserva de lucros a realizar somente poderá ser utilizada para pagamento do dividendo obrigatório e, para efeito do inciso III do art. 202, serão considerados como integrantes da reserva os lucros a realizar de cada exercício que forem os primeiros a serem realizados em dinheiro.”