Natureza Jurídica dos Emolumentos dos Serviços Extrajudiciais Brasileiros
Juridical Nature of Brazilian Extrajudicial Services Emoluments
Felipe Bizinoto Soares de Pádua
Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP). Pós-graduado em Direito Constitucional e Processo Constitucional, em Direito Registral e Notarial, em Direito Ambiental, Processo Ambiental e Sustentabilidade, tudo pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC). É membro do grupo de pesquisa Hermenêutica e Justiça Constitucional: STF, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e membro do grupo de pesquisa Direito Privado no século XXI, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado e Consultor Jurídico. E-mail: bizinoto.felipe@hotmail.com.
Recebido em: 7-6-2021
Aprovado em: 28-10-2021
Resumo
O exercício da atividade extrajudicial no Brasil envolve tanto o regime jurídico público quanto privado, definindo-se não como um serviço público, mas como uma função pública própria. Tal diferença é transportada para a contrapartida dos notários e oficiais registradores, que são remunerados com os emolumentos, uma espécie tributária peculiar que tem características próprias. Esses diferenciais que separam os emolumentos da espécie mais próxima, a taxa, o que reflete diretamente na teorização sobre as espécies tributárias, especialmente sobre a teoria pentapartida.
Palavras-chave: emolumentos, espécies tributárias, serviço extrajudicial.
Abstract
The exercise of extrajudicial activity in Brasil involves both public and private juridical regims, defining itself not as a public service, but as a public function of its own. This difference is transported to the counterpart of notaries and registrations officers, who are remunerated with emoluments, a peculiar tributary specie that has its own characteristics. These differentials that separate the emoluments from the closest specie, the tax, which directly reflects on the theorization of the tributary species, especially about the pentapartite theory.
Keywords: emoluments, tributary species, extrajudicial services.
Considerações iniciais
Dizem que F. C. Pontes de Miranda foi pessoa amiga de Albert Einstein, que recebeu muitos estímulos do jurista alagoano ao ponto de não apenas ver suas considerações incrementadas, mas, principalmente, em elaborar o que a ciência conheceu como um novo paradigma, a teoria da relatividade. Segundo noticiado no Conjur1, o civilista (e atual Ministro do STF) Luiz Edson Fachin, juntamente de seus estagiários, realizou esforço hercúleo para descobrir o teor da notícia, que, no fim das contas, foi declarada pelo jurista como verdadeira.
Ao contrário das críticas dispensadas às estruturas ponteanas – que têm um vocabulário próprio e exigem do leitor entendimento de diversas matérias do Direito –, Albert Einstein2 tratou da sua teoria revolucionária de forma didática, desenvolvendo todo seu complexo arcabouço com explicações que uma pessoa média pode compreender sem deixar de fugir da técnica. É dizer: em sua monografia, o físico alemão soube conciliar didática e técnica.
Ao jurista contemporâneo se faz necessária a conciliação acima, atuando com todo o rigor científico em relação às categorias jurídicas e ao uso delas no mundo dos fatos. Ocorre que muitas vezes esse rigorismo sofre problemas não internos ao operador do Direito, mas em relação ao seu instrumento de trabalho, particularmente as chamadas fontes jurídicas (Lei lato sensu, jurisprudências judicial e administrativa, a doutrina (= próxima à noção tradicional de jurisprudência) etc.). Essa problemática fica evidente no que no Brasil é denominado comumente de extrajudicial, os serviços notariais e registrais.
Dois os temas que serão tratados doravante, mas com o enfoque no segundo. O primeiro diz respeito à definição da natureza jurídica da atividade extrajudiciária exercida pelo Notário e pelo Registrador. A segunda diz respeito à qualificação jurídica (em sua etapa apriorística) da remuneração percebida pelos titulares dos cartórios extrajudiciais, os chamados emolumentos.
Em texto sobre os efeitos do ato registral relativo à transmissão do direito subjetivo de propriedade imobiliária já se antecipou parcialmente o que virá nas linhas que seguem, especialmente a dúvida que ainda persiste na definição da natureza dos emolumentos3. A relevância de se buscar a natureza está nas lições de Karl Larenz4: a identificação da natureza jurídica tem a utilidade acadêmica na compreensão do que é aquilo para o Direito e tem a utilidade prática ao atrair o regime jurídico aplicável. Por exemplo, aquele que descuidadamente causa lesão a outrem inflige na vítima um dano injusto, que, identificado como tal, atrai o regime da responsabilidade civil.
Mais uma vez, é com esse viés de identificar a natureza jurídica (com o também estado ideal didático) que se desenvolve o texto acerca da atividade dos Notários e Registradores (ou tabeliães e oficiais de registro), bem como da contrapartida por eles percebidas em razão dos serviços prestados a quem os busca.
O ponto de partida da análise é não um comparativismo nem a aplicação do sistema Commom Law ao Brasil, e sim o desenvolvimento de considerações a partir da matéria básica da família romano-germânica, o sistema Civil Law. Esse ponto de partida do sistema brasileiro encontra suas raízes em dois momentos, segundo Fritz Schulz5 e Rudolf von Ihering6: o primeiro é o Direito romano e suas intenções sistematizadoras que redundaram nas codificações no período pós-clássico, especificamente nos tempos do Imperador Justiniano, e o segundo foi o período germânico da Pandectística, que encontrou nomes como o próprio Rudolf von Ihering, bem como Friedrich Carl Freiherr von Savigny e Bernard Windscheid, que, baseados nas lições romanísticas e noutras escolas jurídicas precedentes e contemporâneas, estimularam mediante fértil contributo doutrinário ao que se chama Direito legislado. O Brasil absorve essas duas inspirações e parte dos textos legislativos para atuação do intérprete, sendo que os fundamentos a seguir expostos serão essencialmente baseados na Constituição do Brasil (CRFB) e nos diplomas legais atinentes à temática: as Leis n. 13.460/2017, n. 10.169/2000, n. 8.935/1994, e o Código Tributário Nacional (CTN ou Lei n. 5.172/1966).
1. Um pouco sobre o extrajudicial brasileiro
O fundamento normativo inicial da atuação notarial e registral no Brasil está na Carta Constitucional, que enuncia que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público” (art. 236). Sob a óptica da Teoria Geral do Direito desenvolvida por Giuseppe Lumia7, que diferencia titularidade e legitimidade de uma posição jurídica subjetiva: a primeira categoria diz respeito à relação de pertinência ou pertencimento de certo poder ou dever jurídico, ou seja, a posição consta na esfera jurídica do sujeito, enquanto a segunda categoria diz respeito não ao pertencimento, mas sim ao seu exercício, isto é, legitimado é aquele que tem aptidão para o exercício de certa posição jurídica.
Aplica-se o arcabouço da TGD ao caso do extrajudicial, eis que os serviços notariais e registrais são exercidos em caráter privado (= legitimado é o particular) por delegação estatal (= titularidade do Poder Público). Esse caráter de que o serviço é público tem seus delineamentos no próprio texto constitucional, que fala de delegação e, também, que, salvo disposto no art. 32 do ADCT, “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos” (art. 236, § 3º), o que se acomoda ao Estatuto Constitucional da Administração Pública, especificamente no art. 37, II.
No campo infraconstitucional, as atribuições que o exercício notarial e registral tem remete a diversas qualidades atribuídas aos atos administrativos, conforme preceitua a Lei n. 8.935, que conforma a previsão constitucional de que “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário” (art. 236, § 1º). Segundo o diploma legal dos cartórios (Lei dos Cartórios), os “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (destaques feitos no art. 1º).
Segundo Carlos Alberto Molinaro, Ingo Wolfgang Sarlet e Flávio Pansieri8, a delegação constante no art. 236 da Lei Fundamental brasileira faz com que não haja uma relação contratual tal qual a constante no art. 175 da CRFB, e sim um serviço essencial conquistado mediante concurso público, o que demonstra que não apenas o alcance à atribuição extrajudicial envolve o predomínio do Direito Público, mas também a própria atividade, conforme a própria Constituição e, principalmente, a Lei n. 8.935. Importante destacar que o regime jurídico publicista deve ser enxergado de acordo com a seguinte imagem analógica: do balcão para fora (= exercício das atribuições do art. 1º da Lei n. 8.935) incidem as normas de Direito Público, enquanto do balcão para dentro (= “em caráter privado” ou gestão cartorária) incide o regime do Direito Privado9.
A ideia do balcão para dentro (= caráter jurídico privado) fica evidente com a previsão da Lei dos Cartórios de que “Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho” (destaque feito no art. 20). Em suma, apesar de a delegação estar sujeita ao concurso público, sua gestão se dá por meio, principalmente, da disciplina privada.
Algo também importante é destacado por Leonardo Brandelli10, a saber, o de que o delegatário da atribuição extrajudicial, apesar de ingressar mediante concurso público, não é funcionário público, não estando sujeito, por exemplo, a aposentadoria compulsória. É dizer: estão sujeitos a diversas normas publicistas por serem agentes públicos, mas não são agentes da Administração Pública, ou agentes administrativos, eis que não compõem o quadro do funcionalismo público. Isso foi expressamente enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 2.602)11, que definiu que “Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos.”
Vista a atividade notarial e registral como o exercício de um múnus público, chega-se a uma dúvida de segundo grau, também relacionada à natureza jurídica: trata-se de um serviço público ou qual outra espécie de atividade pública?
José dos Santos Carvalho Filho12 se vale da terminologia serviço público aos registradores e notários quando trata de que eles são delegatários de serviço público que também se sujeita ao ordenamento municipal no que diz respeito ao uso de determinadas edificações. Walter Ceneviva13 e Luís Paulo Aliende Ribeiro14 são mais enfáticos ao afirmarem que o extrajudicial consiste em serviço público, inclusive estando sujeito à fiscalização (pelo Judiciário), e, dentre muitos, aos princípios da continuidade, da universalidade e da modicidade.
Agora cabe definir o serviço público, a fim de colocar em teste a ideia da atividade notarial e registral. A doutrina administrativista15 e tributarista16 é convergente em afirmar que a conceituação de serviço público é dificultosa diante das transformações pelas quais passou desde a sua idealização sistematizada pela Escola de Serviço Público, na França do século XIX.
Em uma definição mais restritiva, a Lei n. 13.460/2017 define serviço público como “atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública” (art. 2º, II). Valéria Cristina Pereira Furlan17 (material e formal) se vale de dois elementos para a definição de serviço público, enquanto Maria Sylvia Zanella Di Pietro18 trata de três (subjetivo, material e formal); a primeira doutrinadora deixa implícito o que a segunda chama de elemento subjetivo, mas ambas convergem juntamente com Hely Lopes Meirelles19, definindo-se serviço público em sua acepção ampla (que engloba as atividades administrativa, jurisdicional e legislativa) e pode ser denominada de atividade pública, que é a atividade atribuída ao Estado, que realiza prestações regidas, total ou parcialmente, pelo Direito Público e voltadas a satisfazer necessidades da coletividade. Já a definição estrita é aquela utilizada, por exemplo, no art. 145, II, da Constituição brasileira e consiste na atividade de prestação de bens ou serviços voltados a proporcionar certa utilidade ou comodidade à população realizada pelo Estado ou seus delegatários, em conformidade com os interesses definidos como próprios pelo sistema jurídico20.
Pela precisão terminológica de serviço público que se parte da sua acepção restrita, cujo aspecto que importa é a prestação direta ou indireta pelo Estado, o qual pode, segundo afirma a doutrina administrativista21, delegar o exercício do serviço público a particulares. Tal delegação de exercício se dá em conformidade com o art. 175 da CRFB, que enuncia que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (destaque feito). Veja-se que a forma através da qual a atribuição estatal é delegada ao particular ou outra entidade pública não ocorre por meio de concurso de provas e títulos, e sim por meio outra modalidade, a concessão ou permissão ou, também, autorização.
A concessão assume forma contratual, enquanto autorização e permissão são atos unilaterais (o segundo pode ser considerado como contrato por adesão), mas todas as formas pelas quais o Poder Público delega a prestação do serviço público fazem com que o ente estatal fique em uma situação de superioridade em relação ao contratado, em especial o particular delegatário22. Por dizerem respeito pura e simplesmente ao exercício (= legitimidade) do serviço público, é possível que a Administração Pública opere seu poder formativo extintivo (revogação ou outra figura de desligamento negocial), o que mostra certa submissão do contratado ou autorizado ou permissionário à vontade administrativa.
Tanto pela forma como se delega quanto pela relação de disparidade entre os polos da relação administrativa é que se critica a vertente que define a atividade do extrajudicial brasileiro como serviço público. Na verdade, por falta de terminologia específica, Maria Sylvia Zanella Di Pietro23 fala que notários e registradores são particulares que exercem atividade em cooperação com o Poder Público. De outro lado, Carlos Alberto Molinaro, Ingo Wolfgang Sarlet e Flávio Pansieri24 usam aspas e falam em “serviços públicos”.
No Supremo Tribunal Federal (ADI n. 2.602)25 ficou definido que, na verdade, a atribuição notarial e registral não é propriamente um serviço público, é típica atividade jurídica stricto sensu que está inclusa na função pública lato sensu e consiste em um tertium genus, traçando-se um paralelo com o inquérito policial, que nem é processo judicial nem processo administrativo investigatório, e sim uma espécie apartada de processo. É com essa ideia de que o extrajudicial compreende um múnus público peculiar e que não se amolda à ideia de serviço público que serve para se debruçar sobre a remuneração percebida pelos tabeliães e oficiais de registro brasileiros.
2. Os emolumentos do extrajudicial
Sobre os emolumentos, a CRFB determina que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro” (art. 236, § 2º). Atendendo à determinação constitucional que foi editada a Lei n. 10.169/2000, que determina que “O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados” (destaque feito no art. 1º, parágrafo único).
O que se vê é que existem algumas características dos emolumentos: (a) são pagos pelo exercício de um múnus público que se aproxima de um serviço público (apesar de não ser um propriamente dito); (b) é instituído em lei, sendo que a função administrativa-fiscalizadora do Judiciário (por meio, especialmente, das suas Corregedorias) é de instituir tabelas que atendam tanto o custo quanto a remuneração pelo serviço; e (c) a prestação é específica (= determinado ato notarial ou registral) e é realizada em prol de um indivíduo26.
O Supremo Tribunal Federal (ADIs n. 1.378 e n. 1.926) fixou tese no sentido de atribuir caráter tributário de taxa sui generis aos emolumentos, eis que o regime constitucional voltado à remuneração do extrajudicial determina que tais verbas serão fixadas, majoradas ou reduzidas – além de ter de observar à anterioridade tributária – por meio de lei (legalidade) e que estão vinculadas às finalidades de conferir fé pública, segurança, publicidade e autenticidade aos atos jurídicos27.
Diante do quadro acima é que se desenvolve a seguinte crítica, indagando-se se não há um horizonte para a ampliação da teoria pentapartida28 com a adoção de uma teoria hexapartida da divisão tributária, com a identificação de uma espécie tributária própria, não necessariamente atrelada às taxas. Explica-se o porquê de não haver taxa (nem que seja sui generis).
Primeira razão de emolumento não ser taxa está na sua hipótese material no que diz respeito à abrangência da contrapartida: Paulo de Barros Carvalho29, Valéria Cristina Pereira Furlan30, Geraldo Ataliba31 e Leandro Paulsen32 convergem no sentido de que a taxa tem como finalidade o custeio do serviço, ou seja, destina-se tão somente a compensar os gastos do Poder Público com o exercício do ato, não havendo nada mais no quadro remuneratório.
De outro lado, a Lei n. 10.169 determina que o aspecto material-financeiro do emolumento cartorário extrajudiciário corresponde “ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados” (destaque feito no art. 1º, parágrafo único). O emolumento vai além da taxa, pois não se destina tão somente a compensar os gastos materiais e pessoais do Poder Público para o exercício do ato (= custo efetivo), mas tem um plus, que é remunerar o registrador ou notário, uma margem de sobra desvinculada da finalidade compensatória.
A segunda razão é que o particular exercente da atividade pública delegada extrajudicial não se vincula à definição de serviço público, que tanto em sua acepção ampla quanto restrita dizem respeito a uma atividade do Estado por meio da sua função executiva (= “Poder” Executivo)33, sendo que os registradores e notários estão vinculados, cf. art. 236, § 1º, da CRFB, à função judicial (= “Poder” Judiciário)34. Por não haver o alinhamento ao conceito mais preciso de serviço público, que é aquele estampado no art. 145, II, da CRFB e arts. 77 e 79 do CTN, não há como afirmar que emolumentos são taxas.
Não se trata, também, da chamada tarifa (preço público) pelo fato de que, conforme dissociado no item anterior, não haver serviço público stricto sensu delegado por meio de concessão, permissão ou autorização. Os preços públicos são, segundo teor do art. 175 da Carta Constitucional do Brasil, a contrapartida paga sob um dos regimes de delegação do serviço público stricto sensu35.
Conclusões
Por mais que seja parte do dia a dia do brasileiro – ao menos no que diz respeito ao nascimento, ao casamento e ao óbito –, os serviços notariais e registrais estão em uma zona de penumbra em razão das previsões constitucionais atinentes.
Em que pese ser uma atividade pública, os notários e oficiais registradores exercem uma atribuição pública sob regime específico de delegação. Não uma delegação tal qual a do art. 175 da Constituição do Brasil, que trata dos chamados serviços públicos em sentido estrito, mas sim mediante delegação peculiar, tal qual a própria natureza da atividade, que é, na verdade, uma espécie própria (sui generis ou tertium genus) que não se mescla com a definição constante no citado art. 175 nem no art. 145, II, da Carta da Primavera, bem como nos arts. 77 e 79 do CTN: é dizer, não corresponde a uma atividade de prestação de bens ou serviços voltados a proporcionar certa utilidade ou comodidade à população realizada pelo Estado ou seus delegatários, em conformidade com os interesses definidos como próprios pelo sistema jurídico.
Além de ser uma atividade própria e sob regime preponderante de Direito Público, mas com aplicação do regime jurídico privado “do balcão para dentro”, a atribuição extrajudiciária percebe contrapartida, os emolumentos, que se destaca em relação à noção de taxa, havendo duas razões centrais que militam pela reformulação da teoria das espécies tributárias (quiçá para uma hexapartida): (i) a primeira é de ordem legal, sendo que a taxa tem como finalidade a compensação do que gasto pelo Poder Público no atendimento do interesse do contribuinte, enquanto o emolumento é uma espécie tributária que tem a finalidade tanto compensatória quanto remuneratória; e (ii) a segunda é de ordem conceitual e diz respeito ao fato de que o art. 145, II, da Constituição e os arts. 77 e 79 do Código Tributário Nacional partem do conceito restrito de serviço público, definição esta com a qual não se amolda os serviços notarial e registral, os quais, inclusive, estão fora da alçada do Executivo, estando sujeitos ao Judiciário brasileiro.
Referências
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1 A virada de Copérnico: crítico da jurisprudência, Fachin tem a chance de transformá-la. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-abr-17/critico-jurisprudencia-fachin-chance-transforma-la. Acesso em: 05 jun. 2021.
2 A teoria da relatividade: sobre a teoria da relatividade especial e geral (para leigos). Tradução de Silvio Levy. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2020, p. 9-10.
3 PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. A eficácia dos atos registrais no processo de transmissão da propriedade imobiliária. Revista de Direito Imobiliário vol. 89. São Paulo, jul./dez. 2020, p. 103-107.
4 Metodologia da ciência do direito. 8. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2019, p. 261 e ss.
5 Princípios do direito romano: aulas de Fritz Schulz. Tradução de Josué Modesto Passos. São João da Boa Vista: Filomática Sorocabana, 2020, p. 24-25.
6 Abreviatura de el espíritu del derecho. Traducción de Fernando Velas. Buenos Aires: Revista de Occidente Argentina, 1947, p. 145 e ss.
7 Lineamenti di teoria e ideologia del diritto. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1981, p. 115. No mesmo sentido: PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. A eficácia dos atos registrais no processo de transmissão da propriedade imobiliária. Revista de Direito Imobiliário vol. 89. São Paulo, jul./dez. 2020, p. 104-105.
8 Comentários ao art. 236. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 2264.
9 MOLINARO, Carlos Alberto; SARLET, Ingo Wolfgang; PANSIERI, Flávio. Comentários ao art. 236. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 2264-2265; PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. A eficácia dos atos registrais no processo de transmissão da propriedade imobiliária. Revista de Direito Imobiliário vol. 89. São Paulo, jul./dez. 2020, p. 104-105.
10 Comentários ao art. 236. In: MORAES, Alexandre de et. al. Constituição Federal comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1569.
11 STF, ADI n. 2.602, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 24.11.2005, DJ 31.03.2005. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=2602&base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&processo_classe_processual_unificada_classe_sigla=ADI&orgao_julgador=Tribunal%20Pleno&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 06 jun. 2021.
12 Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
13 Lei dos notários e dos registradores comentada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.
14 Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 181.
15 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 1977, p. 406-407; PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 280; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969. vol. I – Introdução, p. 146-147; CAVALCANTI, Themístocles. Curso de direito administrativo. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 203-205; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 319.
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20 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 285.
21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 1977, p. 411-414; PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 290; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 323-324.
22 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 513-518 e p. 620-647.
23 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1249-1250.
24 Comentários ao art. 236. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 2265.
25 STF, ADI n. 2.602, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 24.11.2005, DJ 31.03.2005. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=2602&base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&processo_classe_processual_unificada_classe_sigla=ADI&orgao_julgador=Tribunal%20Pleno&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 06 jun. 2021.
26 MOLINARO, Carlos Alberto; SARLET, Ingo Wolfgang; PANSIERI, Flávio. Comentários ao art. 236. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 2264-2265; BRANDELLI, Leonardo. Comentários ao art. 236. In: MORAES, Alexandre de et. al. Constituição Federal comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1570; PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. A eficácia dos atos registrais no processo de transmissão da propriedade imobiliária. Revista de Direito Imobiliário vol. 89. São Paulo, jul./dez. 2020, p. 105-106.
27 STF, MC na ADI n. 1.378, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30.11.1995, DJ 30.05.1997. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso em: 06 jun. 2021; STF, MC na ADI n. 1.926, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.04.1999, DJ 10.09.1999. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso em: 06 jun. 2021.
28 Sobre as teorias que permeiam a qualificação a partir do aspecto material do tributo, vide: PÁDUA, Felipe Bizinoto Soares de. Lineamentos sobre a relação jurídica tributária. Revista Direito Tributário Atual vol. 47. São Paulo: IBDT, jan./jun. 2021, p. 192-193.
29 Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 79.
30 Apontamentos de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 207.
31 Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 150.
32 Curso de direito tributário completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 72.
33 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 286-287; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 321-322.
34 BRANDELLI, Leonardo. Comentários ao art. 236. In: MORAES, Alexandre de et. al. Constituição Federal comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1578-1579.
35 FURLAN, Valéria Cristina Pereira. Apontamentos de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 207-208; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 168-170; PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 58 e ss.