O CONCEITO DE BENEFÍCIO MÚTUO NO ÂMBITO DO COST SHARING AGREEMENT NO BRASIL

THE CONCEPT OF MUTUAL BENEFIT WITHIN THE SCOPE OF COST SHARING AGREEMENT IN BRAZIL


Ana Carolina Salvador Groninger


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em Direito Tributário pelo IBDT. Mestranda em Direito dos Negócios na FGV/SP. Advogada tributarista. São Paulo/SP. E-mail: carol.groninger@gmail.com


Recebido em: 07-09-2020

Aprovado em: 10-11-2020


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DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-2


RESUMO


O presente ensaio analisa o critério do benefício mútuo no âmbito do Cost Sharing Agreement à luz da legislação e da jurisprudência brasileiras, bem como da OCDE, e apresenta proposições práticas no ato da elaboração das cláusulas contratuais a fim de mitigar questionamentos por parte da Receita Federal do Brasil (“RFB”).

PALAVRAS-CHAVE: BENEFÍCIO MÚTUO, CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS E RATEIO DE CUS-TOS, CONTRATO DE CONTRIBUIÇÃO DE CUSTOS


ABSTRACT


This essay analyzes the criterion of mutual benefit within the scope of the Cost Sharing Agreement in the light of Brazilian legislation and its case law, as well as of the OECD, and presents practical propositions in the act of drawing up contractual clauses in order to mitigate questions by the Brazilian Federal Revenue Service (“RFB”).

KEYWORDS: MUTUAL BENEFIT, COST SHARING AGREEMENT, COST CONTRIBUTION AGREEMENT


  1. INTRODUÇÃO

    Nos arranjos empresariais multinacionais, os grupos econômicos são desafiados a buscar alternativas seguras e eficientes para (i) realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento, que podem levar à criação de intangíveis e sua posterior exploração econômica e (ii) desenvolver os demais tipos de serviços necessários à consecução de suas atividades empresariais e objeto social.


    Nesse cenário, muitas dúvidas surgem sobre como alocar, de forma eficiente e adequada, os custos incorridos intragrupo; como mensurar os benefícios esperados para cada entidade; qual instrumento contratual adotar e em qual jurisdição centralizar os custos e despesas para futuro rateio com as demais entidades a serem beneficiadas.

    Apesar de não ser um contrato previsto na lei brasileira, o Cost Sharing Agreement (“CSA”), utilizado para fins de rateio de custos relacionados a serviços de natureza administrativa e de apoio corporativo1, teve seus requisitos instituídos por meio de atos administrativos exarados pela Receita Federal do Brasil, em especial, a Solução de Consulta COSIT n. 8/20022, a Solução de Divergência COSIT n. 23/20133 e, mais recentemente, a Solução de Consulta COSIT n. 276/20194.


    A recente publicação dessa última, porém, provocou importantes reações negativas no meio acadêmico e profissional5. À primeira vista, ela teria trazido um requisito novo para esse tipo de contrato: o benefício mútuo. Por meio dessa Consulta, a Receita Federal descaracterizou o CSA celebrado entre a subsidiária brasileira e sua matriz no exterior, sob o argumento de que as atividades desempenhadas pelo departamento de engenharia da matriz beneficiavam, apenas, a subsidiária brasileira.


    No caso concreto, segundo a Receita Federal, a matriz teria alocado diretamente à subsidiária brasileira os custos incorridos para realização daquelas atividades, de forma que somente esta teria auferido um benefício e contribuído com seu custo, o que revelaria uma prestação de caráter bilateral e oneroso, típica do contrato de prestação de serviços.



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    1. SCHOUERI, L. E.; e PINTO, S. L. Moraes. O contrato de rateio de despesas (cost contribution arrangements) e o ISS. In: PINTO, S. L. Moraes. Gestão tributária municipal e tributos municipais. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

    2. Receita Federal do Brasil, Solução de Consulta COSIT n. 8, de 01 de novembro de 2012.


    3. Receita Federal do Brasil, Solução de Divergência COSIT n. 23, de 23 de setembro de 2013.


    4. Receita Federal do Brasil, Solução de Consulta COSIT n. 276, de 26 de setembro de 2019.


    5. BALANIN, R.; e NADAI, Francisco, J. V. de. O contrato de compartilhamento de custos e despesas e a SC 276/19. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/318831/o-contratodecompartilhamento-de-custos-e-despesas-e-a-sc-276-19; BATTI, G. Bez; e ESTRADA, R. Duque. Análise da Solução de Consulta COSIT n. 276: o requisito do benefício mútuo. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-09/opiniao-analise-solucao-consulta-cosit-276; LEORATTI, A. Tributação de contratos de compartilhamento de custos preocupa multinacionais. Jota. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/compartilhamento-de-custos-29012020.


      Ao descaracterizar o CSA, a Receita Federal submeteu toda a remessa ao exterior à tributação (IRRF, PIS-Importação, COFINS-Importação, CIDE-Royalties).


      A despeito de discordamos da solução apresentada na Consulta, o conceito de benefício mútuo é uma decorrência dos requisitos já exigidos pela Receita Federal em atos administrativos anteriores, bem como tem fundamento nos Transfer Pricing Guidelines da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).


      O objetivo desse ensaio será oferecer recomendações e sugestões para as cláusulas dos contratos internacionais de compartilhamento de custos e rateio de despesas de natureza administrativa, com o objetivo de atestar e demonstrar que o requisito do benefício foi cumprido, evitando autuações ou cobranças indevidas de tributos por parte da Receita Federal.


      Para tanto, o ensaio foi restruturado da seguinte forma: análise do conceito de contrato de compartilhamento de custos e rateio de despesas, à luz do Direito brasileiro, buscando identificar seus requisitos essenciais e sua utilização na prática. Na sequência, será analisado um dos conceitos exigidos, tanto no Brasil, quanto no exterior, para sua caracterização (critério do benefício mútuo). Posteriormente, serão apresentadas recomendações e sugestões, de ordem prática, no ato de redação das cláusulas, visando endereçar o critério do benefício de forma a mitigar exposições e questionamentos fiscais. Por último, serão feitas conclusões sobre o tema.


  2. O CONCEITO DE CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE CUSTOS E RATEIO DE DESPESAS NO BRASIL

    O contrato de compartilhamento de custos e rateio de despesas consiste em um acordo em que a empresa centralizadora incorre em custos, despesas e serviços de natureza administrativa e de suporte corporativo em benefício às demais signatárias6. Ao invés de cada empresa, individualmente, incorrer em despesas pertinentes às atividades que podem ser desempenhadas no interesse comum, opta-se pela estratégia de concentrar em um único membro do grupo tais despesas, das quais se aproveitam as demais. Como contrapartida, essas últimas devem remeter valores ao membro do grupo responsável pelos custos incorridos, na medida do proveito de cada uma7.


    Por serviços administrativos entende-se aqueles que decorrem de atividades acessórias à consecução da atividade-fim da empresa centralizadora, tais como contabilidade, finanças,


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    1. Acórdão n. 1402-002.272 proferido pela 4ª Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF na sessão de 10 de agosto de 2016.


    2. GALHARDO, L. R. Rateio de despesas no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.


      jurídico, marketing, recursos humanos, auditoria, almoxarifado, informática, dentre outras8.


      Isso porque a jurisprudência administrativa é clara no sentido de que a empresa centralizadora, que assumiu as despesas em prol das outras entidades do grupo, não pode ter como objeto social o exercício da atividade causadora do dispêndio, de forma que as despesas rateadas não podem ser parte do objeto social daquela9.


      Conforme já adiantando, o CSA não é típico, isto é, não tem regulamentação própria na lei interna, contudo, ele se assemelha ao objeto do contrato de mandato, previsto nos arts. 653 a 691 do Código Civil, por meio do qual a empresa centralizadora recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses10.


      O CSA é, portanto, fruto da construção e evolução jurisprudencial administrativa e seus requisitos foram sendo criados pela Receita Federal ao longo de vários atos, em especial, a Solução de Consulta COSIT n. 8/2002, a Solução de Divergência COSIT n. 23/2013 e, mais recentemente, pela Solução de Consulta COSIT n. 276/2019.


      Conforme se extrai da Solução de Consulta COSIT n. 8/200211, já eram previstos como elementos essenciais desse tipo de contrato: (i) a previsão de identificação do benefício em relação a cada empresa do grupo individualmente considerada (critério do benefício mútuo) e (ii) a consistência entre a contribuição de cada empresa e os benefícios individuais esperados ou recebidos efetivamente. Caso não seja possível assumir que a empresa possa ao menos esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato.


      Ainda, essa Solução de Consulta previu em sua ementa que a remuneração das atividades independe de seu uso efetivo, sendo suficiente a “colocação à disposição” das atividades em proveito das demais empresas do grupo. Isso nos leva a concluir que o benefício potencial é suficiente para cumprir com este requisito, não se exigindo um benefício esperado ou efetivamente experimentado.


      Verifica-se, portanto, que cada empresa deve auferir um benefício, ainda que em potencial, decorrente daquela atividade, e a contribuição deve ser proporcional a esse benefício, mediante a definição de um critério de rateio prévio e objetivo. O benefício direto deve corresponder à utilidade que a prestação daquele serviço gerará ou poderá gerar para


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    3. XAVIER, A. Aspectos fiscais de “cost sharing agreement”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 23. São Paulo: Dialética, 1997, p. 08-11.


    4. Acordão n. 3402-001.912, proferido pela 4ª Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF na sessão de 27 de setembro de 2012; Acórdão n. 1402- 003.864, proferido pela 4ª Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF na sessão de 16 de abril de 2019.


    5. CASTRO, L. Moraes e. Tratamento tributário aplicável aos contratos de rateio/compartilhamento de custos e despesas (cost sharing agreements): IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS e critérios para dedutibilidade de despesas. Revista Dialética de Direito Tributário n. 177. São Paulo: Dialética, 2010, p. 90-102.


    6. Receita Federal do Brasil, Solução de Consulta COSIT n. 8, de 01 de novembro de 2012.


      determinada empresa. Se a utilidade não deve ser usufruída por todos, pode-se, de fato, cogitar que a relação não é colaborativa, mas, sim, de natureza bilateral, na qual uma parte realiza um fazer em favor da outra em troca de remuneração (preço), típica das prestações de serviços.


      Logo, o critério do benefício mútuo já estava realmente previsto no rol de requisitos da Receita Federal e foi chancelado pela jurisprudência administrativa. Por isso, não há que se falar em instituição de um critério novo para reconhecer como válido o Cost Sharing Agreement e atribuir os efeitos de neutralidade fiscal12 a essa relação contratual.


      Há quem sustente, ainda, que o conceito de benefício em si sequer seria aplicável ao contrato de compartilhamento de custos e rateio de despesas administrativas13, mas, apenas, para os contratos que envolvem pesquisa, desenvolvimento, criação e exploração de intangível, afinal, não seria da essência do CSA o recebimento de uma vantagem pela entidade signatária em decorrência da realização de uma atividade pela empresa centralizadora.


      Ora, o raciocínio não nos parece acertado. Não poderíamos imaginar que empresas ingressassem em contratos sem a expectativa de auferir uma vantagem, tanto que essas se comprometem a realizar o reembolso proporcional à centralizadora pelos custos por esta incorridos. A vantagem, ou, em outras palavras, o benefício, é evidente: as empresas signatárias se liberam da responsabilidade de incorrer em custos individuais para realizar determinado serviço administrativo, deixando essa função para a centralizadora, que precisará identificar fornecedores, negociar os termos do contrato, cadastrá-los em sua base de dados etc., para ser, posteriormente, reembolsada.


      Porém, ao analisarmos a referida Solução de Consulta COSIT n. 276, verificamos que havia dois tipos de atividades contempladas no contrato de rateio: (i) atividades desempenhadas pelo Departamento de Sistemas de Informação e (ii) atividades executadas pelo Departamento de Engenharia. Enquanto para as primeiras o critério de rateio dos custos seria o número de profissionais alocados para executar as atividades, para as segundas as atividades teriam alocação direta dos custos à filial brasileira.


      Se, por um lado, concordamos que as atividades executadas pelo Departamento de Engenharia não devessem constar do CSA, considerando a inexistência de benefício mútuo entre a filial brasileira e sua matriz no exterior, por outro, discordamos da solução conferida às atividades desempenhadas pelo Departamento de Sistemas de Informação, as quais observaram os critérios exigidos pela legislação e pela jurisprudência, em especial, o


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    7. MARTINS, N. Rateio de custos/despesas entre empresas sob controle comum – tratamento tributável aplicável. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Planejamento fiscal – teoria e prática. São Paulo: Dialética, 1995.


    8. PARANAGUÁ, G. Receita Federal distorce guidelines da OCDE ao analisar contrato de cost-sharing. Fonte: Felsberg Advogados. Disponível em: https://www.felsberg.com.br/receita-federal-distorce-guidelines-da-ocde-ao-analisar-contrato-de-cost-sharing/.


      requisito do benefício mútuo, afinal, a alocação dos custos entre a filial e a matriz foi proporcional ao número de profissionais empregados.


      Nesse sentido, entendemos que a Receita Federal deveria ter descaracterizado o CSA celebrado apenas para as atividades executadas pelo Departamento de Engenharia, tributando-se a remessa referente a essas atividades, mas mantendo-se neutra, do ponto de vista fiscal, à remessa referente às demais atividades.

      Não podemos deixar de concordar que a celebração de um Cost Sharing Agreement acarreta uma série de benefícios indiretos ao grupo econômico. Em essência, a concentração dos custos, despesas e serviços administrativos em uma das empresas (normalmente, a matriz) gera economias de escala, redução de custos e padronização da atuação, de forma com que os valores remetidos à empresa centralizadora pelas empresas beneficiadas devem corresponder a um mero reembolso pelos custos por ela arcados, não podendo haver margem de lucro14, sob pena de descaracterização do CSA para um contrato de prestação de serviço intragrupo15.


      Porém, os benefícios indiretos não são suficientes. Vale lembrar que, na referida Solução de Consulta COSIT n. 276, a Receita Federal reconheceu os benefícios que aquele contrato implicaria para o grupo econômico como um todo: redução de custos e redução do tempo dispendido na execução das atividades acessórias ao objeto social das empresas.


      Portanto, deve estar documentalmente demonstrado o benefício a que cada empresa terá direito, ainda que, frise-se, em potencial. Esse cuidado é extremamente importante para evitar questionamentos e contingências tributárias.


  3. O CONCEITO DE BENEFÍCIO MÚTUO À LUZ DOS TRANSFER PRICING GUIDELINES DA OCDE

    Embora o Brasil não seja membro da OCDE, é recorrente o recurso doméstico às orientações e standards da OCDE no contexto de operações envolvendo empresas em mais de uma jurisdição, visto que essas consolidam as melhores práticas internacionais.


    Segundo os OECD transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations 201716, o Cost Contribution Agreement (“CCA”) tem sido utilizado para regular e disciplinar as atividades entre as empresas na experiência internacional. O CCA consiste em um contrato celebrado entre empresas de um mesmo grupo econômico,


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    1. ROCHA, S. A.; e BARRETO, A. C. Tributação do reembolso de despesas e do compartilhamento de custos e o CPC 30. In: ROCHA, Ser gio André. Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – Vol. III, Interpretação da Lei nº 11.638/07. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 585-610.


    2. PINTO, A. E. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual vol. 29. São Paulo: Dialética e IBDT, 2003, p. 36-62.


    16 OECD, 2017, p. 348-349.


    preferencialmente, a fim de compartilhar contribuições e riscos relacionados ao desenvolvimento conjunto de pesquisas, a produção ou uso de intangíveis ou ativos tangíveis, bem como a prestação de demais serviços, com a expectativa de que tais intangíveis, tangíveis ou serviços criem benefícios para cada empresa signatária. São, portanto, reconhecidos dois tipos de CCA: (i) “development CCAs”; e (ii) “services CCAs”17.


    Se, por um lado, há muita contradição e falta de consistência no reconhecimento do CCA no Brasil como um contrato válido para rateio de despesas que envolvam pesquisa, desenvolvimento, produção e exploração de intangíveis, por outro, ele tem sido comumente aceito na hipótese de rateio de despesas relativas à prestação de serviços de natureza administrativa (atividades-meio). Nesse sentido, vale esclarecer que a terminologia adotada no Brasil é a de Cost Sharing Agreement (“CSA”) para se referir a essa categoria de contrato, de forma que o CSA estaria enquadrado na categoria dos service CCAs. Em síntese:


    Tipo de contrato

    OCDE

    Brasil

    Cost Contribution Agreement (CCA)

    2 espécies:

    development CCA e service CCA

    Só é admitido o service CCA na modalidade de compartilhamento de custos e rateio de despesas de serviços de natureza administrativa

    (Cost Sharing Agreement)


    Ao analisarmos essas diretrizes, notamos a presença do critério do benefício para ambos os tipos de CCA. Vejamos18:


    “Although each particular CCA should be considered on its own facts and circumstances, key differences between these two types of CCAs will generally be that development CCAs are expected to create ongoing, future benefits for participants, while services CCAs will create current benefits only.”

    Verifica-se que os development CCAs relacionados aos intangíveis implicam significativos riscos associados à sua consecução, afinal, a pesquisa pode se resultar infrutífera na produção daquele bem ou tecnologia, de forma que o benefício é esperado, mas incerto



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    1. XAVIER, A. Direito tributário internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2016.


    2. Ibid.


      (benefício potencial). Já os services CCAs são menos associados a riscos, o que permite uma identificação e realização mais direta e segura do benefício almejado19.

      A diferença é, portanto, de grau e temporal: enquanto os development CCAs têm a expectativa (pode não ser confirmar, portanto) de geração de benefícios presentes e futuros, os services CCAs (nos quais o CSA se enquadra) irão criar benefícios presentes.


      A OCDE faz vinculação expressa dos service CCAs ao CSA, conforme observamos abaixo:


      “For example, a CCA for the sharing of administrative services would generally only produce benefits to participants on a current basis, rather than any valuable on- going results.”20


      As diferenciações são importantes e é por isso que se exigem documentações e comprovações mais robustas no âmbito dos development CCAs, sobretudo em relação à avaliação das contribuições aportadas para fins tributários. Isso não significa, porém, que as distinções são estanques, afinal, é possível um service CCA buscar aprimorar um intangível, o que não é certo e pode não trazer benefícios concretos, bem como é possível que development CCAs forneçam benefícios certos em razão da baixa complexidade na produção de determinado intangível.


      De toda sorte, o ponto crucial é que, pelo fato de o conceito de benefício mútuo ser fundamental a ambos os tipos de CCA (em maior ou menor grau), do ponto de vista contratual, uma parte não pode ser considerada como signatária de um contrato se não tiver uma expectativa razoável de que se beneficiará dos objetivos da própria atividade do contrato21. Exemplo: exploração do direito de uso de determinado intangível; uso dos serviços produzidos no âmbito do contrato etc.


      Uma empresa que desempenha funções de pesquisa, por exemplo, mas que não recebe direitos decorrentes da utilização do intangível em potencial, não deve ser considerada signatária do CCA, mas, sim, uma fornecedora de serviços para o CCA e, como tal, deverá ser compensada mediante pagamento de preço, sendo tal compensação sujeita à tributação correspondente.


      Da mesma forma, se uma empresa realiza atividades administrativas (exemplo: apoio de recursos humanos) e quem se beneficia daquela atividade é apenas uma outra empresa do grupo, a primeira atua como prestadora de serviços e, portanto, a relação entre ambas deve ser tratada como uma relação bilateral e onerosa. O preço a ser pago deve ser consistente


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    3. Ibid.


    20 OECD, 2017, p. 361.


    21 OECD, 2017, p. 350-351.


    com os preços cobrados pelo mercado entre partes independentes e, portanto, deverá se sujeitar à tributação correspondente.


    Como a expectativa de benefícios é um requisito para ambos os tipos de CCA, e em maior grau para os service CCAs, a OCDE estabelece que as contribuições das partes signatárias sejam proporcionais à expectativa de benefícios mediante a utilização de um critério de rateio (allocation key)22. Vale lembrar que esse é também um critério exigido pela Receita Federal e pelo CARF para que o Cost Sharing Agreement possa ser aceito e produzir seus efeitos típicos, contudo, o benefício pode ser potencial, não precisando ser esperado ou efetivamente experimentado23-24.


    A OCDE admite a utilização de vários critérios de rateio, dentre eles: faturamento ou lucro das empresas; número de empregados; unidades produzidas, utilizadas ou vendidas etc.25 No Brasil, porém, esses critérios não são comumente aceitos e, portanto, as empresas acabam tendo que se valer de um critério pouco prático e de difícil mensuração: o critério hora/homem. É extremamente difícil, no dia a dia operacional, mensurar esse valor, afinal, ele varia conforme a atividade prestada; o perfil do profissional; o pacote de sua remuneração; a localidade onde o profissional se encontra etc., sem contar a dificuldade de realizar o controle e a gestão das horas incorridas para desempenhar uma atividade em favor das demais empresas do grupo.


    Em recente acordão proferido pelo CARF26, foi rechaçada a possiblidade de dedução de reembolsos mensais fixos feitos pela controlada à sua matriz, por se entender que não representavam gastos ou custos efetivamente incorridos para realização de determinada atividade compartilhada.


    De toda sorte, conclui-se que o critério do benefício mútuo é exigido pela OCDE, inclusive para os service CCAs, nos quais se enquadra o Cost Sharing Agreement.


  4. RECOMENDAÇÕES E SUGESTÕES PRÁTICAS NO ATO DA ELABORAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS


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    22 OECD, 2017, p. 353.


    1. Receita Federal do Brasil, Solução de Consulta COSIT n. 8, de 01 de novembro de 2012, p. 1-2.


    2. Acórdão n. 1103-001.044, proferido pela 1ª Câmara/3ª Turma Ordinária do CARF na sessão de 06 de maio de 2014 e Acórdão n. 3401-003.467, proferido pela 4ª Câmara/1ª Turma Ordinária do CARF na sessão de 30 de março de 2017.


    25 OECD, 2017, p. 354.


    1. Acórdão n. 1302-004.332, publicado em 10.03.2020, proferido pela 1ª Seção de Julgamento/3ª Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF.


      A fim de mitigar exposições e questionamentos fiscais27 em relação ao critério do benefício mútuo, é preciso ter um cuidado especial na redação das cláusulas do Cost Sharing Agreement. Portanto, algumas recomendações nos parecem muito importantes:


      1. Inclusão apenas das partes que esperam obter benefícios com as atividades do contrato


        Neste aspecto, retomamos a ideia de que uma parte não pode ser considerada como signatária de um contrato se não tiver uma expectativa razoável de que se beneficiará dos objetivos da própria atividade do contrato. Por essa razão, só devem constar aquelas empresas que poderão efetivamente se aproveitar do contrato.


        Nesse sentido, sugerimos a inserção de uma cláusula que preveja o critério admitido pela Receita Federal, no sentido de que as atividades serão colocadas à disposição das empresas signatárias do contrato, sendo, portanto, a remuneração independente do seu efetivo uso.


      2. Eleição de critérios de rateio prévios, objetivos e consistentes com o benefício


        Nesse aspecto, o critério tem que ser prévio para evitar que haja alegação de manipulação pelo contribuinte. Além disso, recomenda-se a previsão de cláusula expressa que permita a extensão da periodicidade para revisão do critério de rateio, a, no máximo, 1 ano, já que esse é o período que as empresas têm para apurar seus lucros e recolher os impostos. Com isso, facilita-se o controle feito pela empresa centralizadora dos custos incorridos passíveis de rateio e se garante sua adequação aos critério(s) de rateio eleito(s).


        Isso porque, na prática, as empresas se valem do uso de estimativas tomando por base o ano-exercício anterior para realizar seus reembolsos e garantir um fluxo de caixa mínimo à centralizadora. Contudo, para que haja adequação dos reembolsos aos critérios de rateio eleito(s), as empresas devem ajustar seus pagamentos, para mais ou para menos, a fim de que o valor reembolsado represente exatamente sua quota-parte. É por isso que se recomenda que esse ajuste seja feito ao final do exercício, que é o momento em que se apuram os lucros e prejuízos incorridos e uma cláusula prevendo essa forma de acerto se vê muito positiva.


        Vale lembrar que, contabilmente, esses ajustes precisam estar igualmente refletidos e de forma segregada da contabilidade de cada empresa.


        Além disso, considerando que podem existir mudanças importantes no curso do ano que demandem a revisão do critério de rateio (exemplo: aumento do número de profissionais para desempenhar determinada função; aumento do número de campanhas publicitárias;


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    2. BRAZUNA, J. L. Ribeiro. Efeitos fiscais do rateio de despesas – importância e ônus da prova. Revista Tributária e de Finanças Públicas vol. 20, n. 107, 2012.


    aumento das vendas etc.), uma cláusula que preveja essa possibilidade pode mitigar questionamentos.


    Importante reiterar, na linha da jurisprudência do CARF, que um contrato de compartilhamento de custos não pode dividir as despesas comuns com base em montantes fixos, afinal, ele não reflete o tempo efetivamente gasto pelo pessoal envolvido em benefício da empresa ou os custos incorridos em uma determinada atividade compartilhada. Portanto, é essencial que as empresas garantam a contribuição proporcional ao benefício que poderão usufruir até o final do exercício.


    1. Previsão de cláusula estabelecendo a possibilidade de realizar ajustes nas contribuições pagas ou devolvidas em razão da entrada ou saída de uma empresa do contrato


      Essa previsão é importante, pois pode ser necessário incluir uma nova empresa ou viabilizar a saída de outra sem que sejam prejudicados os critérios de rateio previamente definidos e, portanto, sejam reajustadas as contribuições entre as signatárias proporcionais aos benefícios que poderão surgir.


  5. CONCLUSÃO

    Diante do exposto, concluímos que o critério do benefício mútuo já estava realmente previsto no rol de requisitos da Receita Federal e foi chancelado pela jurisprudência administrativa. Por isso, não foi instituído um critério novo de validade ao Cost Sharing Agreement para fins de atribuir os efeitos de neutralidade fiscal a essa relação contratual.


    Por um lado, não sobeja dúvidas de que o Cost Sharing Agreement acarreta uma série de benefícios indiretos ao grupo econômico, como a concentração dos custos, despesas e serviços administrativos na empresa centralizadora, a geração de economias de escala, a redução de custos e a padronização da atuação. Porém, os benefícios indiretos não são suficientes à luz do Fisco.


    Por outro lado, segundo a própria Receita Federal, a remuneração das atividades independe de seu uso efetivo, sendo suficiente a “colocação à disposição” das atividades em proveito das demais empresas do grupo. Isso nos leva a concluir que o benefício potencial é suficiente para cumprir com este requisito, não se exigindo um benefício esperado ou efetivamente experimentado.

    Além disso, a OCDE também exige o critério do benefício mútuo, seja para os development

    CCAs, seja para os service CCAs, sendo que o CSA se enquadra nesses últimos.


    Contudo, para mitigar os riscos de um CSA ser descaracterizado por lhe faltar, supostamente, tal elemento essencial, necessário que a empresa tome certos cuidados no momento de constituir e firmar um contrato dessa natureza, na linha do que recomendamos.


  6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALANIN, R.; e NADAI, Francisco, J. V. de. O contrato de compartilhamento de custos e despesas e a SC 276/19. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/318831/o-contrato-de-compartilhamento-de-custos-

-e-despesas-e-a-sc-276-19.


BATTI, G. Bez; e ESTRADA, R. Duque. Análise da Solução de Consulta COSIT n. 276: o requisito do benefício mútuo. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-09/opiniao-analise-solucao-consulta-cosit-276.


BRAZUNA, J. L. Ribeiro. Efeitos fiscais do rateio de despesas – importância e ônus da prova.

Revista Tributária e de Finanças Públicas vol. 20, n. 107.


CASTRO, L. Moraes e. Tratamento tributário aplicável aos contratos de rateio/compartilhamento de custos e despesas (cost sharing agreements): IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS e critérios para dedutibilidade de despesas. Revista Dialética de Direito Tributário n. 177. São Paulo: Dialética, 2010.


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