CONDOMÍNIOS EM TIME-SHARING: RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E SOLIDARIEDADE NO IPTU E NO ITR

TIMESHARE SYSTEM: TAX RESPONSIBILITY AND SOLIDARITY IN URBAN PROPERTY TAX AND RURAL PROPERTY TAX


André Luiz Ferreira Cunha


Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus e em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Analista Jurídico no Ministério Público de São Paulo. E-mail: andrelfcunha@gmail.com



Recebido em: 27-09-2020

Aprovado em: 27-10-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-4



RESUMO


O presente artigo analisa a tributação da multipropriedade imobiliária no ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à responsabilidade tributária e à solidariedade nos impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e territorial rural (ITR). Inicialmente, parte-se da apresentação histórica e conceitual acerca do instituto do time-sharing. Na sequência, o estudo prossegue com a exposição dos aspectos gerais dos dois impostos para, então, abordar os aspectos da responsabilidade tributária no tocante à multipropriedade, perpassando pela questão atinente à solidariedade, objeto central do trabalho. O problema será analisado, também, sob o enfoque dos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e do direito fundamental à propriedade, garantias fundamentais que devem permear toda atividade hermenêutica. Por fim, passa-se à breve exposição das questões afetas à execução no tocante à penhora do bem imóvel sujeito ao condomínio em multipropriedade.

PALAVRAS-CHAVE: MULTIPROPRIEDADE, TIME-SHARING, IPTU, ITR, SOLIDARIEDADE TRIBUTÁRIA.


ABSTRACT


This article analyzes the taxation of properties in the time-sharing system, concerning to the Brazilian legal system, with regard to the incidence of the urban property tax and the rural property tax. Initially, it starts with the historical and conceptual presentation about the time-sharing institute. Then, we proceed with the presentation of general aspects of the two taxes, and then proceed with the study of tax liability with regard to time-sharing, addressing the issue of solidarity, the central object of the work. The issue will also be addressed from the perspective of the principles of legality, equality, contributory capacity and the fundamental right to property. Finally, we proceed to the brief presentation of the issues related to the execution, in relation to the attachment of the immovable property subject to the condominium in time- sharing.

KEYWORDS: MULTIPROPERTY, TIME-SHARING, TAX RESPONSABILITY.


INTRODUÇÃO

A despeito das alterações promovidas no Código Civil e na Lei de Registros Públicos pela Lei n. 13.777/2018, o instituto da multipropriedade imobiliária ainda carece de regulamentação no Brasil, com relação aos aspectos tributários dessa nova espécie de condomínio, omissão esta que gera insegurança jurídica para os contribuintes e para o Fisco. Daí a necessidade de se promover uma análise mais pormenorizada do instituto da time-sharing, debruçando-se sobre a evolução de seus conceitos no âmbito doutrinário, legislativo e jurisprudencial, extraindo-se daí as respectivas consequências tributárias.


O trabalho tem início com a apresentação conceitual e histórica do condomínio em multipropriedade. Em seguida, prossegue-se com a apresentação geral do problema que norteia este trabalho – qual seja, analisar um aspecto controvertido do time-sharing, que é a possibilidade de se aplicar a solidariedade na definição do sujeito passivo da obrigação tributária referente ao IPTU e ao ITR.


Neste esteio, pretende-se analisar, de forma crítica, o argumento de que a multipropriedade imobiliária estaria sujeita à tributação em conformidade com as regras aplicáveis às formas tradicionais de condomínio. Assim, serão examinadas as características próprias e distintas da multipropriedade em contraposição àquelas inerentes à tradicional comunhão da propriedade no espaço. Tais razões conduzem à hipótese de que a tributação também deve se operar de forma distinta.


Na sequência, a questão da solidariedade da obrigação tributária é abordada sob a ótica das limitações constitucionais ao poder de tributar e dos princípios tributários. Trata -se de atividade hermenêutica inafastável, tendo em vista que estes institutos assumem a


natureza jurídica de garantias fundamentais, o que implica a sua consideração em qualquer atividade interpretativa do direito tributário.


Em seguida, serão apresentados os argumentos que sustentam a hipótese central que se almeja investigar, qual seja, de que cada multiproprietário seria titular de um direito real sobre coisa própria, inexistindo, assim, dever de arcar com tributos propter rem dos demais condôminos. Com isso, o estudo pretende demonstrar que a integralidade da propriedade imóvel não deveria constituir base de cálculo para os impostos reais, uma vez que o fato gerador seria praticado pelo titular de apenas uma fração temporal do bem. Por conseguinte, pretende-se demonstrar a possível inadequação de se considerar solidária a obrigação tributária que envolva a integralidade do imóvel em time-sharing.


  1. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA: ORIGEM E CONCEITO

    A multipropriedade imobiliária surgiu na França, no final dos anos 60 do século passado e alcançou significativa receptividade no mercado imobiliário, sobretudo no ramo do turismo, por permitir a fruição de um mesmo bem por diversos titulares, cada qual por um período do ano1. Denominado time-sharing nos Estados Unidos, o instituto contribuiu para o aquecimento da economia das regiões envolvidas em todos os períodos do ano, não apenas nas épocas de alta temporada. Além disso, sob o ponto de vista ambiental, a multipropriedade colabora para evitar a proliferação indiscriminada de empreendimentos imobiliários nas regiões turísticas.


    Com o propósito de verter em linguagem jurídica este novo modelo de fruição do direito à propriedade, diversos institutos foram concebidos. Na Itália, inicialmente estabeleceu-se a multipropriedade societária, organização empresarial na qual uma sociedade é instituída e seus sócios detêm o direito de utilização periódica do bem imóvel. Na França, a Lei n. 86-18, de 6 de janeiro de 1986, optou pela criação de uma sociedade específica, designada como societé d’attribution d’immeubles em jouissance à temps partagé. Os portugueses, por sua vez, aderiram à fórmula do direito real sobre coisa alheia, outorgando aos adquirentes o direito real de habitação periódica, ao passo que a propriedade se mantém em poder do empreendedor. Outros países, como Espanha, Brasil e, posteriormente, a Itália, adotaram o instituto da multipropriedade imobiliária, tratando-se de um condomínio de frações ideais partilhadas no tempo.


    Entre nós, instaurou-se, inicialmente, uma controvérsia com relação à natureza jurídica do fenômeno do compartilhamento temporal da propriedade. Houve quem defendesse tratar- se de direito pessoal2, ao passo que outros advogavam a tese de que estávamos diante de


    image

    1. As informações a respeito da origem da multipropriedade imobiliária e sua disciplina em outros países foi colhida na obra Multipropriedade imobiliária, de Gustavo Tepedino, que consta nas referências bibliográficas.


    2. LIMA, Frederico Henrique Viegas de. A multipropriedade imobiliária. Revista trimestral de direito civil vol. 32. Rio de Janeiro: Padma, out.-dez. 2007, p. 198-199.


      uma nova modalidade de direito real, a despeito do princípio da taxatividade dos direitos reais e da ausência de lei regulamentadora de tal instituto3.


      Gustavo Tepedino, em obra específica sobre a matéria, definiu o novo modelo de fruição da propriedade como “a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”4.


      No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a questão se pacificou com o julgamento proferido no Recurso Especial n. 1.546.165/SP. Neste precedente, a Terceira Turma, por maioria, assentou a natureza de direito real da multipropriedade imobiliária.


      Com o advento da Lei n. 13.777, sancionada em 20 de dezembro de 2018, restou sedimentada a natureza jurídica de direito real. O diploma legislativo acrescentou diversos dispositivos do Código Civil e alterou artigos da Lei de Registros Públicos, assim definindo a multipropriedade:


      “[...] o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”5.


      A nova lei disciplinou diversos aspectos do condomínio em multipropriedade, definindo período mínimo da fração de tempo, forma de instituição, direitos e obrigações do multiproprietário, transferência e administração da multipropriedade, disposições específicas relativas às unidades autônomas de condomínios edilícios, além de normas atinentes ao registro público.


  2. TRIBUTAÇÃO DOS IMÓVEIS EM MULTIPROPRIEDADE

    1. O veto à nova redação dos §§ 3º, 4º e 5º do art. 1.358-J do Código Civil


      Embora tenha sanado o vácuo normativo no tocante à matéria, a nova lei omitiu-se com relação à disciplina tributária do novo instituto. A princípio, o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional acrescentava os §§ 3º, 4º e 5º ao novel art. 1.358-J do Código Civil, dispondo sobre as consequências tributárias:



      image


      1. Na doutrina, a posição de que se tratava de uma nova modalidade de direito real vinha sendo defendida por Gustavo Tepedino, Maria Helena Diniz, dentre outros.


      2. TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 137.


      3. BRASIL. Código Civil. Brasília: 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.h tm. Acesso em: 5 fev. 2020.


        “§ 3º Os multiproprietários responderão, na proporção de sua fração de tempo, pelo pagamento dos tributos, contribuições condominiais e outros encargos que incidam sobre o imóvel.

        § 4º A cobrança das obrigações de que trata o § 3º deste artigo será realizada mediante documentos específicos e individualizados para cada multiproprietário.

        § 5º Cada multiproprietário de uma fração de tempo responde individualmente pelo custeio das obrigações, não havendo solidariedade entre os diversos multiproprietários.”6


        Não obstante, tais dispositivos foram vetados pelo Presidente da República, com base nas seguintes razões:

        “Os dispositivos substituem a solidariedade tributária (artigo 124 do Código Tributário Nacional) pela proporcionalidade quanto à obrigação pelo pagamento e pela cobrança de tributos e outros encargos incidentes sobre o imóvel com multipropriedade. No entanto, cabe à Lei Complementar dispor a respeito de normas gerais em matéria tributária (artigo 146, III, da Constituição). Ademais, geram insegurança jurídica ao criar situação de enquadramento diversa para contribuintes em razão da multipropriedade, violando o princípio da isonomia (art. 150, II, da Constituição). Por fim, poderiam afetar de forma negativa a arrecadação e o regular recolhimento de tributos.”7


        Com efeito, a interpretação isolada das razões do veto poderia conduzir à conclusão de que o condomínio em multipropriedade traduz hipótese de solidariedade tributária, nos termos do art. 124 do Código Tributário Nacional8. Como resultado, a aplicação do referido dispositivo legal transformaria todos os multiproprietários em pessoas com interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, de modo que o ônus da tributação do IPTU ou, conforme o caso, do ITR, recairia sobre todos os condôminos, indistintamente.

        Esta interpretação, contudo, não é imune a críticas. Isto porque, sendo a time-sharing um direito real de propriedade periódico, não há que se falar em interesse comum dos contribuintes em saldar dívidas propter rem dos outros multiproprietários. É possível defender, ainda, que os impostos sobre a propriedade territorial e predial urbana (IPTU) e


        image


      4. BRASIL. Projeto de Lei n. 10.287, de 2018, da Câmara dos Deputados. Brasília, 22 de maio de 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=03A6FAD156AE64E8275344CC99722C36.proposicoesWeb Externo2?codteor=1662386&filename=PL+10287/2018. Acesso em: 20 jun. 2020.


      5. BRASIL. Mensagem n. 863, de 20 de dezembro de 2018. Brasília, 20 de dezembro de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Msg/VEP/VEP-763.htm. Acesso em: 10 jun. 2020.


      6. “Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”


        territorial rural (ITR) têm como fato gerador cada unidade temporal, considerada isoladamente.


    2. Aspectos gerais do imposto sobre a propriedade territorial e predial urbana (IPTU) e do imposto territorial rural (ITR)


      Em breve síntese, para facilitar a compreensão da análise feita no presente artigo, é importante ressaltar que o imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU) e o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) têm fundamento, respectivamente, nos arts. 156, inciso I e 153, inciso VI, da Constituição da República. No plano infraconstitucional, coube ao Código Tributário Nacional, nos arts. 29 a 34, estabelecer a definição destas espécies tributárias, bem como os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.


      Pois bem, o IPTU, de competência municipal, “tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município” (art. 32 do CTN). A base de cálculo, por sua vez, é o valor venal do imóvel, enquanto contribuinte é o proprietário, titular do domínio útil, ou possuidor a qualquer título (arts. 33 e 34 do CTN).


      Com relação ao ITR, cuja competência a Constituição Federal outorgou à União, o fato gerador, nos termos do art. 32 do CTN é a “propriedade, o domínio útil, ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município”. A base de cálculo da exação é o valor fundiário do imóvel, ao passo que o contribuinte é o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil, ou o possuidor a qualquer título, conforme dispõem os arts. 30 e 31 da mesma lei.


      No tocante ao aspecto temporal, tem-se como ocorrido o fato gerador de ambos os tributos no primeiro dia do ano civil.


      Considera-se, ainda, que ambas as exações são impostos reais, porquanto incidem sobre a propriedade. Ademais, é autorizada pela Constituição a progressividade das alíquotas do IPTU, em razão do valor do imóvel (art. 156, § 1º), bem como a seletividade, podendo ter alíquotas distintas conforme a localização e o uso do bem. Quanto ao ITR, a progressividade é imposta pela Carta Magna (art. 153, § 4º, inciso I), sendo as alíquotas crescentes, conforme a improdutividade das propriedades.


      Posto isso, passamos a analisar a questão da solidariedade tributária no âmbito do condomínio em time-sharing.


    3. Solidariedade tributária e multipropriedade


      A solidariedade tributária tem previsão no art. 124 do Código Tributário Nacional, sendo matéria atinente à definição do sujeito passivo da obrigação tributária. Trata-se de atribuir a


      condição de contribuinte do tributo às pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (solidariedade de fato), bem como às pessoas expressamente designadas por lei (solidariedade de direito). No âmbito tributário, ao contrário do que se passa nas relações de direito civil, a solidariedade não comporta benefício de ordem.


      Na doutrina, colhe-se a seguinte definição:


      “O conceito de solidariedade reside em uma pluralidade de pessoas em um dos polos da obrigação, tornando essa obrigação indivisível. Mas não basta a pluralidade, é preciso também a indivisibilidade, ou seja, temos vários credores, e qualquer um pode exigir a dívida toda do devedor, e se sub-rogar nas obrigações do devedor perante os seus pares.”9


      Como consequência, fica a Fazenda Pública autorizada a cobrar o crédito tributário de um ou de todos os devedores solidários. Os demais efeitos da solidariedade, nos termos do art. 125 do Código Tributário Nacional, são os seguintes:


      “I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

      1. – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;

      2. – a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou

        prejudica aos demais.”10


        Desse modo, é necessário assentar que a copropriedade partilhada no tempo (multipropriedade) retrata a existência de relações jurídicas autônomas entre os diversos sujeitos passivos e o Fisco, o que impede a ocorrência da solidariedade. Neste sentido, lapidar o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho:


        “Em estreita síntese, quero deixar consignado que solidariedade mesmo haverá, tão somente, na circunstância de existir uma, e somente uma, relação obrigacional, em que dois ou mais sujeitos de direito se encontram jungidos a satisfazer a integridade da prestação tributária. Ali, onde nos depararmos com duas relações entretecidas por preceitos de lei, para se obter a segurança do adimplemento prestacional de uma delas, não teremos, a bem do rigor jurídico, o laço de solidariedade que prende os sujeitos passivos.”11


        image


        1. CARNEIRO, Cláudio. Curso de direito tributário e financeiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 526.


        2. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm.


        3. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 188.


          A corroborar tal hipótese, convém observar que a Lei n. 13.777/2018, modificando a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973), impôs o dever de que o oficial de registro de imóveis observe a necessidade de matrícula própria para cada fração de tempo:


          “Art. 176 [...]

          § 10. Quando o imóvel se destinar ao regime da multipropriedade, além da matrícula do imóvel, haverá uma matrícula para cada fração de tempo, na qual se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva fração de tempo, ressalvado o disposto no § 11 deste artigo.

          § 11. Na hipótese prevista no § 10 deste artigo, cada fração de tempo poderá, em função de legislação tributária municipal, ser objeto de inscrição imobiliária individualizada.

          § 12. Na hipótese prevista no inciso II do § 1º do art. 1.358-N da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), a fração de tempo adicional, destinada à realização de reparos, constará da matrícula referente à fração de tempo principal de cada multiproprietário e não será objeto de matrícula específica.”12


          Não se pode ignorar, também, que a definição de multipropriedade imobiliária é, atualmente, disciplinada pela lei civil, consubstanciando-se em conceito de direito privado que regulamenta um aspecto do direito fundamental à propriedade assegurado constitucionalmente. Nesta linha de raciocínio, cabe aplicar o art. 110 do Código Tributário Nacional13, que veda ao intérprete da legislação tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de um instituto de direito privado utilizado, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal.


          A respeito do mencionado art. 110 do CTN, Leandro Paulsen exemplifica com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:


          “Muitos tributos instituídos com extrapolação do significado possível da base econômica dada à tributação foram declarados inconstitucionais pelo STF, conforme se pode ver do caso da contribuição previdenciária das empresas sobre o pró-labore, quando o art. 195, I, a, na redação original, só autorizava a instituição sobre a folha de salários, e do caso da contribuição sobre a receita bruta, quando o art. 195, I, b, só autorizava a instituição sobre o faturamento.”14


          image


        4. BRASIL. Lei n. 6.015 – Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília: 31 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acesso em: 12 jun. 2020.


        5. “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”


        6. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 138.


        Assim, a análise sistêmica dos dispositivos legais mencionados conduz à impossibilidade de se considerar a existência de interesse comum de todos os multiproprietários em saldar a dívida tributária do imóvel como um todo. Por conseguinte, a melhor solução seria atribuir ao titular de cada fração temporal a respectiva responsabilidade tributária, na medida de sua cota-parte.


        Na sequência, passa-se à análise da responsabilidade tributária com relação aos impostos sobre a multipropriedade sob o enfoque dos direitos fundamentais, caracterizados como limitações ao poder de tributar.


  3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS E AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

    1. Princípio da legalidade tributária


      As limitações ao poder de tributar e os princípios constitucionais tributários são instrumentos do poder constituinte originário que restringem o poder fiscal do Estado, delimitando a atividade tributante. Trata-se de garantias fundamentais, que devem ser observadas por todos os poderes. A esse respeito, o magistério de Cláudio Carneiro:


      “As imunidades tributárias, os princípios constitucionais tributários e algumas outras vedações constitucionais específicas surgiram como um mecanismo de proteção ao contribuinte no intuito de conter a ‘voracidade’ do Estado em carrear recursos para os cofres públicos (tributar). Considerando que o poder de tributar está inserido na Constituição, as limitações a este poder somente poderiam vir prescritas pelo mesmo diploma. Nesse sentido, a Constituição de 1988, na Seção II do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, positivado pela primeira vez em sede constitucional na Constituição de 1946, trata das limitações constitucionais ao poder de tributar.”15


      Por conseguinte, cumpre tecer algumas considerações a respeito do princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, inciso I, da Carta Maior16.


      Pois bem, a ausência de individualização dos fatos geradores entre os multiproprietários, aplicando artificiosamente as normas referentes à solidariedade, não se coaduna com o postulado da estrita legalidade que rege o Direito Tributário. Como cediço, todos os elementos da obrigação tributária demandam previsão legal, sendo vedado ao intérprete incluir na hipótese material de incidência do tributo um dado que não existe na lei. Em


      image


      15 Op. cit., p. 394.


      1. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

        I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”


        consequência, a tributação de frações de tempo que não integram o patrimônio jurídico do contribuinte afronta o princípio da legalidade.


        A propósito da legalidade, é importante ter em consideração que a hipótese de incidência do imposto predial e territorial urbano é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município. Pode a lei municipal, ainda, considerar como sujeito ao IPTU o imóvel localizado em área urbanizável ou de expansão urbana17. Por exclusão, constitui fato gerador do imposto territorial rural a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado fora da zona urbana do município18.


        Em suma, nos termos da Constituição Federal e da legislação de regência, a base material de incidência de ambas as exações é a propriedade, a posse ou o domínio útil do imóvel. No caso do time-sharing, parece evidente que o titular da fração temporal de sete dias19 não é titular da posse ou do domínio útil do imóvel como um todo. Com relação à propriedade, o raciocínio também se aplica, porém reclama considerações adicionais. Isto porque o direito de propriedade traduz os poderes de dispor, usar, fruir e reivindicar a coisa20. Sendo assim, a análise acerca da incidência dos impostos reais deve considerar se o contribuinte sujeito à exação efetivamente exerce tais poderes.


        Seguindo esse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça entendeu indevida a cobrança de ITR no caso de imóveis rurais invadidos por integrantes de movimento de trabalhadores sem terra21. No julgamento do Recurso Especial n. 963.499/PR, relatado pelo Ministro Herman Benjamim, restou consignado na ementa:


        “Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos.”22


        Desta feita, a análise da propriedade tributável por meio do imposto predial e territorial urbano, bem como pelo imposto territorial rural, perpassa pelo exame dos elementos deste



        image


      2. Conforme previsão do art. 156, inciso I, da Constituição Federal e do artigo 32, caput e § 2º do Código Tributário Nacional.


      3. Art. 29 do Código Tributário Nacional e art. 1º da Lei Federal n. 9.393/1996.


      4. Lapso temporal mínimo de cada fração temporal, conforme dispõe o art. 1.358-E, § 1º, do Código Civil.


      5. Neste sentido, o art. 1.228 do Código Civil: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder

        de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”


      6. Entendimento firmado a partir do julgamento do Recurso Especial n. 963.499/PR, em 19 de março de 2009.


      7. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 963.499/PR. Rel. Min. Herman Benjamin. Brasília, 14.12.2009. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=4622453&num_registro=200701462250& data=20091214&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 10 dez. 2019.


      direito real, sendo certa a constatação de que, sob o ponto de vista do titular de uma fração temporal do bem, as frações temporais pertencentes aos demais multiproprietários em nada interessa. Não se pode considerar tal sujeito como proprietário do todo, sob pena de admitir-se a tributação de uma “propriedade vazia”, como assinalado pelo precedente supramencionado.


      E mais, os conceitos jurídicos empregados pelo direito tributário estão sujeitos a modificações ao longo do tempo, o que demanda do intérprete uma evolução interpretativa, ressignificando os institutos, de modo a conformar seus significados com a evolução das relações sociais. Neste sentido, adverte Paulo de Barros Carvalho:


      “É curioso notar que o direito positivo, sendo, como é, um subsistema do sistema social total, mesmo que paralisado no campo da produção legislativa, equivale a dizer, ainda que suas normas gerais e abstratas permaneçam imutáveis, sem qualquer atualização de forma, continua em movimentação, alterando-se, no tempo, o quadro de suas significações. O fenômeno se explica por força, principalmente, da maleabilidade dos planos semântico e pragmático de sua linguagem. A dimensão sintática, mais rígida e, portanto, resistente a mutações, mostra-se morosa e tardia. Modifica-se, mas somente pela dinâmica incessante dos outros dois ângulos da concepção semiótica.

      Foi por virtude de análises propiciadas pela Ciência dos Signos que os juristas podem refazer seus conceitos e propósitos do tormentoso problema do fechamento do sistema. Hoje, se quisermos, a resposta será imediata: o ordenamento é fechado, em termos sintáticos, mas aberto aos níveis semânticos e pragmático, o que permite comprovação no sumário exame de algumas vozes bem conhecidas. Aludimos, a título de exemplo, a ‘adultério’, ‘legítima defesa da honra’, ‘mulher honesta’ etc., como palavras do discurso jurídico que experimentaram sensíveis mutações semânticas,

      nos exemplos atuais.” (Destaques do autor)23


    2. O direito de propriedade e o princípio da vedação ao confisco como óbices à incidência da solidariedade tributária na multipropriedade


      O direito de propriedade é objeto de tutela constitucional e convencional, estando previsto no rol de direitos e garantias fundamentais da Carta Maior, além de encontrar respaldo na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados pelo Estado Brasileiro com status supralegal24.


      image

      23 Op. cit., p. 118-119.


      1. A tese da supralegalidade dos tratados sobre direitos humanos anteriores à Emenda Constitucional n. 45/2004 foi consolidada no Supremo Tribunal Federal com o julgamento do HC n. 90.172/SP, julgado em 3 de dezembro de 2008. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891.


        Embora não conste expressamente do rol previsto no art. 150 da Constituição Federal, o direito de propriedade consubstancia uma limitação ao poder de tributar, integrando o rol de garantias fundamentais do contribuinte, que não pode ter seu patrimônio onerado por ingerências indevidas do Estado no campo da tributação. A caracterização do direito de propriedade como instrumento de controle da legalidade tributária foi observada pelo então Ministro Cézar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, que conferiu interpretação abrangente ao princípio da vedação ao confisco:


        “A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.” (Destaque nosso)25


        Neste sentido, considerando a natureza fundamental do direito de propriedade, entende- se que a tributação da multipropriedade sem que se considere a divisão temporal do bem, impõe uma oneração excessiva ao patrimônio dos contribuintes, caracterizando, por consequência, violação ao princípio da vedação ao confisco.


        Portanto, a individualização do fato gerador em conformidade com a fração temporal de cada contribuinte é, também, consequência da correta observância ao direito de propriedade.


    3. Princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva


      Do princípio da isonomia decorrem duas regras essenciais: proíbe-se tratamento jurídico diferenciado para aqueles que se encontrem sob o mesmo pressuposto fático, por outro lado, não se admite tratamento igualitário para quem se encontra em situações fáticas diferentes.


      Na esfera tributária, o princípio encontra previsão expressa no art. 150, inciso II, da Constituição da República:


      “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


      image


      1. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.075. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, 24.11.2006. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1590554. Acesso em: 10 dez. 2019.


        II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”26


        Em Direito Tributário, o dever de observância à isonomia se manifesta, dentre outras formas, no subprincípio da capacidade contributiva. De assento constitucional27, o princípio incorpora a ideia, em sua acepção clássica, de que “quem tem mais renda, quem mais possui, quem mais importa, enfim, mais manifesta riqueza, tem uma possibilidade maior de contribuir com a sociedade sem comprometer sua subsistência”28.


        Contudo, além do sentido já consagrado pela doutrina, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco emprestam ainda um significado adicional ao princípio da capacidade contributiva, afirmando que “em primeiro lugar, determina que só fatos que denotem riqueza podem compor o critério material da hipótese da regra matriz de incidência tributária”29.


        A tributação do imóvel em multipropriedade como um todo, sem individualizar o quinhão de cada proprietário, afronta o princípio da isonomia, por caracterizar tributação uniforme sobre distintas bases de incidência. Por outro lado, a tributação diferenciada, de acordo com a fração temporal de cada multiproprietário, atende aos postulados da proporcionalidade e da igualdade substancial entre os contribuintes. Isto porque, tratando-se de fatos geradores distintos (cada fração de direito real periódico), distinta também deverá ser a incidência da exação.


        Portanto, a aplicação das regras de solidariedade tributária à multipropriedade implicaria a tributação de fatos que não compõem o critério material da hipótese de incidência. Em consequência, tal interpretação, que foi veiculada nas razões do veto presidencial mencionado, violaria o princípio da capacidade contributiva e, consequentemente, a isonomia tributária.


        Em outras palavras, os princípios da isonomia e da capacidade contributiva implicam que cada contribuinte seja tributado na exata medida da riqueza por ele manifestada, sem que se lhe atribua responsabilidade por fato gerador que não compõe seu patrimônio.



        image


      2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 15 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.


      3. Art. 145, § 1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”


      4. ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 11. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 148.


      5. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.515.


  4. A PENHORA DA MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA

Por derradeiro, o exame dos aspectos tributários da multipropriedade imobiliária perpassa pelas considerações a respeito do processo executivo, mormente no tocante à penhora do bem sujeito à multipropriedade imobiliária. Neste aspecto, merece consideração o estudo do precedente firmado no julgamento do Recurso Especial n. 1.546.165/SP, no qual se concluiu ser indevido o ato de penhora que recaiu sobre a totalidade do imóvel sujeito ao regime de time-sharing, uma vez que o executado era titular de um direito real correspondente a apenas uma semana anual de utilização do imóvel.


No paradigmático julgado do Superior Tribunal de Justiça, proferido anteriormente à edição da Lei n. 13.777/2018, o voto vencedor, de lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, consignou:


“Considerando o que acima expendido, com a devida vênia do Ministro relator,

concluo o seguinte:

  1. a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e

  2. o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição de que é cotitular para uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano.

[...]

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento a fim de reformar o acórdão do Tribunal a quo para, reconhecendo procedentes os embargos de terceiro na hipótese dos autos, pronunciar a insubsistência da penhora sobre a totalidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade, do qual a embargante, ora recorrente, é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária.”30


Com esteio no precedente em questão, cuja ratio não deve ser alterada com a superveniente modificação legislativa, está consignada a impossibilidade de que a execução atinja a totalidade temporal da multipropriedade imobiliária, prejudicando todos os seus titulares, em razão de obrigação assumida por apenas um condômino.


image


  1. Op. cit.


O raciocínio desenvolvido no julgado, embora se refira à execução, pode ser aplicado ao domínio da responsabilidade tributária no âmbito dos impostos reais, impondo-se a tributação diferenciada de acordo com a fração temporal pertencente a cada contribuinte.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste trabalho foi lançar algumas luzes sobre o fenômeno da solidariedade tributária, no que se refere ao IPTU e ao ITR incidentes sobre imóveis em regime de multipropriedade imobiliária. Não pretendemos, contudo, esgotar o tema que certamente ainda será objeto de calorosas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.


Como visto, a Lei federal n. 13.177/2018, sobretudo em razão do veto presidencial à nova redação dos §§ 3º, 4º e 5º do art. 1.358-J do Código Civil, se revelou omissa no tocante à disciplina tributária do condomínio em multipropriedade. Contudo, o silêncio da lei não deve conduzir, automaticamente, à aplicação do instituto da solidariedade tributária, com todas as suas consequências jurídicas.


Com efeito, é inviável equiparar a nova modalidade de direito real, que consiste no compartilhamento da propriedade no tempo, com as formas mais tradicionais de condomínio, concebidas para regulamentar a divisão espacial dos bens imóveis. Assim, a definição da obrigação tributária, em especial no tocante à sujeição passiva, perpassa pela análise diferenciada de seus elementos, considerando o caráter inovador da multipropriedade imobiliária.


Conforme exposto no subcapítulo 2.3, a ocorrência da solidariedade de fato, na esfera da responsabilidade tributária, demanda que os contribuintes tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, a rigor do que dispõe o art. 124 do Código Tributário Nacional. No caso da multipropriedade, não há interesse comum de que todos os condôminos respondam pelos tributos incidentes sobre o imóvel como um todo. Ao contrário, o instituto da time-sharing implica que cada proprietário, possuidor ou titular do domínio útil seja responsável apenas pela fração temporal que lhe incumbe. Aliás, é neste sentido que a Lei de Registros Públicos determina que cada fração temporal deve ter uma matrícula própria.


Sob a ótica das limitações constitucionais ao poder de tributar e dos princípios do Direito Tributário, é igualmente inviável que se atribua a um multiproprietário a responsabilidade por fatos geradores que não lhe dizem respeito. De acordo com a exposição desenvolvida no subcapítulo 3.1, foi possível compreender que a análise da responsabilidade tributária deve se balizar pelo princípio da legalidade, considerando-se praticado o fato gerador apenas se a situação ocorrida no mundo dos fatos espelhar a hipótese de incidência expressa em lei. No caso, os impostos sobre a propriedade ou direitos conexos somente podem incidir sobre os bens dos quais o contribuinte seja


proprietário, titular do domínio útil ou possuidor, sob pena de se elastecer a estrita legalidade que rege o Direito Tributário.


Além disso, foi ressaltada no subcapítulo 3.2, a importância do direito de propriedade como elemento limitador do poder de tributar. Em sintonia com o princípio da vedação ao confisco, é possível concluir que a ingerência indevida do Estado no patrimônio dos contribuintes, por meio da tributação de fatos que não encontram arrimo na norma legal tributária, é prática ofensiva ao direito de propriedade.


Na sequência, a abordagem dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva conduziu à assertiva de que a tributação da multipropriedade de forma indistinta, sem considerar a riqueza manifestada por cada contribuinte, significa violar tais imperativos constitucionais, uma vez que, tratando-se de fatos geradores distintos, distinta também deve ser a incidência da exação.


Por derradeiro, o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria de execução envolvendo multipropriedade imobiliária corrobora todas as conclusões expostas. Isto porque, naquele julgado, não se admitiu a penhora da fração de tempo de um condômino em razão de dívidas assumidas por outros multiproprietários.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017.


BRASIL. Código Civil. Brasília: 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 5 fev. 2020.


          . Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 15 de outubro de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.


          . Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 19 jun. 2020.


          . Lei n. 6.015 – Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília: 31 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acesso em: 12 jun. 2020.


          . Mensagem n. 863, de 20 de dezembro de 2018. Brasília, 20 de dezembro de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Msg/VEP/VEP- 763.htm. Acesso em: 10 jun. 2020.


          . Projeto de Lei n. 10.287, de 2018, da Câmara dos Deputados. Brasília, 22 de maio de 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=03A6FAD156 AE64E8275344CC99722C36.proposicoesWebExterno2?codteor=1662386&filename=PL+1028 7/2018. Acesso em: 20 jun. 2020.


          . SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1.546.165/SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 06.09.2016. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201403082061&dt_publi cacao=06/09/2016. Acesso em: 11 abr. 2020.


          . SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 686.209/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Brasília, 16.11.2009. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200401113299&dt_publi cacao=16/11/2009. Acesso em: 10 dez. 2019.


          . SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 963.499/PR. Rel. Min. Herman Benjamin. Brasília, 14.12.2009. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequenc ial=4622453&num_registro=200701462250&data=20091214&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 10 dez. 2019.


          . SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.075. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, 24.11.2006. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1590554. Acesso em: 10 dez. 2019.

CARNEIRO, Cláudio. Curso de direito tributário e financeiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.


          . Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008.

LIMA, Frederico Henrique Viegas de. A multipropriedade imobiliária. Revista trimestral de direito civil vol. 32. Rio de Janeiro: Padma, out.-dez. 2007.


MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2009.


MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.


TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993.


LIMA, Frederico Henrique Viegas de. A multipropriedade imobiliária. Revista trimestral de direito civil vol. 32. Rio de Janeiro: Padma, out.-dez. 2007.