SEGURANÇA JURÍDICA E MUDANÇA JURISPRUDENCIAL: O CASO DA PROGRESSIVIDADE DOS IMPOSTOS REAIS NO ENTENDIMENTO DO STF

LEGAL CERTAINTY AND CHANGE IN JURISPRUDENCE: THE SUPREME COURT’S VIEW ON THE PROGRESSIVITY OF PROPERTY TAXES


André Silva Gomes


Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Advogado em Porto Alegre/RS. E-mail: andre.gomes@planimec.com.br



Recebido em: 24-05-2020

Aprovado em: 09-11-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-5



RESUMO


Este estudo se propõe a analisar o fenômeno da mudança de jurisprudência e seus efeitos sobre a segurança jurídica, focando especificamente no caso do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação da progressividade de alíquotas aos impostos reais. Inicialmente apresenta-se o conteúdo normativo da segurança jurídica como princípio garantidor de um estado de coisas em que haja estabilidade normativa e confiança na manutenção dos posicionamentos dos tribunais, o que se faz por meio da consolidação e observação das orientações jurisprudenciais. Em seguida, examina-se o fenômeno da mudança de jurisprudência, que se dá quando um tribunal revê posicionamento anteriormente adotado sem que tenha ocorrido qualquer novidade fática ou normativa que influencie a nova decisão, baseando-se apenas nos mesmos elementos já existentes quando da tomada da primeira decisão. A mudança jurisprudencial, quando implementada, deve ser devidamente justificada, e devem ser tomadas medidas de mitigação dos seus efeitos. Ao final, analisa-se o histórico do posicionamento adotado pelo STF com relação à aplicação da progressividade de alíquotas aos chamados impostos reais, concluindo-se que, a despeito de possuir um histórico jurisprudencial consolidado e estável no sentido da inaplicabilidade da progressividade a esses impostos, no julgamento do RE 562.045 a Corte


efetivamente realizou uma mudança de jurisprudência sem que tenham sido observados os requisitos de devida justificação. Com isso, foi causado um prejuízo à estabilidade e confiança inerentes à segurança jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: SEGURANÇA JURÍDICA, MUDANÇA JURISPRUDENCIAL, PROGRESSIVIDADE, IMPOSTOS REAIS.

ABSTRACT


In this essay, the author intends to analyze the phenomenon of change in jurisprudence and its consequences over legal certainty, focusing on Brazil’s Supreme Court’s understanding on the applicability of progressivity of aliquots to property taxes. Initially, we present the normative content of Legal Certain-ty as a principle that ensures legal stability and confidence in the maintenance of Courts’s views. After that, we examine the phenomenon of change in juris-prudence, which happens when a Court revises a position that it had already taken without there being any legal or factual new circumstance. When it hap-pens, the Court must adequately justify the change, and also adopt measures to mitigate its effects. Finally, we analyze the history of Brazil’s Supreme Court’s position on regards to the applicability of progressivity of aliquots to proper-ty taxes, reaching the conclusion that, despite having a solid and stable record of not allowing such progressivity to be applied to property taxes, upon judging the case RE 562.045, Brazil’s Supreme Court effectively made a change in jurisprudence, allowing such application, without presenting the necessary justification. With that, there was a loss to the trustfulness and stability elements that are inherent to Legal Certainty.

KEYWORDS: LEGAL CERTAINTY, CHANGE IN JURISPRUDENCE, PROGRESSIVITY, PROPERTY TAXES


  1. INTRODUÇÃO

    A ordem constitucional inaugurada em 1988 consagrou a segurança jurídica como sobreprincípio do Estado Democrático de Direito, bem como manteve elementos diversos estabelecidos nas constituições da era republicana brasileira. A inclusão de um capítulo dedicado ao regramento da atividade tributária, já existente na Constituição de 1967, conservou a tradição nacional de fixação de regras de competência e garantias do contribuinte em nível constitucional.


    Por conta disso, o Supremo Tribunal Federal, cumprindo sua incumbência institucional de apreciar em último grau recursal as causas em que se alega violação aos dispositivos da Constituição, é frequentemente instado a decidir disputas judiciais versando sobre o Direito Tributário. Em tais casos, são aplicáveis as ferramentas e mecanismos de que dispõe a Corte Constitucional para fazer valer seu papel de intérprete e guardiã da Constituição, uniformizando e estabilizando a sua leitura e aplicação.


    Por vezes, no entanto, embora o STF, em observância à sua atribuição, decida em caráter pretensamente definitivo acerca de determinada matéria de ordem tributária, há nova e posterior discussão acerca de temas sobre os quais a Corte já havia se pronunciado e, em vez de aplicar o entendimento anteriormente sedimentado, realiza uma nova análise da matéria, não raro com uma conclusão e pronunciamento final em sentido diverso, até diametralmente contrário. Em algumas dessas ocasiões ocorre o fenômeno da alteração jurisprudencial.


    Tal fenômeno não ocorre sem sequelas. Uma vez que há a decisão pretensamente definitiva do Supremo acerca de determinada questão constitucional, a estrutura institucional do Poder Judiciário se encarregará de difundir tal posicionamento, ensejando a criação de um ambiente jurídico em que tal passa a ser o conteúdo normativo da Constituição. Havendo, no entanto, uma posterior reapreciação e alteração de tal conteúdo, forma-se uma ruptura parcial na substância normativa do ordenamento jurídico.


    Em se tratando de questões que envolvem o Direito Tributário, tal ruptura pode causar sérios prejuízos aos contribuintes, que compõem o polo passivo e vulnerável da relação jurídico-tributária. Com efeito, o pronunciamento do Supremo sobre determinada questão tributária, se seguido por entendimento posterior diametralmente contrário, pode ensejar um cenário de grave insegurança jurídica e instabilidade econômico-financeira, em razão do impacto das medidas que poderão ser adotadas pela Administração, embasadas no novo entendimento da Corte, considerando-se o planejamento e adoção de medidas por parte dos particulares tendo como parâmetro de orientação a decisão proferia anteriormente.


    Um caso paradigmático serve para ilustrar os elementos concernentes a esse tipo de situação: No julgamento do RE 562.0451, o Supremo entendeu pela constitucionalidade da progressividade das alíquotas do ITCMD, muito embora já tivesse se posicionado reiteradamente pela inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas dos denominados impostos reais. O contraste no posicionamento do STF é profundo, na medida em que inverte o posicionamento da Corte a respeito de um ponto fundamental sobre o qual se acreditava já haver decisão consolidada.


    Assim, ante o forte contraste que se estabeleceu entre a decisão proferida recentemente pelo Plenário do STF e o entendimento já consolidado anteriormente, é essencial que se faça uma análise desse julgamento não apenas em termos de conteúdo de mérito, mas também – e principalmente – no contexto da mudança jurisprudencial e suas consequências.


    Diante disso, a análise que se pretende fazer no estudo a ser desenvolvido será realizada em duas partes. Num primeiro momento, pretende-se delinear brevemente o conteúdo


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    1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 562.045, Rel. p/ Acórdão Min.ª Cármen Lúcia, j. 06.02.2013, DJe 14.02.2013.


      normativo da segurança jurídica, explicitando, nesse contexto, o papel da estabilidade jurisprudencial, para buscar uma definição aprimorada do fenômeno da alteração jurisprudencial e suas características.


      Numa segunda etapa, será avaliado o posicionamento histórico do STF acerca da questão de mérito apreciada – a progressividade dos impostos reais – e, considerando o conteúdo e efeitos do caso específico a ser analisado, averiguar se efetivamente ocorreu o fenômeno da alteração jurisprudencial, para, por fim, estabelecer as conclusões acerca da postura adotada pelo Supremo.


  2. REFERENCIAL TEÓRICO: SEGURANÇA JURÍDICA E A ESTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA

    1. O princípio da segurança jurídica


      A segurança jurídica éuma ideia tão antiga no Direito que há quem a considere, ao lado da própria justiça, como o seu único elemento universalmente válido2.


      A partir de uma análise de seus elementos estruturantes, assinala-se que, em sua acepção normativa preponderante, a segurança jurídica é norma-princípio, na medida em que coloca um estado de coisas que deve ser perseguido através da assunção de comportamentos que colaborem para sua promoção geral3. Com efeito, trata-se de clara inferência lógica, a partir da afirmação dos diversos dispositivos constitucionais voltados à proteção das pessoas, de modo a praticarem seus atos com certeza e confiança, resguardadas do arbítrio4.


      Humberto Ávila preconiza que a construção do princípio da segurança jurídica se dá, ao mesmo tempo, pela interpretação dedutiva do princípio maior do Estado de Direito, e pela interpretação indutiva de outras regras constitucionais, tais como a proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (presentes no art. 5º da CF/1988), bem como às regras de legalidade, irretroatividade e anterioridade (constantes no art. 150 da CF/1988)5.


      No que se refere aos elementos componentes do conteúdo da segurança jurídica, há quase tantas esquematizações de suas facetas quanto autores que abordam o tema. No entanto,


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      1. ÁVILA, Ana Paula Oliveira. A modulação de efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade: ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei n. 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 144.


      2. ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 130.


      3. PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 47.


      4. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 370.


        destacam-se, neste trabalho, aqueles que enfatizam o aspecto da estabilidade dentro de seu conteúdo normativo.


        Nesse sentido, José Gomes Canotilho apresenta uma esquematização binária dos elementos da segurança jurídica que se desenvolve em torno (i) da estabilidade, assim entendida como a proibição de modificação indevida daquilo que já se tem como sedimentado no âmbito normativo; e (ii) da previsibilidade, compreendida como a certeza e calculabilidade em relação aos efeitos dos atos normativos6.


        Heleno Torres, por outro lado, vem a assinalar três elementos, chamados pelo autor de “âmbitos funcionais” ou apenas “funções” da segurança jurídica. São as funções de confiança (também denominada de proteção da expectativa de confiança legítima), de certeza e de estabilidade do ordenamento, estando inserida em todas as funções a característica da previsibilidade, inerente à segurança jurídica como um todo7.


        Humberto Ávila, por sua vez, também elenca três aspectos materiais da segurança jurídica. São eles a cognoscibilidade (elemento de perspectiva estática e atemporal da segurança jurídica); a confiabilidade (perspectiva dinâmica intertemporal da segurança jurídica com vista ao passado); e a calculabilidade (perspectiva dinâmica intertemporal da segurança jurídica voltada para o futuro)8.


        Já Luís Roberto Barroso apresenta cinco âmbitos de expressão do princípio da segurança jurídica. São eles: (i) a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias; (ii) a confiança nos atos do Poder Público; (iii) a estabilidade das relações jurídicas; (iv) a previsibilidade dos comportamentos; e (v) a igualdade perante a lei9.


        Percebe-se, então, que há, de modo geral, uma convergência por parte das diferentes abordagens teóricas no sentido de que a segurança jurídica possui a eficácia de resguardar os cidadãos, garantindo-lhes proteção – tanto no sentido de assegurar a intangibilidade de seus atos já praticados, quanto no de assegurar suas justas expectativas para atos futuros.


        Da mesma forma, à parte das esquematizações referentes aos seus elementos componentes, é possível, ainda, identificar as duas grandes dimensões da segurança jurídica, tal como faz o professor Almiro do Couto e Silva:


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      5. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 380.


      6. TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica no Direito Constitucional Tributário. 2. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 222.


      7. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 696.


      8. BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o Novo Código Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 140.


        “A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. [...]

        A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”10.


        Humberto Ávila, por sua vez, também adota a diferenciação entre as dimensões objetiva e subjetiva. Todavia, o autor, em sua esquematização, expõe que ambas as dimensões estariam contidas na chamada estabilidade normativa, um dos enfoques da confiabilidade, que, conforme já mencionado, diz respeito à segurança de “transição do passado ao presente”11. E destaca:


        “A dimensão objetiva da segurança jurídica demanda estabilidade e credibilidade do ordenamento jurídico, cuja restrição requer, por parte de quem a alega, a demonstração de que uma determinada regra, ato ou decisão causará, sob o ponto de vista da maioria das pessoas e de acordo com critérios médios de racionalidade, forte abalo na própria credibilidade regular do Direito como instituição. É o caso, por exemplo, de uma decisão judicial que, modificando orientação jurisprudencial consolidada anterior, atinja um sem número de cidadãos que confiaram na orientação abandonada, causando uma desconfiança geral e abstrata da comunidade jurídica no Poder Judiciário e no Direito como instituições sociais”12.


        Com isso, o eminente professor procura enfatizar, adequadamente, o valor da segurança jurídica em seu aspecto objetivo, vale dizer, enquanto atributo abstrato do qual o ordenamento jurídico deve ser dotado, sob pena de um déficit de credibilidade e instauração de instabilidade institucional, utilizando, por oportuno, o exemplo da mudança jurisprudencial para ilustrar tais riscos.


        Nesse contexto, passa-se, então, a analisar a função desempenhada pela jurisprudência no contexto do princípio da segurança jurídica, para, em seguida, iniciar uma análise do fenômeno da mudança jurisprudencial.


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      9. COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei n. 9.784/99). Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul v. 27. Porto Alegre: PGE, 1971. p. 35.


      10. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 358.


      11. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 157.


    2. O papel da jurisprudência para a segurança jurídica


      Inserida no contexto normativo do princípio da segurança jurídica, a jurisprudência desempenha importante papel estabilizador e orientador do conteúdo das normas e do ordenamento jurídico. Não por acaso, o Código de Processo Civil de 2015 estipulou, no art. 926, o dever dos tribunais de uniformização, estabilização, coerência e integridade da sua jurisprudência. Da mesma forma, considera-se não fundamentada a decisão que deixar de seguir jurisprudência invocada pela parte, caso não se demonstre sua distinção com o caso

      concreto, conforme o art. 489, § 1º, VI.


      De início, convém destacar que o vocábulo “jurisprudência” é dotado de uma polissemia decorrente de seus vários usos ao longo do estudo do Direito. Com efeito, Rubens Limongi França ensina que a expressão pode ser entendida, por exemplo: (i) como um conceito amplo, que abrangeria e significaria toda a ciência do Direito; (ii) como o arcabouço geral e abrangente de manifestações dos magistrados e tribunais acerca dos casos que lhes são apresentados; ou (iii) como o conjunto de decisões uniformes de um ou vários tribunais sobre uma mesma matéria, de forma constante, reiterada e pacífica13. Para o escopo deste trabalho, o conceito será entendido em sua última acepção.


      Analisando a jurisprudência tal como conceituada neste último significado, e destacando seu papel como forma de expressão do Direito, José Marcelo Menezes Vigliar enfatiza, entre suas funções, as de interpretação e suplementação da lei, sob os fundamentos de que a lei precisa ser interpretada para ser aplicada, e de que a ocorrência de lacunas na legislação é inevitável, sendo tal incompletude suprida no exercício da atividade judicante14. Da mesma forma, assevera o autor que a jurisprudência “deve ser uniforme para que cumpra essa mesma função, mas proporcionando, acima de tudo, e até mesmo por tais qualidades, segurança ao jurisdicionado”15.


      Nesse diapasão, explicita a importância de conhecimento, pelo jurisdicionado, dos riscos a que se sujeitam suas demandas, a partir da apreciação do que já foi decidido anteriormente, para que seja dotado das ferramentas hábeis a informar um prognóstico de resultado. Nesse sentido, menciona o autor:


      “Ressalto uma vez mais que a atividade jurisdicional deve proporcionar o máximo de segurança aos jurisdicionados, como sendo um valor inerente a esta atividade que é monopolizada pelo Estado. Deve proporcionar-lhes um clima adequado de máxima confiabilidade possível em suas manifestações, para que se evite a


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      1. FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 10. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 149.


      2. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudência: segurança jurídica e dever de uniformização. São Paulo: Atlas, 2003. p. 64.


      3. Ibidem, p. 65.


        preocupação – adicional, repito – de se contar com interpretações por vezes

        antagônicas acerca de um mesmo tema jurídico”16.


        Na mesma linha, Castanheira Neves menciona que a uniformização da jurisprudência “visa conseguir uma unitária estabilidade (ou fixidez) do direito, que satisfaça a segurança jurídica e garanta a certeza de uma sua unívoca aplicação”17.


        Clèmerson Clève, por sua vez, destaca a função orientadora do papel da jurisprudência voltada para a conduta tanto dos cidadãos quanto da Administração. Nesse sentido, afirma o dever de coerência jurisprudencial pelo fundamento de que “a modificação poderá projetar efeitos externos, na medida em que, por sua função inerente, é passível de orientar a conduta do Poder Público e Particulares”18.


        Daniel Mitidiero, apontando a segurança jurídica como princípio fundamental do ordenamento jurídico pátrio, destaca o papel da atividade jurisdicional para consecução e promoção de tal princípio a partir da observância aos precedentes judiciais e da prolação de uma decisão justa, a serem concomitantemente desenvolvidas. Tal é a lição do autor:


        “Do ponto de vista do Estado Constitucional, o fim do processo civil só pode ser reconduzido à tutela dos direitos mediante a prolação de uma decisão justa e a formação e respeito aos precedentes. Daí que a tutela dos direitos que deve ser promovida pelo processo tem uma dupla direção – dirige-se às partes no processo e à sociedade em geral. Os meios de que se vale o processo para obtenção desse escopo são igualmente dois: a decisão justa – acompanhada, em sendo o caso, de todas as técnicas executivas adequadas para sua efetividade – e o precedente judicial”19.


        Assim, sustenta o professor que a organização de “um discurso jurídico a partir da decisão judicial capaz de assegurar correta identificação e aplicação dos precedentes judiciais” é essencial para a unidade do Direito e para sua promoção e desenvolvimento com observância da segurança jurídica, da igualdade e da coerência20.


        Já Humberto Ávila destaca que, na conformação trinomial da segurança jurídica, o elemento de confiabilidade enseja uma força estabilizante da jurisprudência, que não pode, a princípio, ser violada21.



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      4. Ibidem, p. 68.


      5. NEVES, Antônio Castanheira. O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Editora Coimbra, 1983. p. 21.


      6. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Crédito-prêmio do IPI. Eventual mudança de orientação jurisprudencial e princípio constitucional da segurança jurídica. Revista dos Tribunais ano 94, v. 831, jan. 2005. p. 178.


      7. MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. São Paulo: RT, 2013. p. 17.


      8. Ibidem, p. 78.


      9. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 78.


        Assim, denota-se que a jurisprudência desempenha importante papel no que se refere à concretização do princípio da segurança jurídica, visto que seu papel orientador para a interpretação e a aplicação do Direito é uma forma de materialização dos elementos de estabilidade, coerência e confiabilidade.


        Passa-se, então, a uma análise do fenômeno da mudança de jurisprudência, delineando sua natureza e características.


    3. O fenômeno da mudança de jurisprudência


      Em razão da importância do papel assumido pela jurisprudência no contexto da realização do princípio da segurança jurídica, a mudança jurisprudencial torna-se um fenômeno de considerável relevância. Convém destacar que a mudança jurisprudencial não se verifica em qualquer caso em que o Poder Judiciário revê seu posicionamento. Nesse sentido, elucidativa é a lição de Humberto Ávila ao designar as situações em que efetivamente ocorre a mudança de jurisprudência: “Só se pode afirmar que há modificação de jurisprudência quando houver duas decisões contraditórias eficazes sobre a mesma matéria, assim entendidas aquelas decisões que envolvem o mesmo fundamento e a mesma situação fática”22.


      Assim, segundo o autor, é necessário que haja duas decisões conflitantes versando sobre o mesmo objeto, tendo a decisão posterior transitado em julgado com deliberação contrária à anterior. Logo, para que se constitua uma verdadeira alteração do entendimento judicial sobre a matéria, é imperativo que esta seja idêntica, de tal sorte que alterações supervenientes da situação fática ou normativa não configuram alteração de jurisprudência. Da mesma forma, a necessidade de trânsito em julgado das decisões contraditórias – como requisito de serem decisões eficazes – também diferencia a mudança de jurisprudência da mera divergência jurisprudencial23.


      Ademais, o autor também pontua que só se pode falar em mudança jurisprudencial quando o mesmo tribunal adota decisões diferentes no tempo, já tendo a decisão modificada produzido efeitos estabilizadores24. Nessa linha, por exemplo, o entendimento adotado pelo STF no sentido de que as sociedades civis deveriam arcar com as exações referentes à Cofins25, em que pese houvesse entendimento em sentido contrário por parte do STJ –


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      1. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 486.


      2. Ibidem, p. 492.


      3. Ibidem, p. 468.


      4. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 574.052, Rel. Min. Celso de Mello, j. 11.03.2008, DJe 29.05.2008.


        tendo, inclusive, sido sumulada a matéria em questão26 –, não constituiu mudança de jurisprudência, mas sim uma inovação de entendimento por Corte diversa.


        No que se refere à possibilidade da mudança de jurisprudência, por um lado, o Poder Judiciário deve observar um dever de coerência e vinculação com seus precedentes, aplicando os entendimentos previamente consolidados aos casos análogos posteriores que se apresentam. Se assim não fosse, pôr-se-ia em risco, a um só tempo, o princípio da igualdade, visto que seria possível a prolação de decisões diversas a pessoas em situações idênticas, e o princípio da segurança jurídica, uma vez que o eventual exercício de direitos feito com base na confiança da estabilidade e permanência da jurisprudência poderia ser frustrado por uma aplicação errática do Direito. Não por acaso, no dizer de Humberto Ávila, a mudança jurisprudencial provoca um déficit de confiabilidade e de calculabilidade no ordenamento jurídico27.


        Por outro lado, contudo, o Poder Judiciário é livre e independente na sua atividade de interpretação e aplicação do Direito, de modo que a mudança de entendimento e orientação é, sim, possível. Entretanto, em razão dos motivos relevantes já apontados, tal mudança não pode ser feita com liberdade absoluta. É imperativo que tal alteração, além de devidamente fundamentada, respeite e resguarde a confiança no Poder Judiciário e, em maior grau, os interesses e a confiança dos cidadãos28.


        Por exemplo, o Plenário do Supremo, em dado momento, alterou seu entendimento no tocante à competência para tramitação e julgamento de ações indenizatórias por danos decorrentes de acidentes de trabalho. Originalmente entendendo que cabia às varas da justiça comum a tramitação de tais feitos, o STF, posteriormente, dispôs que tal incumbência processual caberia à Justiça Trabalhista. No entanto, buscando evitar radicais mudanças na tramitação dos inúmeros processos já em andamento, o Supremo definiu que apenas as ações ajuizadas após o advento da EC n. 45/2004, e em cujos autos não tivesse sido proferido julgamento de mérito, deveriam ser remetidas à Justiça do Trabalho29.


        Dessa forma, tem-se que, para que ocorra o fenômeno da mudança de jurisprudência, é necessário que haja duas decisões eficazes e transitadas em julgado em momentos diversos no tempo, versando sobre o mesmo objeto e proferidas pela mesma corte julgadora, com a decisão posterior – ou modificadora – assumindo posicionamento diverso da decisão anterior – ou modificada –, sem que tenha havido nova circunstância fática ou normativa


      5. Súmula STJ 276: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário

        adotado”.


      6. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 484.


      7. TORRES, Heleno Taveira. Op. cit., p. 368.


      acerca da matéria discutida. E, uma vez ocorrendo esse fenômeno, é imprescindível que seja feita a devida fundamentação para sua realização, expondo as razões de adoção do novo entendimento em detrimento do anterior, fazendo-se necessária, ainda, a adoção de medidas de transição a fim de evitar que a mudança se opere em prejuízo daqueles que se pautavam pelo entendimento superado.


  3. O POSICIONAMENTO DO STF SOBRE A PROGRESSIVIDADE NAS ALÍQUOTAS DOS IMPOSTOS REAIS

    1. Histórico da jurisprudência do STF acerca da progressividade nos impostos reais


      Já é tradicional a classificação tipológica que separa os impostos entre pessoais – assim entendidos aqueles em que o signo presuntivo de riqueza eleito para a espécie tributária diz respeito a um elemento diretamente ligado à pessoa do contribuinte, como no caso do auferimento de renda para o IRPF – e reais – em que o signo presuntivo de riqueza eleito é referente a elementos externos ao contribuinte, em geral focando-se em sua propriedade, ou na transferência desta, como no caso do IPTU, ITBI e ITCMD.


      Embora sujeita a controvérsias, tal separação binária já é consagrada no estudo do Direito Tributário30. Além de possuir clara conveniência didática, essa classificação encontra embasamento na exegese do art. 145, § 1º, da Constituição, que dispõe:


      “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

      [...]

      § 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.


      A redação do enunciado prescritivo da Constituição levou ao questionamento sobre a aplicação da progressividade – assim entendida como a graduação majorada das alíquotas de acordo com o aumento da base de cálculo31 – apenas aos impostos pessoais, ou se seria cabível a todas as exações dessa espécie tributária – incluindo-se aí os impostos reais. De fato, o debate existente na doutrina acerca da própria pertinência da classificação binária entre os tipos de impostos contribuiu para a instalação dessa controvérsia.


      A discussão eventualmente foi levada à apreciação do Supremo por meio do RE 153.771, no qual a Corte entendeu pela inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas de IPTU


      no Município de Belo Horizonte/MG, com fundamento específico na natureza real do imposto, e na incompatibilidade desta com a progressividade, tal como se percebe pelo seguinte excerto do voto do Min. Moreira Alves:


      “Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte”32.


      Assim, o STF delineou de maneira clara seu entendimento pela separação entre os impostos pessoais e reais, bem como pela inaplicabilidade da progressividade a estes últimos. Esse posicionamento era embasado no raciocínio segundo o qual, interpretando-se o art. 145, § 1º, da Constituição, o princípio da capacidade contributiva, ao invés de permitir a aplicação de alíquotas progressivas para ensejar a tributação dos cidadãos em proporção à dimensão de

      seus signos presuntíveis de riqueza, agia justamente em sentido contrário, bloqueando essa

      progressão. Isso porque, em se tratando de imposto real, cuja base de cálculo é o valor venal do imóvel, já haveria a observância da tributação justa e proporcional dos contribuintes por meio da aplicação de alíquota única aos diferentes valores dos imóveis. Por outro lado, não seria possível presumir que a propriedade territorial urbana de valor mais elevado significaria necessariamente maior poder aquisitivo de seu proprietário, a ensejar a aplicação de uma alíquota majorada.


      Posteriormente, no julgamento do RE 167.65433, o Supremo reafirmou seu entendimento, asseverando que, no caso particular do IPTU, a única forma permissível de progressividade seria aquela de finalidade extrafiscal, prevista no art. 182, §§ 2º a 4º da Constituição.


      Contudo, foi aprovada, em seguida, a EC n. 29/2000, que veio a alterar o art. 156 da Constituição Federal, instituindo expressamente a aplicabilidade da progressividade e seletividade ao IPTU. A disposição incluída vinha em sentido colidente com a interpretação dada pelo Supremo à Constituição, o que ensejou alteração no entendimento da Corte, sem, no entanto, constituir mudança jurisprudencial, visto que se tratava de um novo parâmetro normativo.


      Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, ante a novel configuração da exegese constitucional, firmou entendimento de que as exações fiscais de IPTU às quais se atribuiu o caráter da progressividade não padeciam de inconstitucionalidade, se posteriores à EC n. 29/2000. Tal entendimento, inclusive, foi consolidado na forma da Súmula 668 do STF: “é inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional


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      1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 153.771, Rel. p/ Acórdão Min. Moreira Alves, j. 20.11.1996, DJ 05.09.1997.


      2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 167.654, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25.03.1997, DJ 18.04.1997.


        29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento

        da função social da propriedade urbana”.


        Com isso, o entendimento do Supremo não sofreu alteração substancial, mas meramente pontual. Ainda se manteve a diferenciação existente entre os postos reais e pessoais, com a progressividade sendo cabível apenas aos anteriores, salvo na hipótese de disposição constitucional específica em sentido contrário para determinado imposto real, como no caso do IPTU após o advento da EC n. 29/2000. Nesse sentido, convém transcrever excerto

        do voto do Min. Marco Aurélio no RE 586.693:


        “Para preencher o vácuo na disciplina da matéria, deu-se a edição da Emenda Constitucional n. 29/2000. De forma satisfatória, estabeleceram-se as balizas da progressividade sem que se possa cogitar, na espécie, de desarmonia do novo teor

        do preceito com o dispositivo no art. 145, § 1º do Diploma Maior – redação primitiva

        –, no que é linear a regra de os impostos terem caráter pessoal e graduação segundo certos elementos, não existindo distinção entre este ou aquele tributo, não bastasse

        – repito – a conjugação da regra geral com a espécie referente ao IPTU”34.


        O Supremo manteve-se coerente aos posicionamentos anteriormente adotados quando instado a se manifestar acerca da progressividade atribuída ao ITBI. Em consonância com a linha jurisprudencial definida, o Plenário da Corte, no julgamento do RE 234.105, entendeu pela inconstitucionalidade da referida progressividade, pontuando que o princípio da capacidade contributiva, no caso do ITBI, se implementaria a partir do preço da venda.


        Outrossim, o Plenário observou aquilo que dispusera anteriormente, sendo devido o destaque ao voto do Min. Sepúlveda Pertence:


        “[...] Creio aplicável ao caso, com mais razão, as considerações feitas por mim ao aderir ao voto do Sr. Ministro Moreira Alves no RE 153.771, relativo ao IPTU, ao entender que o art. 145, § 1º, impõe uma distinção entre impostos pessoais e não pessoais, e só quanto aos primeiros permite a graduação conforme a capacidade contributiva, que é a característica dos impostos progressivos”.


        Tal posicionamento também foi consolidado sob a forma da Súmula 656 do STF: “é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”. Portanto, houve mais uma vez a materialização e sedimentação do entendimento de que o princípio da capacidade contributiva viria a impedir a aplicação do critério da progressividade aos impostos reais.



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      3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 586.693, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.05.2011, DJe 01.06.2011.


        Assim, tem-se que, a partir da maturação do entendimento cunhado em 1996 na apreciação do RE 153.771, o Supremo fixou a posição jurisprudencial segundo a qual, interpretando-se a Constituição, seria vedada a instituição da progressividade às alíquotas dos chamados impostos reais, salvo na hipótese de haver disposição constitucional expressa em sentido diverso.


        Esse foi o contexto jurisprudencial existente no STF na época em que se apresentou o RE 562.045 para julgamento da Corte Suprema, e cujo julgamento passa a ser analisado no item a seguir.

    2. O paradigma do RE 562.045


      O RE 562.045, interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul e levado à apreciação do Supremo, versava sobre a constitucionalidade do art. 18 da Lei Estadual n. 8.821/1989, que fixava alíquotas progressivas entre 1% e 8% para o ITCMD, variando na mesma proporção do valor venal do imóvel.


      O Min. Relator, Ricardo Lewandowski, inicialmente proferiu voto em consonância com a jurisprudência estabelecida, no sentido de que a progressividade seria inaplicável ao ITCMD por se tratar de imposto real sem qualquer disposição constitucional específica que permitisse tal prática, negando provimento ao recurso.


      Após pedido de vista, o Min. Eros Grau apresentou voto divergente, fazendo-o com base no mesmo art. 145, § 1º, da Constituição, mas partindo de uma análise interpretativa diversa da que havia sido feita nos julgados anteriores. Nos termos do seu voto, o dispositivo constitucional deveria ser interpretado da seguinte forma:

      “O que a Constituição diz é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. A Constituição prescreve, afirma um dever ser: os impostos deverão ter caráter pessoal sempre que possível. E, mais, diz que os impostos, todos eles, sempre que possível, serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

      Há duas sentenças aí: (1) terem caráter pessoal e (2) serem graduados, os impostos, segundo a capacidade econômica do contribuinte. Sempre que possível. Assim devem ser os impostos”.


      Assim, entendendo que o dispositivo constitucional mencionado estabelecia comandos autônomos e simultaneamente – mas diversamente – eficazes, entendeu que a capacidade contributiva teria aplicação universal, e que a progressividade, derivando diretamente daquela, seria, por disposição constitucional, aplicável a todos os impostos. Assim, considerou que, devendo os impostos guardar relação com a capacidade contributiva dos cidadãos, e sendo o ITCMD um imposto que permite uma aferição eficiente de tal elemento, seria plenamente aplicável a progressividade.


      Tal posicionamento foi acompanhado pelos demais Ministros da Corte, com exceção do Min. Marco Aurélio, que votou no mesmo sentido do Relator. Convém destacar, nessa senda, excerto do voto da Min.ª Ellen Gracie, em que a magistrada pondera, a respeito da distinção entre impostos reais e pessoais:


      “Mas isso é apenas uma caracterização genérica, porque é perfeitamente possível que alguns impostos reais sejam pessoalizados e que alguns impostos pessoais sejam realizados. [...]

      Tais classificações assumem relevância porque se entende que os impostos ditos pessoais e subjetivos consideram com maior precisão a verdadeira capacidade do contribuinte de fazer frente ao ônus tributário.

      Isso porque passam da consideração de uma capacidade contributiva simplesmente presumida pela dimensão econômica do fato gerador para a consideração da capacidade contributiva real, aferida a partir de outros aspectos, pessoais e concretos, que dizem respeito à pessoa do contribuinte e às suas atividades. [...]

      O ITCMD permite mais do que uma simples presunção indireta da capacidade

      contributiva do contribuinte”.


      Com isso, entendeu-se por uma relativização da distinção entre impostos reais e pessoais, sendo aplicáveis os critérios progressivos de tributação, justamente porque seria possível aferir – e, por conseguinte, tributar proporcionalmente – a maior ou menor capacidade contributiva, mesmo em se tratando de impostos reais.


      O acórdão foi publicado em 27 de novembro de 2013, e o processo teve sua certificação de trânsito em julgado em 9 de dezembro de 2013.


      Assim, na última e mais recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da aplicabilidade da progressividade aos impostos reais, a Suprema Corte entendeu que, consoante o art. 145, § 1º, da Constituição, não apenas a progressividade seria aplicável a todos os impostos, como tal aplicação decorreria diretamente da eficácia do princípio da capacidade contributiva. Da mesma forma, entendeu-se, pela análise da hipótese de

      incidência do ITCMD, que o valor venal do imóvel constitui grandeza cuja variação de

      dimensão servede critério perfeitamente adequado à progressividade, por se presumir maior a capacidade contributiva dos herdeiros de quantias de valor mais elevado.


      Dessa forma, uma vez relatados os termos em que foi realizado o julgamento do RE 562.045, passa-se a uma análise de seu conteúdo para avaliar a ocorrência ou não de mudança jurisprudencial.


    3. Análise sobre a ocorrência de mudança jurisprudencial e suas consequências


      Conforme já exposto neste trabalho, a constatação sobre a ocorrência de mudança jurisprudencial depende da verificação da presença de determinados elementos. O exame a seguir demonstrará que tais requisitos são plenamente aferíveis no caso em análise.


      Com efeito, trata-se de decisão posterior, proferida pelo mesmo órgão colegiado, versando sobre o mesmo objeto, com alteração direta do entendimento anterior, que possuía caráter reiterado e pacificado sobre a matéria. Ainda, tal alteração se deu sem que houvesse o surgimento de qualquer novo elemento fático ou normativo, tendo a decisão modificadora sido proferida a partir da mesma redação do texto constitucional em que foram embasadas as decisões anteriores.


      Assim, uma vez constatada a mudança de jurisprudência, convém analisar os fundamentos e argumentos apresentados para tanto, a fim de averiguar se foi dada a devida observância tanto à inexorável necessidade de resguardar o interesse subjetivo de cidadãos especificamente vinculados e afetados pela decisão, quanto à necessidade de respeito à estabilidade do ordenamento jurídico.


      Analisando as razões apresentadas nos votos dos ministros, é possível perceber que houve clara reinterpretação dos dispositivos da Constituição. Com efeito, referindo-se ao conteúdo normativo constitucional, denota-se que a capacidade contributiva foi, antes, entendida como elemento limitador à aplicação da progressividade, e posteriormente foi compreendida como fundamento normativo justificador de tal aplicação. Com isso, atribuiu-se conteúdo normativo diametralmente oposto ao mesmo dispositivo. Tal conclusão foi obtida através do argumento segundo o qual os impostos reais não apenas permitiriam um genuíno dimensionamento da capacidade econômica e contributiva dos cidadãos, como também ensejariam, como consequência necessária de tal percepção, a majoração proporcional de alíquotas.


      Contudo, embora se trate de claro afastamento do teor interpretativo originalmente adotado, a Corte não apresentou a devida fundamentação para tal mudança. Conforme já afirmado neste estudo, não há vinculação permanente e inarredável ao teor interpretativo anteriormente adotado. No entanto, a eventual alteração deverá ser devidamente fundamentada.


      Nesse sentido, a distinção feita por Riccardo Guastini entre texto e norma, ressaltando não haver identidade entre estes, é de fundamental importância. Segundo o autor, a norma não constitui o objeto de interpretação, mas sim o resultado da atividade interpretativa. O intérprete, em sua atividade, analisa o dispositivo interpretado e realiza uma atividade de descrição e escolha de significados. A partir dessa atividade é que seria produzida e subsequentemente aplicada a norma35.



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      1. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffré, 2011. p. 65.


        Dessa forma, ao interpretar anteriormente os enunciados prescritivos do texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal deu dimensão e forma ao seu conteúdo normativo. Para se afastar de tal teor, contudo, incumbia à Corte um ônus argumentativo justificador de tal desiderato, sob pena de, sem qualquer fundamentação específica, recriar a atividade interpretativa desde sua gênese.


        Com isso, há a pura reinterpretação do dispositivo constitucional sem que qualquer fundamentação apropriada fosse apresentada como justificativa de afastamento da interpretação anterior. Com isso, o STF não se desincumbiu do ônus que lhe cabia para justificar a reconstrução da norma decorrente da interpretação do texto da Constituição.


        Além da reinterpretação dos dispositivos constitucionais, a contradição existente entre o caso em análise e a jurisprudência anteriormente sedimentada foi motivada também por uma inovação feita na avaliação da própria jurisprudência modificada.


        O histórico jurisprudencial do Supremo, invocado pelo Min. Lewandowski, foi analisado de maneira consideravelmente diversa daquela que vinha sendo feita anteriormente. Nesse sentido, convém destacar excerto do voto do Min. Ayres Brito, em que o magistrado pondera, acerca da aplicabilidade do precedente estabelecido pelo RE 153.771, em que se apreciou a progressividade do IPTU: “esta Casa de Justiça modificou sua jurisprudência para afastar a tese que serviu de primeiro fundamento daquele precedente. Passou a admitir a progressividade meramente fiscal de impostos reais”. Com isso, adota o entendimento – até então jamais manifestado expressamente em julgados anteriores – de que o STF não teria, em verdade, seguido uma linha jurisprudencial de inaplicabilidade da progressividade a impostos reais, salvo no caso de previsão constitucional expressa em sentido contrário, mas, em vez disso, de que teria revisado seu entendimento a respeito da

        própria interpretação do art. 145, § 1º, para permitir a progressividade a impostos reais de maneira geral, sem ressalvas. Tal revisão de posicionamento teria se dado a partir do advento da ECn. 29/2000.

        Essa análise, contudo, não é condizente com o teor da jurisprudência. Isso porque não havia, nos precedentes analisados, qualquer indicador de que a progressividade seria aplicável aos impostos reais. Pelo contrário, mantinha-se a regra geral de inaplicabilidade, salvo em caso de disposição específica e expressa em sentido contrário. A interpretação ora dada ao teor da jurisprudência, na verdade, inverteu o raciocínio dos precedentes, visto que transformou a exceção em regra. Com isso, reescreveu-se a história jurisprudencial do Supremo.


        Assim, percebe-se que não apenas ocorreu a mudança de jurisprudência,mas também sua ocorrência foi de maneira atécnica, visto que carente da devida justificação. Igualmente,


        além de ter havido uma alteração injustificada do entendimento já assentado pela Corte, a interpretação alteradora não cumpriu o ônus de evidenciar argumentativamente os motivos de afastamento da jurisprudência anterior, e inclusive pretendeu se embasar em tal jurisprudência, através de uma apreciação contraditória desta.


        Com isso, constata-se que há graves lesões a ambas as dimensões do princípio da segurança jurídica. A dimensão subjetiva é afetada na medida em que, em decorrência do novo entendimento interpretativo dado pelo STF ao teor das disposições constitucionais, cria-se uma situação altamente instável do ponto de vista do ordenamento jurídico, na medida em que a repentina e imotivada alteração resulta na incerteza quanto ao efetivo posicionamento do Tribunal sobre o tema, e, por via de consequência, sobre o conteúdo normativo da Constituição.


        É de se indagar, diante disso, quais seriam as consequências decorrentes da decisão tomada pelo Supremo. É patente que a nova orientação adotada pelo STF não pode ser ignorada ou desobedecida, justamente pela força condutiva e dirigente que inerentemente possui. Dessa forma, tem-se como adequada a adoção de medidas voltadas à adaptação e transição para o novo paradigma jurisprudencial formado, entre as quais se destaca a modulação de efeitos prevista no art. 27 da Lei n. 9.868/1999.


        Com efeito, Misabel Derzi pondera que, muito embora as decisões proferidas pelo Supremo sejam, como regra, dotadas de eficácia retroativa em seus efeitos sobre o conjunto normativo analisado, a situação específica de mudança jurisprudencial prejudicial ao contribuinte demanda a inversão dessa regra por meio da adoção da modulação de efeitos como medida padrão36. A racionalidade por trás dessa afirmação é explicada pela autora em uma comparação da mudança jurisprudencial com o advento de nova lei que revoga lei anterior: sua força vinculativa e poder condutor são inegáveis, mas igualmente devem ser observados os preceitos de respeito ao cidadão-contribuinte com relação aos efeitos de suas condutas passadas37.


        De fato, o próprio STF cogitou a modulação de efeitos em situações em que se constatava a adoção de linha jurisprudencial divergente de paradigma anterior. O já mencionado caso da incidência da Cofins sobre sociedades civis envolveu, após o julgamento de mérito, a deliberação sobre a realização ou não da modulação de efeitos. Naquela ocasião o Plenário da Corte formou maioria pelo indeferimento da medida, reputando inexistente qualquer inovação de posicionamento, em que pese fosse a primeira manifestação daquele colegiado sobre o tema, e estivesse sendo afastada linha jurisprudencial consolidada pelo STJ.


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      2. DERZI, Misabel. Modificações da jurisprudência no Direito Tributário: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. p. 574.


      3. DERZI, Misabel. Op. cit., 2009, p. 550.


        Importante reiterar, entretanto, que tal situação não configurou, per se, autêntica hipótese de mudança de jurisprudência, conforme já se expôs neste estudo.


        No caso da progressividade dos impostos reais, todavia, teria sido, sim, adequada a adoção da modulação de efeitos como medida voltada a preservar os contribuintes dos possíveis efeitos deletérios da pretensão fiscal antes tida como indevida pelo próprio Supremo, e agora compreendida como permissível. Tal hipótese, contudo, sequer foi cogitada ou apreciada pela Corte.


        Nesse sentido, o STF descumpriu aquela que é considerada, de maneira geral, sua função institucional precípua: a guarda da Constituição, que, no controle difuso de constitucionalidade, se faz através da uniformização da jurisprudência sobre matéria de ordem constitucional. Tal descumprimento se materializa através da mencionada incerteza que advém da nova interpretação adotada pela Corte.


        Com efeito, a doutrina brasileira, informada por anos de jurisprudência sólida por parte do Supremo, adotou a postura dos julgamentos como certa, incorporando a interpretação constitucional em sua elaboração e produção científica. Nesse sentido, destaca-se, a título ilustrativo, a análise feita por Leandro Paulsen acerca da aplicabilidade da progressividade aos impostos reais: a partir de uma retrospectiva voltada a cada uma das exações de tal categoria, a conclusão, informada pela reiterada posição do STF, foi pela incompatibilidade

        entre tais elementos, anteriormente ao julgamento do RE 562.04538. A despeito dessa menção específica, cabe apontar que esse entendimento foi adotado e reproduzido por diversos autores, em razão da expressa orientação histórica do Supremo39.

        De fato, considerando que significativa parcela da produção doutrinária já reproduzia o entendimento tradicional da Corte, seguindo sua linha interpretativa e pautando-se em seus pronunciamentos, a nova inteligência do STF trouxe instabilidade à segurança jurídica também do ponto de vista da segurança da doutrina, visto que, a partir desse novo posicionamento, pôs-se em xeque a interpretação adotada pela maior parte dos autores acerca das características gerais de toda uma classe de impostos. A propósito da segurança jurídica voltada especificamente para a doutrina, Humberto Ávila menciona que se trata de segurança jurídica “não relativamente ao Direito, mas referentemente ao modo como ele é tratado. A segurança jurídica, nesse aspecto, verte sobre os enunciados descritivo- explicativos ou reconstrutivos que compõem a metalinguagem doutrinária”40.


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      4. PAULSEN, Leandro. Impostos federais, estaduais e municipais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 337.


      5. Exemplificativamente: BATISTA, Clayton Rafael. É possível a progressividade de alíquotas no ITCMD? Revista Dialética de Direito Tributário n. 132, p. 40-47, São Paulo, set. 2006; SANTOS, Ramon Tomazela. O sigilo bancário e a mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – análise crítica da decisão proferida no Recurso Extraordinário n. 389.808 e seus efeitos perante terceiros. Revista Dialética de Direito Tributário n. 194, p. 110-120, São Paulo, nov. 2011; e SILVA, Raphael Teixeira da. Constitucionalidade das alíquotas progressivas de ITCD face ao princípio da capacidade contributiva: o Recurso Extraordinário n. 562.045. Revista Dialética de Direito Tributário n. 222, p. 93-102, São Paulo, mar. 2014.


      6. ÁVILA, Humberto. Op. cit., 2016, p. 163.


      Assim, fica evidente que, por um lado, efetivamente ocorreu a modificação de jurisprudência praticada pelo STF, e que, por outro, tal modificação, por ter se dado sem a observância de fundamentações específicas claras para justificá-la, tem como consequência uma lesão ao princípio da segurança jurídica, em razão da instabilidade institucional acarretada pela incerteza gerada sobre o conteúdo normativo da Constituição.


  4. CONCLUSÃO

A análise realizada neste estudo se prestou a averiguar a ocorrência da mudança jurisprudencial no que se refere ao entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicabilidade do critério de progressividade aos impostos de natureza real. Para isso, partiu-se de um exame do conteúdo normativo do princípio da segurança jurídica – particularmente do papel desempenhado pela jurisprudência na sua realização – e do fenômeno da mudança jurisprudencial para, cotejando o entendimento histórico adotado pelo Supremo em confronto com sua posição recentemente adotada no julgamento do

RE 562.045, aferir a ocorrência da alteração de orientação pelo Supremo.


A partir disso, viu-se que a segurança jurídica é autêntico sobreprincípio jurídico que embasa e instrumentaliza os demais princípios, haja vista se tratar de verdadeiro pressuposto de formação do Estado Democrático de Direito. Sua força normativa irradia em diversos sentidos, mormente no tocante aos seus efeitos garantidores de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade, seja num aspecto subjetivo – referente à segurança jurídica pela ótica individual do particular – ou objetivo – referente à segurança jurídica do próprio ordenamento jurídico.


Nesse contexto, a produção jurisprudencial desempenha papel essencial para a implementação da segurança jurídica, na medida em que sua função orientadora aos operadores do Direito contribuirá para uma situação de coesão e uniformidade na interpretação e aplicação deste. Ademais, a função interpretativa que compete ao Judiciário inerentemente servirá de referencial futuro para casos posteriores, e esse referencial será tão forte quanto a uniformidade dada ao entendimento e a importância atribuída à função institucional da Corte interpretadora.


Nesse sentido, a mudança de jurisprudência ocorre quando uma determinada Corte produz duas decisões eficazes sobre a mesma matéria, revendo posicionamento anteriormente produzido por ela mesma – diferenciando-se, portanto, da divergência jurisprudencial – com base nos mesmos elementos de fato e de direito que existiam quando da formação de seu entendimento anterior, mas após o assentamento temporal da decisão modificada – diferenciando-se, portanto, da alteração por inovação normativa ou fática. A mudança de jurisprudência, embora seja possível, é desaconselhável, visto que causa uma ruptura na

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integridade e estabilidade do ordenamento jurídico, e sua ocorrência sempre é acompanhada de um ônus argumentativo para a Corte que o pratica, a fim de justificar a adoção da nova orientação.


A respeito do ponto particular da aplicação do elemento da progressividade aos chamados impostos reais, o STF possui o entendimento histórico – aplicado durante vários anos ao IPTU e ITBI – segundo o qual seria inadequada tal aplicação, uma vez que a propriedade de imóveis em valores diversos não daria ensejo à presunção de maior capacidade econômica do proprietário. Dessa forma, uma vez que a base de cálculo de tais impostos é o valor venal do imóvel, já haveria a tributação proporcional dos contribuintes por meio da aplicação de alíquota única aos diferentes valores imobiliários. Assim, a interpretação feita ao art. 145,

§ 1º, da CF foi no sentido de que o princípio da capacidade contributiva, ao invés de permitir, vinha a vedar a progressividade dos impostos reais, em razão de sua natureza.

Contudo, no julgamento do RE 562.045, o STF entendeu pela constitucionalidade da progressividade do ITCMD, explicitando, em sua fundamentação colegiada, que não apenas o art. 145, § 1º, da CF determinaria a aplicação da progressividade a todos os impostos, mas também que tal aplicação decorreria diretamente do princípio da capacidade contributiva.

Da mesma forma, entendeuse que o valor venal do imóvel constituiria grandeza econômica

cuja variação ensejaria a presunção de maior capacidade contributiva dos proprietários e herdeiros de imóveis de valor mais elevado, a justificar a criação de faixas de alíquotas variáveis.


Percebe-se, assim, a ocorrência de mudança jurisprudencial, uma vez que o Supremo produziu decisões eficazes e contraditórias com base nos mesmos fundamentos fáticos e jurídicos – a saber, a aplicação da progressividade aos impostos reais. Tal alteração, ainda, se deu sem a necessária observância do ônus argumentativo de fundamentação expressa da alteração realizada, visto que a nova decisão se limitou a extrair conteúdo normativo diverso dos mesmos dispositivos constitucionais analisados originalmente.


Em que pese a mudança realizada demandar a adoção de medidas de transição entre os posicionamentos da Corte, sobretudo a modulação de efeitos prevista no art. 27 da Lei n. 9.868/1999, verifica-se que o Supremo não tomou as providências institucionais para evitar que a mudança se operasse em prejuízo daqueles que se pautavam pelo entendimento superado.


Assim, constatando a ocorrência da mudança de jurisprudência de forma injustificada e não embasada, e tampouco sendo tomadas providências para resguardar as situações jurídicas antecedentes, percebe-se o déficit ocorrido na integridade do Direito e a lesão causada ao princípio da segurança jurídica em seu sentido objetivo, visto que a ruptura injustificada com o histórico posicionamento jurisprudencial anterior causou instabilidade e incerteza quanto ao teor normativo da Constituição, e, por consequência, à integridade


do próprio ordenamento jurídico. Com efeito, a própria ausência da devida motivação e justificação específica sobre a mudança jurisprudencial ocasionou tal insegurança.


Assim, dezessete anos de jurisprudência consolidada e reiterada a respeito de uma matéria de Direito Tributário foram desprezados no julgamento do RE 562.045, em que se adotou novo posicionamento em sentido inverso, ensejando um movimento de alteração legislativa por parte dos Estados da Federação, que passaram, em sua maioria, a adotar a

progressividade de alíquotas para o ITCMD – tanto para a hipótese de doações quanto para

a hipótese de transmissão causa mortis –, em absoluta dissonância com o que sistematicamente havia sido decidido anteriormente.


Assim, o caso analisado neste estudo, concernente à progressividade de impostos reais, para além de seus próprios efeitos, ilustra a incerteza que paira sobre decisões proferidas pelo Supremo. Há uma insegurança decorrente do risco de mudanças injustificadas em suas posições, visto que a existência de pronunciamento sobre uma dada matéria, ainda que reiterado e consolidado pela passagem do tempo, não impede a alteração repentina e injustificada do entendimento originalmente adotado.


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