EMENDA CONSTITUCIONAL N. 103, DE 2019, E OS LIMITES DO PODER REGULAMENTAR

CONSTITUTIONAL AMENDMENT NO. 103, 2019, AND THE LIMITS OF REGULATORY POWER


Leonardo Aguirra de Andrade


Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. LLM em Direito Tributário Internacional pela Georgetown University. Advogado em São Paulo. E-mail: leonardo.andrade@andrademaia.com


Recebido em: 17-09-2020

Aprovado em: 16-11-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-11


RESUMO


O presente estudo tem por objetivo analisar a aplicação do princípio da legalidade à majoração da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), promovida pelo art. 32 da Emenda Constitucional (EC) n. 103, de 12 de novembro de 2019, e regulamentada pelas Instruções Normativas RFB n. 1.925, de 19 de fevereiro de 2020, e n. 1.942, de 27 de abril de 2020.

PALAVRAS-CHAVE: LEGALIDADE, PODER REGULAMENTAR, CSLL


ABSTRACT


This study aims to analyze the application of the principles of legality to the increase in the Social Contribution on Net Income (CSLL) rate, promoted by art. 32 of Constitutional Amendment (EC) No. 103, dated 11.19.2019, and regulated by Normative Instruction No. 1.925, dated 02.19.2020, and No. 1.942, dated 04.27.2020, issued by Brazilian tax authorities.

KEYWORDS: LEGALITY, REGULATORY AUTHORITY, SOCIAL CONTRIBUTION ON NET INCOME


  1. INTRODUÇÃO

    A majoração, de 15 para 20%, da alíquota da CSLL, para instituições financeiras1, efetivada pelo art. 32 da EC n. 103/2019 possibilita alguns debates a respeito dos limites do poder


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    1. Nos termos do art. 32 da EC n. 103/2019, a alíquota de 20% tem aplicação para “pessoas jurídicas referidas no inciso I do § 1 º do art. 1º da

      Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001”. Por sua vez, o art. 1º, § 1º, da Lei Complementar n. 105/2001, relaciona as seguintes


      regulamentar e das regras para a caracterização da suficiência normativa, em sede de lei (em sentido estrito), para a regulamentação de um aumento de tributo.


      Isso porque a regulamentação insuficiente dada pela EC n. 103/2019 ao tema deixou de lado a definição acerca (i) da maneira como deveria ocorrer a aplicação proporcional da nova e da antiga alíquotas de CSLL e (ii) dos parâmetros que deveriam ser utilizados para a quantificação das respectivas bases de cálculo, relativamente ao período protegido pela regra da anterioridade nonagesimal e ao período não atingido por essa regra.


      Nesse sentido, o art. 36 da EC n. 103/2019 estabeleceu o início da vigência da alíquota majorada de CSLL em 1 de março de 2020, de modo que para o mesmo exercício (trimestral ou anual) existem possíveis duas alíquotas de CSLL de 2020, uma vez que: (i) os meses de janeiro e fevereiro de 2020 estavam abarcados pelo período de vigência da alíquota de 15% (art. 3º da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988); e (ii) o período a partir do mês de março de 2020 estava contemplado pela nova alíquota de 20%.


      Diante disso, surgem algumas dúvidas: (i) qual é a alíquota de CSLL aplicável ao primeiro trimestre de 2020 para os contribuintes sujeitos ao regime do lucro real trimestral (20% sobre todo o trimestre ou apuração proporcional)? (ii) como realizar o cálculo do cômputo das estimativas de CSLL dos meses de janeiro e fevereiro de 2020 no ajuste anual para os contribuintes submetidos ao regime do lucro real anual (20% sobre todo o ano ou apuração proporcional)? Ademais, adotando uma apuração proporcional, restava a incerteza de como efetuar o respectivo cálculo.


      Tais dúvidas decorriam do fato de que a EC n. 103/2019 foi silente em relação a esses aspectos e não foi editada uma lei ordinária sobre o tema.


      A definição do cálculo proporcional foi efetuada apenas por norma infralegal, vale dizer, pela Instrução Normativa RFB n. 1.942, de 27 de abril de 2020, o que deve suscitar uma discussão em relação ao grau de suficiência normativa de uma lei para que seja observada a legalidade tributária à luz do art. 97, II e IV, do Código Tributário Nacional, e ao art. 150, I, da Constituição Federal de 1988.


      Cabe questionar qual foi o papel da Instrução Normativa RFB n. 1.942/2020 nesse cenário: tratou-se de norma (i) meramente interpretativa, ou (ii) uma complementação necessária, essencial para definir os parâmetros de apuração da CSLL nessa hipótese?


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      empresas como sendo “instituições financeiras”: I – os bancos de qualquer espécie; II – distribuidoras de valores mobiliários; III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários; IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos; V – sociedades de crédito imobiliário; VI – administradoras de cartões de crédito; VII – sociedades de arrendamento mercantil; VIII – administradoras de mercado de balcão organizado; IX – cooperativas de crédito; X – associações de poupança e empréstimo; XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros; XII – entidades de liquidação e compensação; XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.


      O tema, portanto, se mostra importante, porque, na hipótese de se considerar que se tratou de uma complementação indispensável, poder-se-ia sustentar que a EC n. 103/2019 somente seria aplicável em relação aos períodos nos quais as regras ilegalmente editadas pela Instrução Normativa RFB n. 1.942/2020 não se fizerem mais necessárias, reconhecendo-se a invalidade das determinações decorrentes do exercício ilegal de um poder regulamentar.


      Essas são as questões examinadas no presente artigo2.


  2. CONTEXTO E CONTEÚDO DA NORMA REGULAMENTAR AVALIADA

    Quando da edição da EC n. 103/2019, as instituições financeiras estavam obrigadas a apurar os seus débitos de CSLL, à alíquota de 15% (quinze por cento), conforme o art. 3º, inciso I, da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988 (com redação dada pela Lei n. 13.169, de 6 de outubro de 2015)3.


    O art. 32 da EC n. 103/2019 majorou a alíquota de CSLL, devida pelas instituições financeiras, de 15 para 20%, e o seu art. 36 estabeleceu que tal majoração entrou em vigor “no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data de publicação” daquela EC, isto é, a nova alíquota passaria vigorar a partir de 1 de março de 20204.


    Não há nada mais no texto da EC a respeito da majoração de alíquota em questão.


    Do ponto de vista da regularidade do art. 36 da EC n. 103/2019 (que definiu o momento em que a norma entrou em vigor), não parece haver alguma irregularidade, tendo em vista que foi observada a anterioridade nonagesimal, para fins do aumento de uma contribuição social, conforme o art. 195, § 6º, da Constituição Federal5.


    Em um primeiro momento, o art. 36 da EC n. 103/2019 foi regulamentado pela Instrução Normativa RFB n. 1925, de 19 de fevereiro de 2020. Entretanto, nada foi dito nessa norma a



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    1. Não se discute neste artigo a constitucionalidade do aumento da alíquota da CSLL – temas das Ações Diretas de Inconstitucionalidade

      n. 4.101 (acerca do aumento de 9% para 15%, instituído pela Lei n. 11.727, de 23 de junho de 2008) e n. 5.485 (que trata do aumento de 15% para 20% no período compreendido entre 1º de setembro de 2015 e 31 de dezembro de 2018, conforme previsto na Lei n. 13.169/2015), e sim apenas a aplicação dos princípios da legalidade, da anterioridade nonagesimal e da irretroatividade à majoração de alíquota de CSLL promovida pela EC n. 103/2019.


    2. Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988 (com redação dada pela Lei n. 13.169, de 6 de outubro de 2015):

      “Art. 3º A alíquota da contribuição é de: I – 20% (vinte por cento), no período compreendido entre 1º de setembro de 2015 e 31 de dezembro de 2018, e 15% (quinze por cento) a partir de 1º de janeiro de 2019, no caso das pessoas jurídicas de seguros privados, das de capitalização e das referidas nos incisos I a VII e X do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001;”


    3. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019:

      “Art. 32. Até que entre em vigor lei que disponha sobre a alíquota da contribuição de que trata a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, esta será de 20% (vinte por cento) no caso das pessoas jurídicas referidas no inciso I do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001.

      [...]

      Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:

      I – no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data de publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos arts. 11, 28

      e 32;”

    4. Constituição Federal. “Art. 195 [...] § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.” (Destacou- se)


      respeito dos critérios de apuração das bases de cálculo de CSLL conforme as diferentes alíquotas (15% e 20%) aplicáveis no período.


      Essa regulamentação foi alterada dois meses depois, quando a Instrução Normativa RFB

      n. 1.942/2020 criou os parâmetros de apuração proporcional da CSLL, de acordo com dois modelos alternativos:

      Primeiro modelo: apuração proporcional

      1. no regime trimestral (§ 1º do art. 30-A da Instrução Normativa n. 1.942/2020):

        1. calcula-se a proporção entre o total de receita bruta do mês de março e o total da receita bruta do trimestre;

        2. aplica-se a proporção apurada no item (i) acima sobre o resultado ajustado do período, chegando à base de cálculo proporcional da nova CSLL;

        3. aplica-se a alíquota de 5% sobre a base de cálculo proporcional da nova CSLL; e

        4. soma-se a CSLL proporcional, quantificada no item (iii) acima, ao valor apurado de CSLL como se não tivesse havido aumento (15% sobre o resultado ajustado no trimestre).

      2. no regime anual (§ 1º do art. 30-B e art. 30-C da Instrução Normativa n. 1.942/2020):

      1. calcula-se a proporção entre o total da receita bruta entre 1 de março de 2020 até o final do exercício e o total da receita bruta de todo o ano-calendário;

      2. aplica-se a proporção apurada no item (i) acima sobre o resultado ajustado do período, chegando à base de cálculo proporcional da nova CSLL;

      3. aplica-se a alíquota de 5% sobre a base de cálculo proporcional da nova CSLL; e

      4. soma-se a CSLL proporcional, indicada no item (iii) acima, ao valor apurado de CSLL como se não tivesse havido aumento (15% sobre o resultado ajustado trimestre).

      Segundo modelo: apuração pela diferença

      1. no regime trimestral (§ 2º do art. 30-A da Instrução Normativa n. 1.942/2020):

        1. apura-se o resultado ajustado relativo aos meses de janeiro e fevereiro de 2020;

        2. calcula-se a diferença entre o resultado ajustado do primeiro trimestre de 2020 e o montante apurado no item (i) acima;

        3. aplica-se a alíquota de 5% sobre o valor apurado no item (ii) acima, caso ele seja positivo; e

        4. soma-se o montante obtido no item (iii) acima ao valor apurado de CSLL como se não tivesse havido aumento (15% sobre o resultado ajustado no trimestre).

      2. no regime anual (§ 2º do art. 30-B da Instrução Normativa n. 1.942/2020):

      1. apura-se o resultado ajustado relativo aos meses de janeiro e fevereiro de 2020;

      2. calcula-se a diferença entre o resultado ajustado do ano de 2020 e o montante apurado no item (i) acima;

      3. aplica-se a alíquota de 5% sobre o valor apurado no item (ii) acima, caso ele seja positivo;


      4. soma-se o montante obtido no item (iii) acima ao valor apurado de CSLL como se não tivesse havido aumento (15% sobre o resultado ajustado anual).


      Como se vê, as regras criadas pela Instrução Normativa n. 1.942/2020 objetivam implementar uma apuração proporcional da CSLL, partindo-se da premissa de que os meses de janeiro e fevereiro de 2020 estavam sujeitos à alíquota de 15% e os demais meses estavam submetidos à alíquota de 20%. Para facilitar a visualização didática da situação fática em exame, apresenta-se a seguinte ilustração:


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      A particularidade da norma regulamentar em questão está relacionada, como dito acima, com a insuficiência normativa da disciplina dada à nova alíquota de CSLL6 e com a superação dessa insuficiência por meio de uma norma infralegal.


      Por um lado, poder-se-ia dizer que a Receita Federal buscou interpretar e viabilizar a aplicação da regra da anterioridade nonagesimal à cobrança da CSLL sob a nova alíquota de 20%, disponibilizando ao contribuinte dois modelos alternativos, sem prejudicá-lo do ponto de vista de majoração de tributo, além do que foi instituído pela EC n. 103/2019.


      Por outro lado, caberia avaliar se a regulamentação dada pela Instrução Normativa n. 1.942/2020 contraria em alguma medida a legalidade tributária à luz do art. 97, II e IV, do CTN, tendo em vista a insuficiência normativa do aumento da CSLL no plano legal.



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    5. Essa particularidade não é propriamente uma novidade em matéria de alíquota de CSLL para instituições financeiras, na medida em que, nas majorações de alíquota de CSLL anteriores (Lei n. 11.727/2008 e Lei n. 13.169/2015), o tema poderia ter sido igualmente suscitado. O elemento novo, no caso da EC n. 109/2019, refere-se ao fato de o prazo da anterioridade nonagesimal ter se iniciado em um ano (de 2019) e terminado em outro ano (de 2020). De todo modo, mesmo não sendo uma novidade, a investigação teórica se justifica, dada a relevância da aplicação do princípio da legalidade diante da situação concreta objeto da EC n. 103/2019.


      É o que se passa a analisar a seguir.


  3. LIMITES DO PODER REGULAMENTAR À LUZ DA LEGALIDADE

    O art. 97, II e IV, do Código Tributário Nacional, que especifica em matéria tributária o princípio da legalidade (tutelado no art. 150, I, da Constituição Federal), deixa claro que a majoração e a definição de alíquota e base de cálculo de tributos é matéria reserva à lei em sentido estrito7.


    Tratando da aplicação da legalidade às contribuições sociais (gênero do qual a CSLL em questão é espécie), o Professor Paulo Ayres Barreto ensina que “todos os critérios conformadores da regra-matriz de incidência tributária”, o que contempla os parâmetros para apuração do tributo, devem constar de lei:


    “As contribuições estão submetidas ao princípio da estrita legalidade. A lei instituidora de contribuição deve permitir a precisa identificação de todos os critérios conformadores da regra-matriz de incidência tributária. Deve também refletir os motivos que deram ensejo à sua criação e à sua finalidade, de forma a possibilitar o exame de necessidade e adequação da nova exigência, bem como vincular o destino da arrecadação.”8 (Destacou-se)


    Em trabalho específico sobre os limites da competência regulamentar, Paulo Arthur Koury é enfático ao sustentar que, na hipótese em que há majoração de carga tributária, a lei deve “densificar, ao máximo, o conteúdo desse dever”:


    “Primeiramente, deflui da circunstância de ser a possibilidade do exercício da função de fixação de alíquotas por regulamento um amoldamento específico do vetor de densificação de dever de legalidade positiva em sede tributária, que essa função somente poderá ser exercida nos casos em que estiver prevista, expressamente, na Constituição. É dizer, para que um ato regulamentar possa fixar alíquotas de um tributo, agravando a posição do destinatário da norma (contribuinte), será necessário expresso permissivo constitucional que excepcione o art. 150, I, da CF/88. Fora dessas hipóteses, incidirá a legalidade tributária em sua dupla vetorização, a determinar que a cadeia semântica de positivação do dever seja iniciada em lei, que densifique, ao máximo, o conteúdo desse dever. Dessa forma, exigir-se-á que os conceitos numéricos, como as alíquotas, sejam determinados em sede legal.”9 (Destacou-se)


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    1. Código Tribunal Nacional: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: [...] II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; [...] IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;”


    2. BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 122.


    3. KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 217.


      As reflexões de Paulo Arthur Koury são bastante interessantes e oportunas para se questionar qual grau de densificação legal em matéria de aumento de tributos atende o princípio da legalidade. Nesse ponto, Koury sustenta que deve ser exigida da lei tributária uma “maior determinação do vetor de densificação legal”, ou seja, uma especificação máxima dos aspectos da incidência tributária, na hipótese de criação ou aumento de tributo, por força de determinação constitucional cogente10.


      Partindo-se da premissa de que a lei pode especificar os parâmetros da hipótese de incidência da norma tributária com diferentes graus de detalhamento e, ainda, utilizando conceitos mais ou menos determinados, questiona-se qual seria o critério para definir se uma lei ordinária (ou uma emenda constitucional, como no caso da EC n. 103/2019) observou, ou não, o limite mínimo de densificação normativa imposto pela legalidade tributária.


      Por um lado, é lúcida a lição de Ricardo Lobo Torres no sentido de que a indeterminação é um atributo inerente à linguagem, que, em uma acepção jurídica, demanda do seu aplicador a busca de juízos de legalidade11. Entretanto, por outro lado, os textos legais devem passar por um juízo de suficiência, a fim de se investigar (i) se os conceitos empregados não poderiam ter sido construídos de maneira mais precisa, e (ii) em quais situações uma maior precisão é mandatória12.


      Canotilho ensina que a “exigência de densidade suficiente na regulamentação” é um elemento intrínseco ao “princípio da determinabilidade das leis” e teria três funções distintas: (i) alicerçar as posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (ii) delimitar a atuação da Administração Pública; e (iii) viabilizar a fiscalização da legalidade e da defesa dos direitos e interesses dos particulares13.


      A suficiência de densificação legal não é uma questão de tudo ou nada, mas da indicação de um grau de suficiência válido, conforme a construção argumentativa da sua justificação, a partir da ponderação de princípios e valores constitucionais. Nessa ponderação, terá peso significativo, de um lado, a tutela da segurança jurídica, a exigir uma maior densificação



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    4. KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 63.


    5. TORRES, Ricardo Lobo. Legalidade tributária e riscos sociais. Revista Dialética de Direito Tributário n. 59. São Paulo: Dialética, 2000, p. 95-112 (105); RIBEIRO, Ricardo Lodi. A segurança jurídica do contribuinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 32-33.


    6. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 291: “Vale, aqui, a razoabilidade, raciocínio jurídico que leva a dizer que somente se aceita a cláusula geral ou o conceito indeterminado quando o legislador não teria um modo mais preciso de descrever a hipótese tributária ao mesmo tempo em que se verifica que a rigidez do legislador poderia afastar a lei de seu objetivo. A pergunta que se imporá ao aplicador da lei será: poderia o legislador ter agido de outro modo? Ou, ainda: é razoável esperar que o legislador seja ainda mais preciso para descrever a situação tributável? Finalmente: tendo em vista a flexibilidade do cenário econômico, a norma teria igual efeito se fosse mais rígida? Claro que aqui, como em vários campos do Direito, a resposta dependerá de cada caso concreto.”


    7. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 258.


      normativa, e, outro lado, os princípios da Ordem Econômica, em prol da maior agilidade e versatilidade na atuação da Administração Tributária14.


      A respeito da segurança jurídica como fundamento subjacente à tutela da legalidade tributária, o Professor Humberto Ávila leciona que a exigência de lei prévia à instituição ou majoração de tributo é instrumento da promoção dos ideais de confiabilidade e de previsibilidade na ordem jurídico-tributária. Nesse sentido, exige-se a previsão, no plano legal, dos parâmetros da incidência tributária de modo a favorecer: (i) a sua inteligibilidade, possibilitando ao contribuinte conhecer todos aspectos materiais pertinentes à aplicação das normas a que ele deve obedecer; (ii) a sua confiabilidade, de modo contribuir para a sua estabilidade, a partir da premissa de que as normas legais somente serão modificadas por outras normas legais; e (iii) a sua calculabilidade, facilitando a previsibilidade do contribuinte quanto à apuração de obrigações tributárias futuras15.

      Os vetores da densidade suficiente da lei tributária que apontam para exigência de clareza, acessibilidade cognitiva e inteligibilidade contribuem para a delimitação do grau de suficiência da função certeza no Direito Tributário, a fim de permitir o alcance cognitivo ao conteúdo normativo da lei tributária pelo contribuinte, pelos entes tributantes e pelos aplicadores da lei16.


      No âmbito tributário, tais vetores têm como pressuposto a previsão, em lei (em sentido estrito), de maneira suficientemente completa, dos parâmetros normativos definidos em lei complementar, conforme o art. 97 do CTN. Portanto, o art. 97 do CTN não apenas estabelece o rol de aspectos da regra matriz de incidência que devem, necessariamente, ser previstos em lei, mas também delimitam os critérios que compõem a inteligibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade nas leis tributárias.


      Caso a lei tenha previsões insuficientes em relação a aspectos imprescindíveis para garantir a compreensão do conteúdo e da quantificação da obrigação tributária, ela deve ser considerada uma lei incompleta, não podendo ser complementada por meio do exercício do poder regulamentar em relação a matérias reservadas à lei. Nesse sentido, destaca-se a lição de Leandro Paulsen:


      “A conclusão, pois, sobre ser ou não completa a norma tributária impositiva estabelecida por lei, depende da possibilidade de se determinar os seus diversos aspectos independentemente de complementação normativa infralegal, ainda que mediante análise mais cuidadosa do texto da lei e da consideração do tipo de fato


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    8. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 318.


    9. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 5. ed. São Paulo: Malh eiros, 2019, p. 253.


    10. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 265-266.


      gerador, da competência do ente tributante e dos demais elementos de que se disponha. Em não sendo possível em face da ausência de dados que não possam ser supridos pelo trabalho do intérprete e aplicador sem que tenha de integrar a norma tributária com critérios fornecidos pelo Executivo e que relevem delegação vedada de competência normativa, teremos evidenciado trata-se de norma incompleta. Tudo porque, neste caso, a lei não terá efetivamente instituído o tributo, por insuficiência sua, deixando de ensejar ao contribuinte a certeza quanto ao surgimento ou quanto ao conteúdo da obrigação tributária principal de pagar tributo.”17


      Essas considerações fortalecem a conclusão de que a legalidade tributária deve servir de ferramenta para, dentre outros, garantir ao contribuinte (i) a melhor compreensão das normas tributárias que irão afetar o seu patrimônio, e (ii) a confiança de que o Poder Legislativo deve estabelecer, em lei, todos os parâmetros necessários e suficientes para se chegar à referida compreensão, exigindo da lei tributária uma densificação normativa que atinja esse objetivo, inclusive para fins da apuração das obrigações tributárias que deverão ser liquidadas.


      Por um lado, a densificação normativa de uma lei tributária que, dada a sua insuficiência, não permita o atendimento dessas finalidades deve implicar a invalidade dessa lei, em razão da sua contrariedade às regras de legalidade tributária (art. 97 do CTN, e art. 150, I, da Constituição Federal).


      Por outro lado, a exigência de densificação normativa contribui para definir os limites do poder regulamentar, que, dessa maneira, pode ser exercido exclusivamente para especificar e detalhar a aplicação das normas tributárias em relação aos aspectos não previstos no art. 97 do CTN (tais como, por exemplo, questões formais e prazo de pagamento).


      Tal poder regulamentar deve respeitar, portanto, os limites dos critérios definidos em lei, partindo do pressuposto de que o conteúdo essencial de todos os parâmetros da regra- matriz da incidência tributária já está prescrito em lei, o que se pode extrair da interpretação sistemática dos arts. 97 e 99 do CTN18.


      A contrário senso, não deve ser admitido o exercício de poder regulamentar para disciplinar os aspectos da regra-matriz da incidência tributária – especificados no art. 97 do CTN – não previstos em lei. Essa desautorização se aplica seja no caso de uma lei impropriamente silente ou com disciplina insuficiente, seja na hipótese em que a lei, indevidamente, atribui ao Poder Executivo a regulamentação de algum dos aspectos indicados no art. 97 do CTN



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    11. PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 102.


    12. Código Tribunal Nacional: “Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.”


      (não excepcionados na Constituição Federal, tais como as hipóteses do art. 153, § 1º, e do art. 177, § 4º, inciso I)19.


      Essas ponderações são essenciais para o exame da regulamentação da EC n. 103/2019 pela Instrução Normativa n. 1.942/2020.


  4. A EC N. 103/2019 E A INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 1.942/2020 À LUZ DA LEGALIDADE

    A regulamentação do art. 32 da EC n. 103/2019 não atende, suficientemente, a exigência de densificação normativa em matéria tributária.


    Primeiramente, cabe destacar que a majoração de alíquota da CSLL em questão foi editada por meio de uma emenda constitucional, para alterar uma lei ordinária (Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988 (com redação dada pela Lei n. 13.169, de 6 de outubro de 2015)20.

    Embora formalmente elevada ao plano constitucional, o art. 32 da EC n. 103/2019, substancialmente, tem função de lei ordinária, na medida que exerce o papel de lei em sentido estrito, ao tratar da alíquota de tributo, conforme o art. 97 do CTN.


    Consequentemente, as omissões dos arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019, em relação aos aspectos necessários à quantificação dos débitos de CSLL, sob a alíquota de 20%, deveriam ter sido sanadas no plano das leis ordinárias.


    Nesse ponto, é oportuno recordar que a jurisprudência da Suprema Corte e a doutrina sinalizam para a desnecessidade de lei complementar para regulamentar as contribuições sociais já previstas na Constituição Federal de 1988, tal como a CSLL21. Portanto, a densificação normativa relativamente ao aumento da CSLL em apreço deve ser construída no plano legal, isto é, em sede de leis ordinárias.



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    1. Tema n. 939 a ser julgado pela Suprema Corte, em regime de repercussão geral (RE n. 1.043.313, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli), a respeito do aumento das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras instituído por meio do Decreto n. 8.426/2015, com base em autorização inconstitucional concedida pelo § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004.


    2. Cogita-se que esse veículo introdutor de norma tenha sido escolhido pelo legislador (constituinte derivado) com a preocupação em alçar ao plano constitucional uma alíquota majorada da CSLL, a fim de contornar os debates a respeito da inconstitucionalidade das leis ordinárias que, no passado, aumentaram a alíquota de CSLL para as instituições financeiras, conforme se verifica nas ações já em curso no Supremo Tribunal Federal. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.101 (acerca do aumento de 9% para 15%, instituído pela Lei

      n. 11.727, de 23 de junho de 2008) e n. 5.485 (que trata do aumento de 15% para 20% no período compreendido entre 1º de setembro de 2015 e 31 de dezembro de 2018, conforme previsto na Lei n. 13.169/2015) questionam a majoração da alíquota de CSLL especificamente para as instituições financeiras. Não parece, todavia, que o simples fato de estar no plano constitucional é suficiente para afastar por completo a inconstitucionalidade do tratamento mais oneroso para as instituições financeiras. No entanto, como dito acima, esse tema não é objeto deste artigo.


    3. A título de exemplo, destacam-se os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE n. 396.266, Plenário, Rel. Min. Carlos Velloso,

      j. 26.11.2003; RE n. 258.470/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.03.2000; RE n. 145.506/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 11.10.1994, RE n. 228.321, Plenário, Min. Carlos Velloso, j. 01.10.1998. Também a título ilustrativo da doutrina nesse sentid o, destaca-se a seguinte lição: PAULSEN, Leandro; e VELLOSO, Andrei Piten. Contribuições no sistema tributário brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 82.


      Observa-se, porém, que não foi editada uma lei em sentido estrito para tratar da quantificação da proporção entre os débitos dos meses janeiro e fevereiro de 2020 (quando ainda não estava em vigor a nova alíquota de 20%) e os débitos dos demais meses do período de apuração do lucro real pelo contribuinte (trimestral ou anual).


      Para regulamentar a EC n. 103/2019, inicialmente, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB n. 1925, de 19 de fevereiro de 2020, sem apresentar quaisquer critérios para essa apuração.


      A princípio, essa Instrução Normativa não teria qualquer importância no âmbito da densificação da norma em exame. Entretanto, tendo em vista a data dessa Instrução Normativa e sua proximidade temporal com o início da vigência da nova alíquota de CSLL (onze dias antes da data em que a EC n. 103/2019 passou a vigorar), é razoável acreditar que os contribuintes tinham uma legítima expectativa de que a regulamentação do tema permanecia silente quanto à referida apuração proporcional da CSLL.


      Ou seja, havendo uma regulamentação a respeito da aplicação do art. 32 da EC n. 103/2019, seria ela a norma prevalecente. No entanto, essa norma vigorou por pouco mais de dois meses, impactando a segurança jurídica do contribuinte no tema.


      A edição da Instrução Normativa n. 1.942/2020 materializou essa quebra de expectativa, ao criar uma nova disciplina para a regulamentação que parecia ter sido dada pela Instrução Normativa RFB n. 1925/2020.


      A ilegalidade da Instrução Normativa n. 1.942/2020 está diretamente relacionada com a insuficiência na regulamentação dos arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019 no âmbito legal, como apontado na seção anterior.


      Para se sustentar a legalidade da Instrução Normativa n. 1.942/2020 seria necessário reconhecer (i) o caráter meramente interpretativo para as suas disposições e (ii) um grau de imperativa da legalidade tributária desconectado com a proteção da segurança jurídica.


      Quanto ao caráter interpretativo, poder-se-ia afirmar, à primeira vista, que as regras estabelecidas na Instrução Normativa n. 1.942/2020 já poderiam ser extraídas da interpretação conjunta dos arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019 e da regra da anterioridade nonagesimal, estabelecida no art. 195, § 6º, da Constituição Federal. Ou seja, os critérios instituídos na aludida Instrução Normativa seriam meros desdobramentos passíveis de construção, por dedução exegética, a partir das diretrizes já estabelecidas nos arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019 e no art. 195, § 6º, da Constituição Federal.


      Esse entendimento, todavia, não procede. Isso porque a Instrução Normativa n. 1.942/2020, de fato, inovou, inaugurando critérios jurídicos não constantes do plano constitucional e legal, não sendo possível extraí-los da interpretação sistemática dos referidos dispositivos.


      Para se chegar a essa conclusão, parte-se da premissa de que uma norma interpretativa depende da preexistência da respectiva norma a ser interpretada a qual trate especificamente da matéria objeto da interpretação.


      Tratando-se de aumento de tributo, as normas regulamentares têm sua competência limitada ao campo de aplicabilidade da norma interpretada, porque “não se pode aceitar que o resultado da interpretação regulamentar seja uma definição ou uma interpretação mais ampla que o preceito legal”22.


      No caso, não existe a norma prévia a ser interpretada, na medida em que os arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019 e do art. 195, § 6º, da Constituição Federal, não versam sobre o cálculo proporcional inaugurado pela Instrução Normativa n. 1.942/2020. Se a norma interpretada sequer existe, a norma interpretativa é ilegal.


      Essa reflexão nos remete aos limites do conceito de legalidade tributária, que encontra diferentes concepções na doutrina.


      Roque Antonio Carrazza sustenta que o poder regulamentar é estritamente limitado aos termos da respectiva lei, de modo que quaisquer inovações infralegais em matéria tributária seriam ilegais:


      “O regulamento sempre pressupõe uma lei anterior à qual se ache vinculado. [...] Também em matéria tributária, como não poderia deixar de ser, o único regulamento aceito por nossa Constituição é o executivo, que, subordinando-se inteiramente à lei (lato sensu), limita-se a prover-lhe a fiel execução, ou seja, a dar- lhe condições de plena eficácia, sem, porém, criar ou modificar tributos, nem impor, aos contribuintes ou terceiros a ela relacionados, deveres novos (não contemplados na lei). Deve, sim, limitar-se a reduzir o grau de generalidade e abstração da lei tributária, aumentando a segurança jurídica das pessoas de algum modo submetidas às regras de tributação.”23


      De modo bastante semelhante, Alberto Xavier constrói um conceito de legalidade tributária a partir dos princípios da tipicidade ou da reserva absoluta de lei, que, por sua vez, teriam como corolários os princípios da seleção, do numerus clausus, do exclusivismo e da determinação ou tipicidade fechada. Nessa linha de pensamento, o poder regulamentar está estritamente vinculado em sua forma e conteúdo à lei, não cabendo às normas regulamentares quaisquer inovações, pois, caso contrário, o seu conteúdo não estaria predeterminado pelo legislador24.


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    4. KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 173-174.


    5. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 299-300.


    6. XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002, p. 17-20.


      Seguindo um caminho diverso, Ricardo Lobo Torres ensina que o princípio da legalidade se divide em três subprincípios: (i) superlegalidade, (ii) reserva da lei e (iii) primado da lei. A superlegalidade se refere à exigência da lei tributária se vincular aos comandos deônticos utilizados pela Constituição Federal para estabelecer a discriminação de competências tributárias. A reserva da lei estabelece que somente a lei em sentido estrito pode exigir ou aumentar tributo. Coube ao art. 97 do CTN dar maior especificação à reserva da lei, definindo quais aspectos necessariamente devem constar do texto legal. Por fim, o primado da lei restringe a atuação das normas regulamentares infralegais, impondo-lhes o dever de observância do conteúdo e o alcance das leis tributárias, relativamente aos temas previstos no art. 97 do CTN25.


      Apesar de não tratar especificamente de matéria tributária, Eros Grau faz uma distinção – que aqui é oportuna – entre (i) reserva da lei e (ii) reserva da norma, para debater os limites do poder regulamentar do Poder Executivo. Nessa seara, Eros Grau faz uma crítica a uma parte da “doutrina nacional”, que sustenta que os regulamentos somente poderiam servir à “fiel execução das leis”. De modo diverso, Grau enxerga na expressão “senão em virtude de lei”, prevista no art. 5º, II, da Constituição Federal, uma base constitucional para se atribuir ao Poder Executivo o poder de criar normas, definindo a obrigação de fazer e não fazer imposta aos particulares “em virtude da lei”. Ou seja, Eros Grau sustenta que a Constituição Federal teria consagrado o princípio da legalidade “apenas em termos relativos”, de modo que os atos normativos podem ser editados com base em autorizações implícitas na lei, em relação às matérias que não são expressamente reservadas à lei:


      “Dizendo-o de outra forma: se há um princípio de reserva da lei – ou seja, se há matéria que só podem ser tratadas pela lei –, evidente que as excluídas podem ser tratadas em regulamentos; quanto à identificação do que está incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no texto constitucional; quanto a tais matérias não cabem regulamentos.”26


      Portanto, é possível dizer que, de um lado, Roque Carrazza e Alberto Xavier são representantes de uma corrente doutrinária, segundo a qual o princípio da legalidade obstaria o exercício do poder regulamentar em relação a quaisquer temas não previstos em lei. De outro lado, Ricardo Lobo Torres e Eros Grau sinalizam que a legalidade limitaria a regulamentação infralegal somente quanto a temas reservados expressamente à lei.


      Acolho a segunda corrente, para concluir que, de acordo com a legalidade “em termos relativos” (por força da escolha do constituinte na expressão “em virtude de lei”), há de se respeitar a exigência de lei para as matérias reservadas expressamente à lei, sendo possível


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    7. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 106-109.


    8. GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 184.


      encontrar temas regulamentados por norma infralegal “em virtude de lei”. No entanto, uma vez que o constituinte e o legislador complementar identificaram a necessidade de lei para regulamentar determinado tema, caberá ao legislador dar um tratamento legal suficiente, de modo a proteger a segurança jurídica.


      Aplicando esses parâmetros à matéria tributária, nota-se que a leitura conjunta do art. 146, III, da Constituição, e do art. 97 do CTN aponta para a conclusão de que os temas especificados nesse último dispositivo estão reservados à lei.


      Nesse ponto, pretendo sugerir um passo adiante no exame dos limites da legalidade tributária, para refletir sobre a hipótese em que (i) o constituinte reservou determinado tema para a lei tributária, (ii) existem regras no plano legal ou constitucional esse tema, mas

      (iii) o tratamento legal dado a uma certa matéria é precário.


      Para tanto, cabe reconhecer que o emprego dos subprincípios da reserva da lei e do primado da lei, na parte de impede que a regulamentação infralegal não extrapole os limites da lei, evidencia uma clara “tensão” entre a legalidade e o exercício do poder regulamentar no plano da suficiência normativa27. Essa tensão aponta para uma resposta gradativa de observância da legalidade. Mais uma vez, não se trata de uma conclusão do tipo “tudo ou não”, e sim de uma questão de suficiência no atendimento da regra do princípio da legalidade.


      Para esclarecer, há um ponto de intersecção entre as conclusões desta seção e da seção anterior do presente artigo. Explica-se: exige-se um tratamento suficientemente completo dos aspectos da regra-matriz de incidência, especificados no art. 97 do CTN.


      Ou seja, em um primeiro momento, identifica-se se o tema está contemplado pelas hipóteses do art. 97 do CTN e, caso a resposta seja positiva, deve ser imposto um tratamento suficiente preciso para minimizar incertezas, promovendo ao máximo a inteligibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade da lei tributária examinada.


      Por outro lado, caso a resposta seja negativa, isto é, tratando-se de tema fora do escopo do art. 97 do CTN, não se afasta integralmente a exigência de observância de legalidade, pois tal tema pode ser indiretamente necessário para garantir a inteligibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade da lei tributária a ser aplicada.


      A fim de deixar mais clara a dúvida aqui apresentada, questiona-se: a legalidade tributária impõe a previsão em lei de todos os aspectos da norma de incidência tributária que, direta e indiretamente, afetam a apuração do tributo majorado, ou o mero fato de os aspectos relacionados no art. 97 do CTN constarem do texto legal é suficiente para se atender à


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    9. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006, p. 173.


      legalidade tributária? Tal questionamento aponta para a existência de diferentes graus de suficiência no atendimento da legalidade tributária.


      Essa indagação se mostra pertinente no presente estudo, pois há duas maneiras de enxergar o objeto da regulamentação dada pela Instrução Normativa n. 1.942/2020, quais sejam:


      1. por um lado, poder-se-ia afirmar que a Instrução Normativa n. 1.942/2020 teria tratado de tema não previsto no art. 97 do CTN, isto é, a aplicação da regra da anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º, da Constituição Federal), sendo portanto, desnecessária a prévia edição de lei (em sentido estrito) sobre o tema, uma vez que o art. 97 do CTN não exige lei para regular tal assunto; ou

      2. por outro lado, poder-se-ia dizer que a Instrução Normativa n. 1.942/2020 disciplinou o cálculo proporcional dos débitos de CSLL no ano de 2020, sendo, portanto, matéria que, apesar de não estar expressamente prevista no art. 97 do CTN, indiretamente, tem relação com a definição da base de cálculo e alíquota de tributo, as quais foram insuficientemente disciplinadas em lei.

        Nota-se que há uma relação muito próxima entre a aplicação da regra da anterioridade nonagesimal e a quantificação do tributo, mas são, de fato, matérias diferentes.


        A exigência da edição de lei para tratar do tema da quantificação proporcional dos débitos de CSLL em observância da regra da anterioridade nonagesimal da EC n. 103/2019 depende do grau de imperativa da legalidade tributária que se imponha.


        Considera-se, nesse particular, que a legalidade tributária é suportada, dentre outros aspectos, pela proteção da segurança jurídica, cujo atendimento, por sua vez, varia conforme diferentes graus de (i) inteligibilidade, (ii) confiabilidade e (iii) calculabilidade da norma jurídica examinada, como visto acima.


        A partir disso, cogita-se que a imperativa da legalidade tributária também pode variar diferentes graus:

        1. grau máximo, exigindo todos os aspectos relativos à compreensão da lei tributária, incluindo a sua inteligibilidade, confiabilidade e a calculabilidade, relativamente às matérias previstas no art. 97 do CTN; ou

        2. grau mínimo, impondo que todos os aspectos previstos no art. 97 do CTN estejam no prescritos no texto legal, porém a ausência de inteligibilidade, confiabilidade e a calculabilidade da lei tributária não necessariamente prejudica a observância da legalidade.

        No caso da regulamentação da EC n. 103/2019, adotando-se o grau máximo da imperativa da legalidade tributária, a lei para tratar do cálculo proporcional em questão seria


        indispensável; por outro lado, acolhendo-se o aludido grau mínimo, uma lei em sentido estrito seria prescindível.

        A nosso ver, deve-se adotar o grau máximo da imperativa da legalidade tributária para avaliar os parâmetros utilizados na regulamentação da EC n. 103/2019.


        Isso porque os critérios inseridos na Instrução Normativa n. 1.942/2020 são indispensáveis para a apuração dos débitos de CSLL com segurança e, portanto, a sua disciplina por meio de norma infralegal é contrária à legalidade tributária.


        Mesmo se tratando de tema (anterioridade nonagesimal) não previsto no art. 97 do CTN, deve ser exigida a sua regulamentação por lei, pois a sua disciplina é condição sine qua non para a inteligibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade da lei tributária a ser aplicada.


        Cogita-se que a conclusão aqui adotada venha a ser objeto de críticas, pois implicaria, à primeira vista, o retorno à defesa de estrita legalidade, na linha sustentada por Alberto Xavier e Roque Carrazza, a qual não foi acolhida pelas razões explicitadas na seção anterior.


        Essa crítica, todavia, não procede. Isso porque o que se busca é implicar a legalidade tributária na sua máxima extensão, em relação aos temas reservados à lei. Isto é, uma vez que a alíquota e a base de cálculo do tributo devem ser objeto de regulamentação por lei em sentido estrito, deve-se impor a exigência de disciplina legal até o fim, vale dizer, mesmo em relação a assuntos indiretamente vinculados à quantificação do tributo, sob pena de se contrariar um dos fundamentos constitucionais da legalidade tributária que é segurança jurídica.


        Por essas razões, é necessária, a nosso ver, a edição de uma lei em sentido estrito para disciplinar o cálculo proporcional dos débitos de CSLL no ano de 2020, tendo em vista que os arts. 32 e 36 da EC n. 103/2019 foram silentes sobre o tema, identificado como parte inerente à identificação da alíquota e base de cálculo do tributo, conforme o art. 97 do CTN. Tais elementos se mostram essenciais para compor a estrutura normativa suficiente do aumento da alíquota da CSLL em questão. É dizer, não é possível aplicar a regra da anterioridade nonagesimal sem antes saber quais são os parâmetros para o cálculo proporcional entre as competências atingidas e não atingidas pela nova norma. Trata-se, portanto, de violação das regras do art. 97 do CTN.


        O argumento de que essa regulamentação carecia de clareza e inteligibilidade é reforçado pelo fato de que havia algumas alternativas para realizar o cômputo da CSLL nesse período. Essas alternativas, aliás, são verificadas na própria Instrução Normativa n. 1.942/2020, que, como visto acima, apresenta duas maneiras distintas de efetuar tal cálculo.


        A dubiedade e a alternatividade de critérios são provas cabais da existência de obstáculos para apuração, com segurança, dos débitos de CSLL proporcionais nos exercícios trimestral


        e anual de 2020. Deixar de reconhecer tais aspectos, é admitir que uma majoração de carga tributária seja efetivada mesmo em um cenário de absoluta insuficiência na densidade normativa exigida pela legalidade tributária.


        A Receita Federal do Brasil, ao editar a Instrução Normativa n. 1.942/2020, para suprir a insuficiência na regulamentação da EC n. 103/2019, extrapolou a sua competência regulamentar, o que caracteriza violação à legalidade tributária.


        A ininteligibilidade por insuficiência normativa, por si só, já afasta o aumento de tributo veiculado por norma precária, em observância à interpretação conjunta da legalidade tributária e da segurança jurídica.


  5. CONSEQUÊNCIAS DO RECONHECIMENTO DA INSUFICIÊNCIA NA ESTRUTURA NORMATIVA DA IMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA

    Aqui vem à tona a dúvida a respeito dos efeitos do reconhecimento da insuficiência na estrutura normativa do tributo. Há duas questões importantes a serem examinadas nesse ponto: (i) o caráter ilegal ou ineficaz da regra criada com base em uma estrutura normativa insuficiente; e (ii) a irretroatividade da regra regulamentar inovadora.


    Quanto à primeira questão, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu, em um primeiro momento, que a norma que desrespeita a exigência de “suficiência de legislação infraconstitucional para instituição do tributo” deveria ser considerada inválida, como se nota no julgamento do Recurso Extraordinário n. 439.796/PR, em acórdão relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, julgado pelo Plenário do Tribunal em 6 de novembro de 2013.


    Naquele caso, discutia-se se a lei estadual do Paraná que instituiu a cobrança de ICMS sobre as importações realizadas por pessoas não contribuintes poderia ser considerada válida anteriormente ao momento em que a estrutura normativa da respectiva cobrança estivesse complementa, vale dizer, antes da edição da Lei Complementar n. 114/2002. Na ocasião, a Suprema Corte concluiu que tal insuficiência normativa implicaria a invalidade da lei estadual.


    Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal alterou a sua jurisprudência para sinalizar que se tratava, na verdade, de uma hipótese de ineficácia da regra tributária desprovida de suficiência normativa, até que seja editada a norma que supra tal deficiência. Passou, assim, a prevalecer o entendimento jurisprudencial – vigente até hoje – de que a ausência de uma lei complementar (no caso, a Lei Complementar n. 114/2002), exigida pelo arts. 146 e 155 da Constituição Federal, para regulamentar suficientemente a estrutura normativa do ICMS inibe os efeitos da lei editada para cobrança do tributo, instituído por emenda constitucional (no caso, a Emenda Constitucional n. 33/2001)28.



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    1. STF, RE n. 917.950 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Rel. p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 05.12.2017; RE n. 1.049.904


      Recentemente, a jurisprudência da Suprema Corte se consolidou, em regime de repercussão geral, no âmbito no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.221.330, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux (Tema 1094), julgado em 16 de junho de 2020.


      Aplicando, por analogia, esse entendimento à questão aqui examinada, conclui-se que, enquanto não editada uma lei ordinária para dar fundamento legal aos parâmetros de cálculo da CSLL inaugurados pela Instrução Normativa n. 1.942/202029, tais parâmetros são ineficazes.


      Como a Instrução Normativa n. 1.942/2020 trata especificamente dos parâmetros de cálculo proporcional da CSLL no ano de 2020, há duas consequências diferentes a depender do regime ao qual o contribuinte está submetido:

      1. para as instituições financeiras sujeitas ao regime do lucro real trimestral, cada trimestre representa um exercício novo. Com efeito, as normas ilegais da Instrução Normativa n. 1.942/2020 se tornam impertinentes à apuração da CSLL relativa ao segundo trimestre de 2020, a partir do qual, portanto, a aludida alíquota majorada pode produzir efeitos;

      2. para as instituições financeiras sujeitas ao regime do lucro real anual, a proporção

        instituída ilegalmente pela Instrução Normativa n. 1.942/2020 afeta a apuração da CSLL relativa a todo ano-calendário de 202030. Nessa hipótese, a alíquota majorada de CSLL, prevista na EC n. 103/2019, somente pode produzir efeitos em 2021, tendo em vista que, antes disso, seria necessário aplicar o cálculo proporcional criado por uma norma infralegal decorrente do exercício irregular de competência regulamentar. Em outras palavras, não se deve admitir a vigência de uma majoração de tributo que somente se torna passível de quantificação com fundamento em uma norma ilegal.


        Quanto à questão relativa à irretroatividade, cabe aplicar o art. 106, I, do CTN, para somente admitir a retroatividade de normas tributárias interpretativas, o que, como visto acima, não é o caso da Instrução Normativa n. 1.942/2020.


        Em abril de 2020, quando já estava encerrada a apuração dos débitos da CSLL dos meses de janeiro e fevereiro, foi editada a Instrução Normativa n. 1.942/2020, estabelecendo os parâmetros de cálculo proporcional da CSLL acima mencionados.


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        AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 1ª Turma, julgado em 16.10.2018.


    2. Respeitando-se, inclusive, a anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º, da CF/1988), se essa lei ordinária vier a ser editada antes de 1 de outubro de 2020, isto é, vigência ainda no curso no ano 2020.


    3. Faz-se aqui a ressalva de que, na hipótese de encerramento precoce do exercício por força de eventos especiais, tais como fusão, cisão ou incorporação, o exercício fiscal se encerrará na data desses eventos, conforme o art. 21, § 4º, da Lei n. 9.249/1995.


    Com efeito, considerando que a Instrução Normativa nº 1.942/2020 foi editada em abril de 2020 para regular situações jurídicas ocorridas entre janeiro e março do mesmo ano, não é possível permitir a retroatividade dos seus comandos normativos, sob pena de violação do art. 150, III, alínea “a”, da Constituição Federal, e do art. 105 do CTN. Isto é, as novidades trazidas pela Instrução Normativa n. 1.942/2020 não podem impactar os meses anteriores à sua edição, na medida em que as normas tributárias não interpretativas devem produzir efeitos somente no futuro.


    Como se vê, embora a controvérsia a respeito do início da vigência do art. 32 da EC n. 103/2019 seja, inicialmente, uma questão que se limitaria ao respeito à anterioridade nonagesimal, nota-se que ela tem impactos na apuração proporcional (veiculada por norma ilegal), o que, por sua vez, afeta todo o cálculo dos débitos de CSLL relativos a todo o exercício (trimestral ou anual).


    Consequentemente, a insuficiência na densidade normativa da regulamentação da art. 32 da EC n. 103/2019 afasta a aplicação da alíquota de CSLL de 20% nos períodos em que o cálculo proporcional se fizer necessário.


  6. CONCLUSÃO

    Com base no estudo acima, conclui-se que o aumento da alíquota de CSLL, de 15 para 20%, promovido pela EC n. 103/2019, carece de suficiência normativa, em razão da ausência de disciplina, em sede da própria EC ou de lei, dos parâmetros para o cálculo proporcional dos débitos de CSLL relativamente aos meses de 2020 atingidos e não atingidos pela regra da anterioridade nonagesimal.


    Para tanto, adota-se a premissa de que a imperatividade da regra da legalidade tributária deve ser acolhida em seu grau máximo tratando-se de aumento de tributo, por força dos vetores da segurança jurídica relativos (i) à inteligibilidade, (ii) à confiabilidade e (iii) à calculabilidade da norma jurídica.


    Como o cálculo proporcional dos débitos de CSLL devidos por instituições financeiras, conforme o art. 32 da EC n. 103/2019, foi editado pela Instrução Normativa n. 1.942/2020, sem base legal, o referido aumento de alíquota da CSLL é ineficaz até que seja editada uma lei para disciplinar a matéria, em linha com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito de exigências tributárias fundadas em estruturas normativas insuficientes, ou até o fim do exercício em que se faz necessária uma apuração proporcional (primeiro trimestre, para contribuintes sujeitos ao regime do lucro real trimestral; 31 de dezembro de 2020, para os contribuintes submetidos ao regime do lucro real anual).


    A inaplicabilidade da Instrução Normativa n. 1.942/2020 também se justifica, pois, sendo ela uma norma que não tem caráter meramente interpretativo e tendo ela sido editada em


    abril de 2020, não se deve admitir a sua retroatividade, sob pena de contrariedade ao art.

    150, III, alínea “a”, da Constituição Federal, e do art. 105 do CTN.


  7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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