DA LEGALIDADE DOS TETOS ESTABELECIDOS PELA PORTARIA PGFN N. 448/2019 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB N. 1891/2019 PARA OBTENÇÃO DO PARCELAMENTO SIMPLIFICADO REGULADO PELA LEI N. 10.522/2002

ABOUT THE LEGALITY OF THE MAXIMUM ESTABLISHED BY ORDINANCE PGFN 448/2019 AND RFB NORMATIVE INSTRUCTION NO. 1891/2019 TO OBTAIN THE SIMPLIFIED INSTALLMENT PAYMENT REGULATED BY LAW 10.522/2002


Mateus Benato Pontalti


Juiz Federal Substituto. Mestrando em Direito Tributário pelo IBET. E-mail: mateus_pontalti@hotmail.com


Recebido em: 29-02-2020

Aprovado em: 14-10-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-15


RESUMO


Em 2 de outubro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça afetou o REsp n. 1.724.834/SC, o REsp n. 1.679.536/RN e o REsp n. 1.728.239/RS para serem julgados de acordo com a sistemática dos Recursos Repetitivos. O objetivo é uniformizar a seguinte controvérsia: se é possível um ato infralegal estabelecer um teto para realização do parcelamento simplificado ou se essa limitação ofende o regramento estabelecido pela Lei n. 10.522/2002. Sob a perspectiva pragmática, verificamos uma tendência em enxergar nessa prática uma ilegalidade. No entanto, do nosso ponto de vista, essa questão tem sido enfrentada de maneira superficial pelos Tribunais. O fato de o art. 14-C nada dispor sobre a possibilidade de o Executivo criar requisitos adicionais é circunstância insuficiente para fundamentar um juízo de ilegalidade. O que o inciso II do art. 5º da CF exige é tão somente que a lei tenha


conferido ao Poder Executivo, ainda que de modo implícito, a faculdade de normatizar o tema, e que o ato infralegal seja compatível com a lei. Daí por que é necessário um esforço hermenêutico maior, que leve em consideração também a possibilidade da existência de uma autorização implícita. Para fazê-lo, propomo-nos a apresentar duas razões para defender a existência dessa autorização. A primeira delas repousa no fato de o art. 14-C ter concedido à Fazenda Pública a permissão para conceder ou não o parcelamento. A segunda se assenta no fato de que a construção das normas de parcelamento com base unicamente nos enunciados da Lei n. 10.522/2002 leva à existência de uma antinomia entre elas, que não é superável pelos critérios da hierarquia, da especialidade e da cronologia.

PALAVRAS-CHAVE: PARCELAMENTO SIMPLIFICADO, TETO DO PARCELAMENTO, PORTARIA PGFN N. 448/2019, INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB N. 1891/2019


ABSTRACT


On 10/02/2018, the Superior Court of Justice affected REsp 1724834/SC, REsp 1679536/RN and REsp 1728239/RS to be judged according to the Repetitive Appeals system. The aim is to standardize the following controversy: Whether it is possible for an infralegal act to set a maximum for simplified installment payments or if this limitation offends the rule set forth by Law 10.522/2002. From a pragmatic perspective, we see a tendency to see this practice as illegal. However, from our point of view, this issue has been superficially addressed by the Courts. The fact that Article 14c provides nothing about the possibility for the Executive to create additional requirements is insufficient circumstance to support a judgment of illegality. What item II of article 5 of the SC requires is only that the law has given the Executive Power, even if implicitly, the power to regulate the subject, and that the infralegal act is compatible with the law. That is why a greater hermeneutic effort is needed, which also takes into account the possibility of an implicit authorization. To do so, we propose two reasons to argue for such a permit. The first of these lies in the fact that Article 14c granted the Public Treasury permission to grant or not installment payments. The second is based on the fact that the construction of the installment rules based solely on the statements of Law 10.522/2002 leads to the existence of an antinomy between them, which is not surpassed by the criteria of hierarchy, specialty and chronology.

KEYWORDS: SIMPLIFIED INSTALLMENT, MAXIMUM INSTALLMENT, PGFN ORDINANCE 448/2019, RFB NORMATIVE INSTRUCTION NO. 1891/2019


  1. INTRODUÇÃO

    Em 02 de outubro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça afetou o REsp n. 1.724.834/SC, o REsp n. 1.679.536/RN e o REsp n. 1.728.239/RS para serem julgados de acordo com a sistemática dos Recursos Repetitivos. O objetivo é uniformizar a seguinte controvérsia: se


    é possível um ato infralegal estabelecer um teto para realização do parcelamento simplificado ou se essa limitação ofende o regramento estabelecido pela Lei n. 10.522/2002.


    Sob a perspectiva pragmática, verificamos uma tendência em enxergar nessa prática uma ilegalidade. Todos os Tribunais Regionais Federais assim o tem se manifestado. E o argumento é um só: o art. 14-C da Lei n. 10.522/2002 não autorizou ao Executivo estabelecer condicionantes à obtenção do parcelamento.


    No entanto, do nosso ponto de vista, essa questão tem sido enfrentada de maneira superficial pelos Tribunais. O fato de o art. 14-C nada dispor sobre a possibilidade de o Executivo criar requisitos adicionais é circunstância insuficiente para fundamentar um juízo de ilegalidade.


    Assim entendemos em razão de existir no texto constitucional diversos enunciados que versam sobre a vinculação do Poder Executivo à lei. Tais enunciados permitem a construção de normas jurídicas distintas, que vinculam a administração pública de maneira mais ou menos rígida, a depender do âmbito de atuação.

    O inciso I do art. 150, por exemplo, exige que a lei estabeleça o tributo, e o inciso XXXIX do art. 5º impõe que a lei defina o crime. Em ambos os casos, os verbos utilizados pelo texto revelam a existência de uma contenção à atuação do Executivo, a exigir do aplicador do direito que a norma jurídica em sentido estrito seja construída a partir de enunciados que foram introduzidos por lei.


    O mesmo não ocorre com relação ao inciso XXXIX do art. 5º, que veda a imposição de alguma obrigação senão em virtude de lei. Nessa hipótese, a expressão utilizada indica a existência de certa autonomia do Executivo, a possibilitar que a norma jurídica em sentido estrito possa ser construída tanto a partir dos enunciados de lei quanto a partir dos enunciados inseridos por atos infralegais.


    Ademais, o que o inciso II do art. 5º da CF exige é tão somente que a lei tenha conferido ao Poder Executivo, ainda que de modo implícito, a faculdade de normatizar o tema, e que o ato infralegal seja compatível com a lei. Não há necessidade de uma autorização explícita.


    Daí por que nos parece insuficiente o argumento de que as portarias são ilegais porque editadas sem supedâneo expresso no art. 14-C da Lei n. 10.522/2002. Do nosso ponto de vista, é necessário um esforço hermenêutico maior, que leve em consideração também a possibilidade da existência de uma autorização implícita.


    Para fazê-lo, propomo-nos a apresentar duas razões para defender a existência dessa autorização.


    A primeira delas repousa no fato de o art. 14-C ter concedido à Fazenda Pública a permissão para conceder ou não o parcelamento. Do nosso ponto de vista, tal circunstância fundamenta a afirmação de que o Poder Executivo pode normatizá-lo, uma vez que a edição de normas gerais e abstratas que preencham o conteúdo da permissão é um dever que decorre dos princípios da impessoalidade e da segurança jurídica.


    A segunda se assenta no fato de que a construção das normas de parcelamento com base unicamente nos enunciados da Lei n. 10.522/2002 leva à existência de uma antinomia entre elas, que não é superável pelos critérios da hierarquia, da especialidade e da cronologia.


    Assim, defendemos que a solução para resolução do conflito se encontra no reconhecimento de que, ao atribuir consequências distintas para hipóteses idênticas, a lei autorizou ao Executivo normatizar os parcelamentos ordinário e simplificado, de modo a criar critérios que permitam identificar qual a norma geral e qual a norma de exceção.


    Ao final, defendemos que os tetos estabelecidos pela Portaria PGFN n. 448/2019 e pela Instrução Normativa RFB n. 1891/2019 não padecem de legalidade.


  2. DOS REGIMES DE PARCELAMENTOS ESTABELECIDOS PELA LEI N. 10.522/2002

    A Lei n. 10.522/2002 estabelece três regimes jurídicos para realização de parcelamentos de dívidas com a Fazenda Nacional.


    O primeiro é disciplinado pelo art. 10 e prevê que o devedor pode parcelar sua dívida em até sessenta parcelas mensais:


    “Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.”

    Essa modalidade é alcunhada de parcelamento ordinário e pode ser realizada para abarcar quaisquer débitos com a Fazenda Nacional, salvo aqueles elencados pelo art. 14 da lei:


    “Art. 14. É vedada a concessão de parcelamento de débitos relativos a:

    1. – tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub- rogação;

    2. – Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários – IOF, retido e não recolhido ao Tesouro Nacional;

    3. – valores recebidos pelos agentes arrecadadores não recolhidos aos cofres públicos.

    4. – tributos devidos no registro da Declaração de Importação;


    5. – incentivos fiscais devidos ao Fundo de Investimento do Nordeste – FINOR, Fundo de Investimento da Amazônia – FINAM e Fundo de Recuperação do Estado do Espírito Santo – FUNRES;

    6. – pagamento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica

      – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, na forma do art. 2º da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

    7. – recolhimento mensal obrigatório da pessoa física relativo a rendimentos de que trata o art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;

    8. – tributo ou outra exação qualquer, enquanto não integralmente pago parcelamento anterior relativo ao mesmo tributo ou exação, salvo nas hipóteses previstas no art. 14-A desta Lei;

    9. – tributos devidos por pessoa jurídica com falência decretada ou por pessoa física com insolvência civil decretada;

    10. – créditos tributários devidos na forma do art. 4º da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, pela incorporadora optante do Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação.”


      O segundo é regrado pelo art. 10-A e autoriza que o empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial possa parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional em até 94 parcelas mensais:


      “Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

      I – da 1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento); II – da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento);

      1. – da 25ª à 83ª prestação: 1,333%;

      2. – 84ª prestação: saldo devedor remanescente. [...]”


      O terceiro, denominado pela lei de simplificado, é disciplinado pelo art. 14-C e pode ser concedido de ofício ou a pedido para todos os débitos do sujeito passivo com a Fazenda Pública, incluindo aqueles elencados pelo art. 14:


      “Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário.

      Parágrafo único. Ao parcelamento de que trata o caput deste artigo não se aplicam

      as vedações estabelecidas no art. 14 desta Lei.”


      Portanto, de acordo com os dispositivos introduzidos unicamente pela Lei n. 10.522/2002, são duas as diferenças entre o parcelamento ordinário e o parcelamento simplificado: aquele deve ser requerido pelo sujeito passivo e não pode abranger os débitos indicados pelo art. 14; este último pode ser requerido pelo sujeito passivo ou proposto pela União, e pode abarcar os débitos mencionados pelo art. 14.


      Quanto à possibilidade de o Poder Executivo introduzir enunciados que versem sobre o os regimes introduzidos pela lei, o § 1º do art. 111 prevê que ato infralegal pode condicionar a concessão do parcelamento de débitos inscritos em dívida ativa à apresentação de garantia real ou fidejussória, desde que o sujeito passivo não seja microempresa e empresa de pequeno porte integrante do Simples. O art. 14-F2, por sua vez, autoriza à Secretaria da Receita Federal e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional “editar os atos necessários à execução do parcelamento”.


      Com base nesses dois dispositivos, foram editadas a Portaria PGFN n. 448/2019 e a Instrução Normativa RFB n. 1891/2019, que regulamentam a concessão dos parcelamentos no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Receita Federal.


  3. DA REGULAMENTAÇÃO INFRALEGAL DO PARCELAMENTO ORDINÁRIO E DO PARCELAMENTO SIMPLIFICADO

      1. Da regulamentação no âmbito da PGFN


        A Portaria PGFN n. 448/2019 classifica os parcelamentos em duas classes: (i) parcelamento sem garantia, disciplinado pelos arts. 20 e 21; (ii) parcelamento com garantia, disciplinado pelos arts. 23 a 26.


        O parcelamento sem garantia dispensa a apresentação de garantias por parte do sujeito passivo e abarca as dívidas iguais ou inferiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)3.

        O parcelamento com garantia exige a apresentação de garantia real ou fidejussória e abrange as dívidas superiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)4.


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        1. “Art. 11. O parcelamento terá sua formalização condicionada ao prévio pagamento da primeira prestação, conforme o montante do débito e o prazo solicitado, observado o disposto no § 1º do art. 13 desta Lei.

          § 1º Observados os limites e as condições estabelecidos em portaria do Ministro de Estado da Fazenda, em se tratando de débitos inscritos em Dívida Ativa, a concessão do parcelamento fica condicionada à apresentação, pelo devedor, de garantia real ou fidejussória, inclusive fiança bancária, idônea e suficiente para o pagamento do débito, exceto quando se tratar de microempresas e empresas de pequeno porte optantes pela inscrição no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – Simples, de que trata a Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996.”


        2. “Art. 14-F. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no âmbito de suas competências, editarão atos necessários à execução do parcelamento de que trata esta Lei.”


        3. “Art. 20. A concessão do parcelamento nos casos em que a dívida a ser parcelada seja igual ou inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) dispensa a apresentação de garantia pelo contribuinte.

          Parágrafo único. Para fins de apuração do limite previsto no caput, a consolidação do valor do débito e o cálculo dos encargos e

          acréscimos legais serão efetuados de acordo com a legislação vigente na data do pedido do parcelamento.”


        4. “Art. 22. A concessão de parcelamento de débitos cujo valor consolidado seja superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) fica


          Apesar de não ter utilizado as expressões parcelamento simplificado e parcelamento ordinário, os dispositivos introduzidos pela Portaria revelam que o primeiro corresponde ao parcelamento sem garantia e que o segundo corresponde ao parcelamento com garantia.


          A essa conclusão chegamos pelas seguintes razões: primeira, porque o art. 215, que normatiza o parcelamento sem garantia, prevê a possibilidade de concessão da benesse de ofício, tal qual autoriza o art. 14-C da Lei n. 10.522/2002, que dispõe sobre o parcelamento simplificado; segunda, porque o art. 266, que estabelece vedações à concessão do parcelamento com garantia, tem o mesmo conteúdo do art. 14 da Lei n. 10.522/2002, que prevê vedações à

          concessão do parcelamento ordinário.


          Portanto, apesar de ter utilizado nomes diferentes daqueles previstos pela lei, a Portaria PGFN n. 448/2019 regulamentou tanto o parcelamento ordinário quanto o parcelamento simplificado. E o fez estabelecendo quatro diferenças entre ambos: a primeira concerne à apresentação de garantias, que são dispensadas no parcelamento simplificado, mas são exigidas no parcelamento ordinário; a segunda diz respeito ao montante da dívida, que não pode ser superior a R$ 1.000.000,00 no parcelamento simplificado, mas pode ultrapassar esse limite no parcelamento ordinário; a terceira se refere aos débitos que podem ser parcelados, que abrangem a totalidade das dívidas do sujeito passivo no parcelamento simplificado, mas apenas uma classe específica no parcelamento ordinário; a quarta concerne à iniciativa da proposta, que pode ser tanto da Fazenda Pública quanto do sujeito passivo no parcelamento simplificado, mas apenas do sujeito passivo no parcelamento ordinário.


      2. Da regulamentação no âmbito da RFB


        A Receita Federal aderiu à terminologia utilizada pela Lei n. 10.522/2002 na regulamentação do parcelamento das dívidas não inscritas em dívida ativa, fazendo menção ao


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        condicionada à apresentação de garantia real ou fidejussória.”


        1. “Art. 21. A proposta de parcelamento pode ser efetuada pela PGFN de ofício, no momento da notificação da inscrição do débito ou em qualquer momento, inclusive por meio eletrônico, desde que verificada a adequação ao interesse público na recuperação do crédito.”


        2. “Art. 26. É vedada a concessão do parcelamento com garantia para débitos relativos a:

          1. – tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação;

          2. – Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), retido e não recolhido ao Tesouro Nacional;

          3. – valores recebidos pelos agentes arrecadadores não recolhidos aos cofres públicos; IV – tributos devidos no registro da Declaração de Importação;

            1. – incentivos fiscais devidos ao Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), Fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e Fundo de Recuperação do Estado do Espírito Santo (Funres);

            2. – pagamento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na forma do art. 2º da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

            3. – recolhimento mensal obrigatório da pessoa física relativo a rendimentos de que trata o art. 8º da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988;

            4. – tributo ou outra exação qualquer, enquanto não integralmente pago parcelamento anterior relativo ao mesmo tributo ou exação, salvo nas hipóteses do reparcelamento de que trata o art. 17;

            5. – tributos devidos por pessoa jurídica com falência ou pessoa física com insolvência civil decretadas; e

            6. – créditos tributários devidos na forma do art. 4º da Lei n. 10.931, de 2 de agosto de 2004, pela incorporadora optante pelo Regime

              Especial Tributário do Patrimônio de Afetação.”


              parcelamento ordinário, ao parcelamento simplificado e ao parcelamento para empresas em recuperação judicial. É o que dispõe o art. 14 da Instrução Normativa RFB n. 1891/2019:


              “Art. 14. O parcelamento de que trata esta Instrução Normativa poderá ser requerido

              nas seguintes modalidades:

              1. – parcelamento ordinário;

              2. – parcelamento simplificado; ou

              3. – parcelamento para empresas em recuperação judicial.”


            Segundo os arts. 15 e 16 da IN RFB n. 1891/2019, o parcelamento simplificado pode ser realizado para pagamento de débitos cujo valor seja igual ou inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e abrange a totalidade das dívidas do sujeito passivo; o parcelamento ordinário pode ultrapassar débitos de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), mas não abarca as dívidas elencadas pelo art. 15 da Instrução Normativa – que repete o art. 14 da Lei n. 10.522/2002:


            “Art. 15. Não será concedido parcelamento ordinário para pagamento de débitos

            relativos a:

            1. – tributos sujeitos a retenção na fonte, descontado de terceiros ou objeto de sub- rogação;

            2. – Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), retido e não recolhido ao Tesouro Nacional;

            3. – valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres públicos;

            4. – tributos devidos no registro de Declaração de Importação;

            5. – incentivos fiscais devidos ao Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), Fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e Fundo de Recuperação do Estado do Espírito Santo (Funres);

            6. – pagamento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na forma prevista no art. 2º da Lei nº 9.430, de 1996;

            7. – recolhimento mensal obrigatório da pessoa física, relativo aos rendimentos a que se refere o art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;

            8. – tributo ou outra exação qualquer, enquanto não for quitado o parcelamento anterior relativo ao mesmo tributo ou exação, salvo nas hipóteses do reparcelamento de que trata o art. 13;

            9. – tributos devidos por pessoa jurídica com falência decretada ou pessoa física com insolvência civil decretada; e


            10. – créditos tributários devidos pela incorporadora optante pelo Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação na forma prevista no art. 4º da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004.

            Art. 16. Poderá ser concedido parcelamento simplificado para pagamento de débitos cujo valor seja igual ou inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

            § 1º O valor previsto no caput não poderá exceder o valor correspondente ao

            somatório do saldo devedor dos parcelamentos simplificados em curso com o valor dos débitos novos incluídos no parcelamento solicitado, considerados isoladamente:

            1. – o parcelamento de débitos relativos às contribuições sociais previstas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, e às devidas a terceiros, assim considerados outras entidades e fundos; e

            2. – o parcelamento de débitos relativos aos demais tributos.

            § 2º Aplicam-se ao parcelamento simplificado as disposições previstas nesta

            Instrução Normativa, exceto as vedações contidas no art. 15.”


            Portanto, a IN RFB n. 1891/2019 adotou duas diferenças entre o parcelamento ordinário e o parcelamento simplificado: a primeira diz respeito ao montante da dívida, que não pode ser superior a R$ 5.000.000,00 no parcelamento simplificado, mas pode ultrapassar esse limite no parcelamento ordinário; a segunda se refere aos débitos que podem ser parcelados, que abrangem a totalidade das dívidas do sujeito passivo no parcelamento simplificado, mas apenas uma classe específica no parcelamento ordinário.


      3. Comparação dos requisitos estabelecidos pelos atos infralegais com os requisitos estabelecidos diretamente pela Lei n. 10.522/2002


    A maneira pela qual o parcelamento simplificado e o parcelamento ordinário foram regulamentados pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional revela que os atos infralegais criaram requisitos que não foram estabelecidos diretamente por Lei.


    A Portaria PGFN n. 448/2019 introduziu duas condicionantes adicionais: a necessidade de apresentação de garantias para obtenção do parcelamento ordinário e a criação de um teto no valor de R$ 1.000.000,00 para realização do parcelamento simplificado.


    A IN RFB n. 1891/2019 inseriu um requisito: a existência de um teto no valor de R$ 5.000.000,00 para realização do parcelamento simplificado.


    A legalidade da exigência da apresentação de garantia real ou fidejussória para realização do parcelamento ordinário não é objeto de controvérsias, porque há dispositivo expresso na Lei n. 10.522/2002 que autoriza a criação dessa condicionante7.


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    1. “Art. 11. O parcelamento terá sua formalização condicionada ao prévio pagamento da primeira prestação, conforme o montante do débito e o prazo solicitado, observado o disposto no § 1º do art. 13 desta Lei.


    Contudo, o mesmo não ocorre com relação aos tetos criado pela RFB e pela PGFN como um limite para obtenção do parcelamento simplificado.


    A ausência de dispositivo legal específico que autorizasse ao Executivo estabelecer essa restrição gera questionamentos sobre a legalidade dos atos mencionados.


    É este o tema sobre o qual nos debruçaremos a seguir.


  4. DA LEGALIDADE DOS TETOS CRIADOS PELA PORTARIA PGFN N. 448/2019 E PELA IN RFB N. 1891/2019 COMO LIMITE PARA OBTENÇÃO DO PARCELAMENTO SIMPLIFICADO

      1. Da insuficiência do argumento de que não há autorização expressa na lei que permita ao Poder Executivo estabelecer requisitos para obtenção do parcelamento


        Em 2 de outubro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça afetou o REsp n. 1.724.834/SC, o REsp

        n. 1.679.536/RN e o REsp n. 1.728.239/RS para serem julgados de acordo com a sistemática dos Recursos Repetitivos. O objetivo é uniformizar a seguinte controvérsia: se é possível um ato infralegal estabelecer um teto para realização do parcelamento simplificado ou se essa limitação ofende o regramento estabelecido pela Lei n. 10.522/2002.


        Sob a perspectiva pragmática, verificamos uma tendência em enxergar nessa prática uma ilegalidade. Todos os Tribunais Regionais Federais assim o tem se manifestado8. E o argumento é um só: o art. 14-C da Lei n. 10.522/20029 não autorizou ao Executivo estabelecer condicionantes à obtenção do parcelamento.


        No entanto, do nosso ponto de vista, essa questão tem sido enfrentada de maneira superficial pelos Tribunais. O fato de o art. 14-C nada dispor sobre a possibilidade de o Executivo criar requisitos adicionais é circunstância insuficiente para fundamentar um juízo de ilegalidade.


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        § 1º Observados os limites e as condições estabelecidos em portaria do Ministro de Estado da Fazenda, em se tratando de débitos inscritos em Dívida Ativa, a concessão do parcelamento fica condicionada à apresentação, pelo devedor, de garantia real ou fidejussória, inclusive fiança bancária, idônea e suficiente para o pagamento do débito, exceto quando se tratar de microempresas e empresas de pequeno porte optantes pela inscrição no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – Simples, de que trata a Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996.”


        8 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (7ª Turma). AC n. 0018373-20.2015.4.01.4000 0018373-20.2015.4.01.4000, Rel. Hercules Fajoses, julgado em 29.08.2017.

        BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região (3ª Turma). AG n. 0013209720174020000 0001320-97.2017.4.02.0000, Rel. Luiz Norton Baptista de Mattos, julgado em 27.07.2017.

        BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (1ª Turma). ApelRemNec. n. 00114693220154036100, Rel. Wilson Zauhy, julgado em 17.09.2019.

        BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (2ª Turma). AG n. 50214604220194040000, Rel. Rômulo Pizzolatti, julgado em 27.08.2019. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região (3ª Turma). AG n. 08085539420184050000, Rel. Rogério Fialho Moreira, julgado em 14.09.2018.

        1. “Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em

          confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário.”


          Assim entendemos porque existe no texto constitucional diversos enunciados que versam sobre a vinculação do Poder Executivo à lei, do que são amostras o inciso II do art. 5º10, o inciso XXXIX do art. 5º11, o inciso I do art. 15012 e o parágrafo único do art. 17013. Tais enunciados permitem a construção de normas jurídicas distintas, que vinculam a administração pública de maneira mais ou menos rígida.

          O inciso I do art. 150, por exemplo, exige que a lei estabeleça o tributo, e o inciso XXXIX do art. 5º impõe que a lei defina o crime. Em ambos os casos, os verbos utilizados pelo texto revelam a existência de uma contenção à atuação do Executivo, a exigir do aplicador do direito que a norma jurídica em sentido estrito seja construída a partir de enunciados que foram introduzidos por lei.


          O mesmo não ocorre com relação ao inciso XXXIX do art. 5º, que veda a imposição de alguma obrigação senão em virtude de lei. Nessa hipótese, a expressão utilizada indica a existência de certa autonomia do Executivo, a possibilitar que a norma jurídica em sentido estrito possa ser construída tanto a partir dos enunciados de lei quanto a partir dos enunciados inseridos por atos infralegais.


          É o que defende Eros Roberto Grau:


          “Nesta oportunidade pretendo, no exame do princípio da legalidade, cogitar exclusivamente de um dos múltiplos aspectos, nele, a reclamar atenção. Tome-se o seu enunciado na Constituição de 1988, art. 5º, II: ‘ninguém será́ obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’.

          Ora, há visível distinção entre as seguintes situações: i) vinculação da Administração às definições da lei; ii) vinculação da Administração às definições decorrentes – isto é, fixadas em virtude dela – de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei, no segundo, em face da reserva da norma (norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar; ou regimental). [...]

          Tanto isso é verdadeiro – que o dispositivo constitucional em pauta consagra o princípio da legalidade em termos apenas relativos – que em pelo menos três



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        2. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

        II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”


        11 “Art. 5º [...]

        XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”


        1. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

          I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”


        2. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

          Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos

          públicos, salvo nos casos previstos em lei.”


          oportunidades (isto é, no art. 5º, XXXIX, no art. 150, I, e no parágrafo único do art. 170) a Constituição retoma o princípio, então o adotando, porém, em termos absolutos: não haverá crime ou pena, nem tributo, nem exigência de autorização de órgão público para o exercício de atividade econômica, sem lei – aqui entendida como tipo específico de ato legislativo – que os estabeleça. Não tivesse o art. 5º, II, consagrado o princípio da legalidade em termos somente relativos, e razão não haveria a justificar a sua inserção no bojo da constituição, em termos então absolutos, nas hipóteses referidas.”14


          Portanto, o que o inciso II do art. 5º da CF exige é tão somente que a lei tenha conferido ao Poder Executivo, ainda que de modo implícito, a faculdade de normatizar o tema, e que o ato infralegal seja compatível com a lei15. É o que pensa Marçal Justen Filho:


          “Isso não significa que a atribuição da competência normativa de segundo grau dependa de previsão explícita em lei. Exige-se a lei, mas isso não equivale a afirmar que tal lei teria de determinar, em termos explícitos e completos, quer a existência, quer a extensão das competências normativas de segundo grau. A configuração de um poder normativo de segundo grau se produz ainda quando a lei não dispuser sobre esse tema.”16


          Daí por que nos parece insuficiente o argumento de que as portarias são ilegais porque editadas sem supedâneo expresso no art. 14-C da Lei n. 10.522/2002. Do nosso ponto de vista, é necessário um esforço hermenêutico maior, que leve em consideração também a possibilidade da existência de uma autorização implícita.


          É o que passaremos a fazer.


      2. Da existência de uma autorização implícita


        1. Da permissão conferida à Fazenda Pública como uma justificativa para o reconhecimento do poder de normatizar


          O dever-ser que une a hipótese e a consequência recebe o nome de operador deôntico ou dever-ser interproposicional, porque aparece entre a proposição hipótese e a proposição consequente. Sua ação é fulminante. Realizando-se o fato previsto no suposto, instaura-se a consequência, de modo automáticos e infalível17.



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          1. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 247.


          2. Ibid.


          3. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: RT, 2018, Epub.


          4. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 410.


            Dentro do consequente há um outro dever-ser, que entrelaça o sujeito pretensor ao sujeito devedor, no contexto da relação jurídica. Esse dever-ser interno é denominado de dever-ser intraproposicional, por estrar dentro da proposição tese, e se triparte necessariamente nos modais obrigatório, permitido e proibido18.

            Daí por que há uma completude sintática no ordenamento jurídico, que advém da regra do quarto excluído: toda conduta é permitida, obrigatória ou proibida, não existindo outra possibilidade19.

            Como o modal deôntico é um operador relacional, a permissão de um sujeito equivale a

            obrigação de outro sujeito a permitir o exercício da conduta do primeiro20.


            Fizemos essas observações porque o art. 14-C, que versa sobre o parcelamento simplificado, utiliza o verbo “poder”. E isso significa o seguinte: alguém – a Fazenda Pública ou o contribuinte – tem a permissão para fazer ou não alguma coisa, e alguém – a Fazenda Pública ou o contribuinte – tem a obrigação de aceitar a escolha feita pelo primeiro.


            O que nos propomos agora é identificar qual dos sujeitos ocupa o polo ativo e o polo passivo dessa relação jurídica. Ou seja, responder quem tem a permissão e quem tem a obrigação. Para tanto, procederemos a um comparativo entre os enunciados que tratam do parcelamento das empresas em recuperação judicial, do parcelamento ordinário e do parcelamento simplificado.


            O art. 10-A, que trata do parcelamento do empresário ou da sociedade empresária em recuperação judicial, possui a seguinte redação:


            “Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

            1. – da 1ª à 12ª prestação: 0,666%;

            2. – da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento);

            3. – da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento);

            4. – 84ª prestação: saldo devedor remanescente.”


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          5. Ibid.


          6. MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva: completabilidade e sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2014, p. 6-7.


          7. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010.


            A maneira como o verbo poder foi utilizada pelo caput do art. 10-A indica que a permissão é direcionada ao empresário ou à sociedade em recuperação judicial. São eles que “poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional”.


            Essa conclusão é reforçada pelos §§ 3º e 4º do art. 155-A do Código Tributário Nacional, abaixo colacionados:


            “Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

            § 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

            § 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.”

            O § 3º utiliza um verbo cogente (disporá) destinado às Fazendas Públicas federal, estaduais e municipais, impondo a elas um dever de criar um regime diferenciado de parcelamento para os devedores em recuperação judicial. O § 4º estabelece uma sanção em caso de omissão da conduta exigida: nesse caso, o devedor em recuperação judicial tem o direito de parcelar seus débitos conforme as leis gerais de parcelamento da entidade federativa competente, sendo garantido que o prazo não seja inferior ao concedido pela lei federal específica.


            Tais razões permite-nos concluir que essa modalidade de parcelamento implica numa permissão aos contribuintes. São eles que podem ou não realizar a opção por parcelar seus débitos. Cabe à Fazenda Pública, como detentora de uma obrigação, tão somente aceitar a escolha realizada.

            O mesmo não ocorre com relação ao parcelamento ordinário, disciplinado pelo art. 10 da Lei n. 10.522/2002:


            “Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.”


            A expressão “a exclusivo critério da autoridade fazendária” indica que, uma vez requerido o parcelamento pelo sujeito passivo, cabe ao Fisco realizar uma escolha: deferir ou não o pedido formulado.


            É da Fazenda Nacional, portanto, a permissão.


            O mesmo raciocínio se aplica ao parcelamento simplificado, previsto pelo art. 14-C da Lei n. 10.522/2002:


            “Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário.”

            A maneira pela qual o enunciado empregou o verbo poder (poderá ser concedido parcelamento) indica, uma vez mais, que a permissão é da Fazenda Nacional. Quem concede o parcelamento é o Fisco. Logo, é dele a opção por deferir ou não o pedido formulado, ou de propor ou não o parcelamento, em caso de parcelamento de ofício21.


            Pois bem.


            Quando a legislação atribui ao sujeito passivo da relação obrigacional tributária, como o fez com relação ao parcelamento das empresas em recuperação judicial, o direito de parcelar, a seu exclusivo critério, os débitos que possui com a Fazenda Pública, pensamos não existir espaço para se falar em atribuição implícita ao Executivo do poder de normatizar. Do contrário, haveria uma violação do ato infralegal à lei: um ato editado por quem tem a obrigação poderia esvaziar a permissão.


            Por outro lado, quando a legislação confere ao sujeito ativo da relação obrigacional a permissão para aceitar ou não o pedido de parcelamento, pensamos que a lei atribui implicitamente ao Executivo o poder para normatizar o tema, mediante o estabelecimento de requisitos para fruição do benefício.


            Assim pensamos porque o princípio da impessoalidade, como uma faceta da isonomia, impõe que contribuintes em situação equivalente sejam tratados de modo igualitário22. Desse modo, a existência de uma permissão ao Fisco para aceitar ou não o pedido de parcelamento impõe que a escolha seja governada por critérios que sejam uniformes, a exigir a edição de normas gerais e abstratas que estabeleçam que critérios são esses.


            Ademais, assim como ocorre com o lançamento tributário, o agente da administração pública que avalia a existência de hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário atua de maneira vinculada, sem a possibilidade de emitir juízos de conveniência e oportunidade. É o que determina o art. 141 do Código Tributário Nacional:


            “Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou

            extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta


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          8. A expressão de ofício deve ser interpretada com cautela. No contexto em que utilizada apenas indica que a iniciativa da proposta pode ser da Fazenda Pública, não significando que a União possa impor o parcelamento ao sujeito passivo. A perfectibilização do parcelamento depende da adesão do sujeito passivo, que resta caracterizada com o pagamento da primeira prestação.


          9. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2019.


            Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade

            funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”


            Por isso, o Poder Executivo precisa estabelecer o conteúdo da sua permissão, como forma de evitar que os pedidos sejam apreciados causticamente por cada servidor público.


            Por fim, o princípio da segurança jurídica exige a promoção de um estado de calculabilidade, entendido como a capacidade de o cidadão antecipar, em larga medida, qual será a norma jurídica aplicável23.

            Esse estado de calculabilidade só pode ser alcançado se, previamente ao pedido de parcelamento, existirem enunciados que permitam ao contribuinte antecipar em que condições seu pedido será aceito.


            Portanto, do nosso ponto de vista, a existência de normas que atribuem à Fazenda Pública o direito de conceder ou não o parcelamento é razão suficiente para justificar o direito à normatização por meio de um ato infralegal. Em casos tais, a edição de normas gerais e abstratas que preencham o conteúdo da permissão é um dever que decorre dos princípios da impessoalidade e da segurança jurídica.


        2. Da existência de antinomia como uma justificativa para o reconhecimento do poder de normatizar


    Existe antinomia quando se liga a uma mesma hipótese consequências jurídicas incompatíveis24.

    Isso ocorre em três situações: (i) quando uma norma obriga fazer algo e uma outra norma proíbe fazê-lo (contrariedade); (ii) quando uma norma obriga fazer algo e uma norma permite não fazê-lo (contraditoriedade); (iii) quando uma norma proíbe fazer algo e uma norma permite fazê-lo (contraditoriedade)25.


    Pois bem. Quando comparamos o art. 10 com o art. 14-C da Lei n. 10.522/2002, concluímos que a lei estabeleceu duas distinções entre o parcelamento ordinário e o parcelamento simplificado: aquele deve ser requerido pelo sujeito passivo e não pode abranger os débitos indicados pelo art. 14; este pode ser requerido pelo sujeito passivo ou proposto pela União, e pode abarcar os débitos mencionados pelo art. 14.



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    1. ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.


    2. GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 227.


    3. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2014, p. 88.


      Tais diferenças apontam para a existência de cinco normas jurídicas de parcelamento26. São elas:

      1. Norma do Parcelamento Ordinário: se o sujeito passivo requerer o parcelamento de débito a que a lei autoriza o pagamento fracionado (todos os débitos, salvo aqueles do art. 14 da Lei n. 10.522/2002), deve ser permitido à Fazenda Nacional deferir o pedido.

      2. Norma do Parcelamento Ordinário construída a partir do art. 14 da Lei n. 10.522/2002 c/c o art. 141 do CTN27: se o sujeito passivo requerer o parcelamento dos débitos indicados no art. 14 da Lei n. 10.522/2002, deve ser proibido à Fazenda Pública deferir o pedido.

      3. Norma do Parcelamento Ordinário de ofício: se o sujeito passivo for devedor de débitos de qualquer natureza, deve ser proibido à Fazenda Nacional propor o parcelamento de ofício.

      4. Norma do Parcelamento Simplificado por inciativa do sujeito passivo: se o sujeito passivo requerer o parcelamento de débitos de qualquer natureza (inclusive daqueles do art. 14 da Lei n. 10.522/2002), deve ser permitido à Fazenda Pública deferir o pedido.

      5. Norma do Parcelamento Simplificado de ofício: se o sujeito passivo for devedor de débitos de qualquer natureza (inclusive daqueles do art. 14 da Lei n. 10.522/2002), deve ser permitido à Fazenda Pública propor o parcelamento de ofício.


      Portanto, a construção das normas de parcelamento com base unicamente nos enunciados da Lei n. 10.522/2002 leva à existência de uma antinomia entre elas.

      A norma 2, que proíbe a Fazenda de deferir o parcelamento dos débitos indicados no art. 14, é contraditória com a norma 4, que permite à Fazenda conceder o parcelamento também dos débitos abarcados por aquele dispositivo.


      A norma 3, que proíbe a Fazenda de propor o parcelamento de ofício, é contraditória com a norma 5, que permite à Fazenda propor o parcelamento ao sujeito passivo.


      Tais antinomias não são resolvidas com base nas soluções oferecidas tradicionalmente pela doutrina.


      O critério da hierarquia é inaplicável, porque todas as normas foram construídas a partir de enunciados inseridos por lei ordinária.



    4. Não estamos considerando a norma de parcelamento das empresas em recuperação judicial.


    5. “Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”


    O critério da cronologia é inócuo, porque ao incluir o art. 14-C à Lei n. 10.522/2002, a Lei n. 11.941/2009 fez menção expressa às vedações do art. 14, reforçando a vigência daquele dispositivo.


    O critério da especialidade é insuficiente, porque a Lei n. 10.522/2002 não diz quando se deve aplicar o art. 14 – parcelamento ordinário – e quando se deve aplicar o art. 14-C – parcelamento simplificado.


    A existência desse impasse impõe ao intérprete a construção de alguma solução. O juiz, quando instado a resolver um conflito sobre a existência ou não do direito ao parcelamento, deve solucionar a demanda, dando razão a uma das partes da lide.


    Do nosso ponto de vista, a solução se encontra no reconhecimento de que, ao atribuir consequências distintas para hipóteses idênticas, a lei autorizou ao Executivo normatizar os parcelamentos ordinário e simplificado, de modo a criar critérios que permitam identificar qual a norma geral e qual a norma de exceção.


    Assim pensamos porque, do contrário, ou o parcelamento ordinário seria uma classe vazia, porque todas as situações se amoldariam à norma que prevê o parcelamento simplificado; ou a norma que prevê o parcelamento simplificado seria um conjunto vazio, e todas as situações passariam a ser regradas pela norma que prevê o parcelamento ordinário.


    Do nosso ponto de vista, essa solução não é adequada, por duas razões: primeira, porque é tomada sem nenhum critério, uma vez que é o intérprete quem escolhe qual das normas utilizar; segundo, porque a solução não compatibiliza as normas jurídicas em conflito, deixando uma delas sem a aptidão para normatizar as condutas intersubjetivas.


  5. CONCLUSÃO

A Lei n. 10.522/2002 atribuiu implicitamente ao Executivo o poder para criar condições à obtenção do parcelamento simplificado, sendo legais os tetos estabelecidos pela Portaria PGFN n. 448/2019 e pela Instrução Normativa RFB n. 1891/2019.


Assim pensamos porque o art. 14-C da Lei n. 10.522/2002 criou uma permissão à Fazenda Pública, e não ao contribuinte. É dela a opção por deferir ou não o pedido formulado.


Em assim sendo, a edição de normas gerais e abstratas que preencham o conteúdo da permissão é um dever que decorre dos princípios da impessoalidade e da segurança jurídica.


Ademais, a construção das normas de parcelamento com base unicamente nos enunciados da Lei n. 10.522/2002 conduz à existência de uma antinomia entre elas, que não é superável pela adoção dos critérios da hierarquia, da especialidade e da cronologia.


Assim, a solução para a antinomia se encontra no reconhecimento de que, ao atribuir consequências distintas para hipóteses idênticas, a lei autorizou ao Executivo normatizar os parcelamentos ordinário e simplificado, de modo a criar critérios que permitam identificar qual a norma geral e qual a norma de exceção.


Do contrário, ou o parcelamento ordinário seria uma classe vazia, porque todas as situações se amoldariam à norma que prevê o parcelamento simplificado; ou a norma que prevê o parcelamento simplificado seria um conjunto vazio, e todas as situações passariam a ser regradas pela norma que prevê o parcelamento ordinário.


Para nós, essa solução não é adequada, por duas razões: primeira, porque é tomada sem nenhum critério, uma vez que é o intérprete quem escolhe qual das normas utilizar; segundo, porque a solução não compatibiliza as normas jurídicas em conflito, deixando uma delas sem a aptidão para normatizar as condutas intersubjetivas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2014.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.


GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: RT, 2018.

MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva: completabilidade e sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2014.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010.