A TRIBUTAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO DECORRENTE DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO PELO IRPJ E PELA CSLL
TAXATION OF UNDUE TAXES ARISING FROM FINAL AND UNAPPEALABLE COURT DECISION BY IRPJ AND CSLL
Especialista em Direito Penal Econômico pelo IDPEE – Faculdade de Direito de Coimbra/IBCCrim. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. São Paulo/SP. E-mail: tonelli.renato@hotmail.com
Recebido em: 07-09-2020
Aprovado em: 29-10-2020
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-16
O trabalho discute o momento em que deve ocorrer a tributação pelo IRPJ e pela CSLL do indébito tributário reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. A análise adota como premissas teóricas considerações gerais sobre a tributação da renda, especialmente a constatação de que renda disponível é renda líquida, assim como o princípio da realização da renda, da perspectiva do evento crítico, que corresponde ao momento em que se verifica a sua disponibilidade. Em seguida, o tema é examinado nas duas modalidades de aproveitamento do crédito pelo contribuinte: no recebimento de valores em espécie através de precatório ou de requisição de pequeno valor ou na compensação administrativa, na sistemática de tributação tanto pelo regime de caixa, como pelo regime de competência.
The article discusses the moment when the taxation of undue taxes arising from final and unappealable court decision by IRPJ and CSLL occurs. As theoretical premises, the analysis adopts general considerations on income taxation, especially that disposable income is net income, as well as the realization principle, in the perspective of the critical event, which corresponds to the moment of the availability of income. Then, the main subject is analyzed through the two ways of using the credit by the taxpayer: the cash receipt or administrative compensation, both in cash and accrual system.
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca examinar o momento em que ocorre a disponibilidade da renda decorrente de indébito tributário reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, em ação individual ajuizada pelo contribuinte.
A incidência do IRPJ e da CSLL será analisada tendo-se em vista duas hipóteses de recuperação do crédito pelo contribuinte: no recebimento de valores em espécie por intermédio de precatório ou requisição de pequeno valor (RPV) ou na compensação administrativa, na sistemática de tributação tanto pelo regime de caixa, como pelo regime de competência.
Inicialmente, nos dois primeiros tópicos apresentam-se as premissas teóricas do trabalho: o primeiro tratará de questões genéricas sobre a tributação da renda, oportunidade em que se concluirá que a renda disponível passível de tributação é a renda líquida. E o segundo analisará o princípio da realização da renda, sob o enfoque do evento crítico, concluindo que a disponibilidade da renda ocorre no momento em que for possível atestar, com maior segurança, que todas as condições geradoras do acréscimo patrimonial encontram-se presentes.
Esses dois tópicos, em que pese tratarem de temas relacionados, foram separados por razões de clareza e didática.
Em seguida, serão apresentadas questões gerais sobre a tributação do indébito tributário reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, ocasião em que se concluirá que, independentemente da forma de aproveitamento escolhida pelo contribuinte, o valor do indébito tributário deve ter sido anteriormente reconhecido como despesa dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL na sistemática do lucro real, para, somente assim, poder sofrer a incidência desses tributos.
O tópico seguinte analisará a recuperação do indébito tributário através de precatório ou requisição de pequeno valor – RPV, para concluir que a disponibilidade da renda não ocorre
no trânsito em julgado da decisão judicial, tampouco na expedição do precatório, como defendido pela Receita Federal do Brasil.
Será demonstrado que a disponibilidade da renda, no regime de caixa, ocorre com o efetivo pagamento dos valores, e que, no regime de competência, ocorre com o empenho orçamentário do montante a ser desembolsado pelo Estado em favor do contribuinte.
Ato contínuo, o texto examinará a recuperação do indébito tributário por intermédio da compensação administrativa.
Nessa oportunidade, serão afastados os posicionamentos que entendem que a disponibilidade da renda se dá no trânsito em julgado da decisão judicial, na habilitação de créditos, na transmissão da Declaração de Compensação (DCOMP) ou na homologação das compensações.
Concluir-se-á que o evento crítico de realização da renda, no regime de competência, ocorre no ato de reconhecimento administrativo do crédito pleiteado pelo contribuinte quando da transmissão da DCOMP, ocasião em que há a liquidação e a obtenção de certeza dos valores acrescidos ao patrimônio do particular. E, no regime de caixa, ocorre na homologação de cada um dos débitos compensados pelo contribuinte.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A TRIBUTAÇÃO DA RENDA: RENDA TRIBUTÁVEL É A RENDA LÍQUIDA DISPONÍVEL
O trabalho não tem por objetivo tratar das diferentes noções econômicas de renda. Adota- se como premissa o conceito fundamental de renda admitido consensualmente pela doutrina especializada1, a partir do modelo Schanz, Haig e Simons (ou sistema SHS), segundo o qual a renda corresponde ao somatório do consumo e do acréscimo patrimonial do indivíduo verificado em um determinado período2, o que representa uma noção de renda tributável mais próxima da ideal3.
Essa noção econômica de renda serve como limite à conceituação jurídica de renda pela União no exercício de sua competência constitucional prevista no art. 153, III, da CF/1988. Em outras palavras, ao conceituar renda por intermédio de lei complementar, tal como prescrito pelo art. 146, III, a, da CF/1988, o ente político não é inteiramente livre para escolher os fatos geradores, a base de cálculo e os contribuintes sujeitos à incidência tributária, mas
deve obediência ao conceito econômico de renda, aos princípios constitucionais e à repartição de competências constitucionais em matéria tributária4.
Em abono a essa ideia e rejeitando teorias exclusivamente legalistas da noção de renda5, segundo as quais o legislador seria inteiramente livre para sua definição6, exemplifica-se a impossibilidade de a atividade legiferante considerar como renda o “fato de alguém andar a pé na Rua Direita” ou o “simples fato de alunos assistirem aulas na faculdade”7, assim como desconsiderar os princípios da tributação, especialmente a capacidade contributiva e a realização da renda8.
O Código Tributário Nacional, em seu art. 43, incisos I e II, estabeleceu uma definição abrangente de renda, que acolheu as teorias da renda-acréscimo (inciso II) e da renda- produto (inciso I)9, esta compreendida como o “produto do capital, do trabalho ou de ambos”, de forma que qualquer delas é suficiente para auferir a renda tributável10.
Não é correto afirmar que a renda-acréscimo abrangeria integralmente a renda-produto11: existem situações em que se verifica o acréscimo patrimonial sem que se constate a renda- produto, como no caso dos ganhos de capital; e situações em que não se verifica o acréscimo patrimonial, mas apenas a renda na perspectiva da renda-produto, como na hipótese da tributação na fonte sobre rendimentos pagos a não residentes12.
A despeito disso, para que se possa falar na incidência do imposto de renda, é necessário que a renda seja adquirida e que sobre ela haja disponibilidade, da perspectiva jurídica ou econômica13.
Sobre esse tema, muito já se debateu na doutrina acerca da definição e do alcance das
expressões “disponibilidade econômica” e “disponibilidade jurídica”.
Em uma acepção tradicional, a disponibilidade jurídica consiste na aquisição do direito à renda, sem que tenha ocorrido a respectiva percepção em dinheiro ou em valores e bens suscetíveis de avaliação em pecúnia. Ao revés, a disponibilidade econômica consiste no fato de os valores estarem em caixa em benefício do contribuinte14.
A partir desse posicionamento, seria possível estabelecer uma relação do dispositivo do Código Tributário Nacional com os métodos contábeis de apuração das receitas e das despesas componentes da renda tributável, em que a disponibilidade jurídica corresponderia ao regime de competência, e a disponibilidade econômica, ao regime de caixa15.
Para Brandão Machado, a disponibilidade sempre representa a aquisição de direitos, sejam eles de natureza pessoal ou real. Por esse motivo, encontra dificuldade em explicar a existência de uma “disponibilidade econômica de acréscimo de direitos”, a qual seria, por sua vez, um resquício da doutrina alemã sobre propriedade econômica presente nos estudos de Rubens Gomes de Souza16.
Avançando nessa discussão, Luís Eduardo Schoueri reputa equivocado confundir disponibilidade jurídica com regime de competência e disponibilidade econômica com regime de caixa. Haveria tão somente disponibilidade, que, independentemente da sua classificação, é apta a fazer incidir o imposto de renda17.
Defende, entretanto, que a disponibilidade econômica remete à denominada “consideração econômica”, de modo que o legislador poderia desconsiderar as formas jurídicas de Direito Privado para definir a tributação a partir de uma hipótese econômica, com base no que o art. 116 do Código Tributário Nacional denomina de “situação de fato”.
Um outro posicionamento digno de registro, apesar de minoritário, é o de Ricardo Mariz de Oliveira, segundo o qual a disponibilidade corresponde ao acréscimo patrimonial decorrente de atividades lícitas, e a disponibilidade econômica decorre de atividades ilícitas18.
A despeito das considerações acima, importa verificar para este estudo o sentido da
expressão “disponibilidade”.
Apesar das diferentes definições dadas pela doutrina, há disponibilidade no momento em que o titular da renda pode conferir-lhe a destinação que reputar devida. Esse é o ponto em que se pode decidir pelo pagamento do imposto ou por dar à renda uso diverso19. Em outras palavras, a disponibilidade corresponde ao evento em que se verifica a manifestação de capacidade contributiva e que, consequentemente, permite a incidência do imposto sobre a renda20.
A renda disponível, entretanto, deve ser líquida. Noutros termos, a renda tributável deve ser aquela resultante da dedução de todas as despesas necessárias à obtenção da riqueza sujeita à incidência tributária21. Ou seja, somente depois de computados os ingressos e as saídas necessárias em determinado período é que se poderá falar na existência de renda tributável22.
Portanto, a tributação da parcela referente aos gastos necessários à obtenção da renda ou mesmo à manutenção da fonte produtiva de riqueza equivaleria a tributar valores que não constituem renda e que não denotam a manifestação de capacidade contributiva23.
Luís Eduardo Schoueri, citando Joachim Hendrichs, indica que a capacidade contributiva
– ou seja, a manifestação de renda tributável – pressupõe liquidez, ou, pelo menos, liquidez potencial, predicado esse necessário para o pagamento de tributos24. É dizer, somente depois de apurado de maneira segura e correta o valor da renda é que se pode submetê-la à tributação.
Essa noção de que o imposto de renda somente pode incidir sobre a renda líquida disponível será essencial para o enfrentamento da questão de fundo discutida nos tópicos seguintes.
A REALIZAÇÃO DA RENDA E O ENFOQUE DO EVENTO CRÍTICO
A realização da renda deve ser compreendida no sentido de disponibilidade da renda25. Confunde-se com a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica e representa o
momento em que ocorre o influxo de riqueza nova passível de tributação ao final do período de apuração26.
Vincula-se a dois aspectos da hipótese de incidência do imposto de renda: ao elemento material, na verificação do que seja renda líquida disponível, e ao elemento temporal, na constatação do momento em que ocorre a disponibilidade jurídica ou econômica da renda27.
O primeiro aspecto foi tratado no tópico precedente, em que se concluiu ser passível de tributação pelo imposto de renda somente a renda líquida disponível.
O segundo aspecto será tratado neste tópico, especificamente no que diz respeito ao momento em que se considera ocorrida a disponibilidade da renda.
Segundo indispensável estudo de Victor Borges Polizelli sobre o tema, o princípio da realização constitui diretriz geral que visa à alocação temporal de rendas e de despesas, desde que observadas condições mínimas e suficientes de: materialidade, consistente na ocorrência de fatos relevantes relativamente à renda; objetividade, relacionada à possibilidade de mensuração do valor da renda; e prudência, relativa à segurança na apuração da renda28. Bulhões Pedreira29, ao tratar do assunto, indicou critérios similares, acrescentando como elemento adicional ao princípio da realização, contudo, a conversão de direitos como acréscimo ao patrimônio mediante troca de mercado30.
A implementação do princípio da realização demanda a definição pela lei tributária dos critérios de realização, os quais, por sua vez, correspondem aos fatos específicos da atividade econômica escolhidos como evento gerador da renda31.
Com efeito, o ciclo produtivo de uma determinada atividade econômica pode envolver uma série de eventos que evidenciem, dentro de uma perspectiva econômica, a geração de renda32: a produção e a agregação de riqueza a um determinado bem gera “renda- acréscimo”; a venda de um bem no mercado, com o recebimento do preço, gera “renda- acréscimo” e “renda-produto”; o consumo do bem gera “renda-consumo”; e o bem-estar individual decorrente do consumo gera a “renda-psíquica”.
Todos esses eventos poderiam, em tese, ser eleitos pelo legislador como eventos críticos geradores de renda33. Entretanto, a realização exige uma segurança na apuração da renda tributável, no sentido de que a tributação deve alcançar situações concretizadas, concluídas e definitivas na órbita do Direito34.
Por esse motivo, no exemplo indicado, optou-se por definir como evento crítico a “venda do bem”, que corresponde, da ótica do Direito Privado, ao momento em que se celebra o negócio jurídico e se estabelece o sinalagma entre as partes, no qual uma deve entregar o produto e a outra pagar o preço acordado. Isso denota a verificação da renda-produto (recebimento do preço) e, eventualmente, da renda-acréscimo (aferível apenas ao final do período de apuração), conceitos esses abarcados pela hipótese de incidência tributária prevista no art. 43 do Código Tributário Nacional35.
A abordagem do tema da perspectiva do evento crítico busca assegurar que a tributação da renda ocorra somente no momento em que for possível concluir, com maior segurança, que todas as condições geradoras do acréscimo patrimonial estejam presentes.
Foge aos limites deste trabalho tratar das relações entre Direito e Contabilidade36, mas deve-se ressaltar que a realização da renda é orientada por princípios contábeis geralmente aceitos, como a continuidade, a prudência e a objetividade37. Esses princípios possuem como desdobramento os elementos de mensurabilidade, liquidez e certeza da renda, predicados que devem estar presentes para que determinado valor seja reconhecido38 e, consequentemente, tributado.
Entretanto, deve-se ressaltar que nem todas as hipóteses que potencialmente gerem renda tributável podem ser resumidas a uma troca de mercado. Nos casos em que isso não acontece, como ocorre no tema de fundo objeto deste estudo, o evento crítico deve ser examinado buscando-se verificar na cadeia dos possíveis acontecimentos relevantes para o Direito Tributário o momento em que seja possível, com objetividade e prudência39, mensurar a renda disponível, em valores líquidos, precisos.
O evento crítico, portanto, representa o marco temporal em que ocorre a realização e, consequentemente, a disponibilidade de renda líquida passível de tributação.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A TRIBUTAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO RECONHECIDO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO PELO IRPJ E PELA CSLL
O dever de devolução do indébito tributário decorre de um comportamento ilegal do Estado, ao exigir, cobrar ou receber pagamento de tributo em inobservância aos preceitos que a lei tributária determina. A pretensão do contribuinte em reaver os valores pagos em contrariedade ao Direito visa a garantir que o particular pague exclusivamente os tributos nos termos da legalidade40.
A cobrança indevida passível de devolução independe do respectivo motivo, daí por que a enumeração das hipóteses nos incisos do art. 165 do Código Tributário Nacional seria dispensável, pois, em qualquer hipótese, haveria a cobrança de tributo em desobediência ao princípio da legalidade41.
Os valores reconhecidos como indevidos, no caso sob análise, por intermédio de decisão judicial definitiva sujeitam-se à incidência do IRPJ e da CSLL somente nos casos em que o contribuinte tenha sido tributado pelo lucro real, e a despesa com o pagamento do tributo indevido tenha reduzido a base tributável daquele período42.
Ao revés, se o contribuinte tiver sido tributado indevidamente pelo lucro presumido ou arbitrado, a despesa com o pagamento de tributo indevido em nada terá impactado a apuração da base tributável, razão pela qual não comporá a base tributável do IRPJ do período em que ocorrer a disponibilidade jurídica ou econômica da renda43.
Isso decorre do fato de a repetição de indébito, na sistemática do lucro real, corresponder à recuperação de valores deduzidos anteriormente como custo ou despesas, pois, por natureza, figuram como elementos integrantes dos gastos necessários para a produção de riqueza44. A razão de ser dessa recuperação e das consequências fiscais que gera tem função sistemática e consistente com o tratamento do evento na sistemática do IRPJ45.
Na legislação fiscal brasileira, o art. 44, inciso III, da Lei n. 4.506/1964 prescreve que as recuperações ou as devoluções de custos, deduções ou provisões, quando dedutíveis, deverão ser adicionadas à apuração do lucro operacional da entidade.
Também o art. 53 da Lei n. 9.430/1996 traz previsão similar, acrescentando que, mesmo que a entidade esteja sujeita à tributação pelo lucro presumido ou pelo lucro arbitrado no momento da disponibilidade da renda decorrente da recuperação do indébito tributário, caso tenha deduzido o tributo indevido de apuração anterior em que sujeita ao lucro real, deverá igualmente adicioná-lo à apuração do lucro do período46.
Essa mesma conclusão é aplicável à apuração da CSLL, por força das regras previstas, respectivamente, no art. 57 da Lei n. 8.981/1995, no art. 28 da Lei n. 9.430/1996, e no art. 2º da Lei n. 7.689/1988.
O objeto do trabalho está restrito aos casos envolvendo ações individuais favoráveis ao contribuinte, transitadas em julgado. Não é o caso de examinar o tratamento do tema em relação às ações com eficácia erga omnes, nos casos em que há a declaração de inconstitucionalidade da incidência e da cobrança de determinado tributo47.
Com o trânsito em julgado da fase de conhecimento do processo judicial, em que há o reconhecimento da inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da incidência tributária, o contribuinte pode optar por duas formas de reaver o indébito tributário, nos termos da Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça: recebimento, em dinheiro, através de precatório/requisição de pequeno valor; ou compensação administrativa.
Essas opções se mostram possíveis ainda que o pedido inicial formulado em juízo tenha sido tão somente a declaração do indébito tributário, já que mesmo as sentenças de cunho exclusivamente declaratório possuem eficácia executiva48.
Apenas para fins de registo, anteriormente à inclusão do art. 170-A no Código Tributário Nacional, ocorrida no ano de 2001, as compensações poderiam ser feitas antes do trânsito em julgado da ação judicial individual, diretamente na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF. Nessa hipótese, cabia à Administração Tributária, com o término da ação judicial, realizar a análise do crédito passível de compensação e eventualmente homologá-la.
Também é digna de nota a possibilidade de restituição administrativa do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado prevista até a revogação da Instrução Normativa RFB n. 900/200849, ocorrida no ano de 2012. A partir da vigência da Instrução Normativa RFB n. 1.300/2012, proibiu-se a restituição administrativa, sendo possível, apenas, a compensação dos créditos originados de decisão judicial definitiva50, regramento igualmente vigente na atual Instrução Normativa RFB n. 1.717/201751.
A questão atualmente ganhou relevância pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça, em decisões recentes52, ter permitido ao contribuinte a apresentação de um pedido de restituição administrativa em virtude do reconhecimento do indébito tributário em ação judicial com decisão favorável transitada em julgado.
Esse posicionamento, permitido administrativamente até poucos anos atrás e, atualmente, em algumas decisões judiciais, é contrário à sistemática prevista pelo constituinte originário.
O pagamento em espécie pelo Estado de valores decorrentes de decisão judicial transitada em julgado deve ser feito por intermédio da sistemática prevista no art. 100 da CF/1988, regra essa que não pode sofrer flexibilizações diversas daquelas presentes expressamente no texto constitucional.
Sobre esse assunto, inexiste previsão normativa para um procedimento híbrido, em que o reconhecimento do direito creditório seja feito perante o Poder Judiciário e apenas a operacionalização do pagamento de eventual valor seja realizado administrativamente.
Veja-se que, mesmo nos casos envolvendo mandados de segurança, cujo provimento jurisdicional possui execução imediata em face da autoridade impetrada, para fazer cessar a ilegalidade ou abuso53, nas hipóteses de pagamento de valores devidos entre a data da impetração e a implementação da ordem concessiva, esse pagamento deve ser feito por intermédio do regime de precatórios54. Sabe-se, ademais, que os valores eventualmente devidos em períodos anteriores à impetração não são passíveis de recebimento, por óbice nas Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.
Assim, em relação a essa sistemática em tese referida, pode-se afirmar que tal expediente representaria burla à sistemática de pagamentos constantes do art. 100 da CF/1988, visto que seria possível que o particular viesse a receber administrativamente seu crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, em inobservância à ordem de pagamentos de valores dessa natureza aplicável à generalidade dos sujeitos que tenham valores a receber do Estado oriundos de uma discussão judicial.
Em todo caso, independentemente da forma escolhida pelo contribuinte, deve-se examinar se o valor que se pretende restituir ou compensar fora anteriormente reconhecido como despesa dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL na sistemática do lucro real, para, somente assim, poder-se concluir se o valor recuperado sofrerá ou não a incidência desses tributos55.
A TRIBUTAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO NO RECEBIMENTO DE VALORES POR PRECATÓRIO OU POR REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR
O pagamento de valores devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judicial transitada em julgado será feito em ordem cronológica de apresentação dos precatórios, ressalvados os casos de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, que, no caso da União56, equivale a sessenta salários mínimos57.
O posicionamento da Receita Federal do Brasil é no sentido de que a disponibilidade da renda pode ocorrer em uma das seguintes hipóteses: se o indivíduo for tributado pelo regime de caixa, na data de recebimento do precatório ou da RPV; se o indivíduo for tributado pelo regime de competência, como ocorre na sistemática do lucro real, na data do trânsito em julgado da sentença judicial que define o valor a ser restituído58.
Por outro lado, caso a sentença judicial não defina o valor do indébito tributário, a disponibilidade ocorrerá na data do trânsito em julgado da sentença que julgar a impugnação da Fazenda Pública ao cumprimento de sentença, ou na data de expedição do precatório ou RPV, no caso de a Fazenda Pública não impugnar o cumprimento de sentença59.
Esse entendimento foi seguido por outras manifestações da Receita Federal do Brasil, em análise de Soluções de Consulta pela Cosit ou, de forma descentralizada, antes da Instrução
Normativa n. 1.396/2013, pelas Disit de cada uma das 10 Regiões Fiscais distribuídas pelo País60.
A doutrina, acertadamente, critica esse posicionamento e, para demonstrar a incorreção do entendimento da Administração Tributária, analisa-o a partir de quatro vetores a serem utilizados para determinar o momento em que a renda decorrente da decisão judicial transitada em julgado pode ser considerada disponível: definitividade, certeza, capacidade contributiva e congruência61.
Note-se que esses vetores muito se assemelham aos critérios da materialidade, da objetividade e da prudência, indicados no item 3, supra, como norteadores da realização e, portanto, da disponibilidade da renda62.
Em relação ao regime de caixa, a solução pela Administração Tributária figura-se correta. Ao revés, na sistemática de apuração pelo regime de competência, os eventos críticos indicados nas manifestações da Receita Federal do Brasil como indicadores da disponibilidade da renda não se sustentam.
Nesse sentido, mesmo que uma decisão judicial da fase de conhecimento tenha definido o valor do indébito tributário e tenha transitado em julgado, ainda assim pode sujeitar-se a impugnação da Fazenda Pública, com fundamento distinto do excesso de execução, a exemplo da inexequibilidade do título ou mesmo da incompetência do juízo de origem63. Nesses casos, não é possível afirmar a existência de definitividade nos valores reconhecidos pela decisão judicial.
Ademais, os valores constantes da decisão judicial transitada em julgado, ainda que seja a decisão relativa à impugnação fundada em excesso de execução, ou mesmo quando objeto de expedição do precatório pelo juízo competente, não são definitivos, já que sujeitos a alterações até o momento do efetivo pagamento dos valores pela Fazenda Pública.
Exemplificando, destaca-se a dificuldade de mensuração do valor de mercado do precatório, o qual, muitas vezes, é significativamente inferior ao valor de face do título, ocasionando cessões de crédito e recebimento de valores em patamares muito divergentes ao que o sujeito receberia ao final da espera do pagamento do precatório64.
Além disso, somam-se os casos dos leilões e do regime especial de pagamento dos precatórios previstos no art. 97 do ADCT, declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal65. Segundo essas regras, o credor do Estado, para receber os valores antecipadamente, poderia participar de um leilão em que sairia vencedor caso concedesse em favor do Estado o maior deságio sobre seu crédito, assim como havia a possibilidade de negociação direta entre o ente público e o credor para a celebração de acordo, mediante concessão de desconto sobre o valor do crédito66.
Esses três exemplos indicam a ausência de certeza dos valores que representam acréscimo patrimonial. Caso admitida a posição da Administração Tributária, inicialmente haveria a tributação sobre o valor total do precatório e, se posteriormente houvesse um leilão, uma negociação ou uma cessão de crédito, a efetiva disponibilidade seria muito provavelmente em montante inferior ao do precatório, acarretando pagamento indevido relativamente a parcela que não pode ser considerada renda.
Com efeito, pelo fato de os valores, da perspectiva da Administração Tributária, não serem definitivos nem certos, haveria afronta à capacidade contributiva, pois não se estaria diante de riqueza disponível.
Finalmente, Caio Augusto Daniel Neto estabelece a necessidade de definição do evento crítico a partir da congruência com as normas da contabilidade pública para o reconhecimento e o pagamento da despesa decorrente do precatório67.
Para o autor, somente seria possível falar na disponibilidade da renda quando houvesse o empenho dos valores a serem pagos pela Fazenda Pública, argumentando, para tanto, que isso decorreria da aplicação do art. 35, II, da Lei n. 6.420/1964, segundo o qual, para fins da execução orçamentária, somente pertencem ao exercício financeiro as despesas nele empenhadas68.
De acordo com as regras orçamentárias, o empenho é o ato emanado pela autoridade competente que cria para o Estado a obrigação de pagamento69. Esse empenho passa por uma fase posterior, denominada liquidação, em que há verificação do direito adquirido pelo
credor70, para posteriormente ser objeto de pagamento, mediante entrega de numerário em favor do credor71.
A análise em questão é consistente da perspectiva orçamentária. No entanto, a contabilidade pública traz regras referentes a diferentes formas de contabilização da despesa pública: para execução orçamentária e para conhecimento da composição patrimonial e dos resultados econômicos e financeiros do ente público72.
Segundo consta do Manual de contabilidade aplicada ao setor público73, a ótica orçamentária trazida pela Lei n. 4.320/1964 não é suficiente para a correta mensuração, avaliação e registro dos fatos contábeis do setor público. Por esse motivo, a contabilidade pública deve obedecer aos princípios gerais de contabilidade, que demandam a aplicação do regime da competência em sua integralidade, para o reconhecimento de receitas e de despesas74.
Ou seja, os efeitos das transações e outros eventos sobre o patrimônio devem ser reconhecidos quando ocorrem, independentemente de recebimento ou pagamento pelo Estado. Nessa lógica, não se exige que as despesas orçamentárias sejam empenhadas ou que as receitas orçamentárias sejam efetivamente arrecadadas para que haja o devido reconhecimento do ponto de vista patrimonial75.
Da perspectiva patrimonial, regidas pelas regras da contabilidade, no caso, pelo regime de competência, as receitas são denominadas variação patrimonial aumentativa (VPA), e as despesas, variação patrimonial diminutiva (VPD)76.
Nesse contexto, verifica-se a existência de três tipos de relacionamentos entre o segundo estágio da execução orçamentária (liquidação) e o reconhecimento da despesa (VPD). O momento em que a despesa deve ser reconhecida para fins contábeis pode ocorrer: antes da liquidação; simultaneamente à liquidação; e após a liquidação77.
Note-se que no regime patrimonial contábil, diferentemente do orçamentário, o reconhecimento da despesa pode variar e não necessariamente possui um marco temporal fixo. Isso acaba por impedir que o lançamento da VPD seja considerado como evento crítico, por ser incompatível com a certeza que a realização da renda pressupõe.
Mas, em todos os casos, independentemente do momento em que reconhecida a VPD, a contrapartida gerada pela VPD no passivo – por exemplo, “precatório a pagar” – é baixada quando há o pagamento feito pelo Estado (C: Caixa; D: Passivo – Precatório a pagar). Além disso, em termos orçamentários, debita-se a conta “Crédito Empenhado Liquidado” e credita-se a conta “Crédito Empenhado Pago”78. Em outras palavras, a execução do crédito empenhado sempre será evento que levará à baixa da contrapartida gerada pela VPD.
Em sendo o empenho o ato consistente na reserva de dotação orçamentária para um fim específico, no qual devem constar o nome do credor, a especificação do credor e a importância da despesa, assim como os demais dados necessários ao controle da execução orçamentária79, é correto afirmar que se trata do evento mais seguro para a individualização dos valores a receber pelo particular.
Ainda que no regime de competência seja estimada a saída dos valores em diferentes momentos temporais, somente com o empenho é que há a certeza do montante a ser desembolsado pelo Estado, sendo esse o evento crítico que melhor se alinha aos critérios norteadores da realização da renda, de forma a atestar a disponibilidade da renda líquida.
No que tange à sistemática do pagamento por intermédio de precatório ou RPV, é possível verificar situações em que o evento crítico poderá ser antecipado para momento anterior ao empenho dos valores: na cessão do crédito do precatório e na compensação, pois seriam momentos em que se teria a plena certeza e definitividade do ganho obtido pelo contribuinte, viabilizando a tributação80.
Em relação à cessão dos valores do precatório, a afirmação é verdadeira, no sentido de que normalmente ocorre antes do empenho do crédito. Além disso, a tributação deve recair sobre o valor efetivamente cedido, já que a diferença não pode ser considerada custo ou despesa recuperados e, portanto, renda disponível.
Na compensação, não necessariamente haverá a antecipação da realização em relação ao empenho do precatório. Por exemplo, na requisição de pequeno valor, que consiste em ordem de pagamento imediata, o empenho quase sempre ocorre antes da desistência da execução por parte do credor, da habilitação do crédito, da transmissão do PER/DCOMP
compensando os débitos e, principalmente, da análise do direito creditório pela Administração Tributária, com consequente homologação das compensações.
A TRIBUTAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO NA COMPENSAÇÃO
A compensação possui fundamento no art. 170 do Código Tributário Nacional, e os requisitos e condições para a respectiva realização constam, em geral, do art. 74 da Lei n. 9.430/1996.
Em relação aos créditos reconhecidos judicialmente, o art. 170-A do Código Tributário Nacional, incluído no ano de 2001, estabelece que a compensação somente poderá ser efetuada depois do trânsito em julgado da decisão respectiva81.
Nessa hipótese, previamente à compensação por intermédio da entrega de DCOMP, é necessária a habilitação prévia do crédito perante a Receita Federal do Brasil, oportunidade em que serão examinados aspectos formais relativamente à decisão judicial concessiva do direito de crédito82.
A compensação declarada à Administração Tributária extingue o crédito tributário sob condição resolutória da respectiva homologação83. Da decisão de análise do direito creditório eventualmente desfavorável ao contribuinte, é cabível a apresentação de manifestação de inconformidade, cujo rito observará o disposto no Decreto n. 70.235/1972, que trata das regras gerais do processo administrativo fiscal na esfera federal84.
Essas são as disposições normativas que mencionam ou disciplinam os principais eventos relativos à compensação administrativa, que servirão como base para a análise da definição do evento crítico para a realização da renda decorrente de crédito reconhecido por decisão transitada em julgado.
Deve-se destacar a ausência de entendimento uniforme em relação ao evento que caracteriza a disponibilidade da renda nos escassos posicionamentos existentes sobre o tema.
Das manifestações existentes, defende-se a ocorrência da disponibilidade no trânsito em julgado da decisão judicial85, na habilitação de créditos86, na transmissão da DCOMP87 ou na homologação das compensações88.
Nos tópicos seguintes, cada um desses eventos será examinado à luz das premissas teóricas adotadas nos tópicos precedentes, assim como de eventuais manifestações e subsídios teóricos e jurisprudenciais que se mostrarem pertinentes para análise.
Trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o indébito tributário
No entendimento da Receita Federal do Brasil, a tributação dos valores indevidos deve ocorrer no momento do trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o indébito tributário, quando for objeto de compensação administrativa.
Defende-se que a sentença judicial transitada em julgado corresponde ao título jurídico que representa a aquisição de disponibilidade de renda, pois é o momento em que o direito ao crédito torna-se certo e, assim, incorpora-se ao patrimônio do titular, consubstanciando hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL, desde que o indébito tenha sido anteriormente deduzido como custo/despesa na apuração89.
Além disso, argumenta-se que, uma vez transitada em julgado a decisão, o contribuinte pode realizar a compensação de débitos sem anuência da Administração Tributária, de forma que qualquer apreciação feita em face da DCOMP apresentada deverá ocorrer nos estritos termos da decisão judicial definitiva90.
Por esse motivo, o título judicial deveria sempre basear-se em créditos líquidos e certos, o que encontraria amparo na literalidade do art. 170 do Código Tributário Nacional, que exige esses predicados para que o crédito seja passível de compensação91.
Esses argumentos, contudo, não encontram respaldo nas premissas teóricas adotadas neste trabalho, que admite como renda disponível somente a renda líquida, ou seja, aquela que tenha valor objetivamente definido.
A sistemática do reconhecimento judicial do indébito tributário, na maior parte das vezes92, não ingressa no mérito relativo ao montante de tributo indevidamente recolhido: há apenas a declaração da inconstitucionalidade/ilegalidade da incidência questionada em juízo93.
Tanto é assim que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há quase vinte e cinco anos entende que o Poder Judiciário pode reconhecer o crédito tributário como passível de compensação, competindo, entretanto, exclusivamente à Autoridade Fiscal controlar o cumprimento dos requisitos legais da compensação, especialmente a existência, a liquidez e a certeza do crédito compensado94.
Dessa forma, em sendo a pretensão do particular obter provimento jurisdicional que lhe permita compensar o indébito tributário reconhecido por decisão judicial, a efetiva apuração do quantum dos recolhimentos indevidos deverá ocorrer no âmbito administrativo, assegurada à Autoridade Tributária a plena fiscalização das compensações95.
E isso está de acordo com manifestação já produzida pela própria Receita Federal do Brasil: ao afirmar que, independentemente da forma de recebimento ou aproveitamento dos créditos reconhecidos por decisão judicial, deve-se examinar se o valor que se pretende restituir ou compensar foi anteriormente reconhecido como despesa dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL na sistemática do lucro real, a fim de, apenas nessa hipótese, poder-se concluir se os valores recuperados sofrerão ou não a incidência desses tributos96.
Além disso, o fato de o art. 170 do Código Tributário Nacional determinar que os créditos compensados se revistam de certeza e de liquidez, por si só, não leva à conclusão de que os créditos reconhecidos por decisão judicial automaticamente possuam esses predicados.
É plenamente possível que, independentemente da existência de ação judicial, o contribuinte compense débitos com créditos inexistentes ou mesmo em montante superior ao eventualmente existente, ou seja, um crédito que não seja certo nem líquido em sua integralidade.
Nesses casos, durante a atividade administrativa de análise do crédito, muito provavelmente haverá o não reconhecimento do crédito e a não homologação das compensações que não possuírem respaldo em provas apresentadas pelo interessado.
Não bastasse isso, é a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o indébito tributário que há o início da contagem do prazo prescricional para a compensação administrativa dos créditos97.
A prescrição, vista do ângulo de direitos contra a Administração Pública, possui prazo de cinco anos e é regulada pelo Decreto n. 20.910/1932. Segundo doutrina de Agnelo Amorim Filho, o início do prazo prescricional corresponde ao nascimento da pretensão, que não se confunde com o conceito de ação98.
De forma simples, a pretensão é um poder dirigido contra o sujeito passivo da relação de direito substancial, ao passo que a ação, concebida como direito público subjetivo, autônomo e abstrato, preexistente à relação de direito material que lhe é subjacente, é dirigida contra o Estado, para que exerça sua atividade jurisdicional99.
Admitir o início do prazo prescricional apenas com o surgimento do direito de ação levaria à existência de situações, na prática, imprescritíveis. Isso porque o início do respectivo prazo ficaria ao arbítrio de somente um dos envolvidos na relação jurídica, que julgaria o momento mais oportuno, independentemente de qualquer limitação temporal, para provocar o sujeito passivo da relação e, eventualmente, obter deste a recusa que legitima a propositura da ação judicial100.
Por essa razão é que o prazo prescricional surge necessariamente com a pretensão101, ou seja, com a posição subjetiva de exigir uma conduta positiva ou negativa102 de outrem, fato esse anterior à própria ação, em consagração da segurança jurídica que norteia a própria existência e a estabilidade/pacificação das relações jurídicas ao longo do tempo103.
Essa breve digressão teórica é importante para afirmar que o contribuinte está sujeito à observância de prazo prescricional para compensar administrativamente o indébito
tributário decorrente de decisão judicial transitada em julgado, ainda que todo o procedimento de compensação ocorra somente perante a Receita Federal do Brasil, não demandando qualquer apreciação jurisdicional sobre o tema.
No presente caso, a pretensão do particular consiste em pleitear o reconhecimento pela Administração Tributária do crédito apontado na DCOMP, o que está sujeito ao prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/1932.
Em outras palavras, o prazo de que o contribuinte dispõe para exigir do poder estatal a sua pretensão somente tem início no instante em que o direito questionado se torna definitivo, ou seja, quando a questão antes controversa reveste-se da certeza e da imutabilidade decorrente da coisa julgada material.
Assim, em sendo o marco temporal de início da contagem da prescrição objetivamente definido, não é possível admitir como termo inicial a desistência da execução judicial da decisão104, pois esse evento, além de ficar ao livre arbítrio da parte interessada, não possui influência para o exercício da pretensão em face da Administração Tributária.
No que diz respeito à questão da disponibilidade da renda, mostra-se possível a ocorrência da prescrição da pretensão do particular, com a impossibilidade de compensação do crédito.
Admitir-se a tributação com o trânsito em julgado da ação judicial mostra-se, portanto, equivocada, pois não há nesse momento crédito líquido, ou seja, renda disponível, assim como é possível que os valores sequer possam ser aproveitados pelo particular através de compensação, na eventual ocorrência da prescrição.
Habilitação de crédito
A habilitação de crédito, como condição para a apresentação de DCOMP, constitui procedimento exclusivamente formal, por meio do qual a Administração Tributária busca examinar questões fáticas relativas à ação judicial e ao próprio contribuinte105.
Com isso, pretende-se evitar que um contribuinte que não possua título judicial transitado em julgado em que lhe seja reconhecido o direito à recuperação do indébito tributário proceda à compensação de débitos.
A Administração Tributária apenas examina se o sujeito passivo figura no polo ativo da ação, se a ação se refere a tributo administrado pela Receita Federal do Brasil, se a decisão judicial transitou em julgado, se o pedido foi apresentado no prazo de cinco anos contados
da data do trânsito em julgado da decisão e se houve homologação da desistência de eventual execução judicial da decisão pelo Poder Judiciário106.
Nesse procedimento não há análise de mérito relativamente ao quantum do crédito indicado pelo contribuinte, de forma que não implica reconhecimento do direito creditório ou homologação da compensação107.
Além disso, vale destacar que, no período em que a habilitação esteja pendente de análise, o prazo prescricional para apresentação da DCOMP fica suspenso108.
Desse modo, ao contrário do que restou consignado no dispositivo de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região109, não se pode admitir que esse procedimento se preste a efetivamente liquidar o crédito originado de uma decisão judicial transitada em julgado, motivo pelo qual não pode ser considerado como evento crítico passível de disponibilidade da renda.
Transmissão da DCOMP
Defende-se a consideração da transmissão da DCOMP como evento crítico para a disponibilidade da renda pelo fato de o referido documento ter efeito extintivo imediato, com a respectiva consequência patrimonial110, hipótese em que ocorre a eliminação de um passivo tributário com a utilização de um valor reconhecido judicialmente e habilitado administrativamente111.
Além disso, argumenta-se que a incidência do disposto no art. 117, inciso II, do Código Tributário Nacional leva à ocorrência do fato gerador do imposto de renda, em virtude de estar-se diante de um ato jurídico pendente de condição resolutória112.
O posicionamento em questão mostra-se equivocado por dois motivos.
O primeiro motivo corresponde ao fato de ser inviável considerar como crédito líquido e certo – portanto, indicador de disponibilidade de renda – valores unilateralmente informados pelo contribuinte quando da transmissão do PER/DCOMP.
É um erro admitir que o contribuinte possa unilateralmente “confessar” perante a Administração Pública um valor de crédito de maneira definitiva, resultando disso a plena disponibilidade da renda decorrente do reconhecimento do indébito tributário por decisão transitada em julgado.
Há, apenas, o exercício de uma pretensão em face do Estado, na qual se busca o reconhecimento e a apuração do quantum do crédito, o que ocorre por intermédio de ato a ser praticado privativamente pela Administração Tributária, quando da análise dos valores apresentados no PER/DCOMP.
Em outras palavras, não é o contribuinte quem, por iniciativa própria, procede à liquidação da decisão judicial e informa à Administração Tributária o valor de crédito que lhe deve ser reconhecido.
O sujeito passivo tão somente estima os valores que reputa serem devidos e os leva para apreciação das autoridades fiscais, as quais, em procedimento administrativo, procederão à liquidação da decisão judicial e ao reconhecimento do montante de crédito passível de compensação113.
Esse entendimento fundamenta-se na lógica subjacente à ideia de necessidade de uma manifestação do Estado na constituição do crédito tributário no lançamento por homologação.
Luís Eduardo Schoueri rechaça a hipótese admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça114 de que o lançamento tributário possa ser feito por ato unilateral do sujeito passivo, sem qualquer participação da Administração Pública, no assim denominado “autolançamento”115.
Na verdade, a literalidade das disposições do Código Tributário Nacional, especialmente o art. 3º e o art. 142, prescreve ser o lançamento atividade privativa da Administração Tributária, inclusive no caso de lançamento por homologação.
Desse modo, nos termos do art. 150 do Código Tributário Nacional, o pagamento efetuado pelo sujeito passivo não é tido como definitivo, mas será considerado uma antecipação do crédito tributário constituído quando da homologação. Essa homologação, ressalte-se, poderá ocorrer de forma expressa, ou tácita, a despeito da ausência de previsão legal
expressa indicando que a atividade administrativa de constituição do crédito possa decorrer de uma omissão da Administração Tributária, neste último caso116.
Em que pese entender-se necessária a participação do Estado na constituição do crédito tributário, a jurisprudência não vem apenas dispensando o lançamento, mas equiparando a atividade de declaração e de antecipação do pagamento do contribuinte a um lançamento, admitindo-se que um ato privativo do Estado, de acordo com as disposições do Código Tributário Nacional, possa ser praticado pelo particular117.
Assim, o débito declarado e não pago pelo contribuinte pode ser diretamente levado à cobrança executiva, sem a necessidade de um lançamento. Essa mesma sistemática consta no regramento referente à compensação tributária, na qual, nos termos do art. 74, § 6º, da Lei n. 9.430/1996, o débito indicado na DCOMP corresponde a uma confissão de dívida e um instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito118.
A partir dessas considerações, o que se pretende concluir é que, no caso do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, a liquidação e o reconhecimento dos valores passíveis de compensação não podem prescindir de uma atuação da Administração Tributária, atividade essa que não se mostra passível de “delegação” ao particular.
E o segundo motivo consiste na impossibilidade de aplicação do art. 117, inciso II, do Código Tributário Nacional, para considerar ocorrida a disponibilidade da renda, tendo-se em vista a compensação tributária não corresponder a ato ou negócio típico de Direito Privado.
Ao tratar do fato gerador do tributo como situação jurídica, Luís Eduardo Schoueri indica que o fato jurídico-tributário se refere a uma situação contemplada por outro ramo do Direito. São os casos em que o Direito Tributário atua como “direito de sobreposição”, pois faz incidir a tributação sobre situação previamente regulada pelo Direito. Exemplifica indicando que, na hipótese de um contrato celebrado de acordo com as leis civis, somente produzirá efeitos na ordem tributária quando o negócio jurídico estiver completo e acabado. Por isso que, havendo condição sobre esse negócio, a lei tributária deverá respeitar-lhe os efeitos119.
Não é o que ocorre na compensação tributária, instituto regido por normas estatutárias de Direito Público.
Ademais, admitir-se como realizados os valores de crédito pleiteados pelo contribuinte na transmissão da DCOMP levaria à tributação pelo IRPJ e pela CSLL da totalidade de um
montante que pode vir a ser negado integralmente pela Administração Tributária, quando da análise do direito creditório, e, assim, não aproveitado para compensação.
Soma-se a isso que os efeitos patrimoniais da compensação pendente de homologação não são definitivos e não necessariamente geram benefícios ao contribuinte, já que, no caso de a Administração Tributária não reconhecer o direito creditório e não homologar as compensações, ainda que parcialmente, haverá a cobrança, além do montante principal compensado, de juros incidentes desde a transmissão do PER/DCOMP e de multa de mora e de ofício120.
Decisão de análise e de reconhecimento do direito creditório e a homologação das compensações
O posicionamento defendido neste estudo é o de que o evento crítico de realização da renda na compensação corresponde ao momento do expresso reconhecimento do direito creditório pela Administração Pública.
Dentre os possíveis marcos envolvendo a compensação tributária, é na análise administrativa do direito creditório pleiteado pelo contribuinte na DCOMP que ocorrem a liquidação e a obtenção de certeza dos valores acrescidos ao patrimônio do particular, sujeitos, portanto, à tributação do IRPJ e da CSLL.
Até então, desde o trânsito em julgado da decisão judicial até a transmissão da DCOMP, passando pela habilitação administrativa dos créditos, não se estava diante de crédito objetivamente mensurável e disponível de forma incontroversa, mas, apenas, de pretensão formulada em face da Administração Pública.
Demonstrou-se no tópico anterior que a liquidação da decisão judicial ocorre em âmbito administrativo, por intermédio de ato da Administração Pública em que se constatam a existência, a liquidez e a certeza do crédito compensado121.
Pelo fato de a decisão judicial não ser líquida, é necessária a instauração de uma fase instrutória pela Autoridade Tributária de origem no curso do procedimento de análise do direito creditório, ocasião em que deve ser oportunizada a apresentação de alegações e, sobretudo, de documentos que comprovem a origem do crédito compensado, assim como o anterior reconhecimento dos valores como despesa dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL na sistemática do lucro real.
Somente assim é que se poderá concluir pela disponibilidade de renda e pela incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores recuperados.
É, portanto, o ato administrativo da Autoridade Fiscal da origem, após regular contraditório, que efetivamente liquida o valor do indébito e reconhece o montante passível de compensação, a ser considerado como acréscimo patrimonial122.
Veja-se que a renda disponível, nessas circunstâncias, contém uma particularidade: ela possui destinação vinculada à compensação de débitos. Ou seja, não há possibilidade de conferir-lhe a destinação que entender cabível123. Ao revés, os valores reconhecidos pela Administração Tributária e, portanto, disponíveis, somente podem ser utilizados para a compensação de débitos por intermédio de DCOMP.
Esse tema passa por uma discussão polêmica ainda não solucionada, a qual, contudo, não será objeto de aprofundamentos neste trabalho: existe prazo para esgotamento das compensações do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado?
Noutros termos, dentro do prazo de cinco anos contado do trânsito em julgado, o contribuinte deve consumir todo o crédito na compensação124 ou somente pleitear a integralidade do direito creditório e dar início às compensações125?
Adotando-se o segundo posicionamento, que se reputa correto, verifica-se que o reconhecimento administrativo do crédito ocorre uma única vez, com análise feita em relação à respectiva integralidade. Assim, o consumo do crédito pode protrair-se no tempo, em transmissões de DCOMP posteriores, nas quais será informado, como origem, o mesmo crédito já analisado.
Isso permite afirmar que, uma vez reconhecido o crédito por ato da Administração Pública, a homologação das compensações não surte efeito em termos de disponibilidade. É somente a manifestação da Autoridade Tributária que reconhece o direito creditório em favor do contribuinte que representa o evento da disponibilidade.
Caso adotado o entendimento diverso, a afirmação acima não é invalidada, pois o consumo da integralidade do crédito disponível compensado ocorrerá concomitantemente ao respectivo reconhecimento, com a homologação das compensações126.
Por esse motivo não é possível admitir apenas a homologação das compensações como evento indicativo da disponibilidade da renda, pois ela pode ocorrer concomitantemente ou posteriormente ao reconhecimento do direito creditório. No primeiro caso haverá coincidência com o evento de realização da renda. No segundo, haverá somente a utilização efetiva de um crédito já reconhecido.
A despeito da advertência trazida por Fernando Aurélio Zilveti, no caso da disponibilidade do indébito tributário reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, o evento de realização confunde-se com a liquidação da renda, o que, inclusive, é admitido pelo autor, em algumas circunstâncias127.
Assim, tem-se que o evento crítico indicativo da disponibilidade da renda, na compensação tributária do crédito reconhecido judicialmente, corresponde ao ato administrativo que reconhece o direito creditório, no regime de competência, e ao efetivo aproveitamento do crédito, com a homologação da compensação, no regime de caixa.
Decisões da DRJ em manifestação de inconformidade e do CARF em recurso voluntário ou em recurso de ofício
Diante de um despacho decisório128 que não reconheça total ou parcialmente o crédito pleiteado quando da transmissão da DCOMP, o contribuinte pode recorrer administrativamente, por meio de manifestação de inconformidade, cujo rito obedecerá ao disposto no Decreto n. 70.235/1972129.
Nesse caso, a manifestação de inconformidade será analisada em primeira instância pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) e, em segunda instância, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que possui atribuição para apreciar recursos voluntários e de ofício apresentados contra a decisão proferida em primeira instância130.
Veja-se que o exercício ao direito de recurso administrativo é facultativo e, caso exercido, a matéria levada ao conhecimento das demais instâncias administrativas será limitada aos temas que forem objeto de recurso interposto pelo contribuinte, de forma que os pronunciamentos que não foram impugnados tornam-se definitivos131.
Na questão de fundo ora tratada, os valores de crédito eventualmente reconhecidos pela Autoridade Tributária na origem são incontroversos, irrecorríveis, o que se justifica em face da vedação à reformatio in pejus em desfavor do contribuinte nas instâncias recursais administrativas132. Caso seja verificada alguma inexatidão ou incorreção pelas instâncias recursais que leve ao agravamento da exigência fiscal, deverão ser efetuados novo lançamento ou nova notificação pela instância de origem, assegurando-se igual possibilidade de recurso ao contribuinte133. Isso porque, em regra, é o ato administrativo que reconhece o direito creditório na origem, na exata medida do deferimento, que corresponde ao evento crítico de disponibilidade da renda.
As decisões eventualmente proferidas pelas instâncias recursais somente complementarão a decisão da origem, elevando o montante de crédito passível de compensação pelo contribuinte, o que também permite considerá-las como evento crítico realizador da renda. Isso é mais evidente na situação em que há o indeferimento integral do direito creditório pela instância de origem: o evento crítico revelador da existência de renda disponível será a decisão da DRJ ou do CARF que reconhecerem o direito creditório, ainda que parcialmente. Ato contínuo, as compensações serão homologadas até o limite do crédito reconhecido por essas instâncias.
Cumpre destacar que, no contencioso atinente à compensação de créditos, por expressa prescrição do art. 27, inciso IV, da Lei n. 10.522/2002, inexiste a figura do “recurso de ofício” previsto no art. 34, incisos I e II, do Decreto n. 70.235/1972, contra decisões proferidas pela DRJ. Em outras palavras, eventual decisão proferida pela DRJ que reconheça algum valor de crédito em favor do particular será, nessa parte, igualmente definitiva. Assim, em face dela caberá tão somente recurso voluntário do contribuinte, relativamente à parcela de crédito que remanesceu não reconhecida.
Essa conclusão não invalida o quanto indicado no item 5.4, supra: seja o crédito reconhecido total ou parcialmente pela instância de origem, pela DRJ ou pelo CARF, haverá um ato administrativo emanado pela Administração Pública que liquidará o crédito originado da decisão judicial transitada em julgado e reconhecerá como renda disponível o montante passível de aproveitamento pela compensação.
CONCLUSÃO
A renda disponível, passível de tributação, é a renda líquida. Somente depois de apurado de maneira segura e correta o valor da renda é que se pode submetê-la à tributação, o que implica considerar presente a necessidade de objetiva mensuração dos valores acrescidos ao patrimônio.
O tratamento do princípio da realização da renda da perspectiva do evento crítico busca assegurar que a tributação da renda ocorra apenas no momento em que for possível concluir, com maior segurança, que todas as condições geradoras do acréscimo patrimonial estejam presentes.
O evento crítico representa o marco temporal em que ocorre a realização e, consequentemente, a disponibilidade de renda líquida passível de tributação.
Os valores reconhecidos como indevidos por decisão judicial definitiva sujeitam-se à incidência do IRPJ e da CSLL somente nos casos em que o contribuinte tenha sido tributado pelo lucro real, e a despesa com o pagamento do tributo indevido tenha reduzido a base tributável daquele período.
Com o trânsito em julgado da fase de conhecimento do processo judicial, o contribuinte pode optar por duas formas de reaver o indébito tributário, nos termos da Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça: recebimento, em dinheiro, através de precatório/requisição de pequeno valor; ou compensação administrativa.
Na recuperação do indébito tributário através de precatório ou RPV, a disponibilidade, no regime de caixa, ocorre com o efetivo pagamento, enquanto que, no regime de competência, ocorre com o empenho do montante a ser desembolsado pelo Estado, sendo esse o evento crítico que melhor se alinha aos critérios norteadores da realização da renda.
Na recuperação do indébito tributário através da compensação, não há entendimento uniforme em relação ao evento que caracteriza a disponibilidade da renda: nas manifestações até então existentes, defendeu-se a ocorrência da disponibilidade no trânsito em julgado da decisão judicial, na habilitação de créditos, na transmissão da DCOMP ou na homologação das compensações.
Contudo, nenhum desses eventos é hábil para caracterizar a disponibilidade da renda.
Dos possíveis eventos envolvendo a compensação tributária, é no ato de reconhecimento administrativo do direito creditório pleiteado pelo contribuinte que ocorrem a liquidação e a obtenção de certeza dos valores acrescidos ao patrimônio do particular, sujeitos, portanto, à tributação do IRPJ e da CSLL.
O evento crítico de realização da renda na compensação corresponde, portanto, ao momento do expresso reconhecimento do direito creditório pela Administração Tributária.
O reconhecimento do direito creditório pode ser complementado por decisões proferidas pela DRJ ou pelo CARF, que consistirão em eventos críticos complementares, relativamente à parcela da renda posteriormente reconhecida como disponível.
A decisão de uma das instâncias recursais também pode constituir-se no evento crítico inicial da realização da renda, notadamente nos casos em que há o indeferimento integral do direito creditório pela instância de origem.
Não se mostra possível admitir, por si só, a homologação das compensações como evento indicativo da disponibilidade da renda, já que ela pode ocorrer concomitantemente ou posteriormente ao reconhecimento do direito creditório: somente no primeiro caso haverá coincidência com o evento de realização da renda, no segundo, representará tão somente o efetivo aproveitamento de um crédito já reconhecido.
Na recuperação do indébito tributário reconhecido por decisão judicial através da compensação, a disponibilidade ocorre, no regime de competência, com o reconhecimento do direito creditório pela Administração Tributária, seja na instância de origem, na DRJ e/ou no CARF, isolada ou cumulativamente, enquanto que, no regime de caixa, a disponibilidade se verifica na homologação de cada um dos débitos compensados.
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