RECEITA TRIBUTÁVEL E REDUÇÃO DE DÍVIDAS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
TAXABLE REVENUE AND DEBT RELIEF IN JUDICIAL REORGANIZATION
LLM em Direito Tributário Internacional pela Vienna University of Economics and Business (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). Mestre em Direito Fiscal pela Universidade de Coimbra. Advogado. E-mail: thiago.marques@bicharalaw.com.br
Recebido em: 07-09-2020
Aprovado em: 26-10-2020
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-18
Este estudo visa demonstrar os impactos fiscais decorrentes do conceito de receita tributável sobre as empresas envolvidas em um cenário de recuperação judicial: tanto empresas devedoras (em recuperação), como empresas credoras. A partir da análise de dois requisitos necessários para a configuração de receita tributável, que apontam para a exigência de ingresso financeiro que revele efetiva capacidade contributiva para que fique caracterizada a receita tributável, o estudo demonstrará não apenas que a redução de dívidas não pode ser considerada como receita tributável da perspectiva das empresas devedoras, mas também que o perdão de dívidas (ainda que parcial) autoriza as empresas credoras a recuperar tributos eventualmente recolhidos sobre valores que, na realidade, não foram recebidos.
This study seeks to show the tax impacts of the concept of taxable revenue on companies involved in a judicial reorganization scenario: both debtor companies (in recovery) and creditor companies. Based on the analysis of
two requirements for the configuration of taxable revenue, which point to the need for financial inflow that reveals an effective ability to pay in order to be characterized as taxable revenue, the study will show not only that the debt relief cannot be considered as taxable revenue from the perspective of debtor companies, but also that the debt relief (even if partial) allows creditor companies to recover any taxes that may have been eventually paid on amounts that were not actually received.
INTRODUÇÃO
A concessão de prazos e condições especiais para pagamento de obrigações vencidas ou vincendas e a novação de dívidas da empresa devedora constituem relevantes meios de recuperação judicial2 que refletem a finalidade que se visa promover com o princípio da preservação da empresa3 de “viabilizar a superação da situação de crise econômico- financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”4.
Diante da relevância de tais meios de recuperação judicial, adquire particular importância o tratamento tributário dispensado à redução de dívidas (ou perdão parcial de dívidas)5, tanto na perspectiva da empresa em recuperação, como na perspectiva de seus credores. De um lado, se forem exigidos tributos da empresa devedora tendo por base as reduções obtidas na renegociação de seu passivo, tais exigências drenarão recursos valiosos para a persecução do objetivo visado com a recuperação judicial. De outro, caso o recebimento pelos credores de apenas parte dos valores acordados seja desconsiderado sob o aspecto fiscal – mantendo-se a tributação das operações realizadas entre tais credores e a empresa em recuperação a partir das bases originalmente contratadas, sem se ter em conta os valores efetivamente recebidos, que muitas vezes são expressivamente inferiores aos que foram inicialmente previstos –, isso repercutirá no alcance das reduções que serão
concedidas, igualmente subtraindo recursos que poderiam (deveriam) ser empregados nos esforços para viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor.
Consequentemente, delimitar a possibilidade de exigência de tributos como PIS/Cofins, IRPJ e CSLL em um cenário de recuperação judicial é imprescindível para orientar a escolha e calibração dos meios de recuperação que serão adotados6. Nesse contexto, uma tentativa apressada de responder a tal necessidade poderia sugerir que a questão se resume a uma colisão entre os objetivos inerentes à recuperação – de permitir a continuidade da empresa, preservando empregos e sua função social e estimulando a atividade econômica
– e os objetivos arrecadatórios – voltados à obtenção de recursos financeiros que permitam ao Estado desempenhar suas atividades, de interesse geral. Mas, além de simplista e questionável7, essa forma dicotômica de abordar o tema ignora o princípio constitucional da capacidade contributiva, que deve necessariamente orientar a tributação e que não pode ser ignorado na definição do conceito de “receita” para fins fiscais, conceito que vincula diretamente a exigência dos mencionados tributos.
Sem descuidar dos aspectos contábeis e normativos pertinentes, este estudo enfatizará dois dos requisitos que devem ser observados para que determinado evento seja classificado como receita para fins jurídico-tributários, inclusive em virtude da necessária observância do princípio da capacidade contributiva. Com isso, pretende-se demonstrar que tanto a controversa (ou mesmo equivocada) afirmação de que “a exigência tributária não está vinculada ao êxito dos negócios privados”8, como a decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf sobre a tributação do perdão parcial de dívidas9, na verdade, não são compatíveis com o conceito de receita tributável e, por isso, não devem orientar o tratamento fiscal conferido à redução de dívidas decorrentes da recuperação judicial.
RECEITAS CONTÁBIL E TRIBUTÁVEL: DISTANCIAMENTOS
O ponto de partida para a análise do tratamento tributário cabível diante do perdão parcial de dívidas no âmbito da recuperação judicial é a definição do conceito de receita tributável. Isso porque, para além de a legislação de regência do PIS/Cofins determinar que a base de cálculo dessas contribuições é a receita das empresas contribuintes10, quer no regime cumulativo, quer no regime não cumulativo, também a prescrição normativa da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL devidos pelas empresas optantes pelo lucro presumido remete à receita auferida por tais sociedades11. Assim, visando definir o conceito de receita tributável, é válido inicialmente perquirir acerca do conceito contábil de receita, tendo em vista especificamente a redução de dívidas.
Conceito contábil de receita e a redução de dívidas
A Resolução n. 2019/NBCTGEC, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), conferiu nova redação à Norma Brasileira de Contabilidade Técnica Geral (NBC TG) Estrutura Conceitual12, acolhendo o Pronunciamento Técnico CPC 00 (R2) emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)13. A NBC TG Estrutura Conceitual “descreve o objetivo do, e os conceitos para, relatório financeiro para fins gerais”14 e, dentre os diversos assuntos que aborda, traz a definição de “receita” para a contabilidade. Nos termos da NBC TG Estrutura Conceitual, “receitas são aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio”15. Ou seja, para a contabilidade, além de resultar da entrada de recursos e do aumento de ativos, a receita também pode resultar da liquidação de passivos16, de modo que, sempre segundo a norma contábil, haverá receita quando da extinção total ou parcial de uma exigibilidade17. Tal definição repercute na questão do reconhecimento de receitas, constando da NBC TG Estrutura Conceitual que “o reconhecimento de receita ocorre ao mesmo tempo que [...] o desreconhecimento do passivo, ou diminuição no valor contábil do passivo”18.
Na linha do que foi brevemente descrito na introdução, é natural (e esperado) que durante o processo de recuperação judicial sejam adotados meios de recuperação que resultem no perdão parcial de dívidas da empresa em recuperação. Subsumindo essa realidade fática à disciplina contábil brevemente descrita nesse tópico, é possível concluir que, para a contabilidade, o resultado da adoção de tais meios de recuperação judicial, ao implicar a
diminuição do passivo da empresa em recuperação, deve ser reconhecido como receita. Diante dessa conclusão, faz-se necessário fixar os limites do alcance do conceito contábil de receita em sede tributária.
Limites do alcance do conceito contábil de receita em sede tributária
Visto que, consoante a disciplina contábil, o perdão parcial de dívidas porventura obtido no curso de recuperação judicial será considerado receita da empresa em recuperação, é preciso avançar e questionar se tal classificação contábil necessariamente vincula a tributação. Uma questão que passa pelo papel da contabilidade na interpretação e aplicação do direito tributário, no intuito de verificar se a “receita” a que remetem a Constituição Federal e as leis tributárias corresponde àquilo que é considerado receita pela contabilidade ou se, ao contrário, é preciso buscar um conceito próprio (constitucional e tributário) de receita para fins de interpretação e aplicação do direito.
Sem colocar em dúvida a relevância do papel desempenhado pela contabilidade em matéria tributária, é inadmissível que conceitos constitucionais e legais estejam subordinados a definições informadas pelas normas contábeis19. Na verdade, é preciso reconhecer que sequer a disciplina contábil tem a pretensão de vincular a tributação. Tanto é assim que a NBC TG 4720 – que também adota uma definição de receita que remete à “redução nos passivos que resultam em aumento no patrimônio líquido”21 – indica expressamente que, apesar de que “a divulgação da receita na demonstração do resultado deve ser feita conforme conceituadas nesta norma”, “a entidade deve fazer uso de outras contas de controle interno, como, por exemplo, ‘Receita Bruta Tributável’, para fins fiscais e outros”22. Percebe-se, portanto, que mesmo as normas contábeis reconhecem a distinção entre os conceitos de receita contábil e receita tributável.
Com efeito, não cabe supor que regras contábeis se imponham em matéria de tributação, seara na qual preponderam as normas constitucionais e legais pertinentes23. A partir dessa constatação e diante da inexistência de disposição constitucional ou legal que indique expressamente o significado de “receita” para fins tributários24, cabe ao intérprete e aplicador do direito determinar seus contornos e conteúdo, o que só pode ser feito com estrita aderência aos princípios constitucionais que informam a tributação25, em meio aos quais está o princípio da capacidade contributiva26, especialmente destacado neste estudo.
Assim, em um esforço para delimitar o alcance de “receita” em âmbito jurídico-tributário, é preciso definir os requisitos necessários para que o resultado de determinado evento possa ser considerado como receita tributável. Dito isso e considerando o foco da presente análise, serão examinados dois requisitos em particular. Inicialmente, será verificado se quaisquer eventos conducentes a resultados positivos que as normas contábeis indicam dever ser registrados como receita configuram receita também no específico âmbito fiscal. Em seguida, nos casos em que se está diante de um efetivo ingresso financeiro, deve-se avaliar se este representa uma receita tributável, tendo necessariamente em conta o princípio da capacidade contributiva para que o conceito de receita tributável que vier a ser fixado seja compatível com esse princípio constitucional27.
Receita para fins jurídico-tributários: necessário ingresso financeiro
Retomando a exposição do tópico II.1, a contabilidade classifica como receita o resultado positivo obtido com a liquidação de um passivo, o que autoriza concluir pela necessidade
(pelo viés contábil) de se reconhecer uma receita quando se verifica um perdão parcial de dívidas28 – que pode perfeitamente resultar dos esforços de recuperação judicial. Contudo, o fato de, da perspectiva das ciências contábeis, o resultado oriundo dos meios de recuperação adotados ser assim classificado não autoriza a automática transposição dessa classificação para o campo jurídico-tributário29, sobretudo tendo em vista que tais resultados, a rigor, não representam qualquer ingresso financeiro (efetivo ou potencial) para a empresa.
Daí a necessidade de ser fixado um primeiro requisito no esforço de definição da receita tributável, concernente à conexão entre o evento fático ocorrido (qualquer que seja a classificação ou registro contábil que receba) e o correspondente ingresso de recursos financeiros. Isso porque receita para fins tributários depende necessariamente da ocorrência de ingresso financeiro30. Tal constatação, que inclusive decorre do uso linguístico em que se dá o emprego do termo “receita”31, implica que eventuais modificações de obrigações decorrentes de operações anteriores, ainda que eventualmente traduzam fato do qual decorre aumento do patrimônio da empresa, por não corresponderem a um ingresso financeiro, não podem ser consideradas como receita para fins tributários32. Naturalmente, isso não significa dizer que tais acréscimos patrimoniais não são passíveis de tributação – ao contrário, os resultados positivos percebidos pela empresa em virtude, por exemplo, da renegociação de dívidas, mesmo que não correspondam a um ingresso financeiro, podem impactar o valor devido por essa empresa a título de tributo, desde que
se esteja diante de tributo voltado especificamente para a tributação da renda dessa empresa, apurada com base no lucro real, e não da sua receita33.
Assim, a renegociação de uma obrigação entre as partes contratantes envolvendo, por exemplo, a aquisição de bens para revenda, e da qual resulte um perdão parcial da dívida decorrente dessa aquisição, representa justamente isto: um perdão parcial de dívida a impactar o custo de aquisição de bens para revenda, nunca uma receita para fins fiscais34. Ainda que tal evento possa afetar o valor devido a título de imposto sobre a renda da empresa quando o imposto for apurado com base no lucro real, referida renegociação não resulta em receita dessa empresa da perspectiva jurídico-tributária, por não ter sido atendido o requisito de ingresso financeiro.
Receita como ingresso financeiro, praticidade fiscal e a questão temporal
A conclusão pela exigência da ocorrência de um ingresso financeiro para que seja possível falar em receita em termos jurídico-tributários não impede que o legislador, inclusive visando promover a praticidade (ou praticabilidade, ou simplificação) fiscal35, fixe como marco temporal da ocorrência do fato gerador dos tributos incidentes sobre a receita momento outro que não propriamente aquele em que se dá o efetivo ingresso36. Em virtude disso é possível, por exemplo, que, quando da celebração do contrato ou da emissão da nota fiscal de venda, considerem-se devidos os tributos incidentes sobre a receita, tendo em vista que na maioria dos casos o ingresso financeiro é simultâneo a esses fatos ou se dá em um momento próximo a eles, o que autoriza a presunção de que tal ingresso realmente ocorrerá37.
Isso não significa, porém, que se esteja diante de uma presunção absoluta, insuscetível de ser oportunamente afastada quando o desenrolar dos fatos deixar de confirmar a expectativa que se tinha com base na generalidade dos casos38. Assim, naquelas situações em que for definitivamente frustrada (mesmo que apenas em parte) a expectativa de que eventos como a celebração de contrato, a emissão de nota fiscal etc. conduzam ao esperado ingresso financeiro, é preciso que também seja ajustada a tributação, que não pode ignorar a realidade quando esta destoar daquilo que foi presumido39. Presunções adotadas, sobretudo, para facilitar a atividade de fiscalização não transmutam a hipótese de incidência para autorizar a exigência tributária sobre fato que não revela (ou revela em patamares inferiores ao presumido) conteúdo econômico40.
Capacidade contributiva e sua projeção sobre a definição de receita tributável
Em adição ao requisito fixado no tópico II.3, a demandar que se verifique um ingresso financeiro para ser possível falar em receita tributável, o segundo requisito que será ressaltado neste estudo remete à necessidade de que tal ingresso seja representativo de capacidade econômica, resultando em acréscimo patrimonial para a empresa que o aufere41. Isso se dá em função da projeção sobre o conceito de receita tributável do princípio da capacidade contributiva, orientador de toda a tributação.
Derivação em âmbito tributário do princípio da igualdade42, o princípio da capacidade contributiva traduz o objetivo de tributar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida dessa desigualdade, alcançando com isso uma tributação mais igualitária e justa43. Para tanto, constatou-se que a igualdade ou desigualdade no contexto
fiscal melhor reflete os objetivos da justiça quando orientada pela capacidade econômica de cada contribuinte em participar do custeio das atividades estatais44. Por esse prisma, a máxima aristotélica aplicada à tributação traduz-se na exigência de que os contribuintes que manifestam igual capacidade econômica sejam tributados de forma similar, ao passo que contribuintes que exibem capacidade econômica desigual sejam tributados de forma distinta, na medida da desigualdade demonstrada45. A finalidade visada é a de uma imposição ajustada à capacidade econômica de contribuir revelada por cada contribuinte, observadas as particularidades do caso concreto46.
Para atender a tal finalidade (constitucionalmente positivada)47, é preciso que o critério eleito para equiparar (ou desequiparar) os contribuintes (com implicações sobre o tratamento fiscal que estes receberão) seja apto a revelar sua força econômica48, que será então interpretada como capacidade de contribuir. É desse prisma que deve ser vista a receita tributável, que apenas cumprirá seu papel como critério de equiparação (ou desequiparação) entre os contribuintes49 quando se mostrar reveladora de efetiva capacidade econômica50. Daí decorre a necessidade de que a receita tributável corresponda não apenas a um lançamento contábil, tampouco a um qualquer ingresso financeiro, mas
tão somente ao novo ingresso financeiro51 que se incorpore ao patrimônio do contribuinte de forma definitiva52, aumentando-o53.
Capacidade contributiva, praticidade fiscal e a questão temporal
Também valem para a questão da capacidade contributiva os comentários tecidos no tópico II.3.a, no sentido de que a presunção, atendendo sobretudo interesses de praticidade fiscal, de que a celebração de determinados negócios jurídicos culminará com os recebimentos previstos e, consequentemente, evidenciará capacidade econômica por parte das empresas contratantes, não é uma presunção absoluta54. Na verdade, o princípio constitucional da capacidade contributiva (em meio a outros princípios)55 exige que seja conferido um tratamento tributário condizente com a realidade vivenciada no caso concreto pelo contribuinte56. Desse modo, uma vez definitivamente frustrada (ainda que em parte) a expectativa de que atos como, por exemplo, a celebração de contrato e a emissão de nota fiscal resultem em efetiva manifestação de capacidade econômica, deve ser revista a tributação, afastando-a da presunção não confirmada e aproximando-a da realidade do caso57. Igualmente válida, portanto, a conclusão no sentido de que tal presunção não altera a hipótese de incidência para autorizar a exigência tributária sobre fato que não revela (ou que revela apenas em parte) conteúdo econômico58.
Receita tributável: ingresso financeiro que represente acréscimo patrimonial
A amplitude semântica do termo “receita” – que visto, por exemplo, por seu viés contábil remete ao resultado de eventos que nem sempre representam ingressos financeiros com o condão de aumentar o patrimônio da empresa – faz com que esse signo, ao ser empregado para fins de tributação, traga o risco de que a exigência fiscal que o tome como referência extrapole o limite daquilo que é permitido pela Constituição Federal – em especial pelos
limites impostos pela positivação constitucional do princípio da capacidade contributiva –
, demandando do intérprete e aplicador do direito um cuidado redobrado no que concerne à sua correta utilização nessa seara59.
Nesse particular, dois requisitos60 indispensáveis devem ser observados para que seja possível qualificar determinado fato como receita tributável: primeiro, deve-se estar diante de um ingresso financeiro (ainda que presumido)61 e, além disso, tal ingresso deve revelar capacidade econômica (ainda que presumida)62. Apenas o ingresso financeiro revelador de capacidade contributiva configura receita tributável. São cumulativos os requisitos: de um lado, se a força econômica exibida não resultar de efetivo ingresso financeiro, não haverá receita tributável63; de outro, se o ingresso financeiro não revelar efetiva capacidade contributiva, não haverá receita tributável64. Desatendido qualquer dos requisitos, conquanto seja possível se tratar de situação capaz de resultar na tributação baseada em fato econômico diverso65, descabe a pretensão de tributar a empresa sob o signo de receita tributável. Além disso, naqueles casos em que o ingresso e a capacidade econômica foram presumidos, a ulterior constatação de que tal presunção não se confirmou demanda também o ajuste da correspondente tributação66.
RE n. 606.107/RS: distinção entre conceitos contábil e tributário de receita
Tanto a autonomia do conceito jurídico-tributário de receita em relação ao conceito contábil, abordada no tópico II.2, quanto os requisitos necessários para a classificação de determinado fato como receita tributável, desenvolvidos nos tópicos II.3 e II.4 e resumidos no tópico II.5, foram analisados e confirmados pelo STF por oportunidade do julgamento
do RE n. 606.107/RS67, sob o rito da repercussão geral, cujo acórdão traz em sua ementa o seguinte trecho:
“O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, ‘b’, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, ‘independentemente de sua denominação ou classificação contábil’. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.
Em seu voto, a relatora, Ministra Rosa Weber, deixa claro que “receita” configura “um conceito constitucional, cujo conteúdo, em que pese abrangente, é delimitado, específico e vinculante, impondo-se ao legislador e à Administração Tributária”. Em virtude disso, prossegue a Ministra, “cabe ao intérprete da Constituição Federal defini-lo, à luz dos usos linguísticos correntes, dos postulados e dos princípios constitucionais tributários, dentre os quais sobressai o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF)”68. Daí ser possível afirmar que não se deve buscar equivalência absoluta entre os conceitos contábil e tributário de receita69.
Portanto, o STF já decidiu, sob o rito da repercussão geral, que receita tributável é um ingresso financeiro que resulta em acréscimo patrimonial para a empresa contribuinte. Essa conclusão (amparada em precedente vinculante do STF), quando aplicada sobre os casos de redução de dívidas propostas e acolhidas no contexto de uma recuperação judicial, traz impactos para todas as empresas implicadas. Da perspectiva da empresa devedora, o resultado positivo percebido com o perdão parcial de dívidas não configura receita tributável por lhe faltar o requisito do ingresso financeiro. Já no que concerne às empresas credoras, a frustração (ainda que parcial) da anterior expectativa de receita oriunda do(s) negócio(s) realizado(s) com a empresa devedora infirma (ainda que parcialmente), de um lado, a presunção (que autorizou a tributação) de que haveria um ingresso financeiro e, de outro, a atribuição de manifestação de capacidade contributiva ao(s) referido(s) negócio(s).
O impacto dessa conclusão sobre a apuração de tributos incidentes sobre a receita dessas empresas será analisado na seção III.
RECEITA TRIBUTÁVEL E REDUÇÃO DE DÍVIDAS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Uma vez definidos, ao longo da seção II, dois requisitos necessários para que determinado evento seja qualificado como receita tributável – requisitos esses que, como visto no tópico II.6, foram acolhidos pelo STF em sede de repercussão geral –, é preciso analisar seu impacto na apuração de tributos incidentes sobre a receita, tendo em vista o cenário de perdão parcial de dívidas no âmbito da recuperação judicial. Tal análise seguirá um percurso no qual a questão será vista a partir de dois grupos de tributos, das perspectivas da empresa devedora (em recuperação) e das empresas credoras.
PIS/Cofins e receita tributável
Com lastro na previsão constitucional de que integram as fontes de custeio da seguridade social as contribuições (exigidas das empresas) incidentes sobre “a receita ou o faturamento”70, a cobrança do PIS/Cofins evoluiu para um estágio em que o foco da tributação é a receita auferida pelas empresas. No regime cumulativo, verifica-se atualmente a incidência sobre a “receita bruta”, definida pela legislação como a soma do produto das vendas, do preço dos serviços prestados, do resultado de operações em conta alheia e das receitas da atividade principal da empresa porventura não abarcadas pelos itens anteriores71. No regime não cumulativo, além de alcançar a referida “receita bruta”, o PIS/Cofins incide também sobre “todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica”72. Percebe-se, portanto, que em ambos os regimes de apuração das contribuições verifica-se sua incidência sobre a receita. Consequentemente, são integralmente aplicáveis as conclusões desenvolvidas e apresentadas na seção II deste estudo, no sentido de somente ser possível falar em receita tributável quando se estiver diante de um ingresso financeiro propiciador de acréscimo patrimonial para a empresa que o aufere73.
Da perspectiva da empresa em recuperação, tal conclusão impede a exigência do PIS/Cofins (qualquer que seja seu regime de apuração) em virtude da redução de dívidas que constar do plano de recuperação judicial que vier a ser aprovado. Mesmo que tal perdão parcial de dívidas resulte em um acréscimo patrimonial para a empresa em recuperação – o que, em tese, pode vir a autorizar exigência tributária com base em fato econômico outro
que não a receita –, tal resultado positivo não atende ao requisito de provir de um ingresso financeiro para que seja possível lhe atribuir a classificação de receita tributável74, ainda que sob o específico enfoque contábil o referido resultado seja registrado como receita75. Entender de modo diverso, autorizando a exigência das contribuições a partir somente da constatação de acréscimo patrimonial, representaria confundir os conceitos de “renda” e “receita”, equiparando-os para fins de tributação pelo PIS/Cofins, o que é inadmissível76, inclusive por violar a necessária diferenciação entre as respectivas bases de cálculo para que se possa falar em tributos efetivamente distintos77.
Já no que concerne às empresas credoras, que viram frustradas (ao menos em parte) a expectativa que tinham de receber os valores (integrais) conforme originalmente contratado com a empresa em recuperação, em primeiro lugar, não é possível ignorar que não se confirmou a presunção de que haveria um ingresso financeiro quando da celebração dos contratos, emissão de nota fiscal etc.78 Embora seja possível, sobretudo visando a maior praticidade fiscal, presumir que a esses atos se seguiria o correspondente ingresso financeiro, ter o desenrolar dos fatos demonstrado que tal presunção não se confirmou (não se confirmou integralmente, ao menos) impõe que seja reconhecido o caráter relativo da referida presunção, afastando-a (ou ajustando-a aos valores que efetivamente ingressaram)79. Da mesma forma, tendo a capacidade contributiva que fora atribuída em decorrência da celebração de determinados negócios, ao final, não se confirmado (ou tendo se confirmado em patamar inferior ao presumido), igualmente demanda-se o reconhecimento do caráter relativo da presunção, adequando-a à realidade do caso80. Ignorar tal exigência resultaria em considerar idênticas para fins de tributação manifestações de capacidade contributiva que, na verdade, são distintas81. Isso posto, e também em atenção a outros princípios que regem a tributação (como, por exemplo, o
princípio da igualdade)82, uma vez definitivamente frustradas83 as expectativas que basearam essas presunções, é necessário reconhecer às empresas credoras o direito de reaver o PIS/Cofins recolhido com base em tais presunções84.
IRPJ e CSLL (lucro presumido) e receita tributável
No que diz respeito à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, é preciso fixar duas premissas. Primeira: os comentários que serão tecidos neste tópico são voltados para as empresas tributadas com base no lucro presumido85. Segunda: quando, para fins de mensuração da base de cálculo dos referidos tributos no lucro presumido, remete-se à “receita” das empresas optantes por essa modalidade de apuração86, a receita em questão somente pode ser a receita tributável que atenda aos requisitos apontados na seção II87.
Fixadas essas premissas, também valem para o IRPJ e a CSLL apurados com base no lucro presumido as conclusões expostas no tópico III.1. Isso significa dizer que a empresa em recuperação não poderá sofrer cobrança de IRPJ e CSLL (no regime do lucro presumido) em decorrência de acréscimos patrimoniais percebidos com a redução de dívidas que vier a ser aprovada no plano de recuperação judicial, tendo em vista que tal resultado não decorre de um ingresso financeiro, não podendo ser classificado como receita tributável88. De sua parte, as empresas credoras devem ter assegurado o direito de recuperar o IRPJ e a CSLL (no regime do lucro presumido) porventura recolhidos a partir das presunções, não confirmadas no caso concreto, de que a celebração de negócios jurídicos com a empresa em recuperação resultaria em ingresso financeiro revelador de capacidade contributiva. Uma vez definitivamente frustradas89 as expectativas que basearam as presunções, deve-se adequar a tributação90, inclusive por força do princípio da capacidade contributiva91, em meio a outros que regem a tributação92.
JURISPRUDÊNCIA PERTINENTE: DISTANCIAMENTOS E CRÍTICAS Assentadas as bases teóricas (seção II) e suas projeções sobre a tributação das empresas impactadas por um cenário de recuperação judicial (seção III), é válido tecer breves
comentários sobre algumas decisões que, de um lado, apenas aparentam ser pertinentes,
indicando-se o distanciamento entre tais decisões e o foco deste trabalho e que, de outro, apesar de abordarem questão relevante para este estudo, não parecem ter decidido de forma adequada a discussão enfrentada (talvez com violação a precedente vinculante do STF), justificando-se a razão de tal crítica. Assim, recordando que no tópico II.6 foi destacado o julgamento pelo STF do RE n. 606.107/RS, sob repercussão geral, nesta seção IV serão examinadas decisões em que foram abordados os efeitos da inadimplência (STF e STJ) e do perdão parcial de dívidas (CSRF do Carf) na apuração da receita tributável, indicando o distanciamento em relação às decisões sobre a inadimplência e apresentando críticas (ainda que de forma bastante suscinta) à decisão administrativa sobre o perdão de dívidas.
STF: RE n. 586.482/RS e a questão da inadimplência
O primeiro distanciamento diz respeito ao julgamento realizado pelo STF no qual restou decidida a impossibilidade de a empresa contribuinte excluir o valor das vendas inadimplidas da base de cálculo do PIS/Cofins. No julgamento do RE n. 586.482/RS, o tribunal afastou a equiparação entre vendas canceladas e vendas inadimplidas, sob a alegação de que “diferentemente dos casos de cancelamento de vendas, em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se, assim, as obrigações do credor e do devedor, as vendas inadimplidas [...], enquanto não sejam efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor oponível ao comprador”93. Nota-se aqui um distanciamento que é preciso fazer, na medida em que a decisão do STF no RE n. 586.482/RS foi justificada a partir da distinção entre venda cancelada e venda inadimplida94, ressaltando-se na decisão que, mesmo que constatada a inadimplência, ainda persiste um crédito da empresa credora em face do devedor, ou seja, o credor ainda pode vir a receber (integralmente) o valor devido95. Não é esse o caso nas reduções de dívidas em sede de recuperação judicial, já que, uma vez aprovado o plano de recuperação e cumpridas as obrigações nele previstas, extingue-se qualquer crédito oponível ao devedor96. Daí este estudo enfatizar que apenas surgirá o direito à recuperação de tributos recolhidos pelas empresas credoras com base nas presunções de ingresso financeiro gerador de capacidade contributiva quando forem “definitivamente frustradas” as expectativas geradas com a realização dos negócios em que tais presunções assentaram97. Assim colocada a questão, a decisão proferida no RE n. 586.482/RS não afeta as conclusões deste estudo.
STJ: exigência tributária indiferente ao êxito dos negócios privados
Em análise similar à que foi objeto do tópico IV.1, a 1ª Turma do STJ, após registrar que “as vendas inadimplidas não podem ser equiparadas a vendas canceladas para fins de não fazer incidir o PIS e a COFINS” e ponderar que “há receita em potencial a ser auferida pela empresa”, afirmou que “a exigência tributária não está vinculada ao êxito dos negócios privados”98, afirmação que seria posteriormente reproduzida também em julgamento da 2ª Turma99. Sem entrar no mérito da adequação de um tribunal superior compactuar expressamente com a visão formalista de um Estado indiferente em matéria tributária, a
partir da qual os interesses arrecadatórios imediatistas são colocados acima de quaisquer aspectos (importantes que sejam) que o caso concreto porventura revele, o fato é que também essa forma de ver não se aplica ao objeto da presente análise. Isso se dá não apenas em virtude de a distinção entre cancelamento e inadimplência de vendas ser alheia ao foco deste estudo e da possibilidade de ainda virem a ser recebidos os valores devidos pelos credores em casos de simples inadimplência, o que não se verifica no contexto da recuperação judicial100, mas sobretudo porque o exame desenvolvido neste estudo enfatizou a questão da capacidade contributiva101. Com efeito, um entendimento que se mostra de tal forma indiferente ao que chama “êxito dos negócios privados” apenas é cabível caso sejam desconsideradas as exigências que emanam do princípio constitucional da capacidade contributiva102. Afinal, a rigor só há manifestação de capacidade contributiva quando os negócios privados alcançam êxito103.
CSRF do Carf: alegada natureza de receita do perdão parcial de dívidas
Em março de 2019, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, em decisão obtida a partir do controverso voto de qualidade104, decidiu que “a redução do Passivo sem uma contrapartida do Ativo, em razão de remissão parcial de dívida, aumenta o patrimônio da pessoa jurídica e, como tal, representa receita operacional sujeita à incidência do PIS e da Cofins, independentemente da denominação da operação que proporcionou o ganho”105. Para sustentar tal conclusão, o voto vencedor do referido julgamento sugere que “a redução de um passivo, sem a correspondente contraprestação, representa receita, mesmo que não se configure um ingresso”106, aludindo à disciplina contábil que indica ser a diminuição do passivo uma receita107.
Ao menos duas críticas a essa decisão já estão suficientemente desenvolvidas neste estudo: a primeira concernente à não submissão da tributação às normas contábeis em relação ao conceito de receita para fins jurídico-tributários (tópico II.2); e a segunda no que diz respeito ao requisito do ingresso financeiro (ainda que potencial) para que determinado resultado positivo seja classificado como receita tributável (tópico II.3). Além disso, embora a decisão recorrida enfrentada pela CSRF tenha afirmado expressamente que, “na esteira da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”108, citando expressamente a decisão do STF no RE n. 606.107/RS109, é surpreendente constatar que o voto vencedor do acórdão da CSRF não abordou quer a distinção entre receita contábil e receita tributável, quer a decisão do STF em sede de repercussão geral. Assim, também com base no que foi decidido pelo STF no referido julgamento (foco do tópico II.6), evidencia-se que a decisão da CSRF do Carf (Ac. n. 9303-008.341), baseada em voto de qualidade, não acolheu o entendimento mais adequado para o tema110.
ABRANGÊNCIA DAS CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES
Este estudo teve seu desenvolvimento direcionado especificamente para um contexto de recuperação judicial. Isso se deu tanto em virtude do impulso inicial da pesquisa desenvolvida, como para facilitar a fluidez do texto em elaboração. Sem prejuízo disso, o alcance das considerações tecidas e das conclusões alcançadas extrapola esse específico contexto. Nesse viés, os comentários tecidos neste estudo em relação à recuperação judicial são perfeitamente aplicáveis a casos de recuperação extrajudicial111, bem como, no que couber, a casos de falência112. Isso leva a pontuar que as alusões ao perdão parcial de dívidas não excluem a pertinência das conclusões em casos de perdão total de dívidas113. Por seu turno, as considerações desenvolvidas em relação à apuração do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, apoiada na figura da receita tributável, valem também para a sistemática de apuração baseada no lucro arbitrado114. Já as considerações concernentes ao conceito de receita tributável espraiam-se por um universo muito mais amplo,
alcançando não apenas empresas em situação de dificuldade financeira (recuperação ou falência) e podendo amparar análises mais corriqueiras da configuração da hipótese de incidência ou do fato gerador de tributos direcionados à receita auferida pelas empresas. Finalmente, vale uma última nota para registrar que os distanciamentos realizados entre o tema deste estudo e as decisões do STF e STJ concernentes aos efeitos fiscais da inadimplência não representam uma inflexível concordância com todos e quaisquer desdobramentos que se pretenda extrair de tais decisões – na verdade, a partir do momento que determinada situação de inadimplência alcançar o status de definitiva (inclusive diante de um cenário de impraticabilidade da persecução do recebimento), é possível que as conclusões a que se chegou neste estudo também sejam cabíveis115.
CONCLUSÃO
Conquanto a contabilidade desempenhe papel imprescindível em matéria de tributação, os conceitos contábil e jurídico-tributário de receita não se confundem, assim como o primeiro não vincula o segundo. Para que o resultado positivo decorrente de determinado evento seja classificado como receita tributável, é necessário que tal resultado positivo decorra de um ingresso financeiro. Além disso, só ficará caracterizada a receita para fins fiscais caso tal ingresso financeiro evidencie capacidade contributiva (via acréscimo patrimonial) por parte da empresa que o aufere. Esses dois requisitos, reconhecidos pelo STF em sede de repercussão geral, são indispensáveis para que seja possível falar em receita tributável, de modo que a ausência de qualquer um deles inviabiliza a qualificação de determinado evento ou resultado como receita da perspectiva jurídico-tributária.
Essa conclusão tem relevante impacto sobre o tratamento tributário cabível às empresas envolvidas em um contexto de recuperação judicial (ou extrajudicial, ou mesmo de falência). Para a empresa devedora (em recuperação), a observância do primeiro requisito para a configuração de receita tributável que este estudo destacou, consistente na exigência de ingresso financeiro, impede que resultados positivos decorrentes da redução de dívidas sejam considerados na apuração da base de cálculo do PIS/Cofins, em qualquer regime, e também do IRPJ e da CSLL apurados com base no lucro presumido ou arbitrado. Já em relação às empresas credoras, a frustração definitiva da expectativa de recebimento integral dos valores a que faziam jus infirma as presunções de ingresso financeiro e de capacidade contributiva que permitiram a tributação da receita (presumida) quando da realização de negócios jurídicos com a empresa em recuperação (ou falida), autorizando as empresas credoras a reaver o PIS/Cofins (qualquer regime), o IRPJ e a CSLL (regimes do lucro presumido ou arbitrado) porventura recolhidos com base nessas presunções.
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