O JULGAMENTO PELO STF DO RE N. 1.072.485/PR E A NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DE SEUS EFEITOS

THE FEDERAL SUPREME COURT (STF) TRIAL OF EXTRAORDINARY APPEAL NO. 1.072.485/PR AND THE NECESSITY TO MODULATE ITS EFFECTS


Valter de Souza Lobato


Professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT). Advogado. E-mail: lobato@sachacalmon.com.br


Tiago Conde Teixeira


Mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito Tributário do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Membro efetivo da Câmara de Tributação da FECOMÉRCIO. Consultor e Advogado. E-mail: tiagoconde@sachacalmon.com.br



DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-46-22


RESUMO


Introdução. 1. Do instituto da Repercussão Geral. 2. Do RE n. 1.072.485/PR. 2.1. Do trâmite dos Recursos Extraordinários e reconhecimento da Repercussão Geral no STF. 2.2. Do julgamento do Tema n. 985 pelo Plenário do STF. 2.3. A extensão da coisa julgada e a sua suposta “flexibilização”. 3. Da (não) incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias. 4. Da alteração de jurisprudência promovida pelo RE n. 1.072.485/PR. 5. Proteção da confiança, boa-fé e segurança jurídica e sua relação com o Direito Tributário brasileiro. 5.1. Fundamentos da proteção da confiança. 5.2. A proteção da confiança no âmbito do Direito Público. 5.3. Proteção da confiança e irretroatividade. 5.4. A relação entre os princípios da segurança jurídica, boa-fé e proteção da confiança e a modificação de jurisprudência. Considerações Finais. Referências bibliográficas.

PALAVRAS-CHAVE: REPERCUSSÃO GERAL, PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, BOA-FÉ, MODULAÇÃO DE EFEITOS


ABSTRACT


Introduction. 1. The Institute of General Repercussion. 2. Extraordinary Appeal No. 1.072.485/PR. 2.1. Extraordinary appeal and general repercussion. 2.2. Theme 985 analyzed by the Supreme Court full composition. 2.3. Res iudicata extension and its alleged flexibilization. 3. Non-incidence of social contribution on vacation additional payments. 4. The change in jurisprudence promoted by RE 1.072.485/PR. 5. Protection of Trust, Good Faith and Legal Certainty in the Brazilian Tax System. 5.1. Fundamentals of Trust Protection. 5.2. Protection of Trust under public law. 5.3. Protection of trust and non-retroactivity. 5.4. The relation between principles of Legal Certainty, Good Faith and Protection of Trust and the modification of jurisprudence. Final considerations. References.

KEYWORDS: GENERAL REPERCUSSION, PROTECTION OF TRUST, GOOD FAITH, MODULATION OF EFFECTS.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objeto a análise acerca do julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, do RE n. 1.072.485/PR (Tema

n. 985 da Repercussão Geral), em que a Suprema Corte editou a seguinte tese: “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.


Nesse contexto, neste trabalho pretende-se examinar não apenas o mérito da causa, mas também aspectos processuais que envolvem o respectivo recurso extraordinário e que eventualmente não foram examinados quando de seu julgamento, assim como, considerando a sua atual situação processual, se deveria haver a modulação de efeitos do julgamento proferido pelo STF.


1. DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL

No bojo da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, cujo escopo foi realizar uma reforma no Poder Judiciário brasileiro, houve a introdução do instituto da repercussão geral entre nós, que configura um requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários submetidos ao exame do STF em que se exige a existência de questão constitucional relevante e que esta transcenda ao mero interesse subjetivo das partes, consoante disposição do § 3º do art. 102 da Constituição1.



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  1. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]

    § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”


    A criação da repercussão geral teve duas principais influências: (i) o writ of certiorari da Suprema Corte dos Estados Unidos da América2, e (ii) a antiga arguição de relevância dos recursos que dispunham sobre direito federal3. Entretanto, apesar das influências, a repercussão geral possui características distintivas, importantes para ilustrar a sua natureza jurídica.

    No tocante ao writ of certiorari, o ônus para que o caso seja reconhecido como relevante para ser admitido pela Suprema Corte dos EUA recai sobre o peticionário, isso porque 4 (quatro) dos 9 (nove) juízes da Corte devem admitir o conhecimento do recurso4, sendo que a referida decisão não precisa ser justificada5. No âmbito da repercussão geral, entretanto, em regra, caso menos de 2/3 (dois terços) dos ministros não recusem a repercussão geral do recurso, esta será reconhecida6, salvo no caso de o ministro relator apresentar manifestação assinalando que a matéria discutida no caso diz respeito à questão infraconstitucional (nesta hipótese a não manifestação dos demais ministros acarreta em negativa de repercussão geral)7.


    Ademais, relativamente à arguição de relevância8, esta tinha aplicação limitada, configurando requisito de admissibilidade apenas para os recursos extraordinários que tratassem de direito federal, cuja competência foi posteriormente delegada ao Superior Tribunal de Justiça com a Constituição de 1988. Noutro plano, a repercussão geral configura requisito de admissibilidade aplicável a todos os recursos extraordinários submetidos ao Tribunal.


    Assim, observa-se que a repercussão geral, inclusive pela abertura linguística dos elementos que ensejam o reconhecimento de que a causa possui importância que transcende aos interesses do caso, configura requisito de admissibilidade em que o Tribunal possui grande discricionariedade para decidir os feitos que serão submetidos ao seu crivo. Com isso, conforme exposto pelo Ministro Roberto Barroso9, permite-se que o


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  2. É ver: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 606-607; RAMOS, Carlos Henrique. Perspectivas atuais acerca da repercussão geral no recurso extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual n. 102. São Paulo: Dialética, set. 2011, p. 9-27.


  3. É ver: NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 14. ed. São Paulo: RT, 2014.


  4. Entretanto, mesmo que conhecido, o writ pode ter seu seguimento negado pela maioria do Tribunal, conforme expôs o Juiz Stevens em seu voto-vogal em New York v. Uplinger, 467 U.S. 246, 251 (1984).


  5. Seja para dar seguimento ao writ (Consorti v. Owens-Corning Fiberglas Corp., 518 U.S. 1031 (1996)), seja para negar o seu seguimento (Von

Zuckerstein v. Argonne Nat’l Lab., 510 U.S. 959 (1993)).


6 § 3º do art. 102 da CF/1988.


  1. § 2º do art. 324 do RISTF.


  2. LEAL, Victor Nunes. Aspectos da reforma judiciária. Revista de Informação Legislativa, set. 1965.


  3. BARROSO, Luís Roberto. Entrevista. Consultor Jurídico. Novembro/2013. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-03/stf- imune-paixoes-opiniao-publica-ministro-barroso. Acesso em: 19 out. 2020.


    STF se concentre nos casos de grande relevância e vinculados à sua função no arranjo constitucional brasileiro.


    Ademais, incumbe salientar que quando determinado processo é submetido ao procedimento da repercussão geral, as decisões daí advindas possuem efeitos que se espraiam sobre todo o sistema jurídico, como se dessume da leitura do art. 927 do CPC/2015.


    Com efeito, o próprio sistema de julgamento dos recursos extraordinários submetidos à repercussão geral importa em adotar efeitos ampliativos aos respectivos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, havendo sobrestamento de recursos, assim como negativa de seguimento àqueles em que o mérito é contrário ao entendimento da Corte (v.g., art. 1.030 do CPC/2015).


    Observa-se, portanto, que as decisões do STF no âmbito dos recursos extraordinários dotados de repercussão geral devem ser seguidas por todos os Tribunais10. Nesse contexto, os julgamentos de recursos extraordinários dotados de repercussão geral têm salutar importância no sistema processual, uma vez que alteram todo o sistema jurídico pátrio, impondo a aplicação da interpretação da Corte Suprema para todos os demais órgãos do Poder Judiciário.


    Percebe-se, pois, que o sistema processual atual estabelece que os julgamentos proferidos em recursos submetidos à repercussão geral não produzem apenas expectativas, mas configuram, em si, efetivas normas de conduta. Nesse sentido, diversas garantias adicionais vinculadas à segurança jurídica, assim como ao devido processo legal, são exigidas aos recursos submetidos à repercussão geral. No tocante à segurança jurídica, o § 3º do art. 927 do CPC/2015 indica a possibilidade de modulação dos efeitos do julgamento realizado no âmbito da repercussão geral quando implica modificação da jurisprudência anterior. Em relação ao devido processo legal, o art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC/2015, estabelece que a decisão promovida em recurso extraordinário submetido à repercussão geral deve ser devidamente submetida ao contraditório e à ampla defesa durante o procedimento decisório quando o precedente for potencialmente aplicável ao caso.


    Do exposto, visualiza-se que os julgamentos promovidos no âmbito da repercussão geral submetem-se a regime jurídico próprio, inclusive com exigências específicas, não extensíveis a outros procedimentos processuais, aspectos esses que influenciam o exame do julgamento promovido nos autos do RE n. 1.072.485/PR.


    2. DO RE N. 1.072.485/PR


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  4. Veja-se que o efeito do julgamento de caso submetido à repercussão geral é análogo à decisão da Suprema Corte Estadunidense sob a ótica da doutrina de stare decisis.


O Recurso Extraordinário n. 1.072.485/PR decorre, na sua origem, do Mandado de Segurança

n. 5004309-39.2015.4.04.7005/PR, impetrado pela Sollo Sul Insumos Agrícolas Ltda. em face do Delegado da Delegacia da Receita Federal em Cascavel/PR.

O referido mandamus foi impetrado em 13 de julho de 2015 e passou a tramitar na 2ª Vara Federal da Subseção de Cascavel da Justiça Federal da Seção Judiciária do Paraná. No caso, o contribuinte objetivava o reconhecimento judicial da não incidência de contribuição previdenciária patronal sobre as seguintes verbas: (i) aviso prévio indenizado, (ii) terço constitucional de férias, (iii) horas extras, (iv) férias gozadas, (v) descanso semanal remunerado, (vi) valores pagos nos quinze primeiros dias que antecedem o auxílio doença e auxílio acidente, (vii) vale-transporte pago em moeda, (viii) alimentação fornecida in natura no estabelecimento, (ix) salário-maternidade, (x) adicional de insalubridade, (xi) adicional de periculosidade, e (xii) adicional noturno.


A sentença, proferida em 23 de outubro de 2015, concedeu parcialmente a segurança para declarar a inexigibilidade das contribuições previdenciárias sobre: (i) aviso prévio indenizado, (ii) terço constitucional de férias, (vi) auxílio pago nos 15 primeiros dias do afastamento, seja por motivo de doença ou por motivo de acidente, (vii) vale-transporte pago em moeda, e (viii) alimentação fornecida in natura.


Em face da sentença, foram apresentados recursos de Apelação por ambas as partes. A Fazenda Nacional buscou a reforma do decisum para que houvesse a completa denegação da segurança pleiteada, determinando-se a incidência das contribuições previdenciárias sobre todas as parcelas suscitadas pela contribuinte. A Sollo Sul, por sua vez, buscava o reconhecimento da não incidência das exações sobre as demais verbas – (iii) horas extras,

  1. férias gozadas, (v) descanso semanal remunerado, (ix) salário-maternidade, (x) adicional de insalubridade, (xi) adicional de periculosidade, e (xii) adicional noturno.


    O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em acórdão publicado em 19 de abril de 2016, decidiu as respectivas apelações da seguinte forma:


igualmente a sentença em razão da jurisprudência do STJ pela não incidência das contribuições previdenciárias sobre a parcela, independentemente de estar o empregador inscrito ou não no PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).


Entretanto, em face do referido acórdão, a Fazenda Nacional, em abril de 2016, opôs declaratórios no sentido de que, apesar de reconhecer que inexistiria possibilidade de rediscussão no Tribunal em relação às verbas examinadas no Recurso Especial Repetitivo

n. 1.230.957/RS, objetivavam o prequestionamento de dispositivos constitucionais referentes às seguintes verbas: (i) aviso prévio indenizado, (ii) terço constitucional de férias, e (vi) auxílio pago nos 15 primeiros dias do afastamento. Ainda, no referido recurso, o órgão fazendário apontou que Suprema Corte estaria determinando o sobrestamento de processos que discutiam a incidência de contribuições previdenciárias em relação às citadas matérias em razão dos RREE n. 565.160/SC (Tema n. 20) e n. 593.068/SC (Tema n. 163) submetidos à repercussão geral.


Noutro plano, a Fazenda Nacional também suscitou a necessária observância da cláusula da reserva de plenário, por entender que a determinação de não incidência das contribuições previdenciárias sobre algumas verbas equivalem ao afastamento da aplicação de dispositivos da Lei n. 8.212/1991, o que seria uma verdadeira declaração de inconstitucionalidade, o que deveria ser analisado pelo Plenário do Tribunal.


Por sua vez, a Sollo Sul apresentou Recurso Especial para levar ao STJ a discussão acerca da incidência das contribuições previdenciárias sobre as parcelas não reconhecidas no acórdão de Apelação.


Ademais, foi igualmente apresentado Recurso Extraordinário pela contribuinte. A empresa afirmou que o acórdão teria violado a Constituição ao declarar a incidência do tributo sobre as (iii) horas extras, (iv) férias gozadas, (v) descanso semanal remunerado, (ix) salário- maternidade, (x) adicional de insalubridade, (xi) adicional de periculosidade, e (xii) adicional noturno. Nas razões do recurso, argumentou que:



Importante observar que, em que pese o recurso não tratar sobre o terço constitucional de férias, considerando que no acórdão de apelação a contribuinte restou vencedora neste ponto, a empresa trouxe diversas considerações acerca da necessária prestação de serviço do empregado ao empregador para que esteja configurada a hipótese de incidência das contribuições previdenciárias.


Noutro plano, após a apresentação dos recursos constitucionais da contribuinte, houve o julgamento dos embargos de declaração fazendários, que foram rejeitados à unanimidade

– de modo que desnecessária complementação dos respectivos recursos apresentados pela contribuinte a teor do art. 1.024 do CPC.


Do acórdão que examinou os referidos declaratórios, sobreveio recurso extraordinário da Fazenda Nacional, requerendo a reforma do acórdão para que fosse reconhecida a exigibilidade da contribuição previdenciária sobre (i) aviso prévio indenizado, (ii) terço constitucional de férias, e (vi) auxílio pago nos 15 primeiros dias do afastamento.


Isso porque, no entender da Fazenda Nacional, a previsão da hipótese de incidência da contribuição previdenciária se daria sobre todo e qualquer valor pago, devido ou creditado ao empregado em face do contrato de trabalho, de modo que todas as verbas pagas ao empregado em decorrência da relação empregatícia, salvo as expressamente excluídas por lei, comporiam a folha de salários e, consequentemente, integrariam a base de cálculo da contribuição previdenciária.


    1. Do trâmite dos recursos extraordinários e reconhecimento da repercussão geral no STF


      No dia 24 de agosto de 2016, os recursos constitucionais interpostos foram examinados pela Vice-Presidência do TRF4. Os recursos do contribuinte (especial e extraordinário) foram admitidos, enquanto o recurso extraordinário fazendário foi inadmitido.


      A decisão pela não admissão do recurso fazendário baseou-se nas seguintes considerações:

      (a) quanto aos primeiros 15 dias de auxílio-doença e ao aviso prévio indenizado, o STF já havia decidido (Temas n. 482 e n. 759 da Repercussão Geral) pela inexistência de repercussão geral da matéria; e (ii) quanto ao terço constitucional de férias, o Tema n. 163 da Repercussão Geral (RE n. 593.068/SC) suscitado pela Fazenda, seria aplicável tão somente aos servidores públicos elucidados pelo Ministro Roberto Barroso no RE n. 908.812/RS, além de o STF possuir entendimento de que a matéria tem natureza infraconstitucional (foram mencionados os seguintes precedentes: AgRg no RE n. 254.773, AgRg no ARE n. 672.121 e AgRg no AI n. 737.502).


      Em face da referida decisão, a Fazenda Nacional apresentou Agravo em Recurso Extraordinário, sustentando que a matéria teria enfoque constitucional. Apontou-se a violação aos arts. 194, 195, I e II, 201, § 11, da CF/1988. Foi retomada, também, a discussão quanto à não observância da cláusula de reserva de plenário (arts. 97 e 103-A da CF/1988). Saliente-se que o agravo em recurso extraordinário se limitou a impugnar tão somente questão relativa ao terço constitucional de férias. Sobre o tema, argumentou a Fazenda Nacional no sentido de que as contribuições em comento possuem expressa previsão no art. 195, I, “a”, da CF/1988 e que os contornos constitucionais do conceito de salário para fins da incidência da contribuição previdenciária encontram-se previstos no art. 201, § 11, da CF/1988.


      Nesse sentido, o recurso fazendário sustentou que o terço constitucional de férias configura hipótese na qual o ordenamento jurídico assegura salário, sem contraprestação laboral, de modo que não se poderia afastar a contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários.


      Após o trâmite do Recurso Especial da contribuinte no STJ, os autos foram remetidos ao STF. O processo fora inicialmente autuado como ARE n. 1.071.579/PR, porém quando da sua distribuição ao Ministro Edson Fachin, em 5 de setembro de 2017, já havia sido reautuado como RE n. 1.072.485/PR. Entretanto, apesar da reautuação como Recurso Extraordinário, o então Relator ao submeter o processo à análise da repercussão geral, examinou tão somente o Agravo da Fazenda Nacional, olvidando-se do Recurso Extraordinário da contribuinte, devidamente admitido na origem.


      Ademais, não apenas o relatório da Manifestação diz respeito tão somente ao Agravo da Fazenda Nacional. Em suas considerações, o Ministro Edson Fachin limitou-se a examinar a incidência de contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado, auxílio pago nos 15 primeiros dias do afastamento, e terço constitucional de férias. Em relação às duas


      primeiras questões, ressaltou que o STF já havia decidido pela ausência de repercussão geral das matérias (Temas n. 759 e n. 482, respectivamente). No tocante à controvérsia acerca da tributação do terço constitucional de férias por meio de contribuição previdenciária patronal, o Ministro entendeu necessária a afetação do recurso à sistemática da repercussão geral, tendo em vista que o STF possuía posicionamento pela não incidência das contribuições sobre o terço constitucional de férias, equiparando o trabalhador celetista e o servidor público11, mas que foi instaurado cenário de insegurança jurídica após o julgamento do RE n. 565.160/SC12.


      Nesse sentir – após consignar que os precedentes que entenderam pela não incidência da exação sobre a verba se deu no cenário em que se examinava a repercussão da parcela no cômputo da aposentadoria, e não necessariamente acerca da natureza jurídica da verba – indicou que o entendimento do Tribunal foi progressivamente modificando para entender que a matéria relativa à incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias teria natureza infraconstitucional. Assim, a seu ver, não competiria ao STF adentrar no exame de questão já decidida pelo STJ, tribunal competente para a análise. É ver:


      “A partir do progressivo entendimento desta Corte de que a discussão sobre a natureza jurídica de verbas percebidas pelo empregado, se remuneratórios ou indenizatórios, está restrita ao âmbito infraconstitucional, insindicável pela via do recurso extraordinário, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou, em sede de repetitivo, no REsp 1.230.957, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques,

      j. 26.02.2014, que a verba não ostenta habitualidade ou possui natureza

      compensatória.”


      Desse modo, para o Ministro Edson Fachin, a tese firmada sob o Tema n. 20 da repercussão geral “não possui aptidão para tacitamente alterar a jurisprudência do STF e do STJ”, já que referido precedente diz respeito a apenas uma das distinções necessárias para a determinação do alcance da expressão “folha de salários”: a que deve ser feita entre salário e remuneração. Por sua vez, a jurisprudência do STJ e o caso ora sob análise dizem respeito à outra distinção: entre parcelas de índole remuneratória e indenizatória.


      Com essas considerações, o Ministro Edson Fachin se manifestou pela inexistência de repercussão geral da questão suscitada e consequente não conhecimento do Agravo em Recurso Extraordinário da Fazenda Nacional, tendo sido acompanhado pelos Ministros Celso de Mello, Roberto Barroso e Luiz Fux.


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      11 Nesse sentido, o Ministro citou: RE n. 587.941, DJe 22.11.2008; AI n. 710.361, DJe 08.05.2009; AI n. 712.880, DJe 19.06.2009.


      1. Tema n. 20 da Repercussão Geral, que firmou a seguinte tese: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais

        do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998.”


        Entretanto, após o voto do Ministro Edson Fachin, então Relator do RE n. 1.072.485/PR, o Ministro Marco Aurélio apresentou voto divergente, suscitando a existência de questão constitucional e de repercussão geral da matéria, nos seguintes termos: “é saber se ocorre ou não a incidência da contribuição social no que a parcela é satisfeita com habitualidade, ou seja, com periodicidade relativa às férias. Tenho como configurada a repercussão geral.”


        Ainda, acompanharam o Ministro Marco Aurélio os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.


        Paralelamente, as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber não manifestaram voto. Contudo, ainda que o Ministro Edson Fachin tenha apresentado manifestação assinalando que a matéria discutida era de índole infraconstitucional – de modo que a não manifestação de demais ministros acarreta em negativa de repercussão geral a teor do art. 324, § 2º, do RISTF

        – não foi alcançado o quórum de 2/3 (dois terços) para rejeição da repercussão geral da matéria.


        Nesse contexto, tendo restado vencido o Ministro Edson Fachin, a relatoria do caso foi posteriormente alterada, com redistribuição dos autos ao Ministro Marco Aurélio, em 11 de junho de 2018.


        De todo modo, um adendo se mostra necessário. Conforme observado, o exame da repercussão geral foi referente apenas à matéria veiculada no recurso extraordinário da Fazenda Nacional, restando o Relator inicial, Ministro Edson Fachin, e igualmente o subsequente Relator do Processo, Ministro Marco Aurélio, silentes sobre o recurso extraordinário do contribuinte13.


        Assim, antes de adentrar no exame do mérito do julgamento, revela-se mister indicar que houve, a nosso ver, nulidade quando do exame da repercussão geral e do julgamento de mérito do RE n. 1.072.485/PR. Isso porque, em que pese o recurso extraordinário do contribuinte ter aspectos prejudiciais ao provimento do recurso fazendário, na Corte desconsiderou-se a prejudicialidade do recurso interposto pela empresa. Nesse sentido, entende-se que a ratio do art. 5514, combinado com o art. 337, VIII15, do CPC/2015 restou


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      2. Nesse sentir, é elucidativo o dispositivo do acórdão que examinou o RE n. 1.072.485/PR: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em, apreciando o tema 985 da repercussão geral, prover parcialmente o recurso extraordinário interposto pela União, assentando a incidência de contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo emprega dor a título de terço constitucional de férias gozadas e fixar a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão virtual, realizada de 21 a 28 de agosto de 2020, presidida pelo Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.”


      3. “Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

        § 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

        § 2º Aplica-se o disposto no caput:

        I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico; II – às execuções fundadas no mesmo título executivo.

        § 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias

        caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.”

      4. “Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

        [...]

        VIII – conexão;


        violada, em transgressão ao devido processo legal e à dialeticidade que rege o sistema processual brasileiro, uma vez que não poderia o Tribunal deixar de examinar o recurso extraordinário do contribuinte sincronicamente ao recurso da Fazenda Nacional, porquanto ambos têm o condão de modificar o resultado do outro. Inclusive, na linha do aqui exposto, configura igualmente a exortação da Súmula n. 299/STF, que determina o julgamento conjunto de recursos prejudiciais do mesmo processo: “o recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de ‘habeas corpus’, serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno”.


    2. Do julgamento do Tema n. 985 pelo Plenário do STF


      O julgamento do Tema n. 985 da Repercussão Geral ocorreu por meio do Plenário Virtual, entre os dias 21 de agosto de 2020 e 28 de agosto de 2020, fixando-se a seguinte tese de repercussão geral: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias.”


      Na oportunidade, acompanharam o Ministro Marco Aurélio – Relator – os Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Roberto Barroso, tendo restado vencido o Ministro Edson Fachin. Assim, a seguir, serão apresentados os fundamentos dos votos disponibilizados no ambiente virtual do Plenário do STF, quais sejam, os votos dos Ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes e Edson Fachin.


      O voto condutor do Acórdão deu parcial provimento ao recurso extraordinário interposto pela Fazenda Nacional, assentando a incidência da contribuição previdenciária “ante a habitualidade e o caráter remuneratório da totalidade do que percebido no gozo das férias”.


      Em concisa manifestação, o Ministro Marco Aurélio aduziu não ser nova a questão no STF, resgatando decisões proferidas pelos órgãos fracionários do Tribunal, dentre as quais estão:


      1. o verbete sumular n. 688/STF, em que restou dirimida a questão acerca da incidência de contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário, haja vista o caráter remuneratório da verba;

      2. o RE n. 487.410 (Rel. Ministro Eros Grau), no qual foi examinada a incidência sobre os valores pagos em dinheiro, a título de vale-transporte, aos empregados e definido o caráter indenizatório da parcela, que afastou a tributação; e

      3. o RE n. 565.160 (Rel. Ministro. Marco Aurélio), em que o Pleno analisou tema relativo ao alcance da expressão folha de salários, prevista no art. 195, I, da CF/1988 e definiu ser imprescindível a habitualidade para fins de incidência das contribuições previdenciárias.



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[...]

§ 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.”


Isso porque o voto vencedor sustenta que a ratio naqueles julgados e em exame no Tema

n. 985 configura definir se os valores pagos aos empregados (a) têm natureza remuneratória, e (b) há habitualidade da verba16.


Quanto à natureza das verbas, o Ministro Marco Aurélio salientou que, excetuando-se as verbas indenizatórias, que têm como função precípua recompor o patrimônio jurídico do empregado em razão de alguma perda ou violação de direito, são abarcadas pela disposição do art. 201, § 11, da Constituição, todos os rendimentos pagos aos empregados em decorrência do contrato de trabalho vigente. Nesse sentido, argumentou que “[s]urge irrelevante a ausência de prestação de serviço no período de férias”.


Já em relação à habitualidade, o Ministro indicou a “periodicidade no auferimento dos valores, contrapondo-se a recebimentos eventuais, desprovidos de previsibilidade”, valendo-se da premissa de que é habitual o pagamento que se repete em um contexto temporal. Nesse sentido, o Ministro avaliou que o referido contexto temporal pode ser descontínuo – mensal, trimestral, semestral ou anual, observando-se a previsibilidade inerente ao contrato de trabalho. Segundo esse entendimento, concluiu que há real expectativa do pagamento dos valores relativos ao terço constitucional de férias.


Aspecto relevante apontado pelo Relator é a previsão do art. 7º, XVII, da CF/1988. Em seu entender, o direito adquirido pelo trabalhador decorre diretamente do decurso de um ciclo de trabalho, funcionando, em verdade, como um adiantamento em reforço ao que pago ordinariamente ao empregado, quando do descanso.


Assim, em face da identificação, à hipótese, do caráter remuneratório da totalidade do que percebido no mês de gozo de férias e da habitualidade do referido pagamento realizado ao empregado, o Ministro reputou devida a contribuição.


Não obstante, importante ressaltar que o Ministro consignou que o entendimento não seria extensível às férias indenizadas, cuja natureza indenizatória é inclusive expressa em previsão legal (art. 28, § 9º, alínea “d”, da Lei n. 8.212/1991).


Em seguida, apresentou seu voto o Ministro Alexandre de Moraes, acompanhando integralmente a posição do Relator.


Inicialmente, o Ministro faz breve digressão para tratar da “problemática” discussão acerca da natureza jurídica das verbas pagas pelo empregador para fins de incidência (ou não) de contribuição previdenciária, em face de seu caráter infraconstitucional. O Ministro concluiu que a evolução do tema na Suprema Corte foi oscilante especificamente à aplicação, ao terço constitucional de férias, do Tema n. 20, no bojo do qual o colegiado fixou


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  1. Nesse sentir, verifica-se que os efeitos da decisão – ainda que, em tese, limitados à tributação sobre o terço constitucional de férias – têm o potencial de suscitar discussões acerca da incidência sobre diversas outras parcelas, gerando notória insegurança jurídica, aspecto esse que será examinado em tópico subsequente.


    tese no sentido de que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”. Nesse sentido, reproduziu manifestação de sua relatoria quando do julgamento do AgR no ARE n. 1.032.421/RS17.


    Essa evolução, portanto, justificaria a afetação e o reconhecimento da repercussão geral do recurso, no intuito de solucionar de maneira definitiva a controvérsia sob análise.


    No mérito, o Ministro salientou que, para o deslinde da controvérsia, deve-se definir se a verba possui natureza remuneratória – atraindo a incidência da exação – ou, noutro plano, indenizatória – afastando a tributação.


    No tocante à natureza da verba, argumentou que o art. 148 da CLT prevê expressamente que “a remuneração das férias, ainda quando devida após a cessação do contrato de trabalho, terá natureza salarial [...]”. Ainda, salientou a existência de precedente igualmente reconhecendo a sujeição da verba à contribuição previdenciária (AgR no ARE n. 1.048.172/SC).


    Por fim, o Ministro Alexandre de Moraes igualmente salientou que o terço constitucional de férias indenizadas possui natureza indenizatória a teor de expressa disposição legal.


    Já o Ministro Fachin destacou, preliminarmente, ter restado vencido quando da análise da repercussão geral do tema em comento, por ter firmado entendimento pela sua natureza infraconstitucional. Nesse sentido, inclusive, reiterou seu posicionamento, no sentido de que eventual ofensa à Constituição, se existente, seria apenas reflexa. Isso porque, em seu entender, é imprescindível a análise de legislação infraconstitucional aplicável ao tema para o deslinde da controvérsia, o que inviabilizaria o processamento do recurso extraordinário, conforme jurisprudência anteriormente firmada pelo próprio STF18.


    Após destacar também o parecer da PGR favorável aos contribuintes, o Ministro aduziu que o Poder Constituinte remeteu ao âmbito legal a definição dos casos em que os ganhos habituais do empregado são incorporados ao salário para fins de contribuição previdenciária, nos termos do art. 201, § 11, da CF/1988. Nesse sentido, reiterou que há vasta jurisprudência em que o Supremo Tribunal Federal se manifesta expressamente pelo caráter infraconstitucional de controvérsias que versem sobre a definição de natureza jurídica de verba para fins de tributação, seja por contribuição previdenciária, seja por imposto de renda19.


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  2. ARE n. 1.032.421 AgR, Rel. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 14.11.2017, processo eletrônico DJe-028, divulg. 15.02.2018, public. 16.02.2018.


  3. RE n. 945.513-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 04.05.2016; RE 924.19-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 04.11.2016.


  4. RE n. 611.505-RG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 28.10.2014; ARE n. 745.901-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 18.09.2014.


    Nesse mesmo sentido, no que diz respeito à delimitação da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, bem como à interpretação do alcance do conceito de folha de salários, desbordaria da competência da Suprema Corte a apreciação da matéria, visto que, do texto constitucional, seria possível tão somente conclusão quanto à necessidade de pagamento com habitualidade e em decorrência da atividade laboral.


    Em continuidade, considerando a superação da questão relativa à admissibilidade do recurso, o Ministro Edson Fachin aduziu a natureza reparatória das verbas pagas a título de terço constitucional de férias aos empregados. Quanto a este aspecto, o Ministro afirma que também a jurisprudência do STF já compreendia a impossibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias, na medida em que apenas as verbas incorporáveis ao salário seriam passíveis de incidência da contribuição previdenciária20.


    O Ministro aduziu, em arremate, que mesmo o reconhecimento do caráter habitual das verbas pagas a título de terço constitucional de férias seria insuficiente para considerar o caráter remuneratório da parcela. Em seu entender, há diversas outras verbas próprias do contrato de trabalho que, a despeito de seu caráter habitual, não possuem natureza remuneratória. Como exemplo, o Ministro cita as diárias e o auxílio-alimentação pagos aos empregados. Por fim, tampouco seria impossível considerar a natureza remuneratória quando, nos termos da legislação de regência, as verbas pagas a título de terço constitucional de férias sequer possuem reflexos na aposentadoria.


    Por todo o exposto, o Ministro votou pelo parcial conhecimento do recurso fazendário apenas no tópico referente ao terço constitucional de férias para, nesta parte, negar-lhe provimento.


    1. DA (NÃO) INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS

      O núcleo do ordenamento jurídico nacional configura a Constituição21, de modo que as normas que compõem a ordem jurídica tanto retiram sua validade quanto seu parâmetro interpretativo da Carta Política22.


      No tocante à Constituição brasileira, saliente-se que apesar do texto constitucional expressamente reconhecer o sistema capitalista como o modelo econômico que deve reger


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  5. RE n. 587.941 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 22.11.2008; AI n. 712.880 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 19.06.2009; AI n. 710.361 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 08.05.2009.


  6. Importante relembrar do magistério do Ministro Eros Grau, o qual aclara que a interpretação pressupõe a Constituição enquanto corpo sistemático, de modo que não se pode interpretar seus dispositivos de forma isolada, mas sim como um todo (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 161).


  7. TEIXEIRA, Tiago Conde; e TEIXEIRA, Yann Santos. O parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional e sua natureza jurídica. In: MENDES, Gilmar Ferreira; e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro (coord.). Direito tributário contemporâneo: 50 anos do Código Tributário Nacional. São Paulo: RT, 2016.


    a realidade social brasileira, estabeleceu igualmente normas prescrevendo diretivas relacionadas ao Estado Social. Nesse sentir, o Título VIII da Constituição dispõe sobre a Ordem Social, sendo que os respectivos Capítulos que compõem o Título VIII regulam áreas específicas que a integram.


    O Capítulo II do Título VIII, por sua vez, regula a seguridade social, a qual, nos termos do art. 194 da Carta, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, competindo ao Poder Público organizá-la, nos termos da lei.


    Ou seja, a seguridade social tem como força motriz o princípio da solidariedade, cabendo tanto à administração pública quanto à iniciativa privada promover os direitos sociais estabelecidos no Capítulo II do Título VIII da Constituição. Ademais, o referido princípio da solidariedade inclusive estrutura o modelo de financiamento da seguridade social, porquanto, conforme estabelecido pelo art. 195 da Carta da República, toda a sociedade irá contribuir com os seus recursos. Nesse contexto, o inciso I do art. 195 estabeleceu a incidência de contribuições sociais sobre a folha de salários do empregador.


    Ainda, considerando a natureza solidária que rege a seguridade social, o art. 201, § 11, da Carta Política estabeleceu que haverá igualmente a sujeição de ganhos eventuais à contribuição previdenciária quando incorporados aos benefícios previdenciários23.


    Entretanto, observa-se que em nenhum momento a Constituição subleva o princípio da solidariedade acima da segurança jurídica, cânone do Sistema Tributário Nacional. Pelo contrário, (1) o art. 195 a Carta indica que a contribuição incidirá (1.a) apenas sobre os valores que tenham natureza salarial, ou (1.b) sobre as parcelas que configurem remuneração em face de prestação laboral; enquanto (2) o art. 201, § 11, da Constituição possibilita que apenas ganhos habituais que sejam incorporados aos benefícios previdenciários poderão compor a base de cálculo da contribuição previdenciária.


    Inobstante, relativamente ao último ponto, impende destacar que o STF, no julgamento do RE n. 565.160/SC, submetido ao rito da repercussão geral, foi extremamente genérico, especialmente em seu voto vencedor, e que também pode ser observado em obter dictum dissonante ao estabelecido pelo texto constitucional.


    O voto vencedor, proferido pelo Ministro Marco Aurélio, apresenta conclusão que desconsidera a conjunção ao final da redação, cuja função é estabelecer que ambos os


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  8. “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

    [...]

    § 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previden ciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”


    elementos (habitualidade e repercussão em benefícios) pressupõem a incidência de contribuição previdenciária – é ver:


    “Se, de um lado, o artigo 195, inciso I, nela contido disciplinava, antes da Emenda nº 20/1998, o cálculo da contribuição devida pelos empregadores a partir da folha de salários, estes últimos vieram a ser revelados, quanto ao alcance, pelo citado § 4º – hoje § 11 – do artigo 201. Pelo disposto, remeteu-se à remuneração percebida pelo empregado, ou seja, às parcelas diversas satisfeitas pelo tomador dos serviços, exigindo-se, apenas, a habitualidade.

    [...]

    Em termos de tese, proponho que se lance o seguinte: A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998.”


    Ademais, o caráter indeterminado do decidido pelo Supremo Tribunal Federal é bem ilustrado pelo cotejo do voto do Ministro Alexandre de Moraes com o respectivo voto do Ministro Luiz Fux, sendo que ambos acompanharam o Ministro Relator, Marco Aurélio – vejamos:


    Ministro Alexandre de Moraes:

    “Portanto, para fins previdenciários, o texto constitucional adotou a expressão ‘folha de salários’ como o conjunto de verbas remuneratórias de natureza retributiva ao trabalho realizado, incluindo gorjetas, comissões, gratificações, horas- extras, 13º salário, adicionais, 1/3 de férias, prêmios, entre outras parcelas cuja natureza retributiva ao trabalho habitual prestado, mesmo em situações especiais, é patente.”

    Ministro Luiz Fux:

    “Da interpretação conjunta entre os dois dispositivos, artigo 201, caput e § 11 e artigo 195, inciso I, ‘a’, da Constituição, extrai-se que só deve compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador aquelas parcelas pagas com habitualidade, em razão do trabalho, e que, via de consequência, serão efetivamente passíveis de incorporação aos proventos da aposentadoria.”


    Observa-se, portanto, que apesar de ambos seguirem o voto vencedor, um admite a incidência de contribuição previdenciária qualquer que seja a verba habitual percebida pelo trabalhador, enquanto o outro apenas nos termos do consignado pela redação do art. 201 do texto constitucional.


    Ocorre que a característica básica relativa à estrita consonância com os parâmetros de competência tributária estabelecida pela Constituição não pode ser desprezada pelo intérprete, a teor do que predica o art. 110 do CTN. Logo, se o valor pago à pessoa física não


    tiver natureza salarial, caráter remuneratório do trabalho, ou ganho habitual incorporado aos benefícios previdenciários, inválida é a sua tributação.


    Contudo, o exame do julgamento do RE n. 1.072.485/PR aponta que o Sistema Tributário Nacional, firmado na segurança jurídica com a respectiva definição de competências tributárias, aquiesce ao financiamento da seguridade social. Entretanto, é necessário cuidado.


    Novamente, reitera-se que a Carta Constitucional configura o núcleo tanto de validade quanto interpretativo da ordem jurídica, de modo que não é possível subjugar suas normas, como se houvesse uma hierarquia normativa entre elas. Pelo contrário, tratar dois interesses constitucionais como conflitantes – no caso, financiamento da seguridade social e o sistema tributário de competências – configura uma leitura assistemática, é o mesmo que ler o todo como mera composição das partes, esquecendo da visão de conjunto, intrínseca ao pensamento moderno e do constitucionalismo.


    Nesse sentido, entende-se insubsistentes as proposições que levaram o STF a decidir pela incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.


    Do exame do voto vencedor, observa-se que a natureza remuneratória da verba referente ao terço constitucional de férias está arrimada em seu vínculo com o contrato empregatício. Entretanto, é necessário novamente rememorar a competência tributária relativa à contribuição previdenciária – disposta no art. 195, I, “a”, combinado com o art. 201,

    § 11, da Constituição – estabelece. Ora, não compõe a base de cálculo da exação qualquer parcela paga a trabalhador, contudo apenas aquelas parcelas que têm natureza salarial, configurem remuneração em face de prestação laboral, ou são ganhos habituais incorporáveis aos benefícios previdenciários.


    Ainda, relativamente ao Ministro Alexandre de Moraes, cujo voto está fundado na redação do art. 148 da CLT, entende-se insubsistente a premissa adotada. Isso porque incabível utilizar a legislação infraconstitucional para promover a leitura do texto da Constituição, especialmente no presente caso em que a norma utilizada pelo Ministro é anterior inclusive à instituição do terço constitucional de férias pela Constituição de 1988, ou seja, impossível que o dispositivo tenha qualquer referência à norma constitucional superveniente – é ver: “a remuneração das férias, ainda quando devida após a cessação do contrato de trabalho, terá natureza salarial, para os efeitos do art. 449”.


    Do exposto, entende-se que o julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE n. 1.072.485/PR, Tema n. 985 da Repercussão Geral, foi contrário aos ditames constitucionais, de modo que salutar a rediscussão do tema, notadamente diante da omissão ao exame da competência tributária estabelecida pela Constituição no tocante à contribuição previdenciária patronal.


    1. DA ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PROMOVIDA PELO RE N. 1.072.485/PR

      A par do exposto, o julgamento do RE n. 1.072.485/PR, submetido à repercussão geral sob o Tema n. 985, igualmente alterou jurisprudência outrora consolidada relativamente à sujeição do terço constitucional de férias à contribuição previdenciária.


      Com efeito, o STF, a partir do julgamento do RE n. 345.458/RS em fevereiro de 2005, que examinou a natureza do terço de férias constitucional como um reforço financeiro ao trabalhador – no caso, servidores públicos – firmou entendimento de que a parcela não sofreria a incidência de contribuição previdenciária (v.g., RE n. 587.941/SC, AI n. 712.880/MG, RE n. 589.441/MG, AI n. 710.361/MG, AI n. 727.958/MG, RE n. 545.317/DF, AI n. 603.537/DF).


      Nesse contexto, a 1ª Seção do STJ, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência em matéria tributária no âmbito do direito federal, modificou seu entendimento anterior, decidindo, a partir do EREsp n. 956.289/RS e da Pet n. 7.296/PE, julgados em outubro de 2009, que o terço constitucional de férias não estaria sujeito à incidência de contribuição previdenciária.


      Ademais, a jurisprudência do STJ se manteve estável e inequívoca no sentido da não incidência fiscal, tendo inclusive, em fevereiro de 2014, firmado em recurso repetitivo (REsp

      n. 1.230.957/RS – Tema 479) a tese segundo a qual a referida verba: “possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa)”.


      Paralelamente, o STF passou a admitir que a discussão relativa à natureza do terço constitucional de férias para fins de incidência de contribuição previdenciária teria natureza infraconstitucional (e.g., RE n. 1.050.539/PR, ARE n. 954.317/RS, ARE n. 927.918/BA, RE n. 1.040.122/RS). Inobstante, a partir do julgamento do Tema n. 20 da Repercussão Geral, em março de 2017, também se observou julgamentos, ainda que isolados, assumindo que a incidência da contribuição previdenciária havia sido consignada no referido julgamento (e.g., ARE n. 1.048.172/SC e ARE n. 979.579/SC).


      Observa-se, portanto, que até o julgamento do RE n. 1.072.485/PR o cenário era o seguinte:


      • Jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, inclusive firmada em julgamento de recurso repetitivo (REsp n. 1.230.957/RS), cuja aplicação é obrigatória aos demais órgãos do Judiciário, de que o terço constitucional de férias possui natureza indenizatória, não estando sujeito à incidência de contribuição previdenciária.

      • Até o julgamento do RE n. 565.160/SC (Tema n. 20 da Repercussão Geral), em março de 2017, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era inequívoca no sentido de


      que (i) não haveria incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, ou (ii) a referida discussão teria caráter nitidamente infraconstitucional. Entretanto, após o julgamento do RE n. 565.160/SC, ainda que a maioria do Tribunal tenha mantido o posicionamento de que a matéria era de índole infraconstitucional, algumas decisões isoladas entenderam que a verba relativa ao terço constitucional de férias havia sido examinada no Tema n. 20 da Repercussão Geral.


      Ou seja, notório que o regramento da matéria, na linha da jurisprudência dos Tribunais Superiores, era no sentido de que não incidiria contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias – apesar de diante do julgamento do Tema n. 20 da Repercussão Geral poder ocorrer a situação de o contribuinte ter o ônus de demonstrar o caráter distintivo de sua discussão, sob pena de ocorrer a aplicação irrefletida do precedente que não examinou a dita situação.


      Outrossim, importante registrar que o fato de determinada matéria ter sido sedimentada pelo STJ – notadamente em recurso afetado à sistemática repetitiva – não diminui a força normativa do entendimento jurisprudencial em comparação a precedente estabelecido pelo STF. Isso porque a competência dos Tribunais Superiores possui matriz normativa no próprio texto constitucional, não havendo que se falar em hierarquia, mas apenas em uma divisão de atribuições, que deságuam na tarefa de decidir em última instância sobre a eficácia e o conteúdo das normas jurídicas. Isto é, o STF uniformizando a aplicação do texto constitucional, enquanto ao STJ compete sedimentar a interpretação da legislação federal.


      Nesse sentido, elucidativo o fato de que, quando instado a decidir sobre questões de natureza infraconstitucional, mas que recaem sob sua competência em razão das partes envolvidas ou do interesse federativo, o STF busca aplicar a orientação do STJ24. Isto é, necessário reconhecer que o papel constitucional do STF, qual seja, configura o guardião da Constituição, e não ratificador de todas controvérsias jurídicas da sociedade.


      Desse modo, notório que o RE n. 1.072.485/PR modificou efetiva norma de conduta estabelecida, há mais de uma década, em relação à não incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. Por conseguinte, necessário visualizar os efeitos da referida alteração sobre a legítima confiança estabelecida diante da jurisprudência cediça dos Tribunais Superiores, especialmente por que não houve qualquer posicionamento do Tribunal, quando do julgamento do citado Tema n. 985 da Repercussão Geral, acerca da irretroatividade do novo entendimento firmado.


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  9. A título de exemplo: ACO n. 718/PA, RE n. 628.027 AgR, ARE n. 675.250, dentre outros, que tratavam de matéria solucionada no REsp n. 1.101.015/BA pelo STJ acerca do cálculo do Valor Mínimo Anual por Aluno.


    1. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, BOA-FÉ E SEGURANÇA JURÍDICA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

      A responsabilidade pela confiança é um princípio ético-jurídico implícito, derivado da segurança jurídica, de projeção subsidiária, que aflora para restabelecer a igualdade entre as partes sempre que a segurança-garantia, disponibilizada pela legalidade e pela ordem jurídica, falha. Envolve uma dimensão temporal, pois antes da violação da confiança terá havido um fato gerador da confiança situado no passado, já selecionado e reduzido no presente e que se pretende perdurar no futuro, mas que se frustra desarranjando a estabilidade. A confiança resgata o passado e antecipa o futuro estabilizando as relações, ao supor que o estado presente permanecerá. Consiste em equivalente funcional ou acoplador estruturante e estabilizador do sistema e pressupõe o risco e a dependência. Alimenta-se da igualdade-justiça em forma de equidade, é a materialização da justiça prospectiva, buscando fundamentos na injuridicidade de se proteger o desonesto, que age com má-fé, mas vai além, pois, em certas hipóteses, não pressupõe necessariamente o dolo ou a culpa, mas antes o risco, ostentando caráter compensatório.


      No Brasil, ao contrário do que sucede no continente europeu, a segurança jurídica e a proteção da confiança são amplamente reforçadas no campo do Direito Tributário. Assentam-se:


      • Na legalidade formal e material (especificidade conceitual determinante), consagradas nos arts. 5º e 150, I, da CF/1988;

      • Reforçadas pela exclusividade da lei que concede subsídio, isenção ou outro benefício fiscal (art. 150, § 6º, da CF/1988);

      • São minuciosamente explicitadas pelo art. 97 do Código Tributário Nacional;

      • Confirmadas e reconfirmadas pela proibição da analogia (art. 108, § 1º, do CTN) e, consequentemente, das presunções;

      • Pela rejeição da interpretação econômica (art. 110 do CTN) e da cláusula geral antievasiva (art. 109 do CTN);

      • Pelo caráter estritamente vinculado dos atos administrativos de cobrança do tributo (arts. 3º e 142 do CTN);

      • Pelo direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos e judiciais (art. 5º, LV, da CF/1988);

      • Desenvolvem-se, ainda, na proibição da surpresa e da imprevisibilidade, por meio da vedação constitucional da irretroatividade do direito em geral (art. 5º, XXXVI, da CF/1988), do Direito Penal (art. 5º, XL, da CF/1988) e do Direito Tributário em especial (art. 150, III, “a”, CF/1988);

      • no princípio da anterioridade e da espera nonagesimal (art. 150, III, “b”, “c”, da

        CF/1988).


      • Finalmente, complementa-se a proteção da confiança com a vedação do confisco e a observância da capacidade econômica, art. 150, IV e § 1º do art. 145 da CF/1988.


    No campo do Direito Tributário pátrio encontra aplicação o princípio da proteção da confiança, que só pode ser considerado unilateralmente em favor do contribuinte, pois quem tem posição soberana não possui confiança a ser protegida. A configuração da responsabilidade pela confiança no campo tributário pressupõe a supremacia de quem gera a confiança, ou seja, do Estado, quem põe o direito, cria e cobra o tributo, aplica a lei tributária de ofício ou por provocação e apresenta uma posição soberana em seus atos de intervenção e regulação.


    Tendo isso em mente, traçaremos, a seguir, o conteúdo e a projeção da proteção da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica no Direito Tributário brasileiro em geral, e, naturalmente, naqueles aspectos particularmente relevantes ao objeto do presente estudo, em particular.


      1. Fundamentos da proteção da confiança


        Como lembra Mattern, Estado de Direito não é apenas Estado das leis, pois administrar conforme a lei é antes administrar conforme o Direito, razão pela qual a proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça.


        Outrossim, importante consignar que Montesquieu25, teórico fundamental no estabelecimento do constitucionalismo – que a tradição tem irrefletidamente reproduzido26 que o autor teria sugerido que o juiz seria um mero bouche de la loi – salientava que o ideal do Judiciário era que os julgamentos deveriam acessar o significado preciso da legislação, e não configurar mero emaranhado de opiniões individuais dos magistrados, pois, assim, ninguém saberia a que conjunto de normas estaria sujeito.


        Em obra profunda sobre o tema, explica Roland Kreibich que alguns juristas alemães utilizam a expressão boa-fé como sinônima de proteção da confiança; outros, como Krieger, Thiel etc., consideram a proteção da confiança um resultado ou consequência legal da boa- fé; há aqueles ainda, como Mattern, que sobrepõem o princípio da proteção da confiança, para eles mais abrangente, como um “Tatbestand-mãe”, ao princípio da boa-fé.


        Em geral, a expressão boa-fé é utilizada frequentemente para designar as situações individuais, os casos concretos que envolvem a proteção da confiança27.


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  10. SECONDAT, Charles-Louis de (Baron de Montesquieu). The spirit of the laws. Trad.: Anne M. Cohler, Basia Carolyn Miller, Harold Samuel Stone. Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 156-158.


  11. Sobre a crítica neste sentido, ver: WALDRON, Jeremy. Montesquieu’s place in the rule of law tradition. No prelo.


  12. Cf. KREIBICH, Roland. Der Grundsatz von Treu und Glauben im Steuerrecht. Band 12. C.F. Muller Verlag, Heildelberg, 1992, p. 188.


    Pondera Kreibich que, no plano abstrato e geral, existem aplicações inerentes ao princípio da proteção da confiança, que não têm relação direta com a boa-fé, a saber: (a) a irretroatividade das leis; (b) a obrigatoriedade do cumprimento de promessas e de prestação de informações; (c) a proteção contra a quebra ou modificação de regras administrativas;

    (d) a proteção contra a modificação retroativa da jurisprudência; e (e) a garantia da execução de planos governamentais.


    E acrescenta que, em geral, prevalece a concepção, aliás dominante nos tribunais superiores daquele País, de que o princípio da proteção da confiança deve ser considerado um princípio mãe, deduzido do Estado de Direito, através da segurança28.


    Assim, em toda hipótese de boa-fé existe confiança a ser protegida. Isso significa que uma das partes por meio de seu comportamento objetivo criou confiança em outra, que, em decorrência da firme crença na duração dessa situação desencadeada pela confiança criada, foi levada a agir ou manifestar-se externamente, fundada em suas legítimas expectativas, que não podem ser frustradas.


    Mas Kreibich aponta como divergência existente entre o princípio da proteção da confiança e o da boa-fé, o fato de o primeiro, por ser mais abrangente, aplicar-se às situações gerais, abstratas e àquelas concretas; já o segundo, o princípio da boa-fé somente alcança uma situação jurídica individual e concreta, ou seja, alcança não as leis e os regulamentos normativos, mas apenas os atos administrativos individuais e as decisões judiciais.


    Em conclusão, Kreibich define o princípio da boa-fé como um princípio jurídico em geral (universal), válido para todas as áreas jurídicas, e sem restrições no Direito Tributário, sendo direito não escrito, que exige um comportamento leal e confiável de todos os envolvidos em uma relação jurídica concreta, e que, sendo ainda expressão da ideia da proteção da confiança no Direito Constitucional, através da segurança jurídica, decorre do Estado de Direito e da noção de justiça (que lhe determina o sentido)29.


    Inexiste, vale dizer, qualquer desvio da teorização do princípio da confiança no Direito como um todo. O mesmo espírito, que inspirou o Direito do Trabalho há tantas décadas, reflete com mais intensidade a necessidade de proteção da confiança em todos aqueles setores em que as pessoas estiverem à mercê ou sob a dependência política, econômica ou social de outrem, sobretudo do Estado.


    A intensidade da proteção da confiança se faz sentir em todo o continente europeu não apenas no Direito privado (nas relações de dependência, com especiais conotações no Direito do Consumidor – como alerta Carneiro da Frada em Portugal), mas também no



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  13. Cf. KREIBICH, Roland. Der Grundsatz von Treu und Glauben im Steuerrecht, op. cit., p. 24-25.


  14. Cf. KREIBICH, Roland. Der Grundsatz von Treu und Glauben im Steuerrecht, op. cit., p. 198.


    Direito Público, no Direito Administrativo, no Direito Social e no Direito Tributário. Nessas hipóteses, o princípio tende a ser invocado em favor da parte desfavorecida, mais dependente, anulando-se totalmente em relação à parte que domina os eventos/fatos (o Estado, por exemplo), ou parcialmente nos contratos, todas as vezes em que a má-fé abrigar as ações da parte “pretensamente” mais fraca. Nesse sentido, ainda que originalmente concebidos no Direito Privado, os fundamentos do princípio da proteção da confiança no Direito Público podem ser deduzidos tanto do princípio do Estado de Direito, quanto da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, no Estado Social, no direito fundamental da propriedade, como proteção da liberdade, como regra para a igualdade de tratamento e como proteção da dignidade da pessoa humana, evitando-se, com isso, que a pessoa se transforme em um objeto do Estado30.


      1. A proteção da confiança no âmbito do direito público


        Em relação às especificidades que o Direito público contém – unilateralidade da aplicação do princípio da proteção da confiança ao cidadão (e não ao Estado) e sopesamento do interesse público – questiona-se a aplicabilidade dos requisitos gerais do princípio da proteção da confiança, havendo o entendimento de que os institutos jurídicos do Direito Civil são adequados “no que couber”, ou seja, se inexistir incompatibilidade, passando a segundo plano. Além disso, a hierarquia das normas, vigorante no Direito Administrativo, é outro marco diferencial importante. Mas uma coisa é certa: as bases constitucionais do princípio da proteção da confiança (e, igualmente na Suíça, da boa-fé) estão definitivamente plantadas.


        Critica-se, entretanto, o caráter “difuso” do princípio da proteção da confiança, assim como ainda da boa-fé. Os esforços, para afastar-lhes a relativa indeterminação, trouxe-lhes terminologia diferenciada: a confiança, diz-se, agora, “legítima” ou “justificada”; a boa-fé será sempre boa-fé “objetiva.” Mas, no Direito público, a proteção da confiança ganha alta relevância em duas situações diferentes:


        1. nas situações juridicamente falhas, errôneas e, por isso, ilícitas ou ilegais, praticadas pelo Estado, indutoras de confiança que, para o futuro, não podem ser mantidas, ou o são precariamente, mas que, em todo caso, suscitam a proteção da confiança do cidadão e da sua boa-fé; no Brasil, seria o caso de benefícios fiscais ilicitamente concedidos pelos Estados, no seio de uma guerra fiscal;

        2. nas situações legalmente corretas, que já delimitaram a esfera jurídica do cidadão, no momento em que a intervenção da Administração pública altera o quadro, revogando benefícios antes concedidos ou criando encargos de toda natureza,



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  15. Cf. SACHS, in: Stern, Staatsrecht III/1, § 66 II 3 d h (p. 652). Cf. ZUCK, Döv, 1960, 582. apud HERRMANN, Josef-Blanke. Vertrauensschutz im deutschen und europäischen Verwaltungsrecht, op. cit., p. 30.


    retroativos, o que fere as expectativas anteriormente geradas, nas quais o cidadão tinha investido.


    Em síntese, poderíamos dizer que, no âmbito do Direito público, a proteção da confiança coincide, em vários pontos, com aquela proveniente do Direito privado, mas tem características especiais.


    O fato indutor da confiança é criado pelo Estado ou por órgãos públicos estatais. Essa a peculiaridade mais relevante, da qual resultarão outras, como da obrigatoriedade dos atos administrativos e do caráter vinculativo resultante dos atos estatais em geral.


    À vista da violação da confiança ou da ameaça de fazê-lo, o cidadão volta-se contra o próprio Estado, para exigir a proteção da confiança nele depositada. Teremos aqui a presença dos seguintes pressupostos:


    1. fato comissivo ou omissivo do Estado, realizado no passado, que desencadeará a confiança do cidadão, ou estará apto a fazê-lo;

    2. configuração da confiança percebida e justificada;

    3. confirmação da confiança, que incorpore o futuro, por meio de decisões, ações e comportamentos decorrentes, ou seja, disposições e investimento da confiança por parte do cidadão, embora esse aspecto seja muito relativizado, sendo dispensado em certas circunstâncias;

    4. avaliação do interesse público predominante, em relação à mudança do comportamento do Estado, que o cidadão caracteriza como violação da confiança;

    5. consequências positivas para manutenção da confiança (assegurando-se ao prejudicado o ato indutor da confiança) ou negativas (autorização imediata da modificação, com compensação dos prejuízos sofridos pelo cidadão), tudo a depender da avaliação do interesse público predominante.

    1. Proteção da confiança e irretroatividade


      Naqueles países (em grande maioria) em que a vedação de retroação do Direito somente alcança a lei penal, de forma expressa, o princípio da proteção da confiança é constantemente invocado para suprir “lacunas” de garantias no Direito Constitucional. A proteção da confiança substitui, então, os direitos adquiridos, ou a teoria dos fatos pretéritos à vigência da lei.


      Embora esses sistemas jurídicos conheçam esses institutos e os adotem, autonomamente, a proibição de sua vulneração é que será deduzida de modo mais amplo, fundamentando- se na segurança e, especificamente, na proteção da confiança. Isso não significa que o princípio da proteção da confiança não obrigue como qualquer outro, nem possa configurar verdadeira garantia fundamental, acostado aos clássicos direitos fundamentais de proteção da propriedade e do patrimônio, do desenvolvimento da personalidade e da


      dignidade da pessoa. A confiança na confiança, que é exatamente a confiança reflexiva e percebida contemporaneamente, converte a confiança em valor, como lembra Niklas Luhmann. Quando deixa a sua latência e se atualiza, a proteção da confiança manifesta-se em princípio implícito, como resultante de uma concatenação de outros princípios (segurança jurídica, Estado de Direito e igualdade), e ainda pode se apresentar como garantia fundamental, acostada a cada um dos direitos fundamentais, consagrados na Constituição.


      A irretroatividade das leis, em todos os ramos do Direito, se impõe na ordem positiva nacional, para não ferir o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito e, ainda, os fatos jurídicos em geral, pretéritos em relação à vigência da lei nova. Entre nós, não se reconhece nenhuma incompatibilidade entre a proteção da confiança e a irretroatividade. Ao contrário, a proteção que a Constituição manda, é tão forte (e o mandamento já conta com mais de século de prática), que ela se cristaliza por detrás dos institutos. Inexiste a necessidade de testarmos os requisitos da confiança: o ato do legislador, desencadeador da confiança, a base da confiança, a confirmação da confiança, os investimentos feitos pelo cidadão, as consequências desencadeadas, positivas ou negativas, e o sopesamento do interesse público na mudança da lei.


      Embora ali latente, mas cristalizada, a proteção da confiança legítima ou justificada não se manifesta, porque ela está pressuposta, pode apenas servir de explicação ou fundamento da própria escolha da Constituição. Isso explica por que razão, não sendo rica a literatura nacional em relação à proteção da confiança legítima, nem mesmo da boa-fé objetiva no Direito Tributário, no entanto, é fartíssima, quase “incontrolável”, relativamente à segurança jurídica, à previsibilidade e ao princípio da não surpresa. No Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos ou de fragilidade do princípio da irretroatividade é que surgirá, como garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança.


      É que a Constituição da República, ao consagrar, de forma tão clara, o princípio da irretroatividade em relação a fatos jurídicos, acontecidos antes da vigência da lei, cristaliza em garantias “imóveis”, a não retroação da lei tributária. Esse fenômeno, da busca do princípio da proteção da confiança para suprir um déficit da ordem positiva, não é necessário, entre nós, no que tange à irretroatividade, modelada de forma tradicional. Ou seja, a garantia da irretroatividade é direito fundamental relativo à preservação do passado, apenas isso. Deixe-se o passado, como fato passado, um “agora” que não mais se dá.


      Enfim, em relação aos fatos pretéritos, inteiramente ocorridos no passado, aplica-se a irretroatividade sem necessidade de se recorrer à proteção da confiança ou da boa-fé, no Brasil. Perguntas como: houve fato indutor da confiança? Houve confirmação da confiança e investimento na confiança? são desnecessárias. A morte do de cujus é fato jurídico, que independe da vontade da pessoa beneficiada pela herança, ou de sua boa-fé, mas o princípio da irretroatividade garante que o imposto poderá ser pago de acordo com a lei vigente, no


      momento da abertura da sucessão. Portanto, também o princípio da irretroatividade não coincide inteiramente com o da proteção da confiança.


      O princípio da proteção da confiança envolve o passado (ato gerador estatal da confiança), mas se projeta para o futuro. Nele, estão envolvidos passado, presente e futuro. Quando as promessas públicas são traídas, a questão que se põe, de forma consistente, é: o que deverá atenuar as frustrações relativas àquilo que se teria alcançado, se não tivesse havido a intervenção do Estado, abortando a promessa, o incentivo, o benefício. Isso não significa que, em vários pontos, mesmo em relação à irretroatividade, não aflore, como veremos, mesmo no Brasil, a proteção da confiança, como princípio ético-jurídico, como direito e garantia fundamental, impondo-se a responsabilidade do Estado pela confiança gerada. É o que ocorre, intensamente, nos casos de justiça prospectiva, em que a irretroatividade, compreendida em sua forma clássica – por não se apresentar o direito adquirido ou o ato jurídico perfeito – falha como garantia expressa. É o que ocorre em relação às expectativas de direito, não ainda direitos adquiridos, fortalecidas pelo decurso do tempo, os chamados “direitos expectados”, que são voltados tanto para o passado como para o futuro.


    2. A relação entre os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da confiança e a modificação de jurisprudência


Em diferentes ocasiões, o Supremo Tribunal Federal afirmou a segurança jurídica como princípio estruturante e norma nuclear do Direito brasileiro e como norma que protege, em particular, a previsibilidade do Direito e das relações sociais31. Dentre a ampla jurisprudência do STF sobre a matéria, destaca-se, em particular, o julgamento do RE n. 566.621, onde a Corte Constitucional referiu-se à segurança jurídica como princípio jurídico superior do Direito Tributário brasileiro.


No âmbito da doutrina, Misabel Derzi, em obra de referência sobre a matéria, afirmou a segurança jurídica como requisito do Estado de Direito e da legalidade, e como princípio diretamente associado à previsibilidade do Direito como um todo32.


A segurança jurídica como proteção da previsibilidade se manifesta em relação a normas juridicamente válidas desde sua origem, protegendo sua modificação abrupta; mas também abarca todos os atos do Poder Público que tenham gerado expectativas legítimas nos cidadãos e instituições/organizações da sociedade civil, como já colocado nos tópicos precedentes.


Em resumo, como corolário da própria ideia de justiça e Estado de Direito, a segurança jurídica manifesta-se como princípio geral (universal) de boa-fé, válido para todas as áreas



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31 Cf., por exemplo, os casos MS n. 26.604, MS n. 24.448, ADI n. 605-MC, RE n. 566.621, RE n. 486.825, MS n. 25.116 et caterva.


  1. DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009, p. 593.


    jurídicas, que exige comportamento leal e confiável de todos os envolvidos em uma relação jurídica.


    Este princípio projeta-se como proteção da confiança, quando aplicado às situações gerais e abstratas (e.g., quanto a um ato normativo estatal); e como boa-fé em sentido estrito na sua incidência vis-à-vis situações jurídicas individuais e concretas (e.g., atos administrativos individuais e decisões judiciais).


    Nesse sentido, há eloquente vedação de comportamento contraditório enquanto decorrência lógica dos referidos princípios, pois relaciona-se fundamentalmente com a preservação da lealdade e confiabilidade nas relações jurídicas, quer relações entre particulares, quer entre o Poder Público e os particulares.


    Por conseguinte, o Direito e suas respectivas regras de conduta não se confundem com a lei. Na verdade, da interpretação que o Poder Judiciário extrai da leitura do ordenamento jurídico, na busca do melhor sentido para aplicação ao caso concreto, criam-se efetivamente normas de conduta.


    Outrossim, estivesse o juiz absolutamente subjugado à lei, não seriam possíveis interpretações e decisões distintas sobre determinada matéria sem que a lei respectivamente aplicável fosse alterada. O ilustrado decorre, ademais, diante dos próprios institutos legais, os quais impõem papel ativo do julgador, consoante assevera Misabel Derzi:


    “Os sentidos possíveis, as lacunas, os tipos abertos são vistos como autorizações ou pressuposições do próprio legislador, tudo dentro dos enunciados linguísticos das leis, o que leva a uma acepção de sentença como uma criação, ou seja, como escolha entre alternativas possíveis, sem rompimento irreversível com a ideia de sentença vinculada à lei.”33


    Portanto, o juiz escolhe uma possível alternativa de sentido para dado enunciado da lei, entendendo que aquele significado é o mais adequado para o caso em exame. Na medida em que esvazia sentidos alternativos, cria uma norma judicial, específica, que será repetida para o mesmo grupo de casos – um precedente34. O espaço de discricionariedade que antes o legislador tinha deixado dentro dos enunciados linguísticos das leis acaba, dessa forma, sendo fixado em certo sentido, único, que termina por estabilizar expectativas normativas. Isto é, o Judiciário não configura um autômato, porquanto inexiste um processo mecanizado de aplicação da norma jurídica, de modo que suas decisões igualmente produzem normas jurídicas.



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  2. DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., p. 106.


  3. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: volume 2. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 441-444.


    Assim, é certo que o Poder Judiciário cria legítimas expectativas normativas para solução de conflitos, e essa capacidade de criar regras traduz um verdadeiro Poder do Estado, não mera autoridade que faz ser aplicada a lei35. Verifica-se que além de a decisão judicial vincular as partes dos casos concretos sub judice, cria também expectativas para terceiros sob um mesmo suporte fático36.


    Tem-se, portanto, que toda decisão judicial é aplicação e criação do direito, mesmo que limitada em grande medida à motivação por norma pré-constituída na lei. Considerando então que a sentença do juiz é ato jurídico criativo, que mesmo vinculado à lei não há mera subsunção a outra norma preexistente. Dessa forma, tendo em vista que a decisão sempre tem como objeto um fato pretérito que foi apresentado ao juiz para julgamento, não parece errado dizer que a sentença retroagirá para ser aplicável a um caso passado.


    Desse modo, se as sentenças se voltam ao passado, paralelamente, as expectativas normativas criadas antes pelo Poder Legislativo pesam, sobretudo, o futuro, enquanto tentativa de transformar a realidade social. Por meio das antecipações de comportamentos futuros, restringe-se o aumento das incertezas do sistema jurídico a partir de duas exigências principais: (i) a observância da norma jurídica; e (ii) a obrigação (enforcement) das decisões dos casos em conflitos jurídicos37.


    Decisões de outros casos, repetidas em situações análogas, tornam-se promessas de decisão que terminam por estabilizar o próprio Direito, com vistas à garantia de certa isonomia na solução de conflitos. Assim, sentenças que, via de regra, voltam-se ao passado, projetam-se para o futuro – sobretudo no Direito Tributário, em que a segurança jurídica deve ser fortalecida ao máximo diante da influência que exerce sobre o direito de propriedade e da autonomia individual.


    Inobstante, enquanto normas de conduta, especialmente no tocante aos precedentes firmados nos julgamentos promovidos na sistemática da repercussão geral, não se pode promover mudanças abruptas, ainda mais quando afetam retroativamente confianças legítimas. Desse modo, em havendo mudanças abruptas de entendimento em detrimento do jurisdicionado, a modulação dos efeitos da decisão é medida que se impõe.


    Isso ocorre em decorrência de diversos princípios constitucionais – Estado Democrático de Direito, segurança jurídica, boa-fé, proteção da confiança – e de previsões legais que preceituam a necessidade de uniformização da jurisprudência e a estabilização das decisões judiciais, no intuito de que se preserve o Estado de Direito e a segurança jurídica38.



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  4. DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., p. 53.


  5. DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., p. 55.


  6. DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., p. 177.


  7. Cf. STF, Tribunal Pleno, RE n. 240.785/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08.10.2014.


    Por isso é que, quando há uma mudança de entendimento na jurisprudência, a expectativa legítima do jurisdicionado não pode ser desrespeitada, de maneira que esse novo posicionamento deve observar alguns limites, a fim de que seja mantida a estabilidade sistêmica e, consequentemente, a segurança dos jurisdicionados.


    Nesse contexto, o instituto da modulação de efeitos das decisões judiciais constitui uma técnica processual originalmente prevista no art. 27 da Lei n. 9.868/1999 e no art. 11 da Lei n. 9.882/1999, cujo escopo foi posteriormente ampliado pelo art. 927 do CPC/2015.


    Segundo os referidos diplomas legais, em situações excepcionais, afasta-se o reconhecimento dos efeitos ex tunc das decisões judiciais. O que ocorre é que os dispositivos legais preveem exceções que autorizam expressamente a restrição ou modificação desses efeitos pelo Judiciário, determinando o momento a partir do qual serão desencadeados e de que maneira isso será operacionalizado, observando sempre a maioria de dois terços dos membros do colegiado.


    Nesse sentido, é ilustrativa a disciplina do art. 927, § 3º, do CPC/2015, que estabelece que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”. O art. 927, § 4º, dispõe ainda que a “modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. A importância da previsão legislativa decorre tanto da força normativa conferida aos direitos fundamentais e aos precedentes quanto da autocontenção dos Tribunais em relação às alterações jurisprudenciais. Objetiva-se, com isso, uma maior efetividade na prestação jurisdicional39.


    Ademais, muito embora a semântica dos termos “interesse social” e “segurança jurídica” não tenha sido bem delimitada pelo legislador nos dispositivos supracitados e, tampouco, pela jurisprudência da Suprema Corte, por tratar-se de medida excepcionalíssima, vê-se que as decisões judiciais têm buscado desenvolver técnica de aplicação objetiva do instituto da modulação, a partir dos critérios previstos em lei. Isso em busca da chamada justiça prospectiva, que depende da associação entre os seguintes fatores: o tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da confiança.


    Inobstante, é importante registrar que os dispositivos legais configuram densificações dos princípios anteriormente examinados. Elucidativo, nesse sentir, o fato de que os efeitos prospectivos das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal são inclusive anteriores


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  8. SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; e CHAVES, Luciano Athayde. A prospectividade da alteração da jurisprudência como expressão do constitucionalismo garantista: uma análise expansiva do art. 927, § 3º, do NCPC. Revista de Processo vol. 259, 2016.


    à Lei n. 9.882/1999. Como exemplo, pode-se citar: (i) RE n. 62.585, de Relatoria do Ministro Victor Nunes, que discutia o cancelamento de isenção fiscal, pelo Decreto n. 1.928/196040; (ii) o RE n. 79.343, de Relatoria do Ministro Leitão de Abreu, que discutia as vantagens inconstitucionais percebidas de boa-fé pelos magistrados41; (iii) a ADI n. 513, de Relatoria do Ministro Célio Borja, no âmbito da qual foi declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.134/1990 – que instituía coeficiente de aumento do Imposto de Renda42; e (iv) a ADI n. 1.102, de Relatoria do Ministro Maurício Corrêa, que discutia a inconstitucionalidade das expressões “empresários” e “autônomos” contidas no inciso I do art. 22 da Lei n. 8.212/199143. As ressalvas registradas nos aludidos julgados demonstram a existência de argumentos que há muito consideravam certa flexibilização dos efeitos para a eficácia da decisão, “em nome da conveniência e da relevância da segurança social”.


    Em arremate, cabe ressaltar que o princípio da proteção da confiança, assim como os princípios da boa-fé e da irretroatividade, conecta-se à segurança jurídica que se pretende dar às partes quando há uma mudança abrupta de jurisprudência consolidada. Isso porque as decisões judiciais também são produtoras de direito e, desse modo, há patente necessidade de que “os Tribunais uniformizem sua jurisprudência e a mantenham estável, íntegra e coerente”44.


    Desse modo, antes de configurar uma expectativa ou possibilidade à disposição do julgador, no caso em que o Judiciário promove abrupta modificação de jurisprudência outrora consolidada, configura medida cogente a modulação dos efeitos do julgamento. Ademais, antes de arrimada em dispositivos legais (ex vi Lei n. 9.882/1999 ou art. 927 do CPC/2015), os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé obrigam o Poder Público como um todo, o que inclui a magistratura, a proteger as legítimas expectativas geradas, notadamente resultantes de entendimentos judiciais consolidados.

    Desse modo, o chamado prospective overruling não pode ser encarado como mera faculdade dos julgadores, mas verdadeira obrigação diante de justificada situação de excepcionalidade, justamente em razão da segurança jurídica, destacada no dispositivo do código processual.


    Outrossim, tem sido este o posicionamento do STF, inclusive para modificação de entendimentos sedimentados em períodos de tempo análogos à presente situação.


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  9. STF – RE n. 62.585, Primeira Turma, Rel. Min. Victor Nunes, j. 22.10.1968, publicado em 13.02.1969.


  10. STF – RE n. 79.343. Rel. Min. Leitão de Abreu. Publicado no DOU de 02.09.1977.


42 STF – Pleno, ADI n. 513, Rel. Min. Célio Borja, j. 14.06.1991, DJU 30.10.1992.


43 STF – Pleno, ADI n. 1.102, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 05.10.1995, DJU 17.11.1995.


44 Art. 926 do CPC/2015.


No primeiro caso, a Corte modificou o seu entendimento referente à possibilidade de pedido repetitório nos casos em que a base de cálculo efetiva da operação, no regime de substituição tributária para a frente, for inferior à presumida. Isso porque 15 (quinze) anos antes do julgamento do RE n. 593.849/MG, o STF havia ratificado a constitucionalidade da prática dos Estados na ADI n. 1.851/AL, de modo que a Corte atribuiu efeitos ad futuram à nova decisão, bloqueando as pretensões dos contribuintes à repetição do indébito em períodos anteriores à decisão, exceção feita àqueles que já tivessem ajuizado seus pedidos.


Ademais, no RE n. 643.247/SP, ao declarar a inconstitucionalidade da cobrança de taxas municipais de combate ao incêndio, a Corte igualmente modificou a sua jurisprudência anterior, consignada em julgamentos de processos subjetivos – a exemplo do RE n. 206.777/SP – que autorizava a instituição da referida taxa pelos Municípios.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto, o RE n. 1.072.485/PR, ao concluir pela incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, inovou na ordem jurídica. Consoante afirmado alhures, o STF, a partir do julgamento do RE n. 345.458/RS em fevereiro de 2005, firmou o entendimento de que a parcela não sofreria a incidência da contribuição previdenciária. A jurisprudência foi então consolidada.


Acresce ainda que o STJ modificou seu entendimento anterior, decidindo, a partir do EREsp

n. 956.289/RS e da Pet n. 7.296/PE, julgados em outubro de 2009, que o terço constitucional de férias não estaria sujeito à incidência de contribuição previdenciária. Finalmente, o mesmo tribunal, em fevereiro de 2014, firmou em recurso repetitivo (REsp n. 1.230.957/RS – Tema n. 479) a tese no sentido de que a referida verba: “possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa)”.


Paralelamente, o STF passou a admitir que a discussão relativa à natureza do terço constitucional de férias para fins de incidência de contribuição previdenciária teria natureza infraconstitucional (e.g., RE n. 1.050.539/PR, ARE n. 954.317/RS, ARE n. 927.918/BA, RE n. 1.040.122/RS). Para o caso em tela, valeriam a jurisprudência da própria Corte Suprema até então consolidada e aquela, no mesmo sentido, do STJ, pela não incidência do tributo.


Temos, então, que o Estado-juiz criou regra judicial, originando expectativa legítima para os contribuintes de boa-fé, no sentido de que não incidiria a contribuição previdenciária sobre o terço de férias.


Assim sendo, cabe ao Estado-juiz, responsável pela confiança gerada, efetivamente proteger aqueles que se comportaram na forma e nas condições autorizadas pelas Cortes Superiores.


Por via de consequência, diante da referida modificação jurisprudencial, bem como considerando-se que o Estado-juiz tem responsabilidade pela confiança gerada nos contribuintes, mostra-se necessário que sejam modulados os efeitos do julgamento do Tema n. 985 de Repercussão Geral para que não retroaja, atingindo apenas relações jurídicas futuras.


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SACHS, in Stern, Staatsrecht III/1, § 66 II 3 d h (p. 652). Cf. ZUCK, Döv, 1960, 582. apud HERRMANN, Josef-Blanke. Vertrauensschutz im deutschen und europäischen Verwaltungsrecht.


SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; e CHAVES, Luciano Athayde. A prospectividade da alteração da jurisprudência como expressão do constitucionalismo garantista: uma análise expansiva do art. 927, § 3º, do NCPC. Revista de Processo vol. 259, 2016.


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