A Aplicabilidade da Prescrição Intercorrente da Lei n. 9.873/1999 às Multas Aduaneiras – Análise Crítica dos Argumentos do Debate

The Applicability of the Statute of Limitation of Law No. 9.873/99 to Customs Fines – Critical Analysis of the Arguments from the Debate

Carlos Augusto Daniel Neto

Cursando estágio Pós-doutoral na Universidade do Rio de Janeiro. Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ex-Conselheiro Titular das 1ª e 3ª Seções do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf. Professor do mestrado do CEDES e da pós-graduação do IBDT. Pesquisador da FGV. E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br.

Diego Diniz Ribeiro

Doutorando em Processo Civil pela USP. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Professor na FGV/SP e IMESB. Ex-Conselheiro titular na 3ª Seção do Carf. Pesquisador da FGV. E-mail: diego.diniz@ddtax.com.br.

Recebido em: 29-6-2021

Aprovado em: 16-11-2021

Resumo

O presente artigo busca analisar a aplicabilidade da prescrição intercorrente estabelecida na Lei n. 9.873/1999 às multas aduaneiras sob julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Para tanto, inicialmente será demonstrada a inaplicabilidade da Súmula n. 11 daquele tribunal às multas aduaneiras. Na sequência, será abordado o conteúdo normativo da Lei n. 9.873/1999 e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça à respeito. Por fim, serão enfrentados todos os argumentos em sentido contrário, que surgiram ao longo do debate, demonstrando a inexistência de razões jurídicas subsistentes contrárias ao reconhecimento de tal prescrição, para apresentar a diferença entre a jurisprudência judicial e administrativa sobre o tema.

Palavras-chave: multas aduaneiras, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, prescrição intercorrente, Súmula Carf n. 11, Lei n. 9.873/1999.

Abstract

This article aims to analyze the applicability of the statute of limitation established in Law No. 9.873/99 to customs fines under judgment by the Administrative Council of Tax Appeals. For this purpose, initially the inapplicability of Binding Precedent No. 11 of that court to customs fines will be demonstrated. Next, the normative content of Law No. 9.873/99 and the understanding of the Superior Court of Justice will be addressed in this regard. Finally, all arguments on contrary sense, which emerged during the debate, will be faced, demonstrating the inexistence of remaining legal reasons contrary to the recognition of such statute of limitation, to present the difference between judicial and administrative jurisprudence on the subject.

Keywords: custom fines, Administrative Council of Tax Appeals, statute of limitation; Binding Precedent no. 11; Law no. 9.873/1999.

Introdução

O presente artigo tem a finalidade de abordar um tema que decorre da necessidade de se compreender que o crédito decorrente de sanções administrativas aduaneiras1 não possui natureza tributária, e tampouco compartilha do regime jurídico de créditos desta natureza2.

O cotejo dos regimes jurídicos de créditos tributários e aduaneiros poderia se dar sob diversos prismas, como as regras de sujeição passiva, decadência etc., entretanto, optamos por abordar aqui a aplicabilidade, às multas administrativas aduaneiras, da prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999, caso o processo administrativo que a discuta permaneça parado, pendente de julgamento ou despacho, por prazo superior a três anos.

Essa questão restou muito pouco explorada ao longo dos últimos anos, em razão da aplicação reiterada e uníssona da Súmula n. 11 (“Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.”) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aos processos administrativos que discutem sanções aduaneiras.

O tema retornou à pauta de discussões recentemente, com muita intensidade, em razão de provocação em artigo publicado, questionando a aplicabilidade da referida súmula aos casos estritamente aduaneiros, considerando os acórdãos precedentes que a formaram3, entendimento este que contou com o acatamento de alguns conselheiros do Carf e de parte relevante da comunidade jurídica4.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é justificar de maneira técnica a razão pela qual a prescrição intercorrente da Lei n. 9.873/1999 é aplicável aos processos administrativos que julgam multas administrativas aduaneiras, no âmbito do Carf.

1. O ponto de partida: por que a Súmula n. 11 não alcança processos de multas aduaneiras?

Uma súmula nada mais é do que um enunciado sintético (sumular) que retrata a jurisprudência de um Tribunal para uma específica quaestio iuris, enunciado esse decorrente de precedentes que, por sua vez, formam uma jurisprudência. Há, como aponta Fredie Didier Júnior, uma evolução: precedente jurisprudência súmula5. Não se trata de um ato de vontade do julgador ou do tribunal, mas é, por transposição lógica, desdobramento de um conjunto de precedentes.

Nesse sentido, a súmula deverá ter sua eficácia e alcance circunscritos às porções fático-jurídicas dos precedentes que lhe deram origem, com especial ênfase para o contexto fático. Na lição de Cassio Scarpinella Bueno, um precedente vinculante, como é o caso das súmulas (art. 927, incisos IV e V), pressupõe uma similaridade do caso (na perspectiva fática e jurídica) e a correlata demonstração dessa similaridade6-7. Esta orientação não tem foro doutrinário, apenas, sendo objeto de mandamento legal expresso (art. 926, § 2º, do CPC/20158), que obriga que a edição de enunciados de súmula se atenha às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Disso decorre a conclusão óbvia de que, ao se considerar a convocação de súmulas para a realização de um caso em julgamento, compete ao julgador promover uma comparação analógico-problemática entre o caso sob julgamento e os casos-precedentes que deram origem ao enunciado sumular, seja para aplicá-la ou afastá-la. Deixar de realizar esse cotejo entre o caso concreto e os precedentes que determinam os fundamentos determinantes da súmula, mais do que um erro metodológico, implicará a nulidade da decisão proferida por ausência de motivação, exatamente como prescreve o disposto no art. 489, § 1º, incs. V e VI, do CPC9.

Uma das causas para se afastar a aplicação de uma súmula ou precedente vinculante é a ocorrência de distinção (distinguishing) quando, ao se comparar os dois casos em confronto (o precedente e o caso em julgamento), percebe-se que existem mais pontos (fáticos) de desencontros do que de encontros entre os casos comparados, relacionados à solução jurídica aplicada aos precedentes, o que exige, por conseguinte, o desenvolvimento de uma ratio decidendi própria para o caso sub judice10. Essa distinção, naturalmente, deve ser motivada e baseada em um argumento de dissociação, para justificar que os dois casos (precedente e concreto) são substancialmente distintos em aspectos fáticos e sob a perspectiva da ratio que deveria ser aplicada em sua solução11.

O Regimento Interno do Carf (Ricarf) também se ocupou do tema das súmulas, estabelecendo o seu caráter vinculante aos conselheiros, em seu art. 72, ao dispor que as decisões reiteradas e uniformes do Carf serão consubstanciadas em súmula de observância obrigatória pelos membros do Carf.

Nesse sentido, conforme foi recentemente esclarecido pela Nota Técnica SEI n. 20108/2021/ME, os conselheiros têm liberdade para realizar o distinguishing, sempre de maneira fundamentada em critérios técnicos e jurídicos, quando se constata que o caso concreto não se subsome ao enunciado sumular12.

Pois bem, analisando os dez acórdãos que formaram a Súmula n. 11, informados no sítio virtual do Carf, cumpre delimitar as circunstâncias fáticas dos precedentes: todos, sem exceção, tratavam de processos de cobrança de créditos tributários13. Utilizando-se da definição do Código Tributário Nacional, em seu art. 139, crédito tributário é aquele que decorre da obrigação principal, que, por sua vez, conforme o art. 113, §§ 1º e 3º, é decorrente do fato gerador e pode envolver tributo ou penalidade pecuniária, decorrente do seu descumprimento ou da inobservância de obrigações acessórias14.

Fixadas as circunstâncias fáticas, cumpre verificar a ratio decidendi dos julgados, que caracteriza o fundamento determinante da decisão:

i) o Acórdão n. 104-19.980 (IRPF) limitou-se a afirmar que seria pacífico no Carf o entendimento contrário à prescrição intercorrente, em razão da suspensão da exigibilidade do crédito tributário com a impugnação tempestiva, que impediria a início da contagem do prazo prescricional do art. 174 do CTN. Com o mesmo fundamento, Acórdãos n. 104-19.410 (IRPF), n. 201-76.985 (IPI), n. 105-15.025 (IRPJ), n. 203-02.815 (IPI) e n. 202-07.929 (IUM15);

ii) na mesma linha dos acórdãos anteriores, o Acórdão n. 103-21.113 (IRPJ) invocou o entendimento proferido pelo STF nos Embargos de Declaração no RE n. 94.462/SP, julgado em 1982, para sustentar a prescrição correria apenas a partir da definitividade do crédito tributário, com fundamento no art. 174 do CTN. É de se mencionar, inclusive, que o Ministro consigna a inexistência de regra que estabeleça um prazo extintivo para a Administração proferir sua decisão final, após a impugnação, mas que tal prazo poderia ser criado pelo legislador. O Acórdão n. 203-04.404 (Finsocial) se limitou a invocar a Súmula n. 153 do TFR16, editada em 17 de abril de 1984, com os mesmos fundamentos subjacentes do precedente do STF, mencionado acima;

iii) o Acórdão n. 201-73.615 (ITR) afirma que não há legislação estabelecendo prescrição intercorrente para o direito tributário;

iv) por fim, o Acórdão n. 107-07.733 (IRPJ) rejeitou a prescrição intercorrente com fundamento no art. 5º da Lei n. 9.783/199917, afirmando que tal dispositivo não seria aplicável em matéria tributária;

Importantíssimo para se compreender a razão de decidir do julgado, é identificar a causa de pedir do contribuinte: (i) em sete acórdãos, o fundamento invocado (ainda que muitas vezes se verifique de forma implícita, pelo teor do voto) é o art. 174 do CTN, isoladamente ou cominado com o art. 150, § 4º, do mesmo diploma, argumentando-se que o prazo de cinco anos seguiria contando durante o prazo do processo administrativo; (ii) em dois acórdãos, invocou-se a aplicação do art. 173 do CTN, que diz respeito à decadência, mas o julgador compreendeu que o contribuinte se referira à prescrição intercorrente, rechaçando-a em razão de o processo estar em curso; e (iii) apenas um Acórdão (n. 107-07.733) invocou como causa de pedir o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 – que foi rechaçado pela exceção do art. 5º dessa mesma lei.

Ressalte-se que os acórdãos em questão, em nosso entender, são irretocáveis em suas conclusões. De fato, o prazo de cinco anos que o art. 174 do CTN estabelece, de caráter prescricional (e não prescrição intercorrente!), só se inicia após a constituição definitiva do crédito tributário18, e a Lei n. 9.873/1999, que dispõe sobre prescrição intercorrente, não se aplica a créditos tributários, como ela própria dispõe categoricamente.

Por outro lado, os acórdãos em questão não analisaram precedentes cuja causa de pedir fosse a Lei n. 9.873/1999, envolvendo créditos de natureza não tributária e que, portanto, não estão abarcados pela sua regra excepcionante. Esse é exatamente o conjunto no qual se inserem os processos que dispõem sobre multas administrativas aduaneiras!

A simples constatação de que as circunstâncias fáticas e a causa de pedir dos precedentes que formaram a súmula não se confundem com a hipótese dos processos de multas aduaneiras já justifica suficientemente o distinguishing para que se construa uma ratio decidendi própria para a decisão do caso concreto. Senão vejamos um ilustrativo quadro, sumarizando o que foi dito:

Tributos e multas tributárias

Multas administrativas aduaneiras

Circunstâncias fáticas

Crédito tributário

Crédito não tributário

Causa de pedir

Aplicação do art. 174 no curso do processo administrativo, iniciando a contagem do prazo prescricional antes da constituição definitiva do crédito.

Aplicação da prescrição intercorrente na Lei n. 9.873, art. 1º, § 1º.

Aplicação da prescrição intercorrente na Lei n. 9.873, art. 1º, § 1º.

Ratio decidendi

Ausência de regra específica de prescrição intercorrente no CTN.

O crédito não foi constituído definitivamente, pela suspensão da exigibilidade, para que o prazo do art. 174 se inicie.

Inaplicabilidade expressa da Lei n. 9.873/1999 a casos tributários, pelo seu art. 5º.

Aplicação da Súmula n. 11, que se baseia em precedentes de créditos tributários.

Fica evidente, portanto, que os fundamentos invocados para a resolução dos precedentes que formaram a súmula são incompatíveis com o regime jurídico material das multas aduaneiras, a um, por não se aplicar a ela as regras do Código Tributário, e a dois, por não serem processos tributários e não estarem sujeitas à exceção do art. 5º da Lei n. 9.873/1999. Torna-se necessária, pois, a construção de uma ratio decidendi própria, que considere o regime de direito material dessas sanções.

Para avançarmos, entretanto, é preciso que passemos à análise minuciosa da Lei n. 9.873/1999, para demonstrar a sua aplicabilidade às multas aduaneiras.

2. A Lei n. 9.873/1999 e o seu regime jurídico

O fundamento legal invocado para se pleitear a prescrição intercorrente é a Lei n. 9.873/1998, que estabelece, verbis:

“Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§ 2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)”

Adicionalmente, o art. 5º da mesma lei estatui que o disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.

Como se verifica de plano, trata-se de uma lei vocacionada ao estabelecimento de uma regra geral para a “prescrição da ação punitiva da União”, inclusive intercorrente, e da “prescrição executória de sanções não tributárias constituídas definitivamente”. Essa lei teve como finalidade expressa, em sua Exposição de Motivos, “dar fim aos embaraços a que são submetidos os administrados quando, em razão da ausência de norma legal que preveja a extinção do direito de punir do Estado, são indiciados em inquéritos e processos administrativos iniciados muitos anos após a prática de atos reputados ilícitos”, e o faz por meio do estabelecimento de “prazos prescricionais que irão delimitar a atuação do Estado na apuração e repressão de ilícitos administrativos”.

A relevância dessa lei decorre do fato de que ela se destina a balizar a pretensão punitiva do União: não admitir a existência de prescrição, no caso de punições, é deixar o administrado ao alvedrio da administração, tornando perpétua a ação de punir e prorrogando uma notória instabilidade.

Na redação original da lei, verificam-se dois prazos distintos, conclusão compartilhada pela Advocacia-Geral da União e exarada no Parecer n. 991-2009/PGF/PFE – Anatel19: (i) o prazo do art. 1º, que estabelece a “prescrição” quinquenal do direito de punir do Estado contado da data da infração; e (ii) o § 1º, que estabelece a prescrição intercorrente no curso de procedimento administrativo parado por três anos, pendente de julgamento ou despacho. Em outras palavras, uma corre antes do início do procedimento ou processo administrativo, enquanto a outra, intercorrente, pressupõe que tenha havido o início do procedimento ou processo administrativo, e corre durante o seu curso.

Sobre o tema, é essencial a análise do REsp n. 1.115.078/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, e julgado sob a sistemática de recursos repetitivos, no qual a Lei n. 9.873/1999 teve seu conteúdo normativo esmiuçado e esclarecido, consolidando orientação jurídica que passou a ser observada pelos tribunais.

No seu voto, o Ministro relator pontua que conforme o art. 1º da Lei, conjugam-se dois elementos para a determinação positiva do seu âmbito de aplicação: (i) a natureza punitiva da ação administrativa; e (ii) o caráter federal da autoridade responsável por essa ação. Por outro lado, negativamente, a referida lei não alcança: (i) as ações punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios; (ii) as ações que, ainda que desfavoráveis aos administrados, não têm caráter punitivo, como medidas revogatórias; e (iii) por expressa disposição do art. 5º da lei, as ações punitivas disciplinares e as ações punitivas tributárias, sujeitas a prazos prescricionais próprios, a primeira com base na Lei n. 8.112/1990 e a segunda com fundamento no CTN.

Sobre as condições positivas e negativas elencadas pelo STJ, para fins de sua inclusão no âmbito da Lei n. 9.873/1999, verifica-se, com bastante facilidade, que a multa administrativa aduaneira atende a todas elas.

Há um outro ponto que deve ser endereçado, a respeito da aplicação da Lei n. 9.873/1999. Na sua redação original, houve a discussão se o prazo quinquenal que seu art. 1º estabelece seria relativo à constituição do crédito não tributário – prazo decadencial –, ou se para a sua cobrança judicial – prazo prescricional –, em razão da utilização do vocábulo “prescrição”.

Essa dúvida foi levada aos tribunais, e ao próprio STJ, e em voto da lavra do Ministro Mauro Campbell, no julgamento do REsp n. 1.102.193/RS, asseverou-se que o prazo em questão, a despeito da redação, teria natureza de prazo decadencial, pois não se refere à cobrança da penalidade aplicada, mas à investigação do cometimento da infração em si, tratando-se de “verdadeiro prazo decadencial para constituição de crédito que advém do exercício do poder de polícia”20. O voto em questão entendeu que o prazo se relacionaria ao exercício de um poder potestativo da União de apurar uma determinada infração e constituir o crédito não tributário, por meio de ato administrativo.

Conquanto esse entendimento tenha sido vencido no acórdão indicado, acompanhado apenas pelo Ministro Herman Benjamin, a Lei n. 11.941/2009 veio a inserir o art. 1º-A à Lei n. 9.873/1999, evidenciando a correção da tese defendida pelos Ministros citados, deixando fora de dúvida que o prazo do art. 1º seria decadencial, e o do art. 1ª-A seria prescricional.

Como consignado no REsp n. 1.115.078/RS, de caráter vinculante, após a Lei n. 11.941/2009, a Lei n. 9.873/1999 passou a, explicitamente, consagrar três prazos, verbis:

“(a) cinco anos para a constituição do crédito por meio do exercício regular do Poder de Polícia – prazo decadencial, pois relativo ao exercício de um direito potestativo;

(b) três anos para a conclusão do processo administrativo instaurado para se apurar a infração administrativa – prazo de “prescrição intercorrente”; e

(c) cinco anos para a cobrança da multa aplicada em virtude da infração cometida – prazo prescricional.

Portanto, a Lei n. 9.873/1999, com alterações posteriores, instituiu um prazo decadencial (art. 1º) para o exercício do poder de polícia da Administração Pública Federal, relativamente à apuração do cometimento de infração e constituição do crédito relativo à multa, estabeleceu também um prazo prescricional (art. 1ª-A) para a cobrança judicial do crédito regularmente constituído, e no meio dos dois constituiu um prazo de prescrição intercorrente (art. 1º, § 1º) para que o processo administrativo não permanecesse parado por mais de três anos, no aguardo de despachos ou decisões, prorrogando a sujeição do administrado indefinidamente, tal qual a espada de Dâmocles, de maneira incompatível com o Estado de Direito21 e com o caráter sancionatório da cobrança.

Por fim, o mesmo voto no REsp n. 1.115.078/RS, de maneira professoral, para fixar definitivamente a interpretação dos prazos que a Lei n. 9.873/1999 estabeleceu, arrolou um “roteiro”, que passou a determinar a orientação do STJ e dos demais tribunais sobre a matéria:

“(a) é de cinco anos o prazo decadencial para se constituir o crédito decorrente de infração à legislação administrativa;

(b) esse prazo deve ser contado da data da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado e será interrompido: [...]

(c) o prazo decadencial aplica-se às infrações cometidas anteriormente à Lei 9.873/99, devendo ser observada a regra de transição prevista no art. 4º;

(d) é de três anos a ‘prescrição intercorrente’ no procedimento administrativo, que não poderá ficar parado na espera de julgamento ou despacho por prazo superior, devendo os autos, nesse caso, serem arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada;

(e) é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da ação executória;

(f) o termo inicial desse prazo é a constituição definitiva do crédito, que se dá com o término do processo administrativo de apuração da infração e constituição da dívida;

(g) São causas de interrupção do prazo prescricional: [...]”

Feitos esses esclarecimentos, baseados na análise da legislação e na jurisprudência vinculante sobre a matéria, e confrontada a hipótese da multa aduaneira com as condições positivas e negativas para a aplicação da Lei n. 9.873/1999, fica evidente que a lei alcança essa situação jurídica, e que deveria ser considerada na construção da ratio decidendi de casos de natureza aduaneira.

Não obstante a clareza da conclusão acima, vamos agora explorar algumas questões e óbices específicos que têm sido levantados ao longo do debate sobre a eficácia da Lei n. 9.873/1999 às multas aduaneiras, com a finalidade de estabelecer com eles uma dialética ostensiva e, ao final, rechaçá-los devidamente.

3. Questões específicas relativas à aplicação da Lei n. 9.873/1999 às multas aduaneiras em julgamento no Carf

Para fins de clareza das questões e óbices que se busca endereçar, e para que não restem quaisquer dúvidas aos leitores sobre qual ponto está sendo discutido, os tópicos serão estruturados na forma que os eventuais óbices têm sido postos. Trata-se de um esforço eminentemente dialógico, com a finalidade de robustecer as conclusões alcançadas anteriormente.

3.1. “As multas aduaneiras têm natureza tributária e devem se submeter à exceção do art. 5º da Lei nº 9.873/99”

Não há sequer que se cogitar aqui, ainda que argumentativamente, que essas sanções teriam caráter tributário, para atrair a aplicação do art. 5º da Lei n. 9.873/1999, o que poderia ser um “óbice” ao reconhecimento de sua eficácia às sanções em análise, pelo simples fato de estarem sujeitas ao rito do Decreto n. 70.235/1972.

O próprio Carf é sensível à distinção entre Direito Tributário e Direito Aduaneiro e seus respectivos regimes jurídicos22, decidindo no sentido de que as sanções administrativas aduaneiras estariam sujeitas ao regramento do Decreto-lei n. 37/1966 e do Regulamento Aduaneiro, quanto à regra de contagem do prazo decadencial (e.g., Acórdãos n. 3302-005.749, n. 3402-007.092, n. 3002-001.261 e n. 9303-010.197), ou mesmo quanto à aplicação de seu regime próprio de responsabilidade solidária (e.g., Acórdãos n. 3301-004.856, n. 3402-004.290, n. 3402-003.858 etc.). No mesmo sentido, o STJ também tem por pacífico em sua jurisprudência que as regras do CTN se aplicam somente aos créditos decorrentes de obrigações tributárias, não se aplicando a créditos não tributários, em que se incluem as sanções administrativas aduaneiras (e.g., AgRg no REsp n. 1.407.182/PR, AgRg no Ag n. 1.418.126/MG e AgRg no REsp n. 1.117.415/SC).

A distinção entre os dois regimes jurídicos é amplamente reconhecida na doutrina especializada. O Direito Aduaneiro, explica Rosaldo Trevisan, disciplina as relações entre a Aduana e os intervenientes nas operações de comércio exterior, estabelecendo os direitos e as obrigações de cada um, e as restrições tarifárias e não tarifárias nas importações e exportações23. É um ramo, todavia, possui pontos de contato com outros, como o Direito Tributário e o Direito Econômico, como explica Rodrigo Mineiro, de forma didática, verbis:

“Considerando as funções principais da Aduana, a regulação do tráfego internacional de mercadorias pode ser classificada de diferentes maneiras: (i) quando a regulação se dá através do controle aduaneiro, estamos no campo do Direito Aduaneiro Administrativo; (ii) quando a regulação se dá através da aplicação de restrições, estaremos no campo do Direito Aduaneiro Econômico; (iii) quando a regulação ocorre através da tributação, estaremos no campo do Direito Aduaneiro Tributário, ou do Direito Tributário Aduaneiro, dependendo da perspectiva que se adote.”24

Enquanto o crédito tributário decorre da obrigação principal, conforme arts. 113, §§ 1º e 3º, e 139 do CTN, o crédito aduaneiro (não tributário) decorre, conforme o art. 673 do RA/2009, de toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada nesse Regulamento [Aduaneiro] ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo, que esteja sujeita à penalidade de multa25.

3.2. “A súmula nº 11 é vinculante, se refere a ‘processo administrativo fiscal’ e deve ser aplicada literalmente, para todos os processos julgados pelo Carf”

Em primeiro lugar, como já dito no primeiro item deste artigo, a aplicação ou afastamento das súmulas não deve se dar literalmente, mas de acordo com os fundamentos determinantes dos precedentes que a formaram, como estabelece o CPC em seu art. 489, § 1º, V e VI, sob pena de nulidade por vício de motivação.

É absolutamente possível que a redação de uma súmula, se considerada literalmente, tenha um alcance muito maior do que os precedentes que a formaram, razão pela qual cabe ao aplicador, analisando o caso concreto, promover o adequado distinguishing para construir uma ratio decidendi adequada ao caso sob julgamento. O contrário também é verdadeiro: caso a redação de uma súmula deixe de fora situações que foram abarcadas pelos seus precedentes, ainda assim é cabível a sua aplicação ao caso, visto que sua força normativa decorre dos precedentes que a formaram, e não da elaboração sumular escolhida pelo tribunal.

Tais situações, longe de serem inéditas, são comuns no âmbito do Carf.

Por exemplo, a Súmula Carf n. 6626 se referia a “Órgãos da Administração Pública”, entretanto, a 2ª Câmara Superior de Recursos Fiscais, por unanimidade, ao proferir o Acórdão n. 9202-006.580, entendeu que “Considerando o paradigma utilizado para a formação da Súmula 66, a interpretação mais adequada é a de que o Enunciado trata da Administração pública como um todo, não apenas de órgão público”, aplicando-a a uma Fundação Estadual, pertencente à administração indireta.

Em outro exemplo, a Súmula Carf n. 29, em sua redação original27, se referia a “cotitulares de conta bancária” e à “nulidade do lançamento”. Entretanto, ao proferir o Acórdão n. 9202-003.742, a Conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, acertadamente, pontuou que deveriam ser feitas duas distinções: primeiro para que se considerassem apenas os cotitulares nos casos de conta conjunta, e que o efeito da não intimação era apenas a exclusão dos depósitos da base de cálculo, e não a nulidade do lançamento, adequando o teor normativo da súmula aos seus precedentes, pois, como ela pontuou em seu voto, “a súmula não faz lei, e sim torna mais prática e célere a aplicação da lei”.

Um terceiro exemplo é o da Súmula Carf n. 0128, que trata da concomitância entre a discussão judicial, por qualquer modalidade processual, e administrativa, de uma mesma matéria. Aqui a divergência surgiu a respeito das hipóteses de mandado de segurança coletivo e se elas implicariam a aplicação da referida súmula, para fins de não conhecimento do recurso voluntário na parte que houvesse sobreposição com a matéria judicial. Entendeu-se que o writ coletivo, por não induzir litispendência em relação às ações individuais, também não poderia gerar concomitância em relação às discussões administrativas, e se verificou que todos os acórdãos precedentes da súmula versavam sobre ações individuais propostas ou mandados de segurança individuais impetrados pelo sujeito passivo da obrigação tributária, pessoalmente, sem haver um precedente sequer que tratasse da questão dos mandados de segurança coletivos, razão pela qual se realizou esse distinguishing (e.g., Acórdão n. 3402-004.614).

Propor que uma súmula seja aplicada literalmente, ignorando os precedentes que a formaram para fins de balizar a sua eficácia, é o equivalente ao terraplanismo na seara processual, tamanha a falta de qualquer lógica subjacente a esse argumento. Tentamos, a bem da dialética, localizar algum doutrinador da área processual a defender tal posição, mas não tivemos êxito nessa busca, o que talvez implique que a tese da aplicação textual de súmulas esteja mais em descrédito do que o terraplanismo, que ainda tem seu séquito fiel... e não deveria ser diferente, pois as súmulas haurem a sua força normativa dos precedentes que a formam, existindo em função deles – caso a súmula tivesse uma força desvinculada das decisões que a formaram, seria o mesmo que reconhecer poderes legislativos a um tribunal em sua atividade sumular.

Portanto, independentemente da redação da Súmula Carf n. 11, a sua aplicação deverá considerar necessariamente o alcance dos precedentes que a formaram, o que foi explanado na primeira parte desse trabalho.

O oposto disto é visto no Acórdão n. 3003-001.711, no qual o relator corretamente traz à baila a Lei n. 9.873/1999, afasta a exceção do art. 5º, por se tratar de multa aduaneira, mas ao final afirma que as penalidades aduaneiras são analisadas por meio de “processo fiscal”, com base no art. 118 do Decreto-lei n. 37/1966, e que, portanto, se submeteria ao procedimento do Decreto n. 70.235/1972, de natureza “fiscal”.

Ao final, entretanto, conclui que “Embora a exceção do art. 5º da Lei 9.873/1999 exclua a possibilidade de prescrição intercorrente em procedimento de natureza tributária, não se afasta a natureza fiscal do processo de exigência de multa aduaneira, bem como a regência pelo Decreto 70.235/1972, que em segunda instância segue os ditames do Ricarf”, aplicando a Súmula n. 11 sem analisar os seus fundamentos determinantes, mas apenas pelo fato dela se referir, em sua literalidade, a “processo administrativo fiscal”.

As próprias premissas assumidas no voto, com a devida vênia, são inconsistentes. Afirmar que o fato de o art. 118 do Decreto-lei n. 37/1966, ao se referir “processo fiscal”, estaria remetendo ao Decreto n. 70.235/1972 é um equívoco por vários ângulos: (i) em primeiro lugar, à época da edição do DL n. 37/1966 não existia o Decreto n. 70.235/1972, que estabeleceu o rito do processo administrativo fiscal para os tributos federais, e esse rito tampouco era aplicado originalmente às multas aduaneiras; (ii) a expressão “processo fiscal” também é utilizada no art. 774 do Regulamento Aduaneiro de 200929, para se referir às infrações sujeitas a perdimento, cujo rito não é o do Decreto n. 70.235/1972, apesar de se utilizar dessa expressão, o que basta para infirmar a correlação realizada.

Em rigor, a expressão “processo fiscal” no DL n. 37/1966 não se referia ao procedimento e processos tributários, mas àqueles realizados no âmbito aduaneiro. Quando a legislação aduaneira quis que o rito do Decreto n. 70.235/19072 fosse aplicado às sanções decorrentes de infrações aduaneiras, o fez posterior à sua edição e de forma expressa, como nas multas decorrentes de infrações administrativas ao controle de importações (art. 3º, II, da Lei n. 6.562/197830) e nas multas decorrentes de infrações aduaneiras que configuram dano ao Erário (art. 23, § 3º, do DL n. 1.455/197631), o que evidencia que apesar da mesma terminologia, remetem a processos específicos – vide, repita-se, o processo fiscal decorrente da aplicação da pena de perdimento.

Esse equívoco normalmente traz implícito uma segunda confusão, que será explorada no item seguinte, no sentido de que todas as matérias submetidas ao processo administrativo fiscal devem ter um tratamento uniforme e que reconhecer a prescrição intercorrente apenas para as multas aduaneiras seria incompatível com o rito em questão.

3.3. “A prescrição intercorrente é incompatível com o rito do processo administrativo fiscal”

Afirmar que a prescrição intercorrente é incompatível com o rito procedimental “A” ou o “B” é, a priori, evidência de uma compreensão equivocada do instituto.

Dando um passo atrás para bem explicar a questão, relembre-se que o Decreto n. 70.235/1972, abrange diretamente apenas os “processos de determinação e exigência de créditos tributários da União”, conforme o seu art. 1º32. Entretanto, como sabido por todos, ele se aplica a diversas situações distintas da constituição de créditos tributários federais, o que se dá pelo fato de ter seu rito adotado por diversos outros âmbitos normativos (de caráter tributário ou não) por meio de remissões legais estabelecidas em leis específicas33, que adotam aquele procedimento34. Em outras palavras, há diversos processos, a exemplo daqueles que envolvem multas aduaneiras tributárias, cujo processo obedece ao rito do Decreto n. 70.235/1972, mas não são alcançados diretamente por ele, e sim reflexamente, por força da remissão legal – caso inexistisse a referida remissão, dever-se-ia aplicar a Lei n. 9.874/1999, de caráter geral e subsidiário.

Por isso é cediço que o processo administrativo no Carf pode abranger relações jurídicas de naturezas distintas, sendo necessário sempre identificá-las, haja vista cada uma está sujeita um regime jurídico que lhe é particular35.

No especial tocante à matéria de prescrição intercorrente, a diferença entre os regimes jurídicos das questões subjacentes é absolutamente relevante, por se tratar de norma jurídica de direito material36. Nesse sentido é a lição de Arruda Alvim, verbis:

“A prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida: quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por segmento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese.”37

Tanto a prescrição intercorrente, como a prescrição e a decadência, são questões que conectam com o direito material vindicado no processo, isto é, são questões ínsitas ao conjunto de regras que fazem parte do regime jurídico de uma determinada situação jurídica subjetiva material. Tanto assim é que, processualmente, eles são enquadrados como questões preliminares de mérito (v. art. 487, II, do CPC/201538) que, se constatadas, põe fim à demanda de maneira definitiva, i.e., com aptidão de coisa julgada material. Daí a relevância de se considerar, para fins de análise do cabimento ou não da prescrição intercorrente para determinada relação jurídica discutida no processo administrativo, o regime jurídico a que se submete o crédito em discussão.

Ora, apenas para que não restem dúvidas: alguém poderia indicar um dispositivo do Decreto n. 70.235/1972 que trate sobre os prazos de decadência ou prescrição tributários? Obviamente, trata-se de uma pergunta retórica, pois esta missão é impossível: por se tratar de questões de direito material, elas são abordadas no CTN, e não em diplomas processuais39.

Pugnar que esses institutos teriam caráter processual ou procedimental seria o mesmo que procurar o regime prescricional de determinado direito subjetivo privado no âmbito do CPC/2015, e não no Código Civil, onde está disposto. Tanto é assim que a Medida Provisória n. 1.040/2021, ao trazer a regra de prescrição intercorrente no Direito Civil, o fez por meio da inclusão do art. 206-A no CC/200240. Da mesma forma, ao se cogitar da prescrição intercorrente em matéria penal, não se vai ao Código de Processo Penal, mas sim ao art. 110 do Código Penal Brasileiro. Essa lógica é a mesma com os créditos de caráter não tributário que decorrem de sanções federais: o seu regime jurídico prescricional, incluindo a prescrição intercorrente, foi integralmente estabelecido na Lei n. 9.873/1999, já analisada.

Antes que alguém objete que a prescrição intercorrente tributária está na Lei de Execuções Fiscais – LEF (que é um diploma processual), deve-se esclarecer que ela se baseia no art. 174 do CTN, após a constituição definitiva do crédito, conforme no entendimento consolidado do STJ, pela prevalência dele sobre os arts. 8º e 40, § 2º, da Lei de Execuções Fiscais (e.g., REsp n. 819.678/RS, REsp n. 794.737/RS, REsp n. 784.967/RS, REsp n. 735.220/RS41), entretanto, esse tribunal não aceitava que essa prescrição fosse decretada de ofício, por envolver direitos patrimoniais indisponíveis. O que a Lei n. 11.051/2004 fez, ao introduzir o § 4º no art. 40 da LEF foi apenas admitir a decretação de ofício da prescrição intercorrente, depois da prévia oitiva da Fazenda Pública, daí essa regra ter sido reconhecida como norma de natureza processual, para fins de aplicação imediata (e.g., REsp n. 911.637/SC, REsp n. 891.589/PE, REsp n. 1.015.258/PE, REsp n. 873.271/RS, AgRg no REsp n. 1.221.452/AM etc.).

Por qualquer ângulo que se observe, resta evidente que a prescrição intercorrente é uma questão de direito material. Considerar o contrário, que ela seria uma questão processual ou procedimental, teria uma implicação absurda, qual seja, a de que todos os direitos materiais vindicados sob mesmo procedimento necessariamente estariam sujeitos ao mesmo prazo de prescrição intercorrente (visto que ele seria decorrência do rito, e não do direito material). Essa conclusão, entretanto, anda longe da realidade do ordenamento brasileiro.

Pois bem. Feita essa longa, mas necessária, digressão, voltemos à problemática posta, de que a prescrição intercorrente seria incompatível com o rito procedimental do Decreto n. 70.235/1972.

Considerando o que foi dito acima, já fica evidente o problema com esse argumento: ele pressupõe que a prescrição intercorrente seria uma questão de natureza processual ou procedimental, e em razão disso poderia ser compatível ou incompatível com um determinado rito. Na verdade, como demonstrado, trata-se de um erro de premissa, uma vez que a prescrição intercorrente é questão de direito material, que não se confunde, nem tampouco conflita, com o rito do Decreto n. 70.235/1972.

Ora, seria o mesmo que se afirmar que determinado direito privado, ou aspecto do seu regime jurídico, seria incompatível com o Código de Processo Civil, o que torna evidente a ilogicidade desse argumento. Ou argumentar que caso houvesse um outro procedimento para o julgamento de multas aduaneiras, lá se poderia reconhecer a prescrição intercorrente. Ou mesmo que caso a lei atribuísse ao Carf competência para julgar multas aplicadas pelo Ibama, elas não estariam mais sujeitas à prescrição intercorrente em razão da mudança de rito procedimental. Como se vê, a ilogicidade desse argumento salta aos olhos.

Cabe aos julgadores, sob o rito do Decreto n. 70.235/1972, observar e aplicar o regime jurídico material pertinente ao direito que está sendo discutido processualmente, seja ele tributário ou não, incluindo a existência de regra específica que verse sobre a prescrição intercorrente, como no caso das multas administrativas decorrentes do exercício do poder de polícia.

3.4. “O art. 1º, § 1º da Lei nº 9.873/99 se refere à procedimento administrativo, enquanto o Carf julga processos administrativos”

O art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 se refere à “prescrição no procedimento administrativo paralisado”. Uma interpretação rasa da legislação poderia afirmar que a regra do art. 1º, § 1º, não se aplicaria ao âmbito do processo administrativo no Carf, por se referir a procedimento. Argumentar isto, todavia, é desconhecer os aspectos mais basilares da matéria.

Em primeiro lugar, “processo” e “procedimento” não são termos antagônicos entre si, mas sim gênero e espécie, ou, na lição repetida à exaustão pelos professores de processo, “nem todo procedimento é processo, mas todo processo tem procedimento”. Na lição de Gajardoni, “processo [...] é uma entidade complexa composta pelo conjunto de todos os atos necessários para a obtenção de uma providência jurisdicional num determinado caso concreto, podendo ele conter um ou mais procedimentos (procedimento recursal)”42. O procedimento diz respeito ao modo pelo qual os diversos atos processuais se relacionam na série constitutiva do processo, representando o modo de o processo atuar em juízo (seu movimento)43.

No Código de Processo Civil, por exemplo, basta se verificar que se refere a “Procedimento Comum” dentro do “Processo de Conhecimento”. Veja-se, por exemplo, o art. 190 do CPC, que também evidencia a relação entre essas duas figuras: “Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”

Tanto é assim, que basta consultar o Regimento Interno do Carf, que regula como se dará o processo dentro daquele órgão, para verificar, no “Título II”, em letras garrafais e negritadas: “DO PROCEDIMENTO”.

E mais, o próprio Decreto n. 70.235/1972 é categórico ao distinguir as duas fases do procedimento administrativo que regula: a fase fiscalizatória e a fase litigiosa. A primeira tem início nos termos do seu art. 7º44, e tem caráter fiscalizatório, enquanto a segunda se inicia com a impugnação, que instaura a fase litigiosa do procedimento (art. 1445), e tem caráter processual – nenhuma das duas deixou de ser procedimental!

O próprio STJ, no REsp n. 1.115.078/RS, afirmou que a prescrição intercorrente diria respeito ao processo administrativo em que se discute a multa constituída pelo exercício da pretensão punitiva. Até porque, se anda não tivesse sido constituída, a discussão não seria de prescrição intercorrente, mas de decadência!

Por fim, não fossem suficientes as razões acima, lembre-se que o art. 1º, § 1º se refere à pendência de julgamento. Ora, se há a pendência de um julgamento, é porque se está diante de um processo administrativo, iniciado por um ato impugnatório do administrado, e que será analisado por alguma instância administrativa, equidistante e imparcial, para proferimento de uma decisão. Na mesma linha, a Exposição de Motivos da Lei n. 9.873/1999 deixa claro que as regras prescricionais que invoca afetam tanto processos quanto procedimentos administrativos, espancando de vez quaisquer dúvidas a respeito.

3.5. “Não pode haver prescrição intercorrente em razão da suspensão da exigibilidade do crédito”

Outro argumento que tem sido recorrente no debate é o que foi utilizado pela Conselheira Cynthia Elena de Campos, no voto proferido no Acórdão n. 3402-008.55646, que, apesar de reconhecer que a Súmula n. 11 se baseou apenas em créditos de natureza tributária, foi no sentido de que uma vez suspensa a exigência lançada, “não há como ser aplicada a prescrição intercorrente, tendo em vista que a pretensão punitiva, embora já proposta pela Fiscalização, não pode ser exercida justamente em virtude de tal suspensão”.

Esse argumento já apresenta, em sua formulação, um equívoco conceitual, ao confundir a “pretensão punitiva”, que é exercida por meio de um ato administrativo (auto de infração), e se submete ao prazo decadencial de cinco anos, com a “pretensão executória”, que também está sujeita ao prazo de cinco anos, mas só se inicia com a constituição definitiva de crédito não tributário, com o encerramento do processo administrativo. A confusão vai além, pois mistura a contagem do prazo de “prescrição da ação executória” com a contagem da “prescrição intercorrente”.

É preciso esclarecer, mais uma vez, na esteira do que o STJ já consignou de forma vinculante, no REsp n. 1.115.078/RS: após a ocorrência da infração no mundo real, há um prazo decadencial de cinco anos, para o exercício da pretensão punitiva, i.e., para a juridicização do ato tido como ilícito; exercida essa pretensão, e iniciado um processo administrativo por meio de impugnação, e caso ele fique parado por três anos aguardando despacho ou julgamento, ocorre a prescrição intercorrente; e, após o julgamento e constituição definitiva do crédito não tributário, conta-se o prazo prescricional de cinco anos para o exercício da pretensão executória.

Ora, só se está falando em prescrição intercorrente exatamente porque, durante o curso do processo administrativo, o crédito não é exigível, pois caso o crédito fosse exigível durante esse período, isto é, caso a Administração pudesse exercer sua pretensão executória independente da impugnação do administrado, o prazo contado seria a prescrição da ação executória, de cinco anos, a partir do momento em que essa pretensão pudesse ser exercida!

Pelo contrário, o art. 1º-A da Lei n. 9.873/1999 deixa claro que a pretensão executória nasce apenas com o encerramento do processo administrativo, o que implica que apenas nesse momento o crédito não tributário se torna exigível. Entender o contrário, de que pela Lei n. 9.873/1999 essa pretensão poderia ser exercida a qualquer momento, implicaria assumir que a pretensão executória dele não estaria sujeita a qualquer prazo (imprescritível) durante o curso do processo administrativo, o que não faz sentido lógico e ofende à Constituição Federal de 1988, que estabelece hipóteses expressas e taxativas de imprescritibilidade.

Em outras palavras, a suspensão da exigibilidade durante o curso do processo administrativo, longe de ser um óbice à possibilidade da prescrição intercorrente, é uma condição necessária para que ela ocorra!

A prescrição intercorrente é – com o perdão da redundância – uma intercorrência no processo administrativo, conflitante com valores que devem reger a Administração Pública (moralidade e eficiência) e a atividade judicativa (celeridade e duração razoável do processo).

Caso não tivéssemos a suspensão da exigibilidade, repita-se, o prazo prescricional da pretensão executória se iniciaria logo após a constituição do crédito por ato administrativo, independente de posterior impugnação ou não. Esse modelo, entretanto, não é adotado no âmbito da Lei n. 9.873/1999, por força do seu art. 1º-A, tampouco no âmbito do CTN, por força dos arts. 151 e 174.

Esse erro pode ser atribuído a três fatores distintos: o primeiro é uma confusão entre os conceitos de “prescrição intercorrente” (que só existe em razão da suspensão da exigibilidade) e a “prescrição da pretensão executória” (que se inicia a partir do momento que a suspensão da exigibilidade se encerra); o segundo é confundir os regimes jurídicos materiais distintos que se está analisando (créditos tributários e multas administrativas), que tem regras próprias sobre prescrição, decadência e prescrição intercorrente; e terceiro, a tentativa, decorrente do segundo ponto, de transladar as conclusões do STF nos ED no RE n. 94.462/SP para créditos não tributários. Os dois primeiros pontos já foram enfrentados anteriormente, razão pela qual podemos enfrentar o terceiro, agora.

No julgamento do ED no RE n. 94.462/SP, julgado em 1982, o STF, com base no voto do Ministro Moreira Alves, consignou que a prescrição tributária correria apenas após a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do art. 17447, que estabelece o seu dies a quo com o encerramento do processo administrativo (entendimento este refletido também na Súmula n. 153 do TFR). Para o Ministro, durante o curso do processo administrativo, não correria nem o prazo de decadência (interrompido pelo lançamento), nem o de prescrição (que se iniciaria com a constituição definitiva do crédito tributário e o encerramento da suspensão da exigibilidade). Nessa mesma linha, o voto do Ministro Aldir Passarinho recorre ao princípio da actio nata para afirmar que apenas após o encerramento do processo administrativo se inicia o prazo prescricional, pois apenas a partir dali que a Fazenda pode iniciar judicialmente a cobrança do crédito tributário.

Como se vê, ambos os Ministros, em seu voto, estão analisando a possibilidade de transcurso do prazo de prescrição da pretensão executória, de cinco anos, conforme o art. 174 do CTN, durante o curso do processo administrativo, para rechaçar essa possibilidade. Novamente, o acórdão em questão não se refere à prescrição intercorrente, que se dá dentro do processo administrativo, e sim da prescrição executória, que sucede esse encerramento. São coisas absolutamente distintas!

Essa distinção, inclusive, é reconhecida pelo brilhantismo de Moreira Alves, ao pontuar que:

“Ademais, se se quisesse criar prazo extintivo para coibir essa procrastinação, mister seria que a lei (que poderia, também, estabelecer que, após certo período de tempo, não fluiriam juros e correção monetária em favor da Fazenda) se socorresse de outra modalidade de prazo que não o de decadência ou de prescrição.”

Como se vê, o Ministro consigna a inexistência de regra que estabeleça um prazo para a Administração proferir sua decisão final após a impugnação, no âmbito do CTN, sob pena de perecimento da pretensão tributária da União, mas reconhece que tal prazo poderia vir a ser criado pelo legislador.

Se esse prazo não foi criado para o âmbito dos créditos tributários, permanecendo hígidas as conclusões do STF até hoje neste particular nicho do Direito (tributário), em relação às multas administrativas federais ele foi estabelecido por meio do art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999, com a finalidade de evitar que o administrado permanecesse de forma perene sujeito à pretensão punitiva da União. Como já dito, são regimes jurídicos materiais distintos.

Portanto, o argumento de que a prescrição (da ação executória) não corre durante a suspensão da exigibilidade é absolutamente válido para o âmbito dos créditos tributários, em razão da inexistência de regra que preveja a prescrição intercorrente durante os processos administrativos, mas perde completamente o sentido para análise de créditos não tributários, sancionatórios, que possuem regime próprio, regulado pela Lei n. 9.873/1999, pois não se está discutindo prescrição de pretensão executória, sujeita à actio nata, e sim prescrição intercorrente, que possui previsão legal própria. Essa distinção de regimes de direito material põe em evidência, mais uma vez, a absoluta inadequação da ratio decidendi dos precedentes que analisaram créditos tributários na formação da Súmula n. 11 às multas aduaneiras.

Para que não restem dúvidas: tese da actio nata diz respeito ao prazo para exercício do direito de ação executória, e não ao prazo da prescrição intercorrente que, por sua própria natureza, só corre durante o curso do processo ou procedimento administrativo, e pressupõe a suspensão da exigibilidade. Ou seja, pugnar pela aplicação da tese da actio nata à questão da prescrição intercorrente é, ao cabo, confundir dois institutos absolutamente distintos (prescrição executória e prescrição intercorrente) não apenas na doutrina, mas também nos dispositivos legais próprios. O que define os institutos não é uma eventual confluência terminológica parcial (“prescrição”), mas sim o seu regime jurídico particular48.

Não há, portanto, diferentemente do que aduz Fabrício Sarmanho49, qualquer antinomia entre o art. 151, III, do CTN e a Lei n. 9.873/1999, pois o que a suspensão da exigibilidade impede é o transcurso da prescrição da pretensão executória a que se refere o art. 174 do CTN, e não a prescrição intercorrente que, insistimos, tem como condição necessária o curso de processo administrativo com a suspensão da exigibilidade da sanção.

Para além de todos os pontos que pretendemos esclarecer acima, o argumento em questão evidencia um grau de “estranhamento” com a possibilidade de prescrição intercorrente em um processo administrativo, como se fosse algo complemente alheio à sua “natureza jurídica”.

Como já foi dito, cogitar da incompatibilidade entre a prescrição intercorrente e o rito administrativo é uma contradição lógica, pois o primeiro diz respeito a um regime de direito material, enquanto o segundo é composto por regras processuais: não há conflito entre eles porque regulam coisas absolutamente distintas.

Não obstante, para amenizar esse “estranhamento”, basta rememorar que não são apenas as multas aduaneiras que estão sujeitas à suspensão de exigibilidade durante o processo administrativo que discuta auto de infração – não se trata de uma peculiaridade ou particularidade do Decreto n. 70.235/1972. Pelo contrário, todas as aplicações de multas decorrentes do exercício do poder de polícia, na esfera federal, contam com a suspensão da exigibilidade durante o curso do processo administrativo iniciado pela impugnação, seja por decorrência da própria Lei n. 9.873/1999, que estabelece como marco de nascimento da pretensão executória a constituição definitiva do crédito tributário, seja pela legislação de regência desses procedimentos.

A impugnação suspende a exigibilidade, por exemplo, das multas aplicadas por diversos entes federais que exercem poder de polícia, como Aneel50, Anatel51, Anvisa52, ANP53 e Ibama54. Esses dois últimos, por exemplo, tiveram a prescrição intercorrente reconhecida pelo STJ, a despeito da usual suspensão da exigibilidade da multa, no AgInt no AREsp n. 1.148.931/SP55 e no REsp n. 1.115.078/RS56, respectivamente.

Como se pode ver, é evidente que a relação traçada entre suspensão de exigibilidade e prescrição intercorrente não pode subsistir, pois decorre de uma confusão conceitual que não encontra guarida na jurisprudência específica dos tribunais superiores.

Esse esclarecimento é suficiente também para rechaçar um argumento derivado deste, de que como os precedentes que formaram a Súmula n. 11 fazem referência, mormente em suas ementas, à suspensão da exigibilidade como fundamento para rechaçar a prescrição intercorrente, e como as multas aduaneiras também estariam sujeitas à referida suspensão, logo, como um passe de mágica retórico, os precedentes seriam aplicáveis a esses casos. Vamos enfrentá-lo no item seguinte.

3.6. “As multas aduaneiras também têm a exigibilidade suspensa, logo os precedentes da Súmula nº 11 também se aplicam a elas”

Como explicamos anteriormente, o argumento da incompatibilidade entre a prescrição intercorrente e a suspensão da exigibilidade deriva de uma série de confusões entre institutos distintos (prescrição intercorrente e prescrição da pretensão executória) e regimes materiais que não se confundem (crédito tributário e multas administrativas federais), e por uma leitura parcial e incorreta do acórdão proferido pelo STF no ED no RE n. 94.462/SP.

Essa má-compreensão dos institutos em análise conduz a um argumento derivado, que busca justificar a aplicação vinculante da Súmula n. 11 aos casos envolvendo multas aduaneiras, ao apontar que as ementas da decisão, e por vezes a ratio decidendi, fazem referência à suspensão da exigibilidade como impeditivo da fluência do prazo prescricional. Desse modo, como as multas aduaneiras também estão sujeitas à suspensão, elas também não estariam sujeitas à prescrição.

Para rechaçá-lo, basta rememorar o que foi dito anteriormente, no sentido de que os precedentes que formaram a súmula tinham como causa de pedir a aplicação da prescrição quinquenal do art. 174 do CTN, no curso do processo administrativo. Essa prescrição, para além de qualquer dúvida, diz respeito à pretensão executória da União, e não à prescrição intercorrente (que inexiste no âmbito tributário). Assim, a linha argumentativa defendida pelos contribuintes, era no sentido de promover uma interpretação extensiva do art. 174 do CTN, de modo a convocá-lo, por analogia, como pseudofundamento para ver reconhecida uma prescrição intercorrente no curso de processos administrativos tributários.

Em outros termos, por inexistir um marco legal para a prescrição intercorrente em processos administrativos tributários, o que se pretendia com essa discussão, por meio da atividade judicante e de uma interpretação elástica do art. 174 do CTN, era “suprir” essa lacuna jurídica.

Acontece que, no âmbito não tributário, a Lei n. 9.873/1999 expressamente estabelece três marcos jurídicos distintos: (i) a decadência, (ii) a prescrição intercorrente e (iii) a prescrição da pretensão executória.

Logo, não há nenhuma relação entre a suspensão da exigibilidade e a (im)possibilidade jurídica da prescrição intercorrente, nos casos em que o direito material em discussão compreenda, em seu regime jurídico, tal hipótese de perecimento temporal de sua pretensão, como ocorre com as multas administrativas aduaneiras, por força da Lei n. 9.873/1999.

Naturalmente, os precedentes analisados para a formação da Súmula n. 11 em momento algum discutiram a natureza jurídica do crédito debatido justamente em razão de todos terem natureza tributária e ser pacífico inexistir no CTN disposição que estabeleça a contagem de prescrição intercorrente no curso do processo administrativo. Avançando a análise para os casos aduaneiros, verifica-se que o regime material é distinto e torna-se essencial o distiguishing.

Há, ainda, um último argumento relacionado à suspensão da exigibilidade que vale ser enfrentado.

3.7. “Se reconhecida a prescrição intercorrente às multas aduaneiras, a Receita Federal poderá executar imediatamente as multas aduaneiras já aplicadas”

Exaurida a questão em seus aspectos técnicos e jurídicos, suscitou-se também um segundo argumento derivado, de cunho “consequencialista”, no sentido de que caso o Carf inverta a lógica e reconheça a aplicação da prescrição intercorrente em processos de multa aduaneira, a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda deverão reconhecer que não mais se aplica a regra de suspensão da exigibilidade, o que levará à execução imediata de todas as multas aduaneiras já aplicadas, podendo impactar significativamente no setor de comércio exterior57.

Com a devida vênia, longe de se tratar de recurso consequencialista, é, em primeiro lugar, um argumento ad terrorem, pois busca incutir em quem defenda a posição técnica o medo de um resultado desfavorável aos administrados, e, em segundo lugar, um argumento errado, pois toma como premissa que a suspensão da exigibilidade das multas aduaneiras decorreria do “Decreto-lei n. 70.235/1972 c/c 151, III, do CTN”, que seria regra específica em relação à Lei n. 9.873/1999.

A suspensão da exigibilidade das sanções administrativas (crédito não tributário) no curso dos processos administrativos não decorre do art. 151, III, do CTN, como é afirmado. Pelo contrário, o STJ esclareceu, em algumas oportunidades, a exemplo do REsp n. 1.381.254, “não subsistir previsão legal de suspensão de exigibilidade de crédito não tributário no arcabouço jurídico brasileiro”, entretanto, entendeu que diante dessa lacuna normativa, seria cabível a aplicação, por analogia, das hipóteses de suspensão de exigibilidade do CTN aos casos concretos. Ora, como poderia existir uma antinomia entre um dispositivo e uma lacuna normativa? Tecnicamente não faz sentido.

A suspensão da exigibilidade dos créditos não tributários, de caráter sancionatório, decorreria, em princípio, da ideia de que “a natureza jurídica sancionadora da multa administrativa deve direcionar o Julgador de modo a induzi-lo a utilizar técnicas interpretativas e integrativas vocacionadas à proteção do indivíduo contra o ímpeto simplesmente punitivo do poder estatal (ideologia garantista)”. Não há que se punir o administrado enquanto a própria ocorrência da infração ou outros aspectos relacionados estão sendo discutidos perante a União58.

Mais do que isso, deve-se mencionar que o rito do Decreto n. 70.235/1972 é adotado, por remissão, para as multas administrativas aduaneiras, e que os arts. 21, § 3º, e 3359 desse diploma legal estabelecem o efeito suspensivo das impugnações e recursos administrativos, apresentados tempestivamente, o que é fundamento suficiente para sustentar a inexigibilidade das multas aduaneiras durante o curso do procedimento administrativo. Tal característica não deve causar espécie, pois se trata de atributo comum às demais legislações que estabelecem o regime dos processos administrativos de discussão de outras multas administrativas federais, como foi demonstrado anteriormente em relação ao Ibama, à ANP etc.

E indo além, a suspensão da exigibilidade da multa decorre também do art. 1º-A da Lei n. 9.873/1999, que estabelece que a prescrição executória da administração pública federal, relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor, só se inicia a partir da constituição definitiva do crédito não tributário, ou seja, após o término regular do processo administrativo. Em outras palavras, antes da constituição definitiva desse crédito, não há que se falar em exigibilidade e, consequentemente, em prescrição da pretensão executória (e não prescrição intercorrente).

Anote-se que o raciocínio encontra respaldo na própria Constituição Federal de 1988, como pontuado anteriormente, que estabelece a imprescritibilidade apenas em específicas situações, como exceção (e.g., prática de racismo). Isso quer dizer que cogitar a possibilidade de o exercício da pretensão executória de crédito não tributário estar desvinculado do início do prazo prescricional seria o mesmo que incluir essa pretensão no rol das imprescritibilidades constitucionais, o que não faz qualquer sentido jurídico.

Em suma, a suspensão da exigibilidade dos créditos não tributários não decorre do art. 151 do CTN, diferentemente do assumido no argumento ora questionado, mas sim na própria Lei n. 9.873/1999 e na legislação que dispõe sobre o procedimento administrativo. Além disso, como insistentemente vem se demonstrando, não há qualquer incompatibilidade entre a suspensão da exigibilidade e a prescrição intercorrente.

Condicionar a prescrição intercorrente ao término do processo administrativo é uma contradição, porque ela só existe no curso do processo! Condicioná-la à inexistência de suspensão de exigibilidade é igualmente incoerente, pois nessa situação estar-se-ia diante de prescrição da pretensão executória, quinquenal, e não da prescrição intercorrente!

3.8. “O REsp nº 840.111/RJ, de caráter vinculante, estabelece que não cabe prescrição intercorrente o processo administrativo fiscal”

Usualmente argumenta-se também que o REsp n. 840.111/RJ, julgado sob a sistemática de recursos repetitivos, vedaria de forma absoluta o reconhecimento de prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo fiscal, abrangendo também as multas aduaneiras. Esse argumento ora é apresentado citando-se o referido julgado, ora por remissão a outros julgados de mesmo teor, todos do STJ.

Costuma-se citar, da ementa do julgado, que:

“não se poderia aduzir à prescrição intercorrente, pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário, porquanto não há como se prescrever algo que não se pode executar, sendo certo que o PAF (Decreto 70.235/72) nunca aventou a possibilidade de prescrição intercorrente”.

O trecho usualmente transcrito (da ementa), evidencia a falta de profundidade quanto a devida análise do acórdão.

Em primeiro lugar, deve-se pontuar que o referido trecho citado é expressamente incluído a título de obter dictum do julgado. Em verdade, a sua ratio decidendi é representada no seguinte trecho, verbis:

“O recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art. 151, III do CTN, desde o lançamento (efetuado concomitantemente com auto de infração), momento em que não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão ex officio, sendo certo que somente a partir da notificação do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica.”

Apressamo-nos a pontuar que tal decisão, longe de qualquer censura, está alinhada com o precedente firmado pelo STF e com os precedentes que formaram a Súmula Carf n. 11, pois versou sobre crédito de natureza tributária. Ressalte-se também que o pedido do contribuinte, no referido processo, era a aplicação extensiva do art. 174 do CTN, como se tal regra pudesse também estabelecer uma prescrição intercorrente, o que foi prontamente rechaçado pelo STJ.

E mais, com muito acerto, fez coro ao voto do Ministro Moreira Alves nos ED no RE n. 94.462/SP, ao rejeitar a prescrição intercorrente exatamente em razão da “ausência de previsão normativa específica” no âmbito do regime jurídico tributário, conclusão à qual aderimos integralmente. É o que temos insistido desde o início: essa conclusão, conquanto válida para créditos tributários, não é válida para créditos não tributários de caráter sancionatório, em razão do regime material distinto que tem, sim, previsão normativa específica de prescrição intercorrente.

Deve-se observar também que afirmar que o “o PAF (Decreto 70.235/72) nunca aventou a possibilidade de prescrição intercorrente” é, antes de tudo, uma grande impropriedade técnica. Ora, a decadência, a prescrição e a prescrição intercorrente, como esclarecido anteriormente, são questões de direito material, pois se conectam com a relação jurídica em discussão. Não cabe reprisar os argumentos que já foram exaustivamente desenvolvidos nesse sentido.

Daí a absoluta inaplicabilidade do REsp n. 840.111/RJ (e qualquer outro precedente análogo que seja invocado) ao presente caso: não se considerou, no julgamento, o regime de direito material dos créditos não tributários (que possui previsão normativa específica de prescrição intercorrente), mas sim de créditos tributários, e isso faz toda a diferença exatamente sobre o cerne do argumento, que é a “ausência de previsão normativa específica” de prescrição intercorrente – inexistente para estes, mas explícita para aqueles.

Um último apontamento: aqueles que defendem que o referido precedente do STJ seria aplicável também às multas administrativas aduaneiras parecem simplesmente ignorar a vasta gama de precedentes que reconhece a aplicabilidade da Lei n. 9.873/1999 às multas administrativas federais, em especial o REsp n. 1.115.078/RS. Ora, ou bem se reconhece que a diferença entre o regime jurídico material é um elemento relevante de discrímen entre os precedentes em questão, ou se assume que o STJ é uma Corte esquizofrênica e que possui jurisprudência pacífica em sentidos contrários, visto que ambos os casos, de créditos tributários e não tributários, contariam com a suspensão de exigibilidade em seus regimes jurídicos, durante o processo administrativo.

Entendemos que a primeira opção parece ser a mais consentânea com o exame da ordem jurídica e dos próprios precedentes daquele tribunal, que tem traçado, com correção, a distinção de tratamento entre casos substancialmente distintos.

3.9. “A aplicação de multa aduaneira não seria decorrência do exercício de poder de polícia, não se enquadrando na Lei nº 9.873/99”

Um eventual argumento que poderia ser suscitado, ad argumentantum, seria de que a multa administrativa aduaneira não se enquadraria no exercício de poder de polícia, não se enquadrando no art. 1º da Lei n. 9.873/1999. Trata-se, certamente, de um argumento ad hoc que não resiste ao escrutínio mais raso.

Como aduzido pela própria 3ª Câmara Superior do Carf, no Acórdão n. 9303­007.346, pelo Conselheiro Jorge Lock Freire, ao consignar que as sanções administrativas aduaneiras “tem como fim precípuo o poder de polícia aduaneiro”, ou no Acórdão n. 3402-004.322, ao afirmar que a multa decorrente da interposição fraudulenta “se insere dentro do poder de polícia aduaneiro, com vistas a resguardar a economia e soberania nacional, e mesmo a livre e leal concorrência de mercado”.

Para além do Carf, a própria Receita Federal, exemplo da Solução de Consulta Cosit n. 38/2019, que reconhece expressamente que a aplicação de sanções aduaneiras pode ser decorrente de um “duplo poder de polícia da RFB em matéria aduaneira: (i) do poder de controle de fronteiras e do comércio exterior; (ii) do dever instrumental decorrente de tributos incidentes no comércio exterior”.

Por fim, os próprios tribunais reconhecem se tratar de um poder de polícia, a exemplo do TRF da 3ª Região que, ao analisar uma multa decorrente da conversão do perdimento, aduziu que “as sanções aplicadas à impetrante se deram nos termos da legislação que rege o comércio exterior. Ademais, a ré agiu em cumprimento ao seu dever de autuar, em decorrência do poder de polícia que lhe é atribuído, nos termos da legislação vigente.” (TRF-3, Apelação Cível n. 0014692-08.2006.4.03.6100\SP, 4ª Turma)

O argumento, portanto, não deve prosperar.

3.10. “A Lei nº 9.873/99 não se aplicaria às multas aduaneiras em razão delas terem previsão específica de prescrição e decadência no Decreto-lei nº 37/66”

Poder-se-ia argumentar também que a Lei n. 9.873/1999, na condição de norma geral destinada às multas decorrente do exercício do poder de polícia de entidades da Administração direta e indireta do âmbito federal, não poderia ser aplicada às multas aduaneiras em razão da existência de previsão específica de prazo decadencial e prescricional no âmbito do Decreto-lei n. 37/1966.

A distinção entre lei geral e lei especial é conhecida no âmbito da teoria do direito, tomando-se como critério de discrímen a matéria abrangida pela norma, se mais ou menos ampla. Se por um lado a lei geral abrange um conjunto amplo de situações fáticas, a lei especial regula um conjunto menor de situações, sendo que os fatos regulados pela lei especial se encontram dentro do âmbito de fatos que a lei geral regularia.

A questão exsurge do fato de a lei especial e de a lei geral alcançarem o mesmo conjunto fático específico, gerando uma situação de antinomia que precisa ser resolvida pelo ordenamento. Desde os romanos já se reconhecem as máximas lex posterior generalis non derogat priori speciali e legi speciali per generalem non abrogatur, que afirmam que a lei geral posterior não derroga a lei específica anterior60.

Esse critério de solução dessa antinomia recebeu guarida específica da Lei de Introdução ao Código Civil, atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 2º, § 2º, que estabelece que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Pois bem. Para que haja antinomia entre duas regras, é necessário que elas tenham a mesma hipótese fática, estabeleçam soluções jurídicas incompatíveis entre si, momento em que se aplicam os critérios de soluções desse conflito aparente.

Voltando ao argumento de que a Lei n. 9.873/1999 seria inaplicável às multas aduaneiras, na condição de lei geral posterior, devemos para bem verificar eventual conflito, apresentar de forma estruturada as regras pertinentes:

Decreto-lei n. 37/1966

Lei n. 9.873/1999

Decadência

Art.139. No mesmo prazo do artigo anterior [5 anos] se extingue o direito de impor penalidade, a contar da data da infração.

Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

Prescrição intercorrente

Lacuna normativa

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Prescrição

Art. 140. Prescreve em 5 (cinco) anos, a contar de sua constituição definitiva, a cobrança do crédito tributário.

Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.

A tabela em questão põe em evidência a erronia no argumento acima: não há qualquer espécie de antinomia entre a Lei n. 9.873/1999 e o Decreto-lei n. 37/1966 exatamente porque este último dispositivo não traz qualquer regra que tenha como hipótese fática a paralisação de processo administrativo por prazo superior a três anos, na pendência de despacho ou julgamento. Em não existindo hipótese fática sobreposta (diferente do que se dá com a decadência e a prescrição, que inclusive adotam conteúdos normativos bem próximos), não há que se falar em antinomia, tampouco há que se cogitar de prevalência de lei especial sobre lei geral.

Em outras palavras, a lei geral alcança os campos em que a lei especial foi lacunosa, em razão da sua generalidade, como no presente caso. Para os casos que o legislador pretendeu que a regra não se aplicasse, apesar da lacuna existente na legislação específica, ele estabeleceu exceções expressas, no âmbito do art. 5º da Lei n. 9.873/1999, que não compreendem multas aduaneiras.

Acreditamos, com esse esforço dialético desenvolvido ao longo dos últimos tópicos, ter logrado bom êxito em afastar definitivamente os óbices referidos acima, e demonstrar a correção técnico-jurídica da necessidade de reconhecimento de prescrição intercorrente às multas aduaneiras no curso de processos no Carf.

4. A jurisprudência judicial sobre o tema

Diante da solidez dos argumentos postos acima, resta-nos apresentar como a matéria vem sendo enfrentada pelos tribunais, em especial os Tribunais Regionais Federais, como forma de evidenciar que tudo que está sendo dito aqui não é nenhuma novidade, mas simples reflexo do que vem entendendo o Poder Judiciário, com acerto.

Os TRFs têm se debruçado sobre a questão reiteradas vezes, para as mais diversas espécies de multas administrativas federais, e reconhecido, de forma pacífica, a aplicação do art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.783/1998. Isso foi feito inclusive em relação aos processos administrativos sob o rito do Decreto n. 70.235/1972, que envolvem sanções administrativas aduaneiras, em razão de os casos terem ficado paralisados por mais de três anos no Carf. Nesse sentido, veja-se:

O recurso da União Federal também não merece prosperar, pois, diante da natureza administrativa da infração em questão, é evidente a incidência da prescrição intercorrente prevista no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.873/99 quanto ao débito objeto do processo administrativo nº 10814008859/2007-21. Ressalto que a União, em momento algum, argumenta no sentido da não paralisação do processo administrativo por mais de três anos, limitando-se a questionar a aplicação da norma ao caso concreto.” (TRF-3, ApCiv – Apelação Cível n. 5002763-04.2017.4.03.6100, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Antonio Johonsom Di Salvo, j. 18.12.2020).

Ora, o caso julgado no precedente acima envolvia cobrança de multa aduaneira que foi julgada pelo Carf, por meio do Acórdão n. 3201-000.91461, no qual se afastou a prescrição intercorrente com base na aplicação incorreta da Súmula n. 11! Esse caso retrata bem que o reflexo estrutural e institucional da recalcitrância do Carf, em aplicar erroneamente a súmula e simplesmente ignorar a Lei n. 9.873/1999, que faz com que o contribuinte tenha que acionar o Judiciário para ver reconhecida e aplicada a lei, adequadamente.

No âmbito do TRF da 4ª Região a situação não discrepa. No julgamento da Remessa Necessária n. 5002013-95.2016.4.04.7203/SC62, no qual analisou infração de interposição fraudulenta de terceiros na importação, concluindo-se que a multa cobrada não tem natureza tributária, e que incide a prescrição prevista no art. 1º, § 1º, da lei no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho que deliberem a respeito de providências voltadas à apuração dos fatos (TRF-4, Remessa Necessária n. 5002013-95.2016.4.04.7203/SC, Rel. Juiz Federal Francisco Donizete Gomes, j. 28.8.2019). Frise-se que este mesmo julgado consignou, corretamente, que meros despachos ordinatórios de encaminhamento ou impulso do processo administrativo não configuram causa interruptiva do prazo prescricional, como ocorrido no caso em análise.

Na mesma linha, Apelação Cível n. 5001168-55.2019.4.04.7204/SC, julgada pelo TRF-4, entendeu também que a Lei n. 9.873/1999 estabeleceu o prazo de três anos para conclusão do processo administrativo de apuração do ato infracional e constituição definitiva da multa, desde que verificada a inércia da Administração Pública, mas rechaçou o pleito no caso concreto por não se verificar o transcurso do tempo necessário.

Vale a menção também do entendimento exarado pela Juíza Vera Lúcia Ponciano, da 6ª Vara de Curitiba, que possui especialização para o julgamento de feitos aduaneiros, pela clareza e precisão com a qual colocou o seu entendimento:

A multa em apreço não tem natureza tributária. Ela foi aplicada pela fiscalização aduaneira em decorrência do exercício do poder de polícia estatal consistente no controle sobre o comércio exterior, e não por conta do inadimplemento de uma obrigação tributária. Embora também seja inscrita em dívida ativa, na forma do art. 39, § 2º, da Lei nº 4.320/64 (multa de qualquer origem ou natureza) e do art. 2º, da Lei 6.830/80), e o recurso final seja julgado pelo Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, mantém sua natureza de multa administrativa ao controle aduaneiro.

Nesse contexto, aplica-se ao caso o art. 1º da Lei nº 9.873/1999, que não trata de matéria tributária, mas sim da prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória relativas ao poder de polícia sancionador da Administração Pública Federal: [...]

Portanto, a pretensão punitiva da Administração Pública prescreve em cinco anos, contados da data do fato punível. Instaurado o procedimento administrativo, incide a prescrição intercorrente de que trata o § 1º do artigo 1º, que é de três anos, devendo-se observar as causas interruptivas da prescrição estabelecidas no artigo 2º da Lei nº 9.873/99.” (Mandado de Segurança n. 5038789-82.2020.4.04.7000)

Ainda que se trate de um juízo de primeira instância, a expertise pessoal da julgadora e especialização institucional da Vara evidenciam a correção material do entendimento exarado, que se alinha à jurisprudência do TRF. Não só deixa absolutamente claro que não é o rito do Decreto n. 70.235/1972 que determina qual a natureza do crédito e seu respectivo regime jurídico de direito material, como também aduz de forma clara a aplicação da prescrição intercorrente à multa aduaneira que foi julgada pelo Carf.

Os casos que localizamos nos quais o pleito do administrado foi recusado se baseavam em duas situações: ou a multa tinha natureza tributária, e reconhecia-se a ela a aplicação da exceção do art. 5º da Lei n. 9.873/1999, ou o transcurso do prazo necessário não se configurou em concreto. As premissas jurídicas, entretanto, seguem firmes em todos os julgados.

Enquanto isso, no Carf, segue-se aplicando a Súmula n. 11 a multas aduaneiras e a créditos tributários, indiscriminadamente (e.g., Acórdãos n. 3402-007.572, n. 3003-001.524, n. 3401-007.889, n. 3001-001.140, n. 3302-008.775, n. 3302-008.135 e n. 3201-004.062), sem enfrentar em momento algum a aplicabilidade da Lei n. 9.873/1999 que, como explanado anteriormente, é evidente. Nenhum dos acórdãos em questão adentrou nos fundamentos determinantes subjacentes aos acórdãos precedentes da Súmula n. 11, sequer para verificar que não tratavam de sanções não tributárias, o que por si só já justificaria o distinguishing na aplicação do enunciado sumular, tampouco se debruçou sobre a literalidade do conteúdo do art. 1º da Lei n. 9.873/1998, ignorando a distinção entre processos tributários e não tributários.

Cada acórdão do TRF e de varas especializadas que anula uma multa aduaneira em razão da prescrição intercorrente, provavelmente foi um processo administrativo no Carf que teve essa alegação sumariamente ignorada por força da aplicação indevida da Súmula n. 11. É um ciclo de judicialização desnecessária para fins de aplicação de uma “tese” simples (se é que se pode chamar subsunção legal e distinguishing de súmula de “teses”, tamanha a sua singeleza).

Não obstante, alguns novos casos que vêm sendo julgados no Carf têm apresentado votos que consideram as distinções apresentadas acima. A respeito faço referência aos votos proferidos pelos Conselheiros Leonardo Branco, no Processo n. 10280.722093/2011-42, que ainda não teve seu acórdão publicado, mas que consta com a íntegra do julgamento disponível on-line63.

Conclusão

Feitas as longas considerações acima, sobra muito pouco para concluir, fora do que fora desenvolvido ao longo do trabalho.

A Súmula Carf n. 11 não pode ser aplicada às multas aduaneiras por envolver circunstâncias fáticas e ratio decidendi incompatíveis com o regime jurídico material dos precedentes que a formaram, todos relacionados a créditos tributários. Para as multas decorrentes do exercício do poder de polícia, há um regime material próprio, com previsão expressa de prescrição intercorrente, por força da Lei n. 9.873/1999, que veio a colmatar lacuna onde o DL n. 37/1966 não regulou.

Conforme o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999, é de três anos a “prescrição intercorrente” no procedimento administrativo, que não poderá ficar parado na espera de julgamento ou despacho por prazo superior, devendo os autos, nesse caso, serem arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada. Nesse sentido, o Decreto n. 70.235/1972 não é impeditivo ao reconhecimento da prescrição intercorrente para processos de multas não tributárias. O curso do processo administrativo e a suspensão de exigibilidade, antes de impedimentos, são condições para que se transcorra o prazo de prescrição intercorrente – caso o processo administrativo estivesse encerrado, ou não houvesse a suspensão, tratar-se-ia de prescrição da pretensão executória e não intercorrente.

A respeito, cumpre lembrar que a prescrição intercorrente não se confunde com a prescrição da pretensão executória, esta última prevista no art. 174 do CTN e no art. 1º-A da Lei n. 9.873/1999, que se inicia apenas com a conclusão do processo administrativo, e a correspondente constituição definitiva do crédito não tributário.

A prescrição intercorrente faz parte do regime de direito material da relação jurídica discutida, razão pela qual há uma impossibilidade lógica de seu conflito com regras procedimentais ou processuais, por tratarem de matérias absolutamente díspares.

Ademais, há uma subsunção integral das multas administrativas aduaneiras às condições negativas e positivas de aplicação da Lei n. 9.873/1999, conforme estabelecidas no REsp n. 1.115.078/RS, julgado sob a sistemática de recursos repetitivos, e a jurisprudência dos TRFs tem reconhecido pacificamente a aplicabilidade da prescrição intercorrente às multas aduaneiras, diferentemente do Carf, que tem se escudado na Súmula n. 11 para evitar enfrentar a questão meritória.

Esperamos, com o presente artigo, ter contribuído para o avanço da questão não apenas na seara doutrinária, mas também no campo jurisprudencial, fomentando a discussão técnica acerca do mérito da questão no âmbito do Carf, local de excelência para o debate de alto nível aduaneiro.

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1 Por sanções administrativas aduaneiras, nos referimos àquelas decorrentes do descumprimento de regras de caráter administrativo-aduaneiro, sem caráter de obrigações principais ou acessórias tributárias, tendo em vista que as sanções pelo descumprimento destas últimas têm, sim, natureza de crédito tributário. A questão será mais bem abordada adiante.

2 SOSA, Roosevelt Baldomir. A aduana e o comércio exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1995, p. 61.

3 DANIEL NETO, Carlos Augusto. É hora de refletir sobre a Súmula nº 11 do Carf. Revista Consultor Tributário, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-17/direto-carf-hora-refletir-sumula-11-carf, com. Acesso em: 3 jun. 2021.

4 Veja-se, por exemplo, a Nota Técnica n. 01/2021, exarada pela Comissão Especial de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados, Seccional São Paulo, que concluiu: “A presente nota técnica sustenta a possibilidade de afastamento da Súmula 11 do Carf face à aplicação de prescrição intercorrente em julgamentos de sanções de natureza não tributária, em especial, decorrentes de infrações aduaneiras.”

5 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 487.

6 Curso sistematizado de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. v. 2, p. 395-396.

7 Trata-se, portanto, de exigência de um pesado ônus argumentativo a ser desenvolvido em concreto, mediante a comparação do caso a ser decidido com aqueles que redundaram no enunciado sumular.

8 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. [...]. § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”

9 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

[...].

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...].

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

10 Importante registrar que essa distinção pode ser feita por qualquer órgão jurisdicional, mesmo na hipótese de o precedente afastado ter um caráter vinculante (art. 927 do CPC), desde que, por óbvio, tal distinção seja motivada em concreto, nos termos do art. 489, § 1º, inciso VI, do CPC. No mesmo sentido é o teor do Enunciado n. 306, do Fórum Permanente dos Processualistas Civis, in verbis:

“O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa.”

11 GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 277.

12 O mesmo entendimento é consubstanciado no Manual do Conselheiro, verbis: “Quando a matéria tangenciar súmula do Carf e o julgador não a aplicar por entender que os fatos ou direito não se subsumem a ela, é preciso deixar expresso no voto tal entendimento.” (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Manual do Conselheiro. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Brasília, 2016, p. 51)

13 Isso possui uma razão histórica: todos os casos analisados são originados nos 1º e 2º Conselhos de Contribuintes (órgão que antecedeu o Carf) que julgava exclusivamente processos de natureza tributária, enquanto todas as questões não tributárias (por exemplo, aduaneiras) ficavam com a competência do 3º Conselho.

14 Essa caracterização coincide, acertadamente, com o alcance dos créditos de natureza tributária e da Dívida Ativa Tributária, descritos no art. 39 e § 2º da Lei n. 4.320/1966, verbis:

“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. [...]

§ 2º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.”

15 Imposto único sobre minerais.

16 Constituído, no quinquênio, através de auto de infração ou notificação de lançamento, o crédito tributário, não há falar em decadência, fluindo, a partir daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica em suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos.

17 “Art. 5º O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.”

18 Que se dá, no caso de créditos impugnados, com o encerramento do processo administrativo.

19 Frise-se que o referido parecer foi exarado antes da edição da Lei n. 11.941/2009, que incluiu o art. 1º-A na Lei n. 9.873/1999. No parecer, a AGU foi absolutamente clara em distinguir as duas coisas, verbis: “Diante da confusão legislativa ocorrida na confecção original da norma acima mencionada, deve-se interpretar a lei. Assim, depreende-se primeiramente, a existência de dois tipos de prescrição, a quinquenal e a intercorrente.”

20 KLOH, Gustavo. Prescrição e decadência no Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). A parte geral do novo Código Civil – estudos na perspectiva civil-constitucional, 2007, p. 452.

21 Incompatível também com os valores que devem direcionar a Administração Pública no Brasil, em especial com os princípios da moralidade e da eficiência, conforme prescrito no art. 37 da Constituição Federal.

22 Nesse sentido, aduz Rosaldo Trevisan que “há uma grande confusão entre as regras do Direito Aduaneiro e as do Direito Tributário porque a administração tributária e aduaneira estão concentradas na Receita Federal. Isto acontece, não obstante a Receita Federal fazer grande esforço no sentido de distinguir os normativos tributários dos aduaneiros.” (TREVISAN, Rosaldo. Direito aduaneiro e direito tributário – distinções básicas. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas atuais de direito aduaneiro. São Paulo: Lex, 2008, p. 44-45)

23 TREVISAN, Rosaldo. O imposto de importação e o direito aduaneiro internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2018, p. 44.

24 FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Introdução ao direito aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2018, p. 23.

25 Um exemplo pode ilustrar essa situação: considere-se uma hipótese de revisão aduaneira das declarações de importação, em função de erro de classificação fiscal. Nessa situação, considerando o âmbito federal, o contribuinte poderá sofrer um auto de infração para cobrança (i) dos tributos aduaneiros (II, IPI, PIS e Cofins) acrescidos da multa de ofício correspondente (art. 44, I, da Lei n. 9.430/1996) e (ii) multa administrativa de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria, por erro de classificação fiscal (art. 711, I, do Regulamento Aduaneiro de 2009 – RA/2009). Nessa situação haverá a constituição de créditos de natureza tributária (tributos e multa de ofício) e de natureza não tributária (multa administrativa aduaneira), que estarão sujeitos a regimes jurídicos distintos – o primeiro sujeita-se ao CTN, enquanto o segundo ao Regulamento Aduaneiro e à Lei n. 9.873/1999.

26 Súmula Carf n. 66: “Os Órgãos da Administração Pública não respondem solidariamente por créditos previdenciários das empresas contratadas para prestação de serviços de construção civil, reforma e acréscimo, desde que a empresa construtora tenha assumido a responsabilidade direta e total pela obra ou repasse o contrato integralmente.”

27 Súmula Carf n. 29: “Todos os cotitulares da conta bancária devem ser intimados para comprovar a origem dos depósitos nela efetuados, na fase que precede à lavratura do auto de infração com base na presunção legal de omissão de receitas ou rendimentos, sob pena de nulidade do lançamento.”

28 Súmula Carf n. 01: “Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.”

29 “Art. 774. As infrações a que se aplique a pena de perdimento serão apuradas mediante processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão e, se for o caso, de termo de guarda fiscal.”

30 “Art. 3º As infrações de que trata o artigo 169 do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, com a redação dada pelo artigo anterior: [...]

II – serão apuradas mediante processo administrativo fiscal, sem prejuízo do disposto no artigo 27 do Decreto-lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976.”

31 “Art. 23. [...] § 3º As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências estabelecidos no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.”

32 “Art. 1º Este Decreto rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal.”

34 São exemplos disso: (i) multas decorrentes infrações administrativas ao controle de importações (art. 3º, II, da Lei n. 6.562/1978); (ii) multas decorrentes de infrações aduaneiras que configuram dano ao Erário (art. 23, § 3º, do DL n. 1.455/1976); (iii) não homologação de pedido de compensação (art. 74, § 11, da Lei n. 9.430/1996); (iv) aplicação de direitos antidumping ou de direitos compensatórios (art. 7º, § 5º, da Lei n. 9.019/1995); (v) suspensão de imunidade (art. 32, § 7º, da Lei n. 9.430/1996); (vi) indeferimento de opção pelo Simples Federal (art. 8º, § 6º, da Lei n. 9.317/1995); (vii) exclusão do Simples nacional (art. 39 da LC n. 123/2003).

35 Essa distinção foi externada na ilegal Portaria ME n. 260/2020, ao vedar a aplicação do art. 19-E da Lei n. 10.522/2000, em seu art. 3º, II, “c” às “das demais espécies de processos de competência do Carf, ressalvada aquela prevista no § 1º do art. 2º”. Não se está aqui concordando com o teor dessa portaria, tampouco utilizando-a como fundamento, e sim como evidência, da realidade incontestável de que subjacente aos inúmeros processos do Carf jazem direitos materiais distintos, que vão muito além da constituição de créditos tributários federais. De quebra, a referida Portaria funciona como argumento vinculante àqueles julgadores que, equivocadamente, pretendam argumentar que todos os processos julgados pelo Carf teriam natureza tributária, como já refutamos anteriormente.

36 Prescrição, ainda que intercorrente, é perda do direito de ação (ainda que proposto no momento oportuno) em razão do decurso de tempo. Daí inclusive, tal fundamento ser comumente desenvolvido em petições em sede de preliminar de mérito.

37 ALVIM, Arruda. Prescrição intercorrente. In: CIANCI, Mirna (coord.). Prescrição no Código Civil: uma análise interdisciplinar. 4. ed. São Paulo: D’Plácido, 2020, p. 142.

39 Como é reconhecido pela própria Constituição Federal de 1988, prescrição e decadência fazem parte do regime jurídico material tributário, conforme seu art. 146, III, “b”: “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”.

40 “Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo da prescrição da pretensão.”

41 “1. A jurisprudência do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição intercorrente em matéria tributária não podia ser declarada de ofício. [...]” (REsp n. 735.220/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03.05.2005, DJ 16.5.2005, p. 270)

42 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimento. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/199/edicao-1/procedimento.

43 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimento. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/199/edicao-1/procedimento.

44 “Art. 7º O procedimento fiscal tem início com:

I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;

II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;

III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.”

45 “Art. 14. A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento.”

46 No referido acórdão, destacamos a declaração de voto da Conselheira Maysa de Sá Pittondo, que é categórica e acertada a respeito do tema.

47 “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”

48 A título de lege ferenda talvez não causasse tamanha confusão se o instituto da prescrição intercorrente, aqui analisado, fosse chamado, v.g., de “perempção”.

49 SARMANHO, Fabrício. Súmula 11 do Carf e sua aplicabilidade às infrações aduaneiras. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sumula-11-carf-aplicabilidade-as-infracoes-aduaneiras-07042021. Acesso em: 5 jun. 2021.

50 Resolução Normativa Aneel n. 26/2004, art. 26: “Art. 26. O não recolhimento da multa no prazo estipulado no AI, sem interposição de recurso, ou no prazo estabelecido em decisão irrecorrível na esfera administrativa, acarretará imediato encaminhamento do processo administrativo à Superintendência de Administração e Finanças – SAF da Aneel, para inscrição do devedor no Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais – Cadin, nos termos da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e posterior encaminhamento à Procuradoria Federal para inscrição do valor correspondente na Dívida Ativa e respectiva execução, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.”

51 Resolução Anatel n. 612/2013: “Art. 81. Nenhuma sanção administrativa será aplicada, a pessoa física ou jurídica, sem que lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório.”

52 Lei n. 6.437/1977: “Art. 32. Os recursos interpostos das decisões não definitivas somente terão efeito suspensivo relativamente ao pagamento da penalidade pecuniária, não impedindo a imediata exigibilidade do cumprimento da obrigação subsistente na forma do disposto no art. 18.”

53 Decreto n. 2.953/1999: “Art. 24. A pena de multa consiste na obrigação de pagar a quantia em dinheiro fixada na decisão final proferida no processo administrativo correspondente.”

54 Lei n. 9.605/1998: “Art. 70. [...] § 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:

I – vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II – trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

III – vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;

IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

55 “[...] No que tange à alegação de prescrição da pretensão punitiva da ANP, importante relembrar a dicção do artigo 1º da Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta. Vejamos: [...] III – O acórdão vergastado orientou-se no sentido da ocorrência da prescrição intercorrente devido à paralisação do feito por mais de três anos sem movimentação, também considerou que nesse lapso temporal só houve ‘meros atos instrutórios impostos pela lógica procedimental’ incapazes de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva da ANP. [...] V – Agravo interno improvido.” (AgInt no AREsp n. 1.148.931/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 17.05.2018, DJe 28.5.2018)

56 Já analisado anteriormente, ao tratarmos do alcance da Lei n. 9.873/1999.

57 SARMANHO, Fabrício. Súmula 11 do Carf e sua aplicabilidade às infrações aduaneiras. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sumula-11-carf-aplicabilidade-as-infracoes-aduaneiras-07042021. Acesso em: 5 jun. 2021.

58 Aliás, a Constituição Federal claramente estabelece que o cumprimento de pena (e aqui estamos falando de sanção e não de obrigação tributária) deve aguardar trânsito em julgado no processo acusatório, o que foi vaticinado pelo STF no âmbito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) n. 43, n. 44 e n. 54.

59 “Art. 21. [...] § 3º Esgotado o prazo de cobrança amigável sem que tenha sido pago o crédito tributário, o órgão preparador declarará o sujeito passivo devedor remisso e encaminhará o processo à autoridade competente para promover a cobrança executiva.

Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.”

60 Esse entendimento é consagrado também no âmbito doutrinário. Por todos, v. TENÓRIO, Oscar. Lei de introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 91.

61 Rel. Marcelo Nogueira, 12.7.2012. Neste acórdão o Carf afastou a prescrição intercorrente com fundamento na sua Súmula n. 11.

62 Na mesma linha, v. Remessa Necessária n. 5001168-55.2019.4.04.7204, Rel. Roger Raup Rios.

63 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AG5lfA48qb4. Acesso em: 8 jun. 2021.