A TRIBUTAÇÃO DOS ACRÉSCIMOS MORATÓRIOS, CALCULADOS PELA TAXA SELIC, DE DEPÓSITOS E DE INDÉBITOS TRIBUTÁRIOS RESTITUÍDOS: DA DISTINÇÃO ENTRE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA E DO PERÍODO DE ALÍQUOTA ZERO DE PIS/COFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS
TAXATION OF LATE PAYMENT FEES CALCULATED BASED ON THE SELIC INDEX, FOR DEPOSITS AND TAX REFUNDS: THE DIFFERENCE BETWEEN INTEREST AND MONETARY UPDATE AND THE PERIOD OF ZERO PIS/COFINS RATE ON FINANCIAL INVESTMENT INCOME
Professor Adjunto de Direito Tributário da UFMG. Doutor em Direito Tributário pela USP, onde fez residência Pós-doutoral. Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Diretor da ABRADT. Advogado. E- mail: andre@sachacalmon.com.br
Especialista em Direito Tributário pelo IBET e pela Faculdade Milton Campos. Professor da Especialização em Direito Tributário do IBET. Associado à ABRADT e ao IBDT. Advogado. E-mail: pedro.antunes@sachacalmon.com.br
Recebido em: 12-11-2020
Aprovado em: 12-03-2021 DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-2
O artigo analisa a tributação, pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, dos acréscimos moratórios de depósitos e indébitos tributários restituídos ao contribuinte, quando apurados pela taxa Selic. Para tanto, confronta o entendimento da Receita Federal favorável à tributação, à natureza dual da taxa Selic. Nesse ponto, analisa especificamente a legitimidade da tributação da mera correção monetária, enquanto instituto que apenas neutraliza os efeitos deletérios da inflação. A partir daí, propõe sistemática parcial de tributação da taxa Selic, pela qual deveria ser deduzida a inflação acumulada no período. Em um segundo momento, o artigo, limitando- se ao PIS e à COFINS, demonstra a ilegitimidade de sua incidência sobre acréscimos moratórios creditados no período em que a alíquota destas contribuições sobre receitas financeiras foi reduzida a zero, por força do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 c/c o Decreto n. 5.164/2004.
The article addresses the IRPJ, CSLL, PIS and COFINS taxation of the late payment fees for deposits and tax refunds to the taxpayer, when calculated based on the Selic index. To do so, it compares the interpretation of the Federal Tax Authority, which is favorable to taxation, with the dual nature of the Selic index. In this regard, it specifically assesses the legitimacy of the taxation of the mere monetary update, for this is a mechanism aimed simply at neutralizing the detrimental effects of inflation. Based on that, it suggests a partial tool to tax based on the Selic index, through which the inflation accumulated in the period should be deducted. Furthermore, the article focuses on PIS and COFINS in order to demonstrate the illegitimacy of these taxes on late payment fees during the period when the rates of these duties on financial investment income was reduced to zero, by means of art. 27, Law n. 10865/04 and Decree n. 5164/2004.
INTRODUÇÃO
O depósito de tributos (seja o judicial ou, em menor medida, o extrajudicial) é instituto observável em larga escala no direito brasileiro, exercendo funções essenciais no direito tributário e processual tributário.
Nesse sentido, remissão ao depósito judicial é feita pelo CTN como modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN), sendo sua posterior conversão em renda classificada como causa extintiva da própria obrigação (art. 156, VI, do
CTN). Ainda, a LEF prevê a garantia da execução fiscal pelo depósito judicial (art. 9º, I, da LEF), a possibilitar, inclusive, a oposição de embargos à execução (art. 16, I, da LEF).
Paralelamente, o instituto do indébito tributário é também recorrente na sistemática tributária brasileira, estando positivado nos arts. 165 e ss. do CTN. Há de se destacar que a declaração da ilegitimidade de um tributo, permite, em regra, a restituição dos valores que tenham sido pagos nos últimos cinco anos que antecederam o ajuizamento da ação (art. 168 do CTN).
Constatada, pois, a recorrência destes institutos em âmbito nacional, há um aspecto comum a ambos a merecer maior aprofundamento teórico, a saber: a tributação dos acréscimos moratórios que incidiram (i) ao longo de todo o período em que o montante restou depositado até ser levantado pelo contribuinte, bem como os que incidiram (ii) sobre o indébito tributário recuperado, desde o pagamento indevido.
Noutras palavras, é preciso que se estabeleça, com a necessária confiabilidade, o regime tributário dos valores recebidos pelos contribuintes a título de acréscimos moratórios sobre depósitos judiciais levantados e sobre tributos restituídos. Isso em vista, principalmente: (i) do caráter dual da composição da taxa Selic, a qual englobaria juros e correção monetária, consoante reiterado entendimento dos colegiados de uniformização de jurisprudência do STJ; bem como (ii) do período em que a alíquota do PIS/COFINS sobre receitas financeiras no Brasil era zero, por força do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 c/c o Decreto n. 5.164/2004.
É o que se passa a analisar, da forma mais objetiva possível.
O DEPÓSITO DE TRIBUTOS E OS ACRÉSCIMOS MORATÓRIOS CREDITADOS DESDE O MOMENTO DO DEPÓSITO ATÉ O SEU LEVANTAMENTO PELO CONTRIBUINTE DEPOSITANTE
Como visto, várias são as situações que poderão ensejar o depósito de tributos por parte dos contribuintes. Importa ao presente estudo, todavia, especificamente aquelas situações nas quais os valores depositados são a ele restituídos.
Tome-se, pois, o clássico exemplo do levantamento do depósito oferecido em garantia a execução fiscal, após procedência dos embargos correspondentes. Nesses casos, ao final da disputa, sendo declarado indevido o crédito tributário, o montante a ser restituído ao depositante englobará (i) tanto o valor histórico principal, quanto (ii) os acréscimos moratórios incidentes sobre esse valor, creditados no período entre o depósito e a restituição.
Em âmbito federal, os acréscimos moratórios sobre os montantes tributários depositados (judicial ou extrajudicialmente) estão previstos na Lei n. 9.703/1998 e no art. 2º, I, do Decreto
n. 2.850/1998, que a regulamenta. Por estes, são previstos que, para os depósitos efetuados após 1º de dezembro de 20081, quando de sua restituição ao depositante2, deverão ser acrescidos “juros, na forma estabelecida pelo § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores” – leia-se: juros pela taxa Selic.
A partir daí, a pergunta que surge é: tais acréscimos moratórios, creditados ao longo de todo o período em que o montante permaneceu depositado, e calculados pela taxa Selic, consubstanciam receita, ou mesmo renda, do contribuinte, a atrair a incidência de tributos?
Aos olhos da Fazenda Nacional, sim, sendo grandeza tributável pelas contribuições ao PIS e COFINS, IRPJ e CSLL3. Frise-se que não há qualquer segregação, por parte da Receita Federal, do percentual dos acréscimos moratórios que deverá ser submetido à tributação, sendo que, no seu entendimento, 100% do valor acrescido deverá ser tradado como receita.
Dito isso, passemos ao indébito tributário.
O INDÉBITO TRIBUTÁRIO E OS ACRÉSCIMOS MORATÓRIOS CREDITADOS DESDE O MOMENTO DO PAGAMENTO INDEVIDO ATÉ SUA EFETIVA RESTITUIÇÃO AO CONTRIBUINTE
Como também adiantado, a figura do indébito tributário é recorrente na experiência brasileira. Nesse sentido, apresenta-se como natural consequência de um país com um contencioso tributário de quase R$ 5 trilhões (o equivalente a 73% do PIB), como aponta estudo divulgado pelo portal G14, no final de 2019.
Ocorre que, no momento em que o indébito é restituído ao contribuinte, o montante a ser devolvido englobará (i) tanto o valor histórico principal, quanto (ii) os acréscimos moratórios incidentes sobre esse valor, creditados no período entre o pagamento indevido e a restituição, nos termos da Súmula n. 162/STJ5 e mesmo da Súmula n. 46 do antigo TFR6.
Nesse ponto, há que se destacar que, de acordo com a Primeira Seção do STJ no julgamento do REsp n. 1.495.146/MG – Tema 905, em sede de recursos repetitivos: (i) “A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso”; e (ii) “Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.”
Logo, a taxa de juros incidentes sobre o montante tributário a ser restituído deverá ser a mesma que incide na hipótese de pagamento em atraso daquele mesmo tributo, em preservação ao tratamento isonômico, como ressaltado pelo STJ.
Em continuação, constata-se que, a partir da adoção da taxa Selic pela União para atualização do crédito tributário (é ver art. 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1995; art. 35 da Lei n. 8.212/1991 c/c o art. 61, § 3º, da Lei n. 9.430/1996), este índice, naturalmente, passou a funcionar como paradigma aos demais entes federados, de forma que, além dos federais, também tributos estaduais7, municipais8 e mesmo do Distrito Federal9, costumam ser atualizados pela Selic.
Paralelamente, entende o Supremo Tribunal Federal pela “incompetência das unidades federadas para a fixação de índices de correção monetária de créditos fiscais em percentuais superiores aos fixados pela União para o mesmo fim”10. Noutras palavras, têm os demais entes federados competência à fixação do índice de correção monetária de seus tributos, desde que tal índice não seja maior do que o estabelecido pela União.
Mantendo coerência em relação à postura adotada quanto aos acréscimos moratórios de depósitos tributários, a Receita Federal também considera sujeitos ao PIS, à COFINS, ao IRPJ e à CSLL, os acréscimos moratórios incidentes sobre valores restituídos a título de indébito tributário, entendendo se tratar de “receita nova”11.
Entretanto, parece-nos que o posicionamento fazendário precisa ser interpretado com cuidado, de forma que seja adequado às especificidades concretas observáveis nos acréscimos moratórios tanto dos depósitos quanto dos indébitos, evitando a tributação de
grandezas que não são receita ou renda – como se verifica na mera recomposição inflacionária.
OS JUROS SÃO RECEITAS, EM PRINCÍPIO SUJEITAS À TRIBUTAÇÃO PELAS CONTRIBUIÇÕES AO PIS E À COFINS, BEM COMO PELO IRPJ E CSLL. O MESMO NÃO SE PODE DIZER DA CORREÇÃO MONETÁRIA, QUE SE VOLTA À RECOMPOSIÇÃO DA MOEDA FRENTE AOS EFEITOS INFLACIONÁRIOS
Pelo art. 9º da Lei n. 9.718/199812, em síntese, as variações monetárias dos direitos de crédito serão consideradas receitas ou despesas financeiras, para fins de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, quando decorrentes da taxa de câmbio ou de índices/coeficientes legais ou contratuais.
Logo, parece ser sustentável o entendimento pelo qual os juros dos depósitos e indébitos tributários, quando positivos, por estarem abarcados pelo conceito de “variações monetárias”, podem ser considerados receitas financeiras, devendo compor a base de cálculo de referidos tributos. Até esse ponto, pois, abstém-se de qualquer controvérsia, tomando por pressuposto que os juros, enquanto receitas financeiras, devem ser tributados.
Entretanto, acredita-se que somente os juros poderão ser considerados receitas financeiras, e, portanto, se sujeitar à tributação, não podendo se dizer o mesmo dos valores acrescidos apenas para fins de correção monetária, ou seja, como mero instrumento de recomposição da moeda ante os efeitos inflacionários.
O ponto é: juros e índices de correção monetária não se confundem, sendo ilegítima a tributação da mera correção monetária, por não representar qualquer receita ou mesmo renda.
Nesse sentido, “juros quer exprimir propriamente os interesses ou lucros, que a pessoa tira da inversão de seus capitais ou dinheiros, ou que recebe do devedor, como paga ou compensação, pela demora no pagamento do que lhe é devido”13. E ainda que se possa atribuir diferentes qualificações jurídicas aos juros (como moratórios; compensatórios; remuneratórios; convencionais; legais; reais; rotativos; sobre capital próprio etc.), em cada uma dessas figuras permanece aquele núcleo do conceito de “juro”, enquanto remuneração do capital/dinheiro.
Correção monetária, por sua vez, é instituto distinto, que se destina à recomposição da moeda frente à sua desvalorização no tempo, sobretudo pela inflação. Há que se ter em
mente, pois, que “a correção monetária [...] não remunera o capital, apenas assegura sua identidade no tempo”14, sendo que, não haveria que a confundir com o juro, que é a remuneração do capital, como já há muito alertava o Ministro Cordeiro Guerra, do Supremo Tribunal Federal.
Mais recentemente, explicação precisa da diferença entre juros e correção monetária foi fornecida por acórdão da Corte Especial do STJ, proferido no julgamento do REsp n. 1.131.360/RJ, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos, e em cujos autos se discutia se a correção monetária dos depósitos judiciais deveria ou não incluir os expurgos inflacionários (Tema n. 369/STJ). Do voto-vista vencedor, proferido pela Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, depreende-se que:
“[...] a correção monetária é mecanismo de recomposição do poder de compra da moeda, e não de remuneração de capital, razão pela qual deve sempre representar as alternâncias reais da economia e jamais se prestar à manipulação de instituições financeiras, que, evidentemente, lucram com as importâncias depositadas em seus cofres.
‘Manter imutável o valor nominal das obrigações de pagamento em moeda, quando o poder de compra da moeda se alterou, será enriquecer injustamente os devedores, com jactura daqueles que com eles hajam contratado’, assim preleciona Geraldo Vidigal, in Direito Monetário. São Paulo: IBCB, 1995, pág. 99.
Não se confunde, portanto, com os juros, que visam à remuneração do capital. A atualização monetária cuida apenas de preservar o equilíbrio entre os partícipes das relações econômicas, neutralizando os efeitos da inflação.” (STJ, REsp n. 1.131.360/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, jul. 03.05.2017, DJe 30.06.2017)
Conclui, por fim, a Exma. Ministra, ainda no acórdão supracitado: “Desse modo, no caso de depósito judicial, a correção monetária do valor depositado não acresce o patrimônio do depositante tampouco causa prejuízo ao depositário.”
O que deve ser ressaltado, pois, é a autonomia e perfeita distinção entre juros, ou seja, efetiva remuneração do e/ou pelo capital, e correção monetária, ou seja, a recomposição da moeda frente aos efeitos inflacionários, que, enquanto tal, não deve representar qualquer acréscimo patrimonial.
Logo, em decorrência direta das premissas ora fixadas, parece ser impossível se admitir a tributação da mera correção monetária sobre depósitos e indébitos restituídos, por não representar qualquer receita ou renda. Trata-se, portanto, de hipótese de não incidência,
por não subsunção da materialidade fática (ou seja, correção monetária) à hipótese normativa (IRPJ; CSLL; PIS/COFINS).
Até porque, como alerta Klaus Tipke15, a tributação da mera correção monetária representaria frontal violação ao próprio princípio da capacidade contributiva, que no Brasil tem previsão constitucional (art. 145, § 1º, da CR/1988), como se sabe. Dito isso, passemos adiante.
A TAXA SELIC. QUAL É, POR FIM, A NATUREZA DOS ACRÉSCIMOS MORATÓRIOS INCIDENTES SOBRE DEPÓSITOS E INDÉBITOS TRIBUTÁRIOS RESTITUÍDOS AO CONTRIBUINTE, QUANDO APURADOS COM BASE NA SELIC?
Pelo que restou exposto, pode-se considerar que, até agora, três premissas principais restaram fixadas, a saber: (i) a taxa Selic é o índice de cálculo dos acréscimos moratórios sobre depósitos e indébitos de tributos federais, sendo por vezes adotado também em âmbito municipal, estadual e distrital; (ii) sobre os juros podem incidir IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; e (iii) a correção monetária não representa qualquer acréscimo patrimonial e, enquanto tal, não poderia ser tributada.
Posto isso, questiona-se: qual deve ser, por fim, o tratamento tributário dos acréscimos moratórios de depósitos e indébitos tributários, quando calculados pela taxa Selic?
Para responder a tal pergunta, parece essencial se estabelecer qual é, enfim, a natureza da taxa Selic. Seria taxa de juros; índice de correção monetária, ou, ainda, englobaria tanto juros quanto correção monetária?
Entendendo-se pela terceira hipótese, como seria possível segregar e precisar objetivamente o que corresponderia a juros e o que representaria correção monetária?!
Para isso, alguns esclarecimentos acerca da chamada “taxa Selic” são necessários, aclarando
o objeto presentemente estudado, senão, vejamos.
De início, é preciso ressaltar que por uma única denominação, ou seja, Selic, costumam ser designadas três realidades, as quais, apesar de relacionadas, definitivamente não se confundem. Noutras palavras, pela alcunha genérica de Selic, costumam ser denominados:
o sistema informatizado16 denominado “Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic)”, administrado pelo Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab) do Banco Central do Brasil – o qual denominaremos “sistema Selic”;
a meta da taxa Selic17, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) a cada 45 dias – a qual denominaremos “meta Selic”; e, por fim,
a taxa de juros Selic propriamente dita (também chamada “Selic over” ou “Selic realizada”), a qual é apurada no “sistema Selic” e que corresponde à taxa de juros apurada nas operações de empréstimos de um dia entre as instituições financeiras que utilizam títulos públicos federais como garantia – a qual denominaremos “taxa Selic”.
Interessa ao presente estudo especialmente a terceira concepção dentre as listadas acima, ou seja, “taxa Selic”, definida pelo Banco Central do Brasil como “a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos públicos federais” (§ 1º do art. 1º do Regulamento do Copom, aprovado pela Circular n. 3.868/2017 do Banco Central do Brasil).
Justamente a “taxa Selic” (em sua terceira acepção) é o índice adotado pela União Federal (e, por decorrência, pela grande maioria dos demais Entes Federados) para apuração dos acréscimos moratórios sobre depósitos e indébitos tributários restituídos – os quais a Receita Federal do Brasil pretende ver integralmente tributados.
À luz de todo o exposto, parece não remanescer qualquer espaço para que se tenha dúvidas quanto à subsunção (ainda que parcial) da “taxa Selic” no conceito de juros. Mantendo-se coerência com as premissas aqui fixadas, sua tributação, em princípio, estaria autorizada.
Entretanto, tal conclusão é prontamente desmentida ao aprofundarmos na análise proposta. Isso porque, fortes são as razões para se concluir que a “taxa Selic” não é somente juros, trazendo também em seu bojo um percentual que corresponderia única e exclusivamente à correção monetária – e, enquanto tal, intributável, consoante premissas também já fixadas.
Inicialmente, é preciso considerar que, sobre o montante histórico depositado ou restituído, somente deverá incidir a taxa Selic. Ou seja, não incidirá (i) a taxa Selic a título de juros, cumulada com (ii) outro índice a título de correção.
A primeira razão a tanto – e, nesse ponto, especificamente em âmbito federal – é a inexistência de previsão legal, afinal, tanto o art. 2º, I, do Decreto n. 2.850/1998, quanto o art. 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1995, já citados acima, preveem tão somente a incidência da taxa Selic, nada dispondo quanto a eventuais acréscimos moratórios.
Ocorre, porém, que, ainda que o Poder Legislativo pretendesse, hipoteticamente, instituir índices de correção monetária cumulativos à taxa Selic, tal pretensão tem sido invariavelmente reprimida pelo Poder Judiciário, como se extrai de inúmeros precedentes.
Nesse sentido, é entendimento da Primeira Seção do STJ, inclusive reafirmado, por diversas vezes, em sede de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/1973; art. 1.036 do CPC/2015), que “a incidência de juros moratórios com base na variação da taxa Selic não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem [...]”18.
Isso, porque, “a referida taxa [Selic] engloba juros e correção monetária, não podendo ser cumulada com qualquer outro índice de atualização” (Precedentes: [...])”19. Não por outra razão, prevê a Súmula n. 523/STJ (específica para a restituição de indébitos, frise-se) que está “vedada sua cumulação com quaisquer outros índices”20.
Ressalta-se que a incidência exclusiva da Selic restou reafirmada pelo Pleno do STF, ao analisar em conjunto os processos ADC n. 58, ADC n. 59, ADI n. 6.021 e ADI n. 5.867 (Rel. Min. Gilmar Mendes). Com base em tal precedente, o Ministro Alexandre de Moraes, em recentíssima decisão, julgou procedente reclamação contra decisão da Justiça do Trabalho que havia culminado a incidência da taxa Selic com juros de mora21.
A conclusão que se extrai de todos esses precedentes é imediata: na composição da taxa Selic – e sobretudo a que incide em valores tributários restituídos/levantados –, já está incluída tanto juros quanto correção monetária.
Sob essa ótica, pois, anuir com a tributação dos rendimentos apurados pela Selic, significaria, em última instância, autorizar a tributação, além dos juros, de simples correção monetária, esta que, como já demonstrado, nada acrescenta ao patrimônio do depositante, não consubstanciando, portanto, qualquer receita ou renda.
Em verdade, à luz das premissas aqui fixadas, para a correta tributação da Selic, esta deveria ser decomposta em [“correção monetária” + “juros”], de forma a tornar possível a tributação somente do montante correspondente aos juros. O que não parece correto é justamente convalidar a tributação de toda a “taxa Selic”.
Para que se evite a tributação, portanto, da mera correção monetária, duas alternativas de imediato se apresentam, a saber: (i) ou se deixa de tributar a integralidade dos acréscimos apurados com base na “taxa Selic”, ou (ii) permite-se ao menos que, do valor total dos acréscimos apurados com base na “taxa Selic” seja deduzido o valor correspondente à correção monetária do período.
Analisemos cada uma das propostas individualmente.
Da impossibilidade de se tributar a integralidade dos acréscimos moratórios sobre depósitos e indébitos tributários apurados pela taxa Selic, sob pena de se tributar inclusive a mera correção monetária, a qual não denota capacidade contributiva
À luz do exposto, conclui-se sem maior esforço que, tributar a taxa Selic incidente em depósitos e indébitos tributários restituídos ao Contribuinte é tributar inclusive a mera correção monetária, o que não poderia ser admitido ante a total inexistência de capacidade contributiva, já que a simples correção não denota qualquer receita ou mesmo renda.
Diante desse cenário, a solução imediata para se evitar a tributação de grandeza que não representa qualquer capacidade contributiva, parece ser justamente a não tributação da integralidade dos valores recebidos pelos Contribuintes sobre depósitos e indébitos tributários, quando apurados pela taxa Selic.
Noutras palavras, caberia à Receita Federal reconhecer o direito dos Contribuintes de deduzir a taxa Selic sobre depósitos e indébitos tributários da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS, evitando, assim, a tributação do que não é renda e do que não é receita. Justamente tal alternativa – ou seja, a não tributação de toda a “taxa Selic”, foi adotada, por exemplo, pela Corte Especial do TRF-4.
Ao analisar a natureza jurídica da taxa Selic para fins de incidência do IR e da CSLL, disse a Corte Especial do TRF-422 que não poderia incidir IR e CSLL sobre a integralidade da taxa
Selic incidente na repetição de indébito ou no levantamento de depósito judicial, uma vez que: (i) a taxa Selic, por um lado, representaria juros de mora, os quais teriam natureza meramente indenizatória; e (ii) por outro lado, a taxa Selic representaria mera correção monetária, visando a preservação do poder de compra em face do fenômeno inflacionário, não consistindo em qualquer acréscimo patrimonial.
Quanto à conclusão do TRF-4 pelo caráter indenizatório dos juros legais moratórios, tal conclusão restou reafirmada pelo Pleno do STF, em recentíssima decisão, proferida no bojo do RE n. 855.091/RS – Tema 80823.
Naqueles autos, por 10 votos a 1, prevaleceu o entendimento do Ministro Relator Dias Toffoli, para quem: “os juros de mora legais, no contexto em tela, estão fora do campo de incidência do imposto de renda, pois visam, precipuamente, recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor. A hipótese, portanto, é de não incidência tributária e não de isenção ou de exclusão de base de cálculo.”24
Certo é que, em referido precedente, estava em análise a incidência de imposto de renda sobre juros moratórios recebidos por pessoa física, em razão do atraso no recebimento de seu pagamento. Entendeu, portanto, o STF se tratar de danos emergentes, impedindo, portanto, sua classificação como renda. Por outro lado, tal posicionamento deve ser levado em conta também na definição da natureza da verba recebida por pessoa jurídica nas hipóteses ora analisadas, determinando, em última instância, a incidência ou não de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Ocorre que, à luz das premissas adotadas no presente estudo, a confirmação, pelo STF, do caráter indenizatório dos juros moratórios, e, em decorrência, da ilegitimidade de sua tributação, serve, em verdade, como mero reforço à conclusão aqui defendida.
Afinal – e aqui reside o ponto central do presente estudo –, ainda que o STF tivesse afastado seu caráter indenizatório e tivesse permitido a tributação dos juros moratórios, isso não legitimaria a tributação dos valores apurados pela taxa Selic, ante a impossibilidade de se tributar a mera correção monetária, nos termos reiteradamente já afirmados. A tese central defendida no presente artigo, pois, é justamente a intributabilidade da mera correção monetária seja pelo IRPJ, pela CSLL ou mesmo pelas contribuições ao PIS/COFINS; tanto
que se absteve de qualquer controvérsia envolvendo a tributação dos juros, pura e simplesmente.
Logo, fosse possível segregar a taxa Selic em [“correção monetária” + “juros”], o presente artigo, na forma em que escrito, seria praticamente inútil, já que seu problema teria se dissipado, não havendo sentido dogmático em sua elaboração.
Com isso em mente, é que, alternativamente à intributabilidade de toda a taxa Selic, propõe-se ao menos seja deduzido de seu montante os percentuais correspondentes à inflação acumulada do período, de forma a se permitir a tributação somente da diferença daí resultante. É o que se verá no próximo tópico.
Alternativamente: a taxa Selic somente pode ser tributada na parcela que ultrapassar a correção monetária do período
Como adiantado, ainda que prevaleça no Brasil o entendimento pela tributação dos juros incidentes sobre depósitos e indébitos tributários, o Contribuinte deve ter assegurado seu direito de ao menos deduzir da taxa Selic incidente sobre os depósitos e indébitos tributários a correção monetária acumulada no mesmo período em que os acréscimos foram creditados.
A correção do período, por sua vez, deveria ser apurada com base nos índices oficiais de inflação, de forma a atualizar o valor da moeda, trazendo-a para o momento presente. Nesse sentido, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), apurado e divulgado periodicamente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é considerado o índice oficial de inflação no Brasil25.
Explica o IBGE, que referido índice decorre do chamado “Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor – SNIPC”, que consiste, por sua vez, “em uma combinação de processos destinados a produzir índices de preços ao consumidor. O objetivo é acompanhar a variação de preços de um conjunto de produtos e serviços consumidos pelas famílias”26.
Por seu histórico e por ser de abrangência nacional, o IPCA é pacificamente reconhecido pelos Tribunais Superiores como índice apto a refletir a inflação e, consequentemente, a correção monetária, de forma a recompor o valor da moeda em razão de sua depreciação
ao longo do tempo. Nesse sentido, são os reiterados precedentes da Primeira Seção do STJ27, da Segunda Seção do STJ28, além do Pleno do STF29.
Assim, caso não se entenda pela ilegitimidade de se tributar a integralidade da taxa Selic, há que ser assegurado ao contribuinte ao menos a dedução integral da inflação acumulada ao longo de todo o período em que a Selic foi creditada, apurada, por sua vez, pelos índices oficiais de infração, dentre os quais se destaca o IPCA. Com isso, restará obstada a tributação daquilo que não é renda e tampouco receita.
DO ALCANCE DO POSICIONAMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ AO APRECIAR O RESP N. 1.138.695/SC EM SEDE DE RECURSOS REPETITIVOS (TEMAS N. 504 E N. 505). DA PENDÊNCIA DO JULGAMENTO DO TEMA N. 962 DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF, NO BOJO DO RE N. 1.063.187/SC
Ressalta-se, por oportuno, que a tributação dos juros sobre depósitos e indébitos tributários já foi apreciada pelo STJ em sede de recursos repetitivos, ainda que sob ótica e argumentos diversos em relação aos presentemente elencados. Por ocasião do julgamento do REsp n. 1.138.695/SC, a Primeira Seção do STJ, reformando acórdão proferido pelo TRF-4, entendeu pela legitimidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros incidentes sobre depósitos levantados pelo Contribuinte (Tema n. 504/STJ30) e sobre a repetição do indébito Tributário (Tema n. 505/STJ31).
Da análise do acórdão repetitivo proferido pela Primeira Seção do STJ, sob relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, depreende-se que, o STJ convalidou a tributação dos juros (lato sensu) incidentes sobre depósitos judiciais por considerar que estes possuem natureza remuneratória. Nessa ocasião, acaba afirmando, em obiter dictum, que a correção monetária não escaparia à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, já que, em sua visão,
comporiam “a esfera de disponibilidade patrimonial do contribuinte”, não tendo, todavia,
tecido maiores considerações a respeito32.
Já em relação aos juros em repetição do indébito, naquela mesma ocasião o STJ, apesar de reconhecer que teriam caráter moratório, afirma que sua natureza seria de lucros cessantes, a consubstanciar “evidente acréscimo patrimonial previsto no art. 43, II, do CTN (acréscimo patrimonial a título de proventos de qualquer natureza)”.
Pela leitura deste acórdão, pois, percebe-se que, apesar de a conclusão da Corte ter sido pela incidência do IRPJ e da CSLL, argumentos autônomos e muito importantes não foram efetivamente apreciados por ocasião daquele julgamento. Em decorrência, parece correto afirmar que a temática não foi exaustivamente apreciada pela Primeira Seção do STJ, remanescendo argumentos autônomos que ainda precisariam ter sido levados em conta.
Limitando-nos aos argumentos trazidos no bojo do presente texto, pode-se afirmar que o acórdão do STJ proferido no recurso repetitivo em voga, deixou de se manifestar, dentre outros: (i) acerca da natureza dual da taxa Selic, a englobar juros e correção monetária, consoante reiterada jurisprudência da própria Corte; (ii) quanto à impossibilidade de se tributar a mera correção monetária, posto não se tratar de receita nova, mas apenas recomposição da moeda frente aos efeitos deletérios do tempo, também conforme entendimento do STJ, inclusive de sua Corte Especial; (iii) quanto à legitimidade de se deduzir dos valores calculados pela taxa Selic, a inflação acumulada do período, apurada pelos índices oficiais (IPCA).
Tais fortes argumentos, aos quais outros inúmeros poderiam se juntar, demonstram que não se pode falar em jurisprudência exaustiva do STJ sobre a quaestio iuris ora analisada, permanecendo tais controvérsias em aberto no âmbito daquele Tribunal.
Até porque, atualmente, o processo repetitivo está sobrestado, por decisão da Vice- Presidência do STJ, publicada em 25 de outubro de 2018, em virtude da existência do Tema
n. 962 de repercussão geral.
Referido Tema n. 962-RG, será apreciado pelo STF quando do julgamento do RE n. 1.063.187/SC, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli e ainda sem previsão de inclusão em pauta. O tema é descrito nos seguintes termos: “Tema 962 – Incidência do Imposto de renda
– Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a taxa
Selic (juros de mora e correção monetária) recebida pelo contribuinte na repetição do
indébito.”
Veja que, no leading case do STF, já será analisada a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a “taxa Selic”, a qual, por sua vez, é subdividida em “juros de mora e correção monetária”, sendo tais constatações indícios de que poderá a Suprema Corte aprofundar na análise da temática presentemente esmiuçada, inclusive à luz dos argumentos ora trazidos, aperfeiçoando o julgamento do tema promovido pela Primeira Seção do STJ ainda em 2013.
Espera-se que, ao assim proceder, possa a Suprema Corte superar a conclusão a que chegou o STJ, declarando-se a intributabilidade da taxa Selic sobre depósitos e indébitos tributários. Não sendo essa a conclusão adotada, possa, ao menos, reconhecer a dedutibilidade da correção monetária acumulada do montante apurado pela taxa Selic.
ESPECIFICAMENTE QUANTO AO PIS/COFINS. DA IMPOSSIBILIDADE DE SE INCLUIR NA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS OS ACRÉSCIMOS MORATÓRIOS CREDITADOS NO PERÍODO ANTERIOR À REINSTITUIÇÃO DA TRIBUTAÇÃO DE RECEITAS FINANCEIRAS PELO DECRETO N. 8.426/2015
Em último tópico complementar a todo o exposto, permite-se ainda traçar breves considerações quanto à impossibilidade de se incluir na base de cálculo especificamente do PIS/COFINS, os acréscimos moratórios sobre depósitos e indébitos tributários recuperados, que tenham sido creditados no período no qual as alíquotas sobre receitas financeiras foram reduzidas a zero, independentemente de qual tenha sido o índice de atualização utilizado em sua apuração.
Resumidamente, a partir da vigência das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, as receitas financeiras (art. 17 do Decreto-lei n. 1.598/1977 e art. 9º da Lei n. 9.718/1998) passaram a sofrer a incidência do PIS e da COFINS às alíquotas gerais de 1,65% e 7,6%, respectivamente.
Pouco tempo depois, todavia, a Lei n. 10.865/2004 modificou a tributação das receitas financeiras e, em seu art. 27, autorizou o Poder Executivo a: (i) conceder créditos calculados sobre despesas de empréstimos e financiamentos, inclusive com a determinação de seu percentual; e (ii) reduzir e restabelecer a alíquota das contribuições sobre estas receitas33.
Justamente com base nesta delegação feita pela Lei ao Poder Executivo, foi publicado o Decreto n. 5.164/2004, que, por sua vez, reduziu a zero as alíquotas das contribuições
incidentes sobre as receitas financeiras. Logo em seguida, o Decreto n. 5.442/2005 estendeu a alíquota zero às operações de hedge.
Tal cenário, todavia, foi alterado com a revogação do Decreto n. 5.164/2004 pelo Decreto n. 8.426/2015 (DOU 01.04.2015), o qual ainda majorou a alíquota do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras para 4,65%34, sendo que sua tributação teve início em 1º de julho de 2015.
Desse breve histórico, conclui-se que, no período compreendido entre o Decreto n. 5.164/2004 (efeitos a partir de 02.08.2004) e o Decreto n. 8.426/2015 (efeitos a partir de 01.07.2015), a alíquota do PIS/COFINS sobre receitas financeiras se manteve em zero, simplesmente não sendo devida contribuição ao PIS/COFINS sobre referidas materialidades.
Assim, considerando que, no período compreendido entre o dia 2 de agosto de 2004 e 1º de janeiro de 2015, a alíquota incidente sobre receitas financeiras se manteve em zero, os acréscimos moratórios sobre depósitos e sobre o indébito creditados nesse período simplesmente não devem ser tributados, já que originados/creditados em período no qual a tributação era inexistente.
Para visualizar o que se pretende dizer, vejamos a seguinte situação hipotética, trazida meramente para fins didáticos:
O contribuinte no dia 1º de março de 2006 depositou em juízo R$ 100.000,00 (cem mil reais), com a finalidade de suspender a exigibilidade de tributo federal cuja legitimidade encontrava-se sub judice;
Nesse período, a alíquota do PIS/COFINS sobre receitas financeiras era zero, por força do Decreto n. 5.164/2004, vigente desde 2 de setembro de 2004;
Essa situação se manteve até a edição do Decreto n. 8.426/2015, o qual reinstituiu a tributação a partir de 1º de julho de 2015, com a majoração das alíquotas somadas do PIS/COFINS de zero para 4,65%;
Então, no dia 10 de janeiro de 2016, referida ação judicial hipotética transita favoravelmente em julgado ao contribuinte, que, no mesmo dia, promove o levamento do referido depósito.
Ainda no exemplo hipotético, ao promover o levantamento do depósito em 1º de janeiro de 2016, o contribuinte/depositante levantará (i) tanto o valor depositado, quanto (ii) os acréscimos moratórios, nos termos do art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 9.703/1998. Estes acréscimos
moratórios, em tese, estão sujeitos ao PIS/COFINS à alíquota de 4,65%, a parir de 1º de julho de 2015.
Mas, fato é: (i) poderia a União exigir PIS/COFINS sobre o rendimento referente a todo o período em que os valores permaneceram depositados, ou seja, sobre os acréscimos moratórios creditados entre 1º de março de 2006 e 10 de janeiro de 2016, apesar de a alíquota ter se mantido em zero na maior parte do tempo? Ou, por outro lado, (ii) somente poderia a União exigir PIS/COFINS sobre os rendimentos referentes ao período posterior à reinstituição da tributação, ou seja, referente ao período compreendido entre 1º de julho de 2015 e 10 de janeiro de 2016?
Em nosso entendimento, não há que se exigir o PIS/COFINS sobre acréscimos moratórios do período em que a alíquota das contribuições era zero, pelo simples fato desses valores não estarem sujeitos à tributação à época em que originados.
Do mesmo modo, para a hipótese do indébito tributário, basta pensar em tributos que tenham sido indevidamente pagos anteriormente ao Decreto n. 5.164/2004 ou mesmo ao longo do período compreendido entre o Decreto n. 5.164/2004 e o Decreto n. 8.426/2015, ou seja, entre 2 de agosto de 2004 e 1º de julho de 2015 e que, presentemente, precisem ser restituídos ao contribuinte.
Ora, não é correto que, hodiernamente, pretenda-se exigir o PIS/COFINS retroativo inclusive sobre os juros creditados no período em que a alíquota se manteve zero, ou seja, entre 2 de agosto de 2004 e 1º de julho de 2015.
Especificamente sobre os depósitos, na Solução de Consulta n. 166-COSIT35, de 19 de março de 2017, a Receita Federal do Brasil fixa regra geral pela qual, “por expressa previsão legal[36], tem-se a obrigatoriedade de adoção do regime de competência para o reconhecimento do lucro tributável das pessoas jurídicas das contrapartidas de variações monetárias ativas”.
Afirma, ainda, que, “os critérios definidos [...] para fins de reconhecimento de variações monetárias ativas decorrentes de atualização de depósitos judiciais ou extrajudiciais no âmbito do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro real, são igualmente aplicáveis à Contribuição para o PIS/PASEP e à COFINS apuradas pelo regime não cumulativo”.
Entretanto, nessa mesma Solução de Consulta, a RFB estabelece relevante distinção, ao consignar basicamente que:
regra geral, “as variações monetárias ativas decorrentes de atualização de depósitos judiciais ou extrajudiciais devem ser reconhecidas, em regra, de acordo com o regime de competência”;
entretanto, especificamente para “depósitos efetuados ao amparo do regramento estabelecido pela Lei n. 9.703, de 1998, considerando-se a existência de previsão legal de ocorrência de acréscimos ao montante depositado judicial ou administrativamente tão somente quando da solução favorável da lide ao depositante, só se encontra caracterizada a ocorrência do fato gerador da COFINS [e PIS] apurada pelo regime não cumulativo: a) quando desta solução e na proporção que favorecer o contribuinte-depositante ou b) quando o levantamento do depósito com acréscimos se der por autorização administrativa ou judicial, antes daquela solução.”
Logo, segundo a Fazenda, para depósitos regidos pela supracitada Lei n. 9.703/1998 (depósitos de tributos federais), o fato gerador do PIS/COFINS somente estaria caracterizado quando da efetiva devolução do depósito ao depositante/contribuinte.
O alcance do entendimento fiscal, respeitosamente, precisa ser interpretado com cuidado, para que não interfira negativamente na situação distinta ora analisada. Afinal, apesar de o momento do levantamento do depósito (em regra) ser o marco considerado para a incidência do PIS/COFINS, deve ser observada a legislação que vigeu em cada um dos momentos nos quais os acréscimos moratórios foram creditados, sob pena de se permitir a retroatividade do direito, o que é enfaticamente proibido por nosso ordenamento.
Sabe-se que o direito brasileiro, sobretudo o constitucional (art. 5, II, XXXVI; art. 150, I; 150, III, “a”, “b” e “c”, todos da CR/1988) consagra a irretroatividade do próprio direito, enquanto fenômeno jurídico, e tanto é assim que, quando o Poder Judiciário se afastou das limitações constitucionais que proíbem a irretroatividade jurídica, do qual a edição da Súmula n. 584/STF37 é exemplo de maior destaque, sofreu pesadas críticas da doutrina nacional.
É o que se nota, por exemplo, das inflamadas palavras de Geraldo Ataliba38 ao prefaciar o livro Direito tributário, direito penal e tipo, de Misabel Derzi, em claro descontentamento e indignação pela edição da Súmula n. 584 pelo STF.
Muito tempo depois de escritas tais linhas (aproximadamente 30 anos), o Supremo Tribunal Federal acabou acolhendo as críticas então formuladas por Ataliba, sendo que, em 2020, houve o a superação, e consequente cancelamento do verbete da Súmula n. 58439.
Por mais essa razão, entende-se que deve ser observada a legislação que vigeu em cada um dos momentos nos quais os acréscimos moratórios foram creditados, sob pena de se permitir a retroatividade do direito, na linha do atual posicionamento do STF.
CONCLUSÕES
Por este artigo, restou demonstrado que a taxa Selic funciona como verdadeiro índice paradigma de acréscimos moratórios sobre depósitos e indébitos tributários, a todos os entes federados. Paralelamente, viu-se, também, que tal índice tem natureza dual, ou seja, consubstancia tanto juros quanto correção monetária.
A partir daí, demonstrou-se que, ainda que a tributação dos juros fosse permitida pela legislação brasileira (controvérsia a respeito da qual se absteve o presente estudo, adotando a legitimidade da tributação dos juros como premissa epistemológica), a tributação da mera correção monetária não poderia ser legitimamente autorizada, uma vez que se destinaria exclusivamente à recomposição da moeda frente à sua desvalorização no tempo, ante os índices inflacionários. Assim, não representaria qualquer renda ou mesmo receita.
Para se evitar, portanto, a tributação da mera correção monetária incluída na taxa Selic – o que representaria frontal violação à capacidade contributiva –, duas foram as alternativas vislumbradas pelo presente estudo, a saber: (i) ou a União Federal se abstém de exigir IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre a integralidade dos acréscimos moratórios apurados pela taxa Selic; ou (ii) a União Federal deve permitir ao menos que seja deduzido dos acréscimos moratórios apurados pela taxa Selic, a inflação acumulada no período, a ser apurada pelos índices oficiais, do qual o IPCA é exemplo de maior destaque.
O STF, ao apreciar o Tema n. 962 de repercussão geral, no bojo do RE n. 1.063.187/SC, terá a oportunidade de aprofundar a análise do tema, inclusive sob a ótica dos argumentos ora expostos. Ao assim proceder, espera-se seja revista e superada a orientação que prevaleceu na Primeira Seção do STJ, ao apreciar os Temas repetitivos n. 504 e n. 505, no bojo do REsp
n. 1.138.695/SC, quando a Corte da Cidadania, sem se atentar a todas essas especificidades, acabou por entender pela legitimidade do IRPJ e da CSLL sobre a integralidade da taxa Selic incidente sobre depósitos e indébitos tributários restituídos ao contribuinte.
Por fim, demonstrou-se que, ante a irretroatividade do direito, não há que se cogitar da incidência de PIS/COFINS sobre os acréscimos moratórios de depósitos e indébitos tributários que tenham sido creditados no período em que as alíquotas destas contribuições estavam reduzidas a zero, ou seja, entre 2 de agosto de 2004 (Decreto n. 5.164/2004) e 1º de julho de 2015 (Decreto n. 8.426/2015).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atua. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998.