UM DIÁLOGO SOBRE A TRIBUTAÇÃO DE TRANSAÇÕES DIGITAIS

A DIALOGUE ABOUT THE TAXATION OF DIGITAL TRANSACTIONS


Eduardo Sousa Pacheco Cruz Silva


Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas e graduado em Direito pela mesma Instituição. Servidor do Conselho Nacional de Justiça. Assessor. Brasília, DF. E-mail: edu.silva06@hotmail.com


Larissa Sousa Pacheco Cruz Silva


Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas. Graduada em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Brasília, DF. E-mail: larissa.spcs@hotmail.com


Recebido em: 11-01-2021

Aprovado em: 05-03-2021


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-7


RESUMO


O artigo se presta a analisar os reflexos da Quarta Revolução Industrial anunciada por Klaus Schwab e, em especial, os seus impactos na tributação. São estudadas propostas de tributos sobre transações digitais. Conclui-se que a dinamicidade dos fatos, própria do momento que o mundo está a passar, reclama uma particular atenção do Direito Tributário e uma revisão dos seus conceitos.

PALAVRAS-CHAVE: REVOLUÇÃO 4.0, TRIBUTAÇÃO 4.0, CAPITALISMO DE MULTIDÃO, TRIBUTOS DE TRANSAÇÕES DIGITAIS, SISTEMA TRIBUTÁRIO


ABSTRACT


The objective of this article is to analyze the reflexes of the Fourth Industrial Revolution announced by Klaus Schwab and, in particular, its impacts on taxation. Afterwards, tax proposals on digital transactions are studied.


It is concluded that the dynamics of the facts, typical of the moment that the world is going through, demands a particular attention of the Tax System.

KEYWORDS: REVOLUTION 4.0, TAXATION 4.0, CROWD CAPITALISM, DIGITAL TRANSACTION TAXES, TAX SYSTEM


INTRODUÇÃO

Há alguns anos o mundo percebeu que grandes empresas multinacionais estavam se utilizando de planejamentos tributários agressivos para reduzir sua tributação a uma fração do que seria devido, ao deslocar os seus lucros para jurisdições com pouca ou nenhuma tributação.


Não por acaso, em 2010, o Fundo Monetário Internacional identificou que, em 2010, os Barbados, as Bermudas e as Ilhas Virgens Britânicas receberam mais investimentos estrangeiros diretos do que a Alemanha ou o Japão, e realizaram, cumulativamente, mais investimentos estrangeiros (4,54% combinado) do que aquele país (4,28%), sendo de se indagar como estas três pequenas jurisdições conseguem alcançar tais números. Apresentou-se como explicativa o fato de que os resultados dos grupos de sociedades multinacionais são transferidos artificialmente para estes países de baixa tributação por meio de planejamentos fiscais, corroborando com a percepção de que as grandes multinacionais que operam na economia digital pagam poucos tributos1-2.


Esse movimento é reflexo de um processo de globalização iniciado em 1980, que aumentou a competitividade, a produtividade e a integração, no plano econômico, e resultou no enfraquecimento de conceitos e instituições até então consolidados, como os de Estado- nação e soberania3.


O Direito Tributário não é uma bolha e está inserido no âmago desse contexto. As relações sociais, como já anunciado, vêm mudando exponencialmente. Os impactos na tributação são notáveis. Conceitos clássicos outrora úteis para anunciar bases econômicas tributárias hoje se mostram insuficientes para abarcar novas formas de consumo, de trabalho e de auferir renda que estão presentes no âmbito das transações digitais, realidade inerente nos dias atuais.


image


  1. SILVA, Suzana Tavares e outros. Os benefícios da harmonização fiscal e os respectivos riscos face ao actual modelo de desenvolvimento económico. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/25098. Acesso em: 29 jul. 2020.


  2. SEIRA, Enrique; PINEDA, Emilio; RASTELETTI, Alejandro. Retos para el cobro del Impuesto sobre la Renta en la economia digital . In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 363.


  3. AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho. A tributação dos lucros das gigantes de tecnologia. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 414.


    A relevância do tema é tão cara que há uma ação específica dentro dos estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – a Action 1 do Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), que se presta combater a erosão das bases tributárias dos países membros daquela organização, mediante o combate à evasão fiscal e o enfrentamento de temas sensíveis, que têm gerado redução de arrecadação tributária.


    Em 2015, a OCDE publicou um primeiro relatório, no qual apontou possíveis soluções para a tributação da economia digital, quais sejam: (i) alteração das isenções admissíveis para reconhecimento de estabelecimento permanente (art. 5º, § 4º, da Convenção Modelo da OCDE); (ii) novo nexo de causalidade, com vistas a incidência do conceito de estabelecimento permanente a partir de uma noção preestabelecida de presença digital significativa; (iii) criação de imposto de incidência da fonte para transações digitais crossborder; ou (v) criação de imposto sobre fluxo de dados de internet4.


    Nenhuma dessas soluções foi implementada em âmbito internacional em razão da falta de consenso dos países acerca de qual das medidas propostas seria adotada.


    A questão merece, portanto, exame mais detido.


    Mediante revisão bibliográfica, pretende-se investigar os impactos da quarta revolução industrial na sociedade e de que maneira o fenômeno da digitalização das relações sociais atingiu o Direito, em especial o Direito Tributário.


    Busca-se, com a mesma metodologia, compreender os primeiros caminhos possíveis para a tributação da digitalização da economia, a fim de verificar de que maneira o Sistema Tributário pode ser atualizado.


    1. REVOLUÇÃO 4.0

    Pode ser cedo para avaliar os impactos da chamada quarta revolução industrial, mas já apresenta efeitos inegáveis. A tecnologia digital transformou rápida e intensamente a economia. Uma transformação favorecida, dentre outros fatores, pela massificação dos smartphones, pela ampla disponibilidade de banda larga, por sistemas de confiança que incluem redes sociais do mundo real digitalizadas e por computação em nuvem5.


    O fluxo financeiro intensificou-se e tornou-se veloz como nunca visto antes. O capital e as corporações estão cada vez mais voláteis, operando de forma transnacional. Os ativos intangíveis, o capital intelectual e a informação ganharam importância ímpar6.


    image


  4. OECD. Organization for Economic Co-operation and Development. Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 –

    2015 Final Report, OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015.


  5. SUNDARARAJAN, Arun. Economia compartilhada: o fim do emprego e a ascensão do capitalismo de multidão. Trad.: André Botelho. São Paulo: Senac, 2018, p. 82.


  6. CORREIA NETO, Celso de Barros; AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício. Desafios tributários na era digital. In: AFONSO, José


    A economia digital foi responsável pelo nascimento de novas espécies de negócios, inimagináveis no passado, e que são capazes de dizimar, levar à extinção, empresas tradicionais em seus respectivos ramos. Serviços como o Uber, Lyft, e Airbnb detêm o poder de retirar empregos em ramos de negócios como táxi e hotéis7.

    Os serviços de streaming de músicas geraram dois bilhões e quatrocentos milhões de dólares no ano de 2015, somente nos Estados Unidos8. A receita do Facebook no segundo trimestre de 2016 foi de seis bilhões e quatrocentos e quarenta milhões de dólares, originada em maior parte pelo anúncio de publicidades em vídeos9.


    Para se ter mais noção do volume financeiro gerado na economia digital, as cinco maiores empresas do mundo (em valor de mercado) são atuantes no mercado digital: Apple, Alphabet, Amazon, Microsoft, e Facebook10.


    Nesse período, o que se verifica é uma revolução ocorrendo da base da pirâmide social, que se antecipa às vontades e escolhas político-governamentais, no termo cunhado de capitalismo de multidão – ou economia compartilhada, o qual se baseia em cinco características: amplamente voltado ao mercado, capital de alto impacto, redes de multidão, fronteiras pouco definidas entre emprego pleno e casual, entre relação de trabalho com ou sem dependência, entre trabalho e lazer11-12.


    Destaca Sundararajan que o capitalismo de multidão está dando atenção a comportamentos e formas de trocas que antigamente pertenciam a comunidades fortemente coesas – como, por exemplo, economias de pequenos grupos, de parentes e de


    image

    Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 30-31.


  7. TAPSCOTT, D. After 20 years, it’s harder to ignore the digital economy’s dark side. Harvard Business Review Digital Articles 2-6, Mar. 11, 2016. ISSN: 01000000.


  8. https://www.bloomberg.com/news/articles/2016-03-22/apple-s-itunes-overtaken-by-streaming-musicservices-in-sales. Acesso em: 29 jul. 2020.


  9. https://www.forbes.com/sites/kathleenchaykowski/2016/07/27/facebook-shares-soar-on-sales-earningsthat-blow-away- estimates/#64964901c562. Acesso em: 29 jul. 2020.


  10. CHAKRAVORTI, B. The missing political debate over the digital economy. Harvard Business Review Digital Articles 2-6, Oct. 6, 2016. ISSN: 01000000.


  11. SUNDARARAJAN, Arun. Economia compartilhada: o fim do emprego e a ascensão do capitalismo de multidão. Trad.: André Botelho. São Paulo: Senac, 2018, p. 54-55.


  12. Cf. SUNDARARAJAN, Arun:

    1. Amplamente voltado ao mundo: a economia compartilhada cria mercados que dão suporte às trocas de bens e ao surgimento de novos serviços, resultando em níveis potencialmente mais altos de atividade econômica.

    2. Capital de alto impacto: a economia compartilhada abre novas oportunidades para que tudo seja utilizado em níveis mais próximos de sua plena capacidade, desde bens e habilidades até tempo e dinheiro.

    3. Redes de multidão em vez de instituições ou hierarquias centralizadas: a oferta de capital e mão de obra surge da multidão descentralizada de indivíduos, em vez de agregados corporativos ou estatais. As trocas futuras podem ser mediadas por mercado s distribuídos de multidão, em vez de terceiros centralizados.

    4. Fronteiras pouco definidas entre o profissional e o pessoal: a oferta de mão de obra e a prestação de serviços frequentemente comercializa e mensura atividades peer-to-peer (entre indivíduos), como dar uma carona ou emprestar dinheiro a alguém, atividades que eram anteriormente consideradas pessoais.

    5. Fronteiras pouco definidas entre emprego pleno e casual, entre relação de trabalho com ou sem dependência, entre trabalho e lazer: muitos dos empregos de tempo integral estão sendo substituídos por contratos de prestação de serviços com variação nos níveis de carga horária, granularidade, dependência econômica e empreendedorismo.


pequenas cidades –, e levando tais ações para uma comunidade digital mais ampla e menos coesa, com indivíduos quase desconhecidos13. Avançou-se, consideravelmente, na capacidade de fazer com que as pessoas confiem em desconhecidos utilizando os mais variados sistemas com indicadores digitais que, juntos, podem ser chamados de infraestrutura digital de confiança14.


A oportunidade geral do momento atual consiste, portanto, em ver a tecnologia como algo que vai além da simples ferramenta ou de uma força inevitável, encontrando maneiras de oferecer ao maior número de pessoas a capacidade de impactar positivamente a sua família, organização e comunidade, influenciando e orientando os sistemas que nos rodeiam e moldam nossa vida15.


A revolução digital, ao mesmo tempo que cria novos valores e formas de empreender, altera as antigas. A economia digital já não se separa do restante da economia, mas a atravessa e a modifica16. Aproxima fornecedores dos consumidores, que passam a ter imediato acesso aos produtos, pouco se diferenciando as compras físicas das virtuais17.

Compras são feitas on-line, paga-se para assistir filmes on-line, pagamentos de faturas por serviços ou produtos são feitos on-line, motoristas e serviços de transporte são solicitados on-line, a entrega de comida é solicitada utilizando-se a internet18.


Schwab esclarece que a experiência das revoluções industriais anteriores mostra que, para os benefícios das novas tecnologias serem plenamente obtidos na próxima revolução dos sistemas sociais, o mundo deverá satisfazer três desafios prementes. O primeiro é garantir que os benefícios da revolução sejam distribuídos de forma justa. O segundo é gerenciar as externalidades no que diz respeito aos seus possíveis riscos e danos. Nas revoluções industriais anteriores, assevera que foram feitos poucos esforços para proteger as populações vulneráveis, o meio ambiente e as gerações futuras contra o sofrimento que pode resultar de consequências não intencionais, dos custos da mudança, dos impactos de segunda ordem ou da má utilização deliberada das novas capacidades. O terceiro é garantir



image


13 Ibidem, p. 70-71.


  1. Ibidem, p. 98.


  2. SCHWAB, Klaus. Aplicando a quarta revolução industrial. Trad.: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2019. Edição Eletrônica, p. 34-35.


  3. CORREIA NETO, Celso de Barros; AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício. Desafios tributários na era digital. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 32.


  4. SCHOUERI, Luís Eduardo. O Projeto BEPS: ainda uma estratégia militar. In: GOMES, Marcus Livio; SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). A tributação internacional na era pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 29.


  5. PIRES FILHO, Jorge José Roque. Os desafios da tributação na economia digital. 2017. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico- políticas, Menção em Direito Fiscal. Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84100/1/Jorge%20Roque%20-

    %20Os%20desafios%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20na%20economia%20digital.pdf. Acesso em: 28 jul. 2020, p. 25.


    que o processo evolutivo seja liderado por humanos e para humanos. Destaca que os valores humanos devem ser respeitados por si mesmos, em vez de ser apenas quantificados em termos financeiros. Além disso, estar centrado na humanidade é o mesmo que empoderar – e não ordenar – as pessoas como agentes com capacidade de realizar ações significativas19.


    1. UMA NECESSÁRIA REVISÃO DA TRIBUTAÇÃO

      A revolução digital deve ser acompanhada também da revolução tributária, isto é, do desenvolvimento de uma tecnologia tributária capaz de alcançar manifestações de riqueza antes irrelevantes e agora em ascensão, sem prejuízo de aperfeiçoarem-se também os meios e procedimentos de aplicação das leis tributárias em vigor. Renda, trabalho e consumo foram diretamente afetados pelas transformações já em curso. O capital se tornou móvel e em escala global, tornando a localização do lucro cada vez mais duvidosa20. Essa mobilidade, não raras as vezes, é capaz de chantagear Estados e fazê-los se submeterem às suas demandas21. O sistema tributário precisa adaptar-se aos novos tempos22.


      As mudanças já são perceptíveis. Basta ver o achatamento das bases econômicas tradicionais ou as perplexidades provocadas pelo crescimento do comércio eletrônico. Muito embora ainda mantenham o desafio de atender às demandas sociais, as estruturas estatais já não arrecadam como antes23.


      Ademais, no quadro atual, mercadorias perdem espaço para bens intangíveis, ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais amplos e imprecisos os limites da definição do conceito de serviço para fins tributários24.


      O comércio eletrônico modificou alguns segmentos econômicos. Um exemplo são as músicas, que já foram adquiridas na forma de discos e hoje são ouvidas via streaming. Nas diferentes formas de uso, acesso ou aquisição de programas, músicas, vídeos e livros, as vendas por comércio eletrônico impõem desafios substancialmente diversos à cobrança de tributos, especialmente na hipótese de transações on-line com empresas situadas no estrangeiro25.


      image


  6. SCHWAB, Klaus. Aplicando a quarta revolução industrial. Trad.: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2019. Edição Eletrônica, p. 41-43.


  7. BECK, Ulrich. Capitalismo sem trabalho. Ensaios FEE v. 18, n. 1. Porto Alegre, 1997, p. 51.


  8. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 172.


  9. CORREIA NETO, Celso de Barros; AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício. Desafios tributários na era digital. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 33-34.


  10. BATISTA JUNIOR, Onofre Alves; CAMPOS, Sarah. A administração pública consensual na modernidade líquida. Fórum Administrativo

    – FA ano 14, n. 155. Belo Horizonte, janeiro 2014, p. 32.


  11. Ibidem, p. 40.


  12. Ibidem, p. 41.


    É acertada a conclusão de Rezende, para quem a nova realidade que a economia digital impõe entra em choque com a preservação no texto constitucional de 1988 de bases tributárias distintas para a tributação de mercadorias e serviços. Destaca que, já naquele momento, as propostas elaboradas que já defendiam a extinção dessa dicotomia não foram acatadas, prorrogando uma situação que se torna impossível de manter, uma vez que as fronteiras entre serviços, mercadorias e indústria estão diminutas cada vez mais26.


    Em outros termos, a digitalização da economia traz uma fluidez maior aos conceitos de serviço, comércio e indústria, conferindo às ofertas uma ideia de funcionalidade extrínseca em detrimento de uma natureza intrínseca ao objeto contratado, ou seja, estamos passando pela migração da preponderância da ideia de natureza intrínseca permanente para a ideia de funcionalidade extrínseca circunstancial, ou temporária do objeto contratado27.


    Cordell assevera que as redes digitais são insensíveis à distância. Os dados digitais podem ser armazenados em qualquer lugar, enviados em qualquer lugar, manipulados em qualquer lugar, vendidos em qualquer lugar. O pagamento pode ser de qualquer lugar para qualquer lugar do mundo. Sem dinheiro e sem recibos – sem rastro de papel – que trabalho para o coletor de impostos28-29!

    Os conflitos de competência se acentuaram ainda mais. Inicialmente, houve conflito de competência sobre os provedores de internet (ISS x ICMS comunicação), posteriormente veio a segunda edição de conflitos de competência sobre serviços de anúncio na modalidade digital, reacendendo a discussão entre ISS x ICMS comunicação. Atualmente, se discute a competência para tributar serviços de streaming30.

    Cite-se, v.g., o caso dos serviços oferecidos dentro do pacote de “TV a cabo” e dentro de uma plataforma via streaming. O mesmo filme, na NETFLIX teria natureza jurídica de serviço, sujeito ao ISS, enquanto se adquirido via NET NOW seria serviço de telecomunicação, sujeito ao ICMS31.



    image


  13. REZENDE, Fernando. Tributação de bens digitais: a disputa tributária entre Estados e Municípios. Série Soluções n. 2, Editora Inhouse. FGV Direito SP, p. 12.


  14. FERREIRA, Luiz Guilherme de Medeiros; NOBREGA, Marcos. Tributação na economia digital e o conflito de competência. In: AFONSO , José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 101-102.


  15. CORDELL, Arthur J. Taxing the internet: the proposal for a bit tax. Disponível em: http://www.icommercecentral.com/open- access/taxing-the-internet-the-proposal-for-a-bit-tax.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


  16. No original: “Digital networks are distance insensitive. Digital data can be stored anywhere, sent anywhere, manipulated anywhere, sold anywhere. Payment can be from anywhere to anywhere on earth. With no cash and no receipts – no papertrail – what a job for the tax collector! How will local and national taxes be collected? Who will collect taxes? On whose behalf will taxes be collected and where will they be sent?”


  17. FERREIRA, Luiz Guilherme de Medeiros; NOBREGA, Marcos. Op. cit., p. 99.


  18. Ibidem.


    Outro exemplo é a situação dos aplicativos de transporte no Município de São Paulo. São essas atividades apenas intermediação de negócios, ou podem possuir características de licenciamento de software a depender do modelo de contratação32?


    A resposta varia de acordo com o modelo de negócio adotado. O aplicativo que cobra um valor fixo mensal de cada motorista para utilização de sua plataforma se diferencia daquele que aposta em outra forma de precificação, ao cobrar direto do usuário final (passageiro), levando em conta o valor da corrida e remunerando o motorista por um percentual de sua receita. Essa diferença gera uma variação de alíquota de 2,9 (licenciamento) para 5% (intermediação)33.


    Além de controvérsias fiscais, casos como os relatados geram externalidades negativas que afetam a competitividade, não por eficiência e qualidade da atividade econômica, mas por uma distorção do sistema tributário34.


    Parece acertado dizer que o advento de uma nova revolução industrial trouxe ao Direito uma imensa problemática a ser enfrentada: acompanhar o processo de evolução da sociedade humana na era digital, de modo a não ficar obsoleto, de modo a que as normas jurídicas não percam eficácia perante o modelo da sociedade atual35.


    E ainda, tendo em vista que a tributação, fonte predominante de receita para os Estados Fiscais, incide sobre a riqueza dos cidadãos, e tendo em vista que o Direito Tributário visa regular o comportamento do contribuinte, certo é que, surgindo novos comportamentos por parte do contribuinte que sucedem uma geração de riqueza, estes novos comportamentos devem ser assimilados e disciplinados pelo Direito Tributário36.


    Fato é que ninguém sabe ao certo de que maneira serão cobrados tributos em um futuro não muito distante. A única certeza é nada será exatamente igual ao atual sistema tributário. Serão modificadas suas definições de competências, que devem levar em consideração os condicionantes sociais, econômicos e políticos da época em que são instituídos e cobrados os tributos. Ao passo que é desafiadora a estruturação da cobrança de novos tributos sem que se tenha uma visão clara de quais serão, ou sobre quais bases


    image


  19. Ibidem, p. 102.


  20. FERREIRA, Luiz Guilherme de Medeiros; NOBREGA, Marcos. Tributação na economia digital e o conflito de competência. In: AFONSO , José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 102-103.


  21. Ibidem.


  22. PIRES FILHO, Jorge José Roque. Os desafios da tributação na economia digital. 2017. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico- políticas, Menção em Direito Fiscal. Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84100/1/Jorge%20Roque%20-

    %20Os%20desafios%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20na%20economia%20digital.pdf. Acesso em: 28 jul. 2020, p. 12.


  23. Ibidem, p. 26.


    incidirão, a volatilidade das novas dinâmicas socioeconômicas faz com que seja cada vez mais difícil fazer previsões de longo prazo37.


    No mesmo sentido, Rezende afirma que não são poucos os desafios que a revolução digital cria para a tributação. Assim também, acredita que remotas são as possibilidades de que os esforços em curso para remendar as regras vigentes funcionem por bastante tempo38.


    1. PROPOSTAS DE TRIBUTAÇÃO DE TRANSAÇÕES DIGITAIS

    Em julho de 2013, a OCDE publicou o plano de ação do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting Project), que surge com a preocupação com os impactos da globalização no sistema tributário de diversos países, em especial de um lado, a redução da base tributária e, de outro, a translação de lucros de grupos multinacionais para jurisdições cuja tributação seja mais favorável ao detentor da riqueza39.


    A Ação 1 cuidou dos desafios fiscais da economia digital. Em 2015, foi publicado o relatório final dos trabalhos, ocasião em que foram analisados os novos modelos de negócios, como a computação em nuvem, as moedas virtuais, a robótica, a impressão 3D, o comércio eletrônico, as lojas de aplicativos, a publicidade on-line e a Internet das Coisas40.


    Segundo a OCDE, quatro características marcam a denominada economia digital, a saber, acentuada dependência de intangíveis, uso maciço de dados, adoção de modelos de negócios multilaterais, dificuldade de determinar jurisdição em que ocorre a criação de valor, em virtude da mobilidade dos ativos e dos estabelecimentos41. A intangibilização de novas ofertas significa que aquilo que é transacionado se torna mais abstrato e difícil de ser compreendido, por carência do importante aspecto físico42.


    Utilizando-se de ilustrativa analogia à estratégia militar ao analisar a aludida Ação, Schoueri pontua que a ideia de erosão pressupõe a existência de uma base, desaparecida a partir de uma prática a ser combatida. Dessa forma, destaca que os desafios da economia digital vão além da preservação das bases tributárias, caminhando-se para a conquista de


    image


  24. AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício; PORTO, Lais Khaled. Sistema constitucional versus novos (e desconhecidos) tributos. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 205.


  25. REZENDE, Fernando. A revolução digital e a reforma tributária. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação

    4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 124.


  26. SCHOUERI, Luís Eduardo. O Projeto BEPS: ainda uma estratégia militar. In: GOMES, Marcus Livio; SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). A tributação internacional na era pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 29.


  27. AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho. A tributação dos lucros das gigantes de tecnologia. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 415.


  28. OECD. Organization for Economic Co-operation and Development. Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 –

    2015 Final Report, OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015.


  29. FERREIRA, Luiz Guilherme de Medeiros; NOBREGA, Marcos. Tributação na economia digital e o conflito de competência. In: AFONSO , José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 105.


    novos territórios. Os contribuintes tendem a buscar alternativas para preservar seu território longe do poder de fogo do conquistador. Este, por sua vez, necessita do desenvolvimento de novas armas, capazes de atingir distâncias antes inimagináveis43.


    No plano da Organização, para a tributação indireta, a solução apresentada consistiu na utilização de um imposto sobre valor agregado (IVA) cobrado no local onde a mercadoria é consumida. Para a tributação direta, houve maiores discussões, pelo fato de as regras de tributação internacional exigirem a existência de um estabelecimento permanente em um determinado país para que parcelas do lucro da empresa sejam atribuídas ao local em valor proporcional aos resultados lá gerados44.


    Aponta a OCDE que a atual definição de estabelecimento permanente é incapaz de mensurar a renda auferida por empresas com pouca ou nenhuma presença física no país de consumo. Surgiu como alternativa a essa definição a sua ampliação para atingir a presença econômica substantiva45. Haveria de se estabelecer um nível mínimo de receita bruta, para que se tributem apenas empresas que realmente possuam uma presença econômica relevante, sendo que este nível mínimo tem de levar em consideração o custo da administração tributária na cobrança do imposto e o custo de conformidade ou compliance por parte dos contribuintes. Ademais, com vistas a fixar um limite mínimo de receita bruta, as administrações tributárias de cada país teriam que envidar esforços para corretamente identificar e medir as atividades digitais das empresas não residentes; uma possível solução seria introduzir um registro compulsório para as empresas digitais poderem atuar no país46.


    Outro caminho foi o advento de um imposto de renda retida na fonte, ou de um novo imposto de equalização sobre a receita bruta47. Esse poderia ser adotado como um imposto a ser retido de alguns pagamentos feitos a fornecedores não residentes de bens e serviços encomendados on-line. A tributação recairia em tipos específicos de transações digitais, que seriam previamente listadas. Assim, bastaria que o responsável tributário (residente)


    image

  30. SCHOUERI, Luís Eduardo. O Projeto BEPS: ainda uma estratégia militar. In: GOMES, Marcus Livio; SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). A tributação internacional na era pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 34-36.


  31. AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho. A tributação dos lucros das gigantes de tecnologia. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 416.


  32. Cf. ZANETONI, Jaqueline de Paula Leite: a presença econômica substantiva pode ser estabelecida pela conjugação de receitas oriundas de vendas remotas realizadas em uma jurisdição de mercado acima de um valor estabelecido previamente e de indicadores de presença digital local (Localização e tributação das rendas derivadas da economia digital no plano internacional: considerações a resp eito das propostas atuais no contexto do BEPS 2.0. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 452).


  33. PIRES FILHO, Jorge José Roque. Os desafios da tributação na economia digital. 2017. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico- políticas, Menção em Direito Fiscal. Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84100/1/Jorge%20Roque%20-

    %20Os%20desafios%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20na%20economia%20digital.pdf. Acesso em: 28 jul. 2020, p. 83.


  34. OECD. Organization for Economic Co-operation and Development. Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 –

    2015 Final Report, OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015.


    recolhesse o tributo devido pela empresa estrangeira de tecnologia, sem a necessidade de esta prestar contas ao fisco do país consumidor. As transações na economia digital seriam tributadas exclusivamente na fonte pagadora48.


    Porém, para alguns tipos de transação, o imposto de renda retido na fonte mostrou possíveis desvantagens, vale dizer, dificuldades de definir o escopo e garantir a sua conformidade, impacto negativo da tributação bruta, possíveis conflitos de competência e incapacidade de empresas novas e emergentes com margens baixas de absorver a tributação49.


    Pires Filho aduz que o maior problema gira em torno da figura do responsável tributário, o qual precisa estar a par de quais transações sofrem a tributação retida, e se sentir compelido a pagar o imposto. Nas transações B2B (business-to-business), envolvendo apenas agentes empresariais, a retenção na fonte é relativamente de fácil implementação. Diferente das transações B2C (business-to-consumer), por meio das quais a operação é efetuada diretamente entre a empresa produtora e o consumidor final, sendo este normalmente uma pessoa física, a proposta de tributação na fonte verifica dificuldades. Pessoas físicas têm pouca experiência e incentivo para declarar e pagar impostos, além do que, uma fiscalização por parte da administração tributária com vistas a coletar pequenas quantias de tributos de um número gigantesco de consumidores envolveria consideráveis custos e desafios administrativos50.

    Evoluindo, ainda que timidamente, as discussões acerca da Ação 1 se dividiram em dois pilares: o primeiro consistente em propostas de alocações de lucro entre as jurisdições, independentemente da existência da presença física no país; o segundo consistente em discussões afetas à transferência de lucros para países com pouca ou nenhuma tributação51.


    Para o primeiro pilar, propôs-se o estudo de três caminhos para a alocação de lucros entre as jurisdições: distribuição com base na participação do usuário, distribuição com base nos intangíveis de marketing e distribuição com base na presença econômica significativa. Escolhido o critério de distribuição de lucros, surgem três metodologias para sua divisão, a



    image


  35. PIRES FILHO, Jorge José Roque. Op. cit., p. 85.


  36. ZANETONI, Jaqueline de Paula Leite. Localização e tributação das rendas derivadas da economia digital no plano internacional: considerações a respeito das propostas atuais no contexto do BEPS 2.0. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 453.


  37. PIRES FILHO, Jorge José Roque. Os desafios da tributação na economia digital. 2017. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico- políticas, Menção em Direito Fiscal. Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84100/1/Jorge%20Roque%20-

    %20Os%20desafios%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20na%20economia%20digital.pdf. Acesso em: 28 jul. 2020, p. 85-86.


  38. OECD. Adressing the Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy – Policy Note, as approved by the Inclusive Framework on BEPS on 23 jan. 2019, OECD Publishing 2019.


    saber, método de divisão de lucro residual modificado, método de repartição fracionada e método simplificado de distribuição52-53.


    Surgiram, também, soluções alternativas de outras fontes.


    Neste diapasão, vale notar as contribuições feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). De acordo com o FMI, a regra de tributação “onde o valor é criado é inadequada para um real progresso e uma possível solução poderia ser: imposto mínimo sobre investimentos de entrada/saída, alocação de lucro residual e/ou alocação de direitos tributários para os países do destino”54.


    Vale, também, mencionar a incorporação de atividades digitais nos sistemas tributários estrangeiros. Nesse sentido, é digno de nota a enumeração feita por Zanetoni55:



    Os países que elegeram o Imposto sobre Serviços Digitais consideram que os usuários são os responsáveis pelo advento do valor e, portanto, a cobrança dever ser dirigida à jurisdição onde os usuários estão localizados56.


    image


  39. AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho. A tributação dos lucros das gigantes de tecnologia. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 419.


  40. Cf. AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho:

    Método de divisão de lucro residual modificado: do lucro total da empresa digital, excluem-se os lucros rotineiros, isto é, aqueles relacionados às suas atividades remuneradas a uma taxa normal de mercado, dividindo-se apenas os não rotineiros (lucro residual); Método de repartição fracionada: todo o lucro é dividido com base em uma fórmula baseada em chaves de alocação;

    Métodos simplificados de distribuição: garante um lucro básico para cada jurisdição, acrescido por uma parcela do lucro não rotineiro da multinacional.

  41. INTERNATIONAL MONETARY FUND. Fiscal Affairs Dept., Corporate Taxation in the Global Economy. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/Policy-Papers/Issues/2019/03/08/Corporate-Taxation-in-the-Global-Economy-46650. Acesso em: 29 jul. 2020.


  42. ZANETONI, Jaqueline de Paula Leite. Localização e tributação das rendas derivadas da economia digital no plano internacional: considerações a respeito das propostas atuais no contexto do BEPS 2.0. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 460.


  43. Ibidem.


    A Índia introduziu um tributo incidente sobre a receita de publicidade on-line recebida por empresas de comércio eletrônico não residentes, que entrou em vigor em 1º de junho de 2016. O imposto incide sobre os serviços de propaganda digital, incluindo os de espaço publicitário digital ou qualquer outra instalação ou serviço para estes fins. A nova tributação não é nem um imposto de renda nem tampouco um imposto indireto de consumo (IVA) e incide apenas em operações B2B, no qual o contribuinte indiano ou o estrangeiro, com um estabelecimento permanente na Índia, é quem deve reter e recolher o tributo57.


    Os Estados Unidos da América, em recente discussão sobre a reforma tributária, estudaram a criação do Destination-Based Cash Flow Taxation – DBCFT. Seria um tributo direto sobre a receita corporativa em que não há tributação das exportações, mas sim das importações no local onde o bem ou o serviço é consumido, o que se pode denominar de “princípio de tributação no destino”. Despesas e receitas realizadas no exterior não são levadas em conta. Despesas e receitas financeiras só são consideradas em operações internas e a tributação é baseada em fluxo de caixa de modo que as receitas são tributadas quando recebidas e as despesas são deduzidas quando pagas58.

    DBFCT visa substituir o imposto sobre o lucro das corporations (CIT) e possui três características principais: territorialidade estrita, que consiste na regra de que receitas de exportação são isentas, importações são tributadas; tributação baseada em fluxo de caixa, vale dizer, as receitas são tributadas quando recebidas, despesas são deduzidas quando pagas; e depreciação instantânea, isto é, bens tangíveis são dedutíveis imediatamente quando adquiridos no país, abandonando-se os métodos de depreciação e optando-se pelo regime de caixa, e não de competência59.

    Suscitou-se a possibilidade de instituição de um bit tax consistente na tributação de produtos em função do número de bits transmitidos. Em outros termos, quantidade de informação transmitida na rede é que conta, para fins de tributação. A ideia é a instituição de um imposto sobre o tráfego digital, a rodovia da informação60. Segundo seu precursor, imposto sobre bits representa uma maneira de acessar a nova riqueza criada pela Nova Economia61.


    image


  44. BULARA, Vanessa. O Plano de Ação 1 do BEPS sobre economia digital e seus potenciais efeitos na política fiscal internacional brasileira. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3309600. Acesso em: 31 jul. 2020.


  45. Ibidem.


  46. Auerbach, A. et. al. Destination-based cash flow taxation. Oxford University Centre for Business Taxation WP 17/01, January 2017. Disponível em: https://eml.berkeley.edu/~auerbach/CBTWP1701.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


  47. SOETE, Luc; KAMP, Karen. The bit tax: the case for further research. Disponível em: http://www.merit.unu.edu/publications/rmpdf/1996/rm1996-019.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


  48. CORDELL, Arthur J. Taxing the internet: the proposal for a bit tax. Disponível em: http://www.icommercecentral.com/open- access/taxing-the-internet-the-proposal-for-a-bit-tax.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


    Na prática, o tributo seria exigido pelos Estados de residência dos compradores de bens e serviços digitais adquiridos por meio eletrônico, sendo sua finalidade assegurar, em alguma medida, uma compensação de receitas na tributação do Estado de destino, tendo em vista que o bit tax parte da compreensão de que à medida que as transações comerciais são movidas para a Internet, há uma diminuição daquelas ocorridas em meio físico, o que, por conseguinte, resulta em uma queda da arrecadação tributária nesta seara62.


    Uma eventual importação ao ordenamento jurídico pátrio levantaria grandes controvérsias, por potencial violação do princípio da capacidade contributiva ao pretender tributar, indiscriminadamente, qualquer transmissão de dados digitais, e da liberdade de expressão. Ademais, poderia esbarrar em limitação ao poder de tributar expressa, qual seja, imudade de livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

    Outra proposta interessante é a pertinente à tributação de big data – aqui compreendido como banco de dados – enquanto patrimônio e enquanto serviço prestado por mídias sociais. A primeira imposição pretende atingir uma riqueza produzida a partir de uma cadeia de compartilhamento de informações. A segunda atinge riqueza oriunda da exploração da utilidade do big data63.


    Há de ressaltar, por fim, as iniciativas da União Europeia, que publicou duas novas regras para garantir que atividades comerciais digitais sejam tributadas dentro dos países membros da Comunidade. A primeira alcança empresas que, por meio de canais digitais, atenda a um dos seguintes critérios: possuir lucro que ultrapassa 7 milhões de euros em receitas anuais, possuir mais de 100 mil usuários em um ano tributário ou mais de 3 mil contratos comerciais para serviços digitais em um ano tributário. A segunda regra disciplinou a criação de um imposto provisório, com vistas a abranger as principais atividades digitais que atualmente escapam aos impostos. Será aplicada uma alíquota fixa de 3% sobre as receitas obtidas por meio de três tipos de serviços: veiculação online de publicidade, venda de dados coletados do usuário e plataformas digitais que facilitam as interações entre os usuários. Frise-se que a segunda regra só se aplica a empresas com receita anual total mundial de 750 milhões de euros e receita dentro da União Europeia no valor de 50 milhões de euros64.


    Quanto à segunda regra, vale observar, também, que se cuida de um imposto com lançamento por homologação, de periodicidade anual, em que cabe aos sujeitos passivos a


    image

  49. Correa, Francisco Jose Nocete. Consecuencias tributarias derivadas de la realizacion de operaciones de comercio electronico en el ambito de la imposicion directa: una vision internacional. Vox Juris 19, 2010, p. 197-230. HeinOnline. Acesso em: 31 jul. 2020.


  50. JUNGER, Tatiana; SOUZA, Danielle Nascimento Nogueira de. Tributação, mídias sociais e big data: qual o valor da informação? In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 325.


  51. ZANETONI, Jaqueline de Paula Leite. Localização e tributação das rendas derivadas da economia digital no plano internacional: considerações a respeito das propostas atuais no contexto do BEPS 2.0. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 460-461.


    identificação da localização dos dispositivos dos usuários das interfaces digitais e da proporcionalização das interfaces em cada Estado-membro65. Ademais, os limites de 750 milhões de euro e de 50 milhões de euros buscam garantir que pequenas startups não sejam afetadas. Estima-se que a proposta de aplicar uma alíquota fixa de 3% sobre as receitas anuais poderia gerar receitas anuais de 5 bilhões de euros nos Estados-membros66.


    Conclui-se, após o exposto, que não são poucas as propostas para a tributação das transações digitais. A dinamicidade dos fatos, própria do momento que o mundo está a passar, dificulta a análise acerca de qual é o caminho mais adequado a se tomar. Não obstante, é também essa característica que impele os estudiosos do Direito Tributário a ir além do que está posto, a fim de torná-lo capaz de apreender o novo cenário. Nesse sentido, nada mais certo do que a sentença de Schwab, a saber, a capacidade de adaptação dos governos irá determinar sua sobrevivência67.


    CONCLUSÃO

    Nas últimas décadas, o mundo experimentou intensas mudanças na forma de relacionar com o outro, com o mercado, com a propriedade. Novos negócios surgiram. Houve uma digitalização da economia. Tudo em uma velocidade surpreendente.


    Esse cenário tem demandado do operador do Direito Tributário grande esforço, a fim de que a ciência fiscal seja capaz de alcançar manifestações de riquezas, novas formas de consumo e de trabalho antes inimagináveis e presentes em uma economia digitalizada cada vez mais.


    Foi possível identificar possíveis caminhos para a tributação das transações digitais, quais sejam: IVA cobrado no local onde a mercadoria é consumida; imposto de renda retido na fonte, ou de um novo imposto de equalização sobre a receita bruta; imposto mínimo sobre investimentos de entrada/saída, alocação de lucro residual e/ou alocação de direitos tributários para os países do destino; imposto sobre serviços digitais; imposto sobre publicidade digital; imposto sobre fluxo de caixa com base no destino.


    Não há um caminho perfeito, isento de críticas. Existe, não obstante, um consenso: não há uma resposta pronta e o debate está posto. O que parece certo, no entanto, é a necessidade de caminhar. O Direito Tributário precisa se atualizar.


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


    image

  52. COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPEIA. Proposta de Diretiva do Conselho, relativa ao sistema comum de imposto sobre os serviços digitais aplicável às receitas da prestação de determinados serviços digitais. Disponível em: https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2018/PT/COM-2018-148-F1-PT-MAIN-PART-1.PDF. Acesso em: 31 jul. 2020.


  53. REZENDE, Fernando. A revolução digital e a reforma tributária. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020, p. 145.


  54. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Trad.: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 73.


AFONSO, José Roberto; ARAÚJO, José Evande Carvalho. A tributação dos lucros das gigantes de tecnologia. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício; PORTO, Lais Khaled. Sistema constitucional versus novos (e desconhecidos) tributos. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


AUERBACH, A. et. al. Destination-based cash flow taxation. Oxford University Centre for Business Taxation WP 17/01, January 2017. Disponível em: https://eml.berkeley.edu/~auerbach/CBTWP1701.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


BATISTA JUNIOR, Onofre Alves; CAMPOS, Sarah. A administração pública consensual na modernidade líquida. Fórum Administrativo FA ano 14, n. 155. Belo Horizonte, janeiro 2014.


BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. BECK, Ulrich. Capitalismo sem trabalho. Ensaios FEE v. 18, n. 1. Porto Alegre, 1997.

BULARA, Vanessa. O Plano de Ação 1 do BEPS sobre economia digital e seus potenciais efeitos na política fiscal internacional brasileira. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3309600. Acesso em: 31 jul. 2020.

CHAKRAVORTI, B. The missing political debate over the digital economy. Harvard Business Review Digital Articles 2-6, Oct. 6, 2016. ISSN: 01000000.


COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPEIA. Proposta de Diretiva do Conselho, relativa ao sistema comum de imposto sobre os serviços digitais aplicável às receitas da prestação de determinados serviços digitais. Disponível em: https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2018/PT/COM-2018-148-F1-PT-MAIN- PART-1.PDF. Acesso em: 31 jul. 2020.


CORDELL, Arthur J. Taxing the internet: the proposal for a bit tax. Disponível em: http://www.icommercecentral.com/open-access/taxing-the-internet-the-proposal-for-a- bit-tax.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.


CORREA, Francisco Jose Nocete. Consecuencias tributarias derivadas de la realizacion de operaciones de comercio electronico en el ambito de la imposicion directa: una vision internacional. Vox Juris 19, 2010. HeinOnline. Acesso em: 31 jul. 2020.


CORREIA NETO, Celso de Barros; AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício. Desafios tributários na era digital. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


FERREIRA, Luiz Guilherme de Medeiros; NOBREGA, Marcos. Tributação na economia digital e o conflito de competência. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


INTERNATIONAL MONETARY FUND. Fiscal Affairs Dept., Corporate Taxation in the Global Economy. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/Policy- Papers/Issues/2019/03/08/Corporate-Taxation-in-the-Global-Economy-46650. Acesso em: 29 jul. 2020.


JUNGER, Tatiana; SOUZA, Danielle Nascimento Nogueira de. Tributação, mídias sociais e big data: qual o valor da informação? In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.


OECD. Organization for Economic Co-operation and Development. Addressing the Tax Challenges o the Digital Economy, Action 1 – 2015 Final Report, OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015.


OECD. Adressing the Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy – Policy Note, as approved by the Inclusive Framework on BEPS on 23 jan. 2019, OECD Publishing 2019.

PIRES FILHO, Jorge José Roque. Os desafios da tributação na economia digital. 2017. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-políticas, Menção em Direito Fiscal. Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84100/1/Jorge%20Roque%20-

%20Os%20desafios%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20na%20economia%20digital.pd

f. Acesso em: 28 jul. 2020.


REZENDE, Fernando. A revolução digital e a reforma tributária. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


REZENDE, Fernando. Tributação de bens digitais: a disputa tributária entre Estados e Municípios. Série Soluções n. 2, Editora Inhouse. FGV Direito SP.


SCHOUERI, Luís Eduardo. O Projeto BEPS: ainda uma estratégia militar. In: GOMES, Marcus Livio; SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). A tributação internacional na era pós- BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.


SCHWAB, Klaus. Aplicando a quarta revolução industrial. Trad.: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2019.

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Trad.: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.


SEIRA, Enrique; PINEDA, Emilio; RASTELETTI, Alejandro. Retos para el cobro del Impuesto sobre la Renta en la economia digital. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.


SILVA, Suzana Tavares e outros. Os benefícios da harmonização fiscal e os respectivos riscos face ao actual modelo de desenvolvimento económico. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/25098. Acesso em: 29 jul. 2020.


SOETE, Luc; KAMP, Karen. The bit tax: the case for further research. Disponível em: http://www.merit.unu.edu/publications/rmpdf/1996/rm1996-019.pdf. Acesso em: 31 jul. 2020.

SUNDARARAJAN, Arun. Economia compartilhada: o fim do emprego e a ascensão do capitalismo de multidão. Trad.: André Botelho. São Paulo: Senac, 2018.

TAPSCOTT, D. After 20 years, it’s harder to ignore the digital economy’s dark side. Harvard Business Review Digital Articles 2-6, Mar. 11, 2016. ISSN: 01000000.


ZANETONI, Jaqueline de Paula Leite. Localização e tributação das rendas derivadas da economia digital no plano internacional: considerações a respeito das propostas atuais no contexto do BEPS 2.0. In: AFONSO, José Roberto; SANTANA, Hadassa Laís (coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Almedina, 2020.