Local de Incidência do ISS e o “Ensino à Distância” com Polo de Apoio Presencial
Territorial aspect of ISS and the “distance Learning” with branch Unit
Milton Dotta Neto
Pós-graduando em Economia pela FGV-EESP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Advogado em São Paulo. E-mail: milton.dotta@gmail.com
Resumo
O presente artigo visa analisar o aspecto espacial da hipótese de incidência do Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre os serviços educacionais prestados via transmissão de satélite a polo de apoio presencial localizado em município diverso da matriz. Trata-se do notório ensino à distância, que cresceu exponencialmente nos últimos anos em decorrência de diversas inovações tecnológicas. Pretende-se analisar especificamente a eventual configuração do polo de apoio presencial de ensino à distância como estabelecimento prestador para fins de cobrança do ISS. Dessa forma, analisa-se a jurisdição do município da matriz ou do polo de apoio presencial para exigência do referido tributo.
Palavras-chave: ISS, aspecto espacial, ensino a distância, polo de apoio presencial, estabelecimento prestador.
Abstract
This paper aims to analyze the territorial aspect of the hypothesis of the Tax on Services (ISS) on educational services via satellite transmission to a branch unit located in a diverse municipality of the headquarters. This is the notorious distance learning, which has grown exponentially in recent years due to various technological innovations. It aims to analyze specifically the possible configuration of the branch unit of distance learning as a provider establishment (“estabelecimento prestador”) for ISS billing purposes. Thus, it analyzes the jurisdiction of the municipality of the headquarters or the branch unit to demand the above tax.
Keywords: ISS, territorial aspect, distance learning, branch unit, provider establishment.
Introdução
A Constituição Federal em seu art. 156, III, estabelece a competência dos municípios1 para instituição do ISS. Serviço para fins de tributação via ISS é aquele decorrente da prestação de esforço humano a terceiro (facere), com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado e tendente à obtenção de determinado bem material ou imaterial.2
O presente artigo visa analisar especificamente a incidência do ISS sobre os serviços educacionais prestados via transmissão de satélite a polo de apoio presencial (local onde o sinal via satélite é transmitido aos alunos) localizado em município diverso da matriz (local onde as aulas são elaboradas e gravadas). Dar-se-á ênfase ao aspecto espacial da hipótese de incidência (tatbestand) do ISS. Isso porque o fato imponível (sachverhalt) como fato verificável no mundo fenomênico ocorre em determinado local específico.3 Impossível a ocorrência do mesmo fato imponível em dois locais distintos.
O local de incidência do ISS constitui temática das mais relevantes e controvertidas do Direito Tributário brasileiro. A razão de tal controvérsia reside na possibilidade de tributação dos serviços no local do estabelecimento prestador ou no local da prestação dos serviços.
Em razão do elevado número de municípios no Brasil e, consequentemente, do elevado número de entes tributantes em matéria de ISS, fez-se necessária a edição de lei complementar para uniformizar a incidência do tributo no território nacional, bem como eliminar conflitos horizontais de competência entre os municípios brasileiros, que estariam tentados à míngua de suas respectivas legislações municipais a alargar a hipótese de incidência do ISS para alcançar fatos geradores que ocorressem para além dos limites geográficos de seus respectivos territórios.
1. Lei Complementar nº 116/2003
Em matéria de ISS, vigorava no sistema tributário brasileiro o Decreto-lei nº 406/1968, diploma recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com hierarquia de lei complementar.
Em razão de sua defasagem histórica ante as novas modalidades de prestação de serviços e da jurisprudência vacilante do Superior Tribunal de Justiça, foi promulgado a Lei Complementar nº 116/2003 no escopo de abalizar algumas questões controvertidas no tocante ao referido tributo, notadamente no que diz respeito ao aspecto espacial de sua hipótese de incidência.
Anota-se desde logo que a lei complementar desempenha notório papel em matéria de ISS à semelhança do ICMS. Isso porque a lei complementar cumpre a função de atribuir conteúdo normativo mínimo ao tributo comum a todos os entes tributantes que possuam competência tributária para instituí-lo.
Deveras, em matéria de ICMS, notória a “guerra fiscal” entre os Estados-membros na busca de atração de investimentos por intermédio da concessão de benefícios fiscais via crédito presumido, crédito prêmio e etc.
Como consequência, a Lei Complementar nº 87/1996 e, especificamente à hipótese de benefícios fiscais, a Lei Complementar nº 24/1985, desempenham papel crucial na atribuição de conteúdo normativo mínimo e comum ao tributo nacional de competência estadual de modo a mitigar os efeitos da disputa desenfreada por arrecadação entre os Estados-membros.
À semelhança da famigerada “guerra fiscal” em matéria de ICMS, fenômeno semelhante ocorre em matéria de ISS no âmbito da qual municípios praticam verdadeira “guerra fiscal” na busca de atração de investimentos por intermédio de redução de alíquotas e legislação favorável à prática de simulação de configuração de estabelecimento prestador.
Nesse sentido, a Lei Complementar nº 166/2003 imprime uniformidade na instituição do ISS pelos diversos entes tributantes municipais de modo que estes à míngua de suas respectivas legislações municipais não estejam tentados a desfigurar o conteúdo normativo mínimo do tributo em questão de modo a abarcar a hipótese de incidência para eventos ocorridos para além de seus limites geográficos e fomentarem verdadeira “guerra fiscal” entre si.
Assim, o estabelecimento de parâmetros claros e precisos para a definição do aspecto espacial da hipótese de incidência em matéria de ISS constitui importante faceta da Lei Complementar nº 166/2003 na medida em que busca fornecer solução para eventuais conflitos horizontais de competência na exigência do tributo municipal, que se reveste de caráter nacional em diversos setores da economia.
2. Aspecto Espacial da Hipótese de Incidência
O exame do aspecto espacial da hipótese de incidência tributária constitui importante análise dos limites e alcances do exercício da competência tributária atribuída aos entes tributantes.4 Isso porque a lei instituidora de determinado tributo deverá indicar de forma clara e inequívoca seu âmbito de aplicação, i.e., os limites geográficos a que estará sujeita a tributação de determinado fato imponível.
A relevância da questão acerca da extensão e limite territorial da lei tributária é matéria que afeta a legislação tributária municipal, estadual e inclusive federal, e.g., nas hipóteses em que a legislação federal contemplar em sua hipótese de incidência fatos ocorridos no exterior, como nos rendimentos auferidos no exterior previsto no art. 43, parágrafo 2º, do Código Tributário Nacional.
Entretanto, é em matéria de ISS que o exame de aspecto espacial da hipótese de incidência tributária ganha contornos de intensos e acirrados debates entre os entes tributantes; seja em decorrência do ISS constituir a principal fonte de arrecadação dos municípios brasileiros, notadamente em regiões de elevada conurbação urbana e de mão de obra altamente especializada, ou seja, cidades com baixo nível de industrialização e de elevado nível de prestação de serviço; seja em decorrência do expressivo número de municípios brasileiros e, consequentemente, de entes tributantes em matéria de ISS.
Constitui motivo nuclear da edição de lei complementar em matéria de ISS a necessidade de uniformização da incidência do tributo dentro do território nacional de modo a evitar conflitos horizontais de competência tributária entre os municípios brasileiros.
Isso porque os municípios, à míngua de suas respectivas legislações municipais, estariam tentados a alargar a hipótese de incidência do ISS em seus respectivos municípios para alcançar fatos geradores que ocorressem para além dos limites geográficos de seus territórios. Ocorre que o âmbito de eficácia da legislação municipal está contido aos estreitos limites de seus respectivos territórios.
A questão do local de incidência do ISS não gera grande celeumas quando o estabelecimento do prestador de serviços e o local da prestação do serviço situam-se nos limites geográficos do mesmo município. As controvérsias ocorrem quando o estabelecimento do prestador de serviços está localizado em município diverso daquele em que foram executados os serviços ou quando há potencial multiplicidade de estabelecimentos prestadores.
A lei complementar visa abalizar referido conflito de lei no espaço. Nessa perspectiva, a matéria é versada no art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003 ao adotar critério misto para a definição do local da prestação do serviço. Estabelece o caput do dispositivo que o serviço considera-se prestado no local do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, onde o prestador estiver domiciliado. Entretanto, o mesmo art. 3º em seus 22 incisos arrola as hipóteses de exceção à regra geral do caput, pois para tais situações o serviço considera-se prestado no local da efetiva prestação dos serviços.
Portanto, para a definição do aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS basta perquirir se o serviço prestado encontra-se previsto em uma das vinte e duas hipóteses dos incisos do art. 3º para afirmar que o município competente para exigir o ISS é aquele da efetiva prestação dos serviços. Na hipótese do serviço não se encontrar previsto naquelas hipóteses, fácil afirmar que o município competente par exigir o ISS é aquele da localização do estabelecimento do prestador de serviços.
Contudo, os entes tributantes municipais com vistas a aumentar suas arrecadações tributárias abarcam em suas respectivas legislações critérios que facilitam a configuração de estabelecimento prestador para fins de exigência de ISS.
Neste cenário, criam-se situações de potencial multiplicidade de estabelecimentos prestadores para serviços que extrapolem os limites geográficos de único município. Desse modo, necessário se faz avaliação crítica das características idôneas para configuração de determinado estabelecimento como prestador para fins de exigência de ISS.
3. Estabelecimento Prestador
Estabelecimento prestador é o local onde a empresa exerce sua atividade econômica.5 Em outros termos, é o local do exercício da prestação de serviços, ou seja, local em que a atividade facere é exercida em caráter permanente ou habitual, independentemente da nomenclatura utilizada para sua caracterização, e.g., matriz, filial, sucursal, conforme determina o art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003.
A generalidade dos municípios brasileiros possui em suas respectivas legislações municipais uma série de elementos tendentes e suficientes a ensejar a caracterização de determinado estabelecimento como prestador para fins de exigência de ISS.
Via de regra, tais elementos gravitam em torno dos seguintes requisitos: (i) manutenção de pessoal e equipamentos necessários à execução dos serviços; (ii) estrutura gerencial, organizacional e administrativa compatíveis com o objeto das atividades; (iii) inscrição na Prefeitura do Município; (iv) indicação do endereço do domicílio fiscal para incidência de outros tributos; e (v) indicação do endereço em impressos, formulários ou correspondências.6
De outro lado, são considerados como elementos irrelevantes para a caracterização de determinado estabelecimento prestador: (i) existência de subordinação: (ii) porte do estabelecimento; (iii) dimensão de poderes administrativos; (iv) existência de órgãos diretivos; e (v) emissão de documentos fiscais e contábeis.
Tratando-se de empresa atuante em diversos municípios e, consequentemente, com existência de estabelecimentos localizados em municípios diversos, deve-se considerar para fins de exigência de ISS a configuração do estabelecimento prestador aquele em que a atividade de prestar serviços é efetivamente realizada dentre os mais diversos estabelecimentos de sua propriedade.
Equivocada a interpretação de se cogitar como estabelecimento prestador a unidade econômica da empresa que se restringe à execução de atos iniciais ou preparatórios para a execução da atividade principal da empresa.
Outrossim, anota-se que o conceito de estabelecimento prestador previsto no art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 diverge do conceito de estabelecimento previsto no art. 1.142 do Código Civil, que considerada estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
Assim, conclui-se que o conceito de estabelecimento à luz do Código Civil é caracterizado pela simples presença de bens organizados tendentes ao exercício de atividade empresarial, o qual demonstrasse insuficiente para interpretação em matéria de ISS. O conceito diverge igualmente daquele previsto na Convenção Modelo da OCDE, que configura como estabelecimento toda unidade tendente a execução do objeto social da empresa.
Portanto, o conceito de estabelecimento prestador sedimentado no art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 deve ser analisado como aquele necessariamente apto a prestação de serviços e onde a atividade de prestar serviços é efetivamente realizada, i.e., onde a execução de atividade que constitua obrigação de fazer (facere) em caráter permanente ou habitual, independentemente da nomenclatura utilizada para sua caracterização, é realizada.
4. Ensino à Distância
O ensino à distância consiste na modalidade de serviço educacional prestado por meio do uso de tecnologias, e.g., transmissão de aulas via satélite, em que o corpo discente está localizado em local distinto do corpo docente por ocasião da execução das aulas. Ou seja, consiste na modalidade de ensino em que o corpo discente e o corpo docente estão separados quanto ao aspecto espacial e/ou temporal.
Há registros da execução de serviços educacionais na modalidade à distância já no século XIX na Europa naquilo que era conhecido como “ensino por correspondência”. No decorrer do século XX, a prestação de serviços educacionais na modalidade à distância presenciou notório aumento em decorrência da demanda educacional por indivíduos localizados em regiões distantes dos grandes centros urbanos. Tal aumento decorreu do aperfeiçoamento dos serviços de transportes e dos correios, mas sobretudo em decorrência do avanço tecnológico na seara da transmissão da educação, notadamente em decorrência do advento das máquinas fotocopiadoras e de outras tecnologias de reprodução em grande escala de textos.
No entanto, é no corrente século que tal modalidade de ensino ganha expressividade em razão do elevado número de indivíduos que não possuem condições de frequentar as aulas ofertadas por determinada instituição de ensino em seus respectivos estabelecimentos físicos.
Especificamente quanto ao caso brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) trata em seu art. 80 da modalidade de ensino à distância.
A definição de ensino à distância, por sua vez, é extraída do art. 1º do Decreto nº 5.622/2005, que estabelece ser referida modalidade de ensino aquela pela qual “a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
Da leitura do dispositivo transcrito, nota-se que é elemento nuclear da modalidade de ensino à distância a utilização de meios e tecnologias de informação, bem como a localização em locais diversos dos alunos e professores.
Na prática, verifica-se que o ensino à distância é ofertado por meio de duas modalidades distintas, a saber: (i) polo de apoio presencial; ou (ii) ambiente virtual de aprendizagem (virtual learning environment). Na primeira modalidade, o aluno acompanha as aulas previamente gravadas ou transmitidas em tempo real em estabelecimento da própria instituição de ensino com a possibilidade da utilização de sua infraestrutura, e.g., biblioteca e laboratórios. Na segunda modalidade, o aluno acompanha as aulas previamente gravadas ou transmitidas em tempo real em qualquer localidade com acesso à rede mundial de computadores, inclusive em sua própria residência.
A prestação de serviços educacionais, independentemente da modalidade presencial ou à distância, possui conteúdo econômico e demanda a prestação de esforço humano a terceiro (facere), razão pela qual sua realização constitui hipótese de incidência do ISS. Com efeito, trata-se de serviço previsto no item 8.02 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
5. Polo de Apoio Presencial e Configuração de Estabelecimento Prestador
Da leitura das vinte e duas exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003, verifica-se que os serviços educacionais não estão inclusos nas hipóteses de exceção em que se considera prestado o serviço no município da efetiva prestação dos serviços.
Logo, outra não poderia ser a conclusão no sentido de que se consideram prestados quaisquer serviços educacionais no município do estabelecimento do prestador de serviços, com fulcro na regra geral prevista no caput do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003.
Superada tal questão preliminar, cumpre enfrentar a seguinte indagação: qual é o estabelecimento prestador do serviço de educação à distância para fins de cobrança de ISS? A matriz, local onde as aulas são elaboradas e gravadas? Ou o polo de apoio presencial, local onde o sinal via satélite é transmitido aos alunos?
O estabelecimento prestador de serviços educacionais à distância idôneo para fins de cobrança de ISS é aquele onde as aulas são elaboras e gravadas. Noutro giro verbal, a matriz do estabelecimento de ensino é considerada estabelecimento prestador para fins de cobrança do ISS sobre serviços educacionais à distância.
Isso porque a matriz é quem elabora e planeja todo o conteúdo (facere), ou seja, quem efetivamente exerce a atividade de prestar serviços educacionais, ao passo que o polo de apoio presencial restringe-se a mera transmissão do sinal de satélite das aulas elaboradas pela matriz.
E não se alegue que o município competente para exigência do ISS é aquele onde localizado o polo de apoio presencial, por ser o local no mais das vezes onde o aluno (tomador do serviço) assina o contrato de prestação de serviços com a entidade educacional. Isso porque a materialidade da hipótese de incidência do ISS não recai sobre a assinatura de contratos e sim sobre a prestação de serviços.
Nenhuma das situações da materialidade da hipótese de incidência do ISS recai sobre a contratação de serviços, i.e., o ISS recai sobre o fato de prestar serviços e não sobre a contratação de serviços. Aliás, o local da assinatura do contrato de prestação de serviço não é critério idôneo para determinar o aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.060.210/SC em sede de recurso repetitivo.
Mutatis mutandi, é a matriz que efetivamente desenvolve a atividade de prestar serviços educacionais, devendo, portanto, ser considerado estabelecimento prestador do ensino à distância para fins de cobrança de ISS, uma vez que é a matriz que elabora, desenvolve e executa todo o plano pedagógico e educacional, e.g., por meio da contratação de professores para a gravação de aulas e elaboração do material didático a ser disponibilizado aos alunos.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 1.014.545-4 firmou entendimento de que a municipalidade competente para exigência do ISS sobre serviços educacionais na modalidade à distância não é aquela onde localizado o polo de apoio presencial, mas sim aquela onde localizado a matriz, pois esta que de fato perfaz a obrigação de fazer, que compõe a materialidade da hipótese de incidência do ISS. Confira-se:
“Apelação Cível - Tributário - ISS - Embargos à Execução Fiscal - Serviços educacionais (item 8.02 da lista anexa à LC nº 116/03) prestados na modalidade ‘à distância’ - Prestação do serviço no local do estabelecimento prestador (art. 3º da LC nº 116/03) - Aulas planejadas, ministradas e gravadas no estabelecimento prestador localizado em Curitiba/PR - ‘Agente’ localizado em Paranavaí que se limita a transmitir, via satélite, as aulas aos alunos, não podendo ser considerado como estabelecimento prestador do serviço educacional - Sentença escorreita.” (TJPR, Apelação Cível nº 1.014.545-4, Rel. Juíza de Direto Substituta em 2º Grau Josély Dittrich Ribas, julgado em 9.7.2013)
Logo, toda a estrutura necessária sem a qual não poderia ser efetivada a prestação dos serviços educacionais está localizada na matriz da instituição de ensino, sendo, portanto, irrelevante o fato dos alunos (tomadores dos serviços) estarem localizados em municípios alheios daquele onde as aulas são preparas e gravadas.
Adotar a localização do tomador do serviço como critério para definição do aspecto espacial da incidência do ISS pode acarretar inverdades de natureza gritantes. O fato de que na maioria das situações o local da prestação do serviços coincidir com o local em que o tomador do serviço encontra-se localizado não permite concluir que o ISS será sempre exigido no município em que este estiver localizado.
Isso porque sem a presença dos alunos localizados nos polos presenciais há que se cogitar da prestação de serviço. O inverso, entretanto, não é verdadeiro. Não há que se cogitar da prestação de serviço na hipótese em que ausente o professor na matriz para gravar previamente as aulas ou transmiti-las em tempo real.
Os alunos localizados no polo de apoio presencial podem não comparecer às aulas transmitidas ao polo de apoio presencial por motivos das mais diversas ordens. Entretanto, o professor na matriz deverá gravar previamente as aulas ou transmiti-las em tempo real, independentemente da presença dos alunos localizados no polo de apoio presencial com transmissão via satélite.
Por conseguinte, considerar o local do tomador do serviço como idôneo para a exigência do ISS é de todo modo equivocado, uma vez que sem a presença do professor na matriz não há que se falar na prestação de serviços educacionais. Diversamente, há que se falar de sua prestação independentemente da presença dos alunos nos polos presenciais e, consequentemente, falaciosa qualquer argumentação tendente à sustentar que o ISS é devido no município em que estiver localizado o tomador do serviço, ou seja, o município em que estiver localizado o polo de apoio presencial.
Ademais, há de se ter a cautela de que o ISS não incide sobre atividade-meio, ou seja, não incide sobre as atividades precedentes à atividade fim, e.g., atividade de cunho publicitário e de captação de clientela.7 A atividade praticada pelo polo de apoio presencial limita-se à disponibilização do sinal de satélite das aulas previamente gravadas ou transmitidas em tempo real pela matriz, sendo certo, que sua função consiste obliquamente na mera captação de alunos impossibilitados de frequentarem as aulas presencialmente no estabelecimento físico da matriz.
Assim, o polo de apoio presencial não é o local da prestação de serviços, mas sim o local onde se executam as atividades de captação da clientela estudantil (atividade meio), sendo certo que a atividade fim, substrato da hipótese de incidência do ISS ocorre com a efetiva prestação dos serviços educacionais na matriz por ocasião da gravação das aulas, elaboração de material de estudo e do plano pedagógico e etc.
Neste ponto, anota-se que o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.251.753/ES em que se analisou caso análogo de captação de clientela envolvendo matriz e filial, no âmbito do qual cumpria à filial a captação da clientela e à matriz a execução do serviço, decidiu que o ISS era devido no estabelecimento da matriz, local onde o serviço foi efetivamente desenvolvido. Confira-se:
“Processual Civil. Tributário. ISS. Competência. Município Local da Prestação do Serviço. Desenvolvimento da Atividade Fim.
1. Cinge-se a controvérsia em saber qual Município é titular do crédito de ISSQN: o Município de Cariacica, onde é prestado o serviço desenvolvido pelo contribuinte (lavanderia); ou o Município de Vitória, local da filial administrativa da empresa (captação de clientela, entrega da mercadoria e pagamento).
2. Considera-se como local do estabelecimento prestador a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada como sede ou filial da pessoa jurídica.
3. No presente caso, o Município de Vitória (recorrente) não é o local da prestação de serviços, mas sim onde se executam as atividades de captação da clientela (atividade meio). Portanto, não pode o recorrente ser o beneficiário do tributo.
4. A jurisprudência do STJ afirma que, ‘envolvendo a atividade, bens e serviços, a realidade econômica que interessa ao Direito Tributário impõe aferir o desígnio final pretendido pelo sujeito passivo tributário, distinguindo-se a atividade meio, da atividade fim, esta última o substrato da hipótese de incidência’ (REsp 805.317, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJ 17.8.2006).
Agravo regimental improvido.” (STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.251.753/ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 27.9.2011, DJ de 4.10.2011)
Outrossim, há de se levar em consideração o critério da preponderância da prestação dos serviços para a determinação do aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 39.554/SP firmou entendimento de que para determinação do local de incidência do ISS deve-se levar em consideração o local em que o serviço foi preponderantemente prestado, i.e., o local em que a superioridade do esforço humano foi despendido para a realização do serviço. Assim, a municipalidade competente para exigência do ISS seria aquela onde os serviços foram preponderantemente prestados. Confira-se:
“ISS - Incidência - Local da Operação.
Havendo preponderância na prestação de serviços no município de Santos, a respectiva municipalidade e que cabia recolher o tributo e não a de São Bernardo do Campo, onde se situa a filial da autora.
Recurso improvido.” (STJ, Recurso Especial nº 39.554/SP, Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 29.11.1993, DJ de 21.2.1994)
Desse modo, na situação ora enfrentada, os serviços são preponderantemente prestados na municipalidade em que localizada a matriz, uma vez que é a matriz que efetivamente desenvolve a atividade de prestar serviços educacionais, i.e., é a matriz que elabora, desenvolve e executa todo o plano pedagógico e educacional por meio da contratação de professores para a gravação de aulas e elaboração do material didático a ser disponibilizado aos alunos.
Por conseguinte, não restam dúvidas de que a municipalidade competente para exigência do ISS sobre serviços educacionais prestados na modalidade à distância com polo de apoio presencial é aquela onde localizada o estabelecimento da matriz (local onde as aulas são elaboradas e gravadas).
Conclusão
Em apertada síntese, as considerações de ordem conclusiva estabelecidas a partir dos pensamentos indicados no presente artigo são indicadas abaixo.
O ensino à distância constitui modalidade de prestação de serviços educacionais com crescente importância no mercado educacional brasileiro ante a necessidade de diversos indivíduos aos mais diversos níveis de educação (ensino fundamental, ensino médio, ensino superior), mas que por motivos de múltiplas ordens não possuem condições de frequentar as aulas no estabelecimento físico das instituições de ensino.
A prestação de serviços educacionais, independentemente da modalidade presencial ou à distância, está sujeita à exigência de ISS pelas municipalidades brasileiras ante sua previsão no item 8.02 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
A prestação de serviços educacionais não se encontra nas vinte e duas exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003, hipóteses em que se considera prestado o serviço no local da efetiva prestação dos serviços. Logo, outra não poderia ser a conclusão no sentido de que se consideram prestados quaisquer serviços educacionais no município em que estiver localizado o estabelecimento do prestador de serviços com fulcro na regra geral prevista no caput do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003.
Entretanto, em razão das particularidades dos serviços educacionais prestados à distância, surgem dúvidas tanto por parte dos contribuintes quanto por parte das administrações tributárias municipais quanto à determinação do estabelecimento prestador para fins de cobrança do ISS: (i) na matriz, local onde as aulas são elaboradas e gravadas; ou (ii) no polo de apoio presencial, local onde o sinal via satélite é transmitido aos alunos.
O estabelecimento prestador para fins de cobrança de ISS sobre os serviços educacionais prestados à distância é a matriz, pois esta que elabora, desenvolve e executa todo o plano pedagógico e educacional. Cabe ao polo de apoio presencial a simples transmissão do sinal via satélite aos alunos localizados em suas dependências, bem como a captação de clientela à matriz.
Por conseguinte, na prestação de serviços educacionais na modalidade à distância, o município competente para exigir ISS é aquele em que localizado o estabelecimento da matriz da unidade educacional e não o município em que localizado o estabelecimento do polo de apoio presencial.
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SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
1 Por força do art. 32, parágrafo 1º, da Constituição Federal, ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Municípios. Assim, para fins de clareza argumentativa, todas as vezes que fizermos referência aos municípios, implicitamente o fazemos ao Distrito Federal.
2 BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário municipal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 337.
3 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 104.
4 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 497-498.
5 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: RT, 1975, p. 488.
6 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 328.
7 BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário municipal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 372.