A ILEGALIDADE DA SANÇÃO PREMIAL EMBUTIDA NA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL TRIBUTÁRIA

ILLEGALITY OF THE PREMIUM SANCTION EMBEDDED IN MAIN TAX OBLIGATION


Leônidas Barbosa Quaresma Neto


Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/Rio. Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Natural do Rio de Janeiro/RJ. E-mail: leonidas_barbosa@hotmail.com


Marcos Pereira Osaki


Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Advogado em São Paulo. Natural de São Paulo/SP. E-mail: marcos.osaki@usp.br


Rayane Gomes Dornelas Alcoforado Sukar


Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Bolsista do CNPq Brasil. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco UNICAP. Advogada em São Paulo e em Pernambuco. Natural de Recife/PE. E-mail: rayane.dornelas@gmail.com



Recebido em: 03-12-2020

Aprovado em: 23-03-2021


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-15


RESUMO


O conceito de sanção prêmio, como sendo um bônus concedido ao sujeito que se porta de forma diligente, acaba distanciando esse instituto daquele das sanções normalmente conhecidas, que visam punir um ato ilícito, embora, em verdade, tal tipo permaneça sendo uma sanção. Como consequência desse afastamento, parte da


doutrina tem aceitado o uso de sanções premiais na instituição de tributos, contrariando o art. 3º do Código Tributário Nacional. O presente artigo sugere a incorporação do conceito de sanções premiais ao conceito geral de sanção e, consequentemente, defende a limitação do conceito de tributo, de forma a entender como ilegais descontos concedidos em decorrência do ato ilícito.

PALAVRAS-CHAVE: CONCEITO DE TRIBUTO, SANÇÃO PREMIAL, TEORIA DA NORMA JURÍDICA


ABSTRACT


As a bonus granted to the taxpayer who behaves diligently, the premium sanction’s concept ends up distancing itself from other kinds of sanctions that are normally known and are generally forged to punish an unlawful act. As result of the distancing, part of the doctrine has accepted the use of premium sanctions when imposing taxes, contradicting Article 3 of the National Tax Code. The present study proposes that premium sanction’s concept should be embedded to general sanction’s concept. As consequence, tax’s concept should also be limited action of the concept of tax, in order to understand as illegal those discounts granted to the subject who practiced an illegal act.

KEYWORDS: TAX CONCEPT, PREMIUM SANCTION, LEGAL NORM THEORY


  1. INTRODUÇÃO

    O art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), ao definir tributo como “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito”, apresenta uma vedação à instituição de tributo que tenha por natureza uma sanção.


    Contudo, “sanção” é uma palavra passível de inúmeras interpretações, de forma que, para a adequada compreensão do artigo e consequente definição de “tributo”, faz-se essencial definir a amplitude do termo empregado no dispositivo.


    Como exposto por Paulo de Barros Carvalho1, “sanção pode experimentar mutações semânticas que variam conforme o momento da sequência prescritiva (direito posto) ou expositiva (Ciência do Direito)”.


    O autor pontua diversos empregos do termo, como, por exemplo, a penalidade atribuída, a relação jurídica que veicula a punição, o consequente da norma geral e abstrata e, ainda, sendo esse o adotado pelo doutrinador, “a providência que o Estado-jurisdição aplica


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    1. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 866.


      coativamente, a pedido do titular de direito violado, tendo em vista a conduta do sujeito

      infrator”2.


      Há ainda, como destacado por Bobbio3, as chamadas “sanções premiais”, que nada mais são do que um prêmio pelo cumprimento mais do que adequado de determinado regramento. Seria ela um estímulo à realização de condutas desejáveis pelo estado, demonstrando que sanção, não necessariamente está atrelada a uma punição, mas sim a uma reação da ordem jurídica.


      O presente trabalho buscará identificar a qual (ou quais) conceito(s) de sanção o art. 3º do CTN se refere por meio da análise de diversas definições históricas do instituto da sanção e, por fim, com as fronteiras do conceito devidamente delimitadas, analisar vedações e permissões, por vezes ignoradas, na instituição de tributos.


  2. SANÇÃO, ILÍCITO E ILÍCITO TRIBUTÁRIO

    Hans Kelsen, ao diferençar a ordem jurídica das demais ordens sociais, utilizou como critério o ato de coação em resposta ao desrespeito de determinada conduta prescrita, ou seja, a atuação do Estado-juiz diante de determinada conduta proibida no ordenamento. Esse ato coativo, nas palavras do autor, funcionaria como uma sanção4.


    Importa consignar que a sanção obteve tanta importância para o autor que, em um primeiro momento, ao tratar de norma jurídica primária e norma jurídica secundária, ele colocou a sanção como a norma primária, pois entendia que a sua presença determinaria a ilicitude de determinado ato. Apenas com a publicação póstuma da Teoria geral das normas é que foi retificado esse entendimento, de forma a definir a norma primária como a prescritora da conduta e a secundária como a sanção, entendida, aqui, como a interferência do Estado-juiz.


    Nessa senda, examina-se que Kelsen defendia a classificação das sanções em penas e execuções, sendo as penas a perda de um bem e, as execuções, uma indenização a um terceiro pelo prejuízo que lhe fora causado pelo ato ilícito5.


    Bobbio, por sua vez, dá uma abrangência maior às sanções, ao entendê-las não como uma punição ou como uma decorrência do ato ilícito, mas sim como “o expediente com que se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão de ações contrárias”6.


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    1. Op. cit.


    2. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p. 23.


    3. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 38.


    4. Op. cit.


    5. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


      Exatamente por esse raciocínio que, para o retro autor, seria possível a existência de sanções premiais, pois não seria a sanção necessariamente uma punição. Para entender o raciocínio do referido doutrinador, transcreve-se o trecho abaixo7:


      “Quem de fato entende, como Kelsen, que a característica da sanção jurídica consiste no uso da força física, sendo sanções jurídicas apenas a pena e a execução forçada, é obrigado, ainda que não se dê conta disso perfeitamente, a excluir as sanções positivas do rol das sanções jurídicas. [...] No entanto, há outro modo, mais correto a meu ver, de interpretar a sanção jurídica em termos de coação: a sanção jurídica não consiste, diferentemente das sanções sociais, no uso da força, ou seja, no conjunto de meios que são empregados para constranger pela força, isto é, para ‘forçar’ o recalcitrante, mas consiste, sim, em uma reação à violação, qualquer que seja, mesmo econômica, social ou moral, que é garantida, em última instância, pelo uso da força.

      [...]

      Enquanto pura e simplesmente reduzir a sanção jurídica à coação nos impede de inserir as sanções positivas entre as sanções jurídicas, considerar a coação como garantia do cumprimento da sanção nos permite considerar como sanções jurídicas também sanções positivas: segundo essa interpretação da relação entre sanção e coação, são jurídicas as sanções positivas que suscitam para o destinatário do prêmio uma pretensão ao cumprimento, também protegida mediante o recurso à força organizada dos poderes públicos. Tal como uma sanção negativa, uma sanção positiva se resolve na superveniência de uma obrigação secundária – lá, no caso de violação; aqui, no caso de super cumprimento de uma obrigação primária. Isso significa que podemos falar de sanção jurídica positiva quando a obrigação secundária, que é a sua prestação, é uma obrigação jurídica, isto é, uma obrigação para cujo cumprimento existe, por parte do interessado, uma pretensão à execução mediante coação.”


      Lourival Vilanova8, utilizando as bases postas por Kelsen, concorda com a relação entre sanção e o exercício da coação estatal, entendida essa como ato coercitivo para punir o descumprimento da norma primária.


      Ele, então, diferencia “sanção” como consequente da norma secundária de “sanção” como norma primária sancionatória9, defendendo que a primeira seria uma ação do Estado-juiz e a segunda punições, multas e demais métodos criados pelos sujeitos da relação


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    6. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p. 28.


    7. VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Noeses, 2015, p. 153-154.


    8. Aqui, entende-se “norma primária sancionatória” como a norma primária cuja hipótese pressupõe a existência de uma outra norma. Adotando a conceituação exposta por Aurora Tomazini de Carvalho, em sua obra Direito penal tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial, seria a norma primária sancionatória a norma primária derivada punitiva.


      obrigacional para tentar garantir o cumprimento da norma primária dispositiva. O primeiro conceito estaria sempre na esfera do direito público, ao passo que o segundo poderia, também, ser visto no privado.


      Exemplificando, seria a multa de 1% pela entrega em atraso da Declaração de Imposto sobre a Renda Pessoa Física (DIRPF) uma norma primária sancionatória, cujo antecedente é a entrega a destempo da DIRPF e, o consequente, a aplicação da multa, ao passo que a possibilidade de posterior ajuizamento de Execução Fiscal contra o contribuinte seria a norma secundária.


      Importante notar que tanto a norma primária sancionatória quanto a norma secundária para Vilanova possuem como antecedente um ilícito, estando a diferenciação delas presente em seus consequentes, posto que a norma secundária expressará uma nova relação jurídica, agora entre o sujeito que causou o ilícito e o Estado-juiz, ao passo que a norma primária sancionatória apenas criará uma nova obrigação entre o sujeito ativo e passivo da norma primária dispositiva.


      Essa diferenciação é muito útil para entendermos as peculiaridades das duas normas e o porquê de a norma secundária ser essencial no mundo jurídico. Caso tivéssemos apenas normas jurídicas primárias dispositivas e normas primárias sancionatórias, ambas as normas primárias careceriam de efetividade, pois não haveria consequência coercitiva para a inobservância delas.


      Não se está aqui afirmando que a norma jurídica primária sancionatória não tem utilidade. Ela, claramente, serve como um estímulo (seja positivo ou negativo) para o cumprimento da norma primária dispositiva.


      Contudo, caso esteja-se diante de situação em que o sujeito passivo simplesmente não pretende cumprir a prescrição da norma, não há motivo em criar novas obrigações contra ele, pois o sujeito passivo irá, simplesmente, ignorá-las também.


      A norma secundária mostra-se essencial na medida em que, diante do desprezo a todas as normas primárias vinculadas a determinada obrigação, possibilita a provocação do Estado- juiz para ele, único legitimado para tal, forçar o cumprimento da norma infringida.


      Pelas análises até então realizadas, pode-se concluir que a sanção sempre andará de mãos dadas com o ilícito, sendo, inclusive, esse o grande diferenciador das normas primária sancionatória e secundária para a norma primária dispositiva.


      Prescreve Paulo Roberto Coimbra10, inclusive, que “o reconhecimento da juridicidade do ilícito foi o ponto de partida, desde então, para a tradicional divisão das normas em impositivas e sancionadoras”.


      O ilícito será sempre o desrespeito a uma norma primária, ainda que, por vezes, essa norma primária não se mostre de maneira clara. Para tanto, vale a leitura de trecho da obra de Aurora Tomazini11:


      “Vejamos o exemplo da norma penal de homicídio: A norma precedente descreve, como hipótese, o fato do nascimento com vida e prescreve, como consequência, a obrigação de todos os membros da sociedade respeitarem o direito subjetivo de viver, daquele que nasceu com vida. A norma penal (primária derivada punitiva) descreve, como hipótese, o fato de alguém não cumprir este dever jurídico, ou seja, tirar, de outrem, o direito à vida e prescreve, como consequência, o dever, daquele que tirou a vida de outrem, de cumprir uma determinada pena para com a sociedade.

      [...]

      Mas então, onde se encontra a proibição da norma penal? Chegamos a ela pela interdefinibilidade dos modais deônticos. Dizer que uma conduta é obrigatória equivale a afirmar que é proibido não cumpri-la e que não é permitido não observá- la (Op º Ph – p º – P – p). Assim, determinar que todos têm obrigação de respeitar o direito subjetivo de viver daquele que nasceu com vida equivale a prescrever a proibição de desrespeitar e a não permissão de desrespeitar.”


      Com isso, concluímos a imprescindibilidade de haver uma norma primária desrespeitada para que haja a configuração de um ilícito e, consequentemente, o vínculo entre o ilícito e a sanção (seja ela entendida como a norma secundária ou como a norma primária sancionatória).


      Sendo assim, o conceito de “sanção de ato ilícito”, previsto no CTN, parece referir-se à norma primária sancionatória, visto ser ela apta a criar relações materiais entre sujeitos, ao passo que a norma secundária cria uma relação processual entre sujeito passivo e Estado.


      Em outras palavras, o CTN dispõe basicamente que a instituição de tributo se dará exclusivamente mediante norma primária dispositiva.


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    9. SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 133.


    10. CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito penal tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 88.


      Sendo assim, daqui em diante, apenas por questões de adequação à terminologia adotada pelo código, nos referiremos à “sanção” como sinônimo de “norma primária sancionatória”, e não como “norma secundária”.


  3. UM CONVITE A UM NOVO OLHAR PARA A SANÇÃO

    Assim como Bobbio, entendemos como possível a utilização de sanções tanto para punir atos ilícitos quanto para estimular que eles não sejam cometidos.


    Expõe o autor que:


    “Na literatura filosófica e sociológica, o termo ‘sanção’ é empregado em sentido amplo, para que nele caibam não apenas as consequências desagradáveis da inobservância das normas, mas também as consequências agradáveis da observância, distinguindo-se, no genus sanção, duas espécies: as sanções positivas e as sanções negativas.”12


    Tal entendimento nos parece extremamente razoável, vez que a imposição de tratamento diferenciado a dois sujeitos, motivada exclusivamente pela presença ou não de um ato ilícito, configura uma sanção ao infrator, seja porque ele recebeu uma punição, seja porque deixou de usufruir de um benefício.


    Contudo, divergimos da divisão de sanção em dois tipos (positiva e negativa).


    Veja-se, toda a sanção tem por finalidade evitar que determinado ato ilícito seja perpetrado, seja por meio de uma sanção negativa que puna o ato, de forma a sua reprodução ou repetição ser desencorajada, seja por meio de uma sanção positiva que agracie o não cometimento do ato, de forma a estimular a diligência e legalidade do agente.


    Sugere-se, aqui, uma análise comparativa entre a situação jurídica do sujeito passivo infrator e a de outros sujeitos passivos em condições idênticas, exceto pelo cometimento do ato ilícito.


    Tome-se como exemplo, mais uma vez, a multa de 1% pela entrega em atraso da DIRPF. Imagine que seja aprovada uma lei instituindo um desconto de 5% no imposto devido de quem entregar a declaração dentro do prazo.


    Poder-se-ia, diante dessa situação, defender que esse dispositivo instituiu uma sanção prêmio, pois corresponderia a um estímulo para o contribuinte adimplir dentro do prazo legal. Contudo, compare-se os contribuintes que entregaram a declaração em atraso com os que não o fizeram.


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    1. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p. 7.


      Confrontando os dois cenários, dois sujeitos passivos, em condições idênticas, exceto pelo ato ilícito, receberão, um bônus e o outro um ônus. Ou seja, ter-se-á uma diferenciação decorrente unicamente do ilícito. Se essa diferenciação se traduz numa multa para o infrator ou num desconto para o diligente, pouco importa, tendo em vista que, em ambos os casos, haverá um tratamento menos benéfico para quem cometeu um ato ilícito, de forma que ambas as consequências podem ser chamadas de sanção.


      Em outras palavras, caso haja um tratamento diferenciado entre dois sujeitos, motivado única e exclusivamente por um deles ter cometido um ato ilícito, estaremos diante de uma sanção.


      Feita essa análise comparativa, não só se afasta a necessidade de divisão das sanções em positivas e negativas, como facilita a averiguação de se determinada imposição é ou não uma sanção.


      Num primeiro momento, se poderia questionar a utilidade do procedimento acima sugerido, contudo, relembrando as limitações que o art. 3º do CTN impõe ao conceito de tributos, uma ampliação do conceito de “sanção” impactará diretamente o conceito de tributo, visto não ser possível a instituição de tributos com caráter de sanção.


      Contudo, antes de nos debruçarmos sobre tributos com caráter sancionatório, devemos analisar a diferença entre normas sancionatórias e normas com função sancionatória.


      Normas sancionatórias, ou normas primárias sancionatórias, são aquelas cujo antecedente prevê um ato ilícito e o consequente uma punição para o ato (podendo essa sanção ser uma multa, a perda ou limitação de um direito etc.).


      As normas com função sancionatória, por outro lado, são normas dispositivas, ou seja, normas cujo antecedente prescreve ato lícito, mas que têm por objetivo onerar alguma conduta que o Estado quer evitar.

      Robson Maia Lins, em seu Curso de direito tributário13, tece os seguintes comentários sobre essa distinção:


      “Com efeito, quando tratamos de norma primária sancionatória estamos analisando o objeto da relação jurídica cujos critérios estão previstos no seu consequente.

      Quando, porém, falamos em norma com função sancionatória, ou punitiva, ou penal, estamos focando o ângulo pragmático da linguagem prescritiva. Nesse sentido, podemos dizer que as normas que, diante de um fato jurídico moratório,


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    2. LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 543.


      aumentam, em termos quantitativos, o conteúdo da prestação têm função sancionatória.

      É comum a assertiva de que a regra-matriz de incidência tributária, ao instituir o tributo, é uma norma primária dispositiva. Porém, a própria Constituição Federal, ao prescrever algumas competências onde os tributos teriam função extrafiscal, acaba por atribuir à regra-matriz de incidência tributária não o timbre de uma norma sancionatória, mas norma com função sancionatória, onde o critério pragmático é prevalente.”


      Dessa forma, combinando as considerações acima com o novo olhar proposto para sanções, temos que todo tratamento diferenciado conferido a dois sujeitos tendo como única razão o ato ilícito será uma sanção.


      Caso, contudo, ambos os sujeitos estejam em situação lícita, mas a um deles seja imposta situação mais ou menos onerosa, estar-se-á diante de uma norma com função sancionatória, ou seja, uma norma primária dispositiva, mas que objetiva estimular determinada ação do sujeito passivo.


      No caso da norma com função sancionatória, poder-se-ia até debater a isonomia do dispositivo legal conferido, sua constitucionalidade etc., mas não haveria base para alegar eventual incompatibilidade com o art. 3º do CTN, visto que não se estaria diante de um ato ilícito.


      Feitas essas considerações, resta analisar algumas repercussões práticas delas e, principalmente, suas relações com o conceito de tributo previsto no CTN.


  4. APLICAÇÃO DESSE NOVO OLHAR NO CONCEITO DO CTN DE TRIBUTO Como exposto, consideramos que não há uma obrigatoriedade em uma sanção ser uma punição propriamente dita (um ônus direto ao sujeito infrator), podendo ser entendida

    como sanção a graça concedida ao não infrator, pois, indiretamente, estar-se-ia a punir o

    infrator ao privá-lo de um direito.


    Se, todavia, o tratamento diferenciado não tenha como causa um ato ilícito, mas sim uma atitude com diligência em excesso por parte do contribuinte, estaria configurada uma norma primária dispositiva com função sancionatória.


    Tais conceitos e delimitações são relevantes uma vez que eles auxiliam na definição de tributo, que não pode ser uma sanção por ato ilícito.


    Relembrando, a diferença primordial entre um tributo e uma sanção está no antecedente da norma primária desses dois. Ao passo que o tributo terá em seu antecedente um ato lícito, a sanção terá sempre no antecedente ato ilícito.


    Fernando Gomes Favacho difere muito bem esses dois ao prever que:


    “Em suma: não ser sanção de ato ilícito significa que (1) o ilícito não pode ser fato jurídico de uma obrigação tributária e (2) o montante devido não pode ser dimensionado em razão da ilicitude como, por exemplo, a definição de uma alíquota maior para o Imposto de Renda relativamente advinda do jogo do bicho.”14


    Não se confunde, no ponto 1 do exemplo acima, o fato do Imposto sobre a Renda poder ser cobrado em decorrência de aferições de renda decorrente de ato ilícito com um suposto caráter sancionatório do imposto, pois, nesse caso, a materialidade do tributo permanece sendo auferir renda.


    Percebe-se, no ponto 2, que, a depender do caso, o tributo pode ser considerado ilegal apenas parcialmente, caso, por exemplo, haja previsão de alíquota diferenciada em razão da ilicitude, hipótese em que o tributo cobrado de forma regular será legal e esse tratamento diferenciado que será considerado em desconformidade com o CTN.


    Há algumas situações em que o caráter de sanção do tributo é evidente, de forma que o tributo é declarado ilegal, podendo servir de exemplo a ilegalidade no acréscimo do valor do IPTU por falta de inscrição imobiliária, vide ementa abaixo transcrita:


    “Recurso Extraordinário. IPTU. Acréscimo no valor do IPTU, a título de sanção por falta de inscrição imobiliária. Sanção por ilícito administrativo. Multa administrativa e multa tributária. Não pode ser exigida multa administrativa, por falta de inscrição imobiliária, a título de tributo. CTN, art. 3. Inaplicável, na espécie, o art. 113, par3., do CTN. Recurso conhecido e provido.”15


    Nesse caso, como aqui defendido, havia um tratamento diverso decorrente unicamente de um ato ilícito, de forma a ser configurada uma sanção.


    A situação, contudo, é mais nebulosa nos casos em que a sanção se materializa sob a forma de um bônus para os que não cometerem infrações, como é o exemplo dos descontos de IPVA para os motoristas que não obtiverem multas.


    Tais descontos, fornecidos por diversos estados16, chegam, por vezes, a 20% do IPVA devido e têm como objetivo os motoristas dirigirem de forma mais atenta.


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    1. FAVACHO, Fernando Gomes. Definição do conceito de tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 132.


    2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Recurso Extraordinário n. 112.910/SP. Rel. Min. Néri Silveira. Julgamento em 11.10.1988. Diário Judicial Eletrônico. Brasília, 28 fev. 1992. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14674442/recurso- extraordinario-re-112910-sp. Acesso em: 29 mar. 2021.


    3. Cite-se a Lei n. 203/2014 do Amazonas, conhecida como Lei do Bom Condutor ou a Lei n. 11.400/1999, do Rio Grande do Sul, conhecida como

      “Desconto do Bom Motorista”.


      A medida é interessante, mas carece de legalidade. Para analisar de forma aprofundada, tomemos como exemplo a Lei n. 203/2014, instituída pelo Estado do Amazonas, cujo art. 2º, abaixo transcrito, já é suficiente para a crítica a ser exposta:


      “Art. 2º Os descontos no pagamento anual do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA de que trata o artigo anterior serão aplicados da seguinte forma:

      1. – 10% (dez por cento) no caso de não ter cometido infração de trânsito no ano civil anterior;

      2. – 15% (quinze por cento) no caso de não ter cometido infração de trânsito nos últimos dois anos civis;

      3. – 20% (vinte por cento) no caso de não ter cometido infração de trânsito nos

        últimos três anos civis.”17


        Agora, imagine-se dois contribuintes (A e B) com carros idênticos em todos os aspectos possíveis (ano, modelo, quilômetros rodados, estado etc.), mas que o motorista A tenha obtido uma multa no ano anterior.


        Por mais que o motorista A não vá ter o valor do seu IPVA acrescido, caso o comparemos com o motorista B, esse primeiro estará em situação menos vantajosa como decorrência única e exclusiva de seu ato ilícito, dando claro caráter sancionatório para uma parcela desse tributo.


        Para sanar essa ilegalidade, dever-se-á conceder o desconto de IPVA para todos os contribuintes do Estado, pois a diferença entre o IPVA “sem o desconto” e o IPVA “com o desconto” é uma sanção.


        Perceba-se que o desconto não torna a cobrança do IPVA ilegal, mas apenas o montante cobrado como decorrência do ato ilícito.


        Outro bom exemplo, porém, ainda mais sutil, é a concessão de descontos de IPTU para imóveis revestidos de vegetação arbórea, declarada de preservação permanente ou perpetuada.


        Tomando como exemplo a Lei n. 10.365/1987, do Município de São Paulo, vê-se, em seu art. 17, que os imóveis revestidos de vegetação arbórea, declarada de preservação permanente


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    4. AMAZONAS. Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas. Lei n. 203, de 9 de setembro de 2014. Dispõe sobre a concessão de descontos no Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, para os condutores responsáveis no trânsito, no âmbito do Estado do Amazonas, e dá outras providências. Diário Oficial. Amazonas, 16 de setembro de 2014. Disponível em: http://online.sefaz.am.gov.br/silt/Normas/Legisla%E7%E3o%20Estadual/Lei%20Estadual/Ano%202014/Arquivos/LE%20203_14.htm#:

      ~:text=LEI%20PROMULGADA%20N%C2%BA%20203%2C%20DE,492%2C%20de%2016.09.14.&text=DISP%C3%95E%20sobre%20a%20c

      oncess%C3%A3o%20de,Amazonas%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 29 mar. 2021.


      ou perpetuada nos termos do art. 6º do Código Florestal, terão um desconto de até 50% (cinquenta por cento) no seu Imposto Territorial.


      Contudo, conforme previsão do Código Florestal, em seu art. 8º, a intervenção ou supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas no código.


      Com isso, percebe-se que o desconto de 50% no IPTU nesses imóveis é, basicamente, para quem não comete o ilícito da poda ilegal.


      A concessão desse desconto, além de configurar uma sanção, pode ainda ser interpretada como uma forma de o Município fazer valer a legislação ambiental federal por meio da transferência do ônus ao proprietário.


      Visto ser a poda sem permissão um ato ilícito, sua efetivação acarreta multas para o proprietário. Mas isso exigirá fiscalização do estado, processo administrativo, provas etc. Ao criar um desconto para os proprietários que não podarem, o Município transfere ao proprietário a responsabilidade por comprovar que tem imóvel nos requisitos da lei.


      Assim, como defendido até então, deve-se fazer uma comparação entre sujeitos passivos no presente caso. Todos os proprietários de imóveis urbanos revestidos de vegetação arbórea declarada de preservação permanente ou perpetuada têm direito ao desconto de 50%. Qual o ato que causa a diferenciação entre esses contribuintes, de forma a dar tratamento regular a um deles? A poda irregular. Esse ato é um ato ilício? Sim, vide art. 8º do Código Florestal.


      Logo, havendo uma desigualdade motivada única e exclusivamente por um ato ilícito, não há como escapar do conceito de sanção, por mais que, na prática, ela seja identificada num aparente benefício concedido a um dos sujeitos.


      Dessa forma, em sendo esse tratamento diferenciado classificado como sanção, o montante que corresponde à diferença entre o IPTU normalmente devido e o IPTU com desconto deve ser considerado ilegal, de forma a aplicar, a todos os contribuintes naquela situação (proprietários de imóveis urbanos revestidos de vegetação arbórea declarada de preservação permanente ou perpetuada) o desconto de 50% no IPTU.


      Não seria correta a mera declaração de ilegalidade da lei, visto que só é proibida pelo CTN a instituição de tributo que seja sanção por ato ilícito. O montante de tributo devido com o desconto não é ilegal, pois só terá desconto aqueles que estiverem em conformidade com a lei, de forma que um tributo cobrado nessas circunstâncias não tem, em absoluto, caráter de sanção por ato ilícito.


      Já o montante sem o desconto (o montante normalmente previsto), este sim, tem uma parcela que, na verdade, é sanção por ato ilícito, de forma que essa diferença motivada pela infração é ilegal.


      Nesse caso e no anteriormente apresentado não houve propriamente a concessão de um desconto para o contribuinte ou um bônus. Em verdade, houve uma redução da base de cálculo do tributo cumulada com a criação de uma sanção.


      Situação diversa e válida, como dito anteriormente, seria o caso do ato diferenciador, determinante para o desconto, não ser um ato ilícito.


      Caso, por exemplo, a lei concedesse esse desconto de 50% para qualquer proprietário de imóvel urbano revestido de vegetação arbórea, não sendo discriminado qual tipo de vegetação, ou seja, não sendo necessária a declaração de que essa vegetação está em preservação, não se estaria diante de uma sanção, pois, ao realizar-se a comparação de todos os sujeitos afetados pela norma, ter-se-ia, além dos proprietários infratores e dos proprietários não infratores mas obrigados a manter a vegetação, proprietários que possuem vegetação que pode ser podada, de forma que o ilícito não mais seria o único fator a conferir o tratamento diferenciado.


      Essa situação, na qual é possível a presença de um sujeito que, concomitantemente, não seja agraciado pelo desconto e não esteja cometendo ilícito, configura a presença de uma norma primária com função sancionatória, pois ela não se reporta a um ato ilícito, mas tem, em seu objetivo, estimular os seus sujeitos a adotarem uma conduta desejada pelo Estado.


  5. AS ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS DO IPTU E DO ITR

    Não se poderia entrar nas conclusões do presente artigo sem, antes, adereçar ponto relevante, que são as alíquotas progressivas do IPTU e do ITR.


    Conforme previsto no art. 11 da Lei n. 9.393/1996, a alíquota utilizada para cálculo do ITR terá como uma de suas bases o grau de utilização do imóvel.


    Da mesma forma, diversas leis municipais estabelecem alíquotas progressivas de IPTU que aumentam conforme o imóvel é subutilizado.


    Além disso, conforme previsto no inciso XXIII do art. 5º da Constituição Federal, a propriedade atenderá a sua função social, podendo, inclusive, ser desapropriada nos casos de subutilização ou não utilização18.


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    1. Vide redação do art. 182 da Constituição Federal.


      Feitas essas considerações, poder-se-ia defender que as alíquotas progressivas do IPTU e ITR possuem um caráter sancionatório de forma que, consequentemente, estariam elas em desconformidade com o conceito de tributo previsto no art. 3º do CTN.


      Contudo, a progressividade das alíquotas do IPTU e do ITR em função da utilização do imóvel é legitimada pela própria Constituição, respectivamente no inciso II do § 1º do art. 15619 e no inciso I do § 4º do art. 15320, consequentemente não sendo entendidas propriamente como sanções, mas sim como manifestações da extrafiscalidade desses tributos.


      A extrafiscalidade é verificada quando o tributo demonstra finalidade social, política ou econômica, ou seja, quando o foco do mesmo passa a não ser mais a arrecadação somente, mas também a interferência em algum aspecto valioso da sociedade. Nas palavras de Robson Maia Lins:


      “São casos em que a arrecadação tributária não é a principal finalidade do ente tributante; mas, sim, o estímulo ou desestímulo a algumas condutas do contribuinte, compreendendo também uma forma de regulação de mercado.”21


      Não se deve, contudo, entender que a extrafiscalidade substitui a fiscalidade. Todos os tributos possuem um caráter fiscal e extrafiscal, diferindo a intensidade de cada um a depender do tributo que se analise.

      Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de direito tributário, explica de forma impecável essa conjuntura:


      “Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.”22


      De igual modo, Giannini assevera a importância da tributação indutora:


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    2. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

      [...]

      § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: [...]

      II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”

    3. “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

      [...]

      § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:

      I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;”

    4. LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 271.


    5. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 261.


      “La finalidad del impuesto es procurar un ingreso al Estado, pero es necesario decir que tal finalidad no constituye siempre el único motivo de la imposición; de hecho, la utilización del impuesto se presta también para la consecución de fines no fiscales.”23


      Diante dessa situação, poder-se-ia perguntar “qual seria então a diferença entre um tributo com caráter sancionatório e um tributo com caráter extrafiscal?”, e a resposta seria “diversas”.


      Primeiramente as situações objeto do caráter extrafiscal dos tributos não são ilícitos e, sendo assim, não há que se comparar medidas extrafiscais com sanções, pois, como visto, a sanção clama pelo ilícito.


      Ademais, e esse sendo o principal ponto a justificar as alíquotas progressivas do IPTU e ITR, a extrafiscalidade, prevista em todo o tributo, é parte essencial da sua construção e delimitação constitucional, de forma que para uma alteração na cobrança ou instituição de um determinado tributo ser considerada uma característica de sua extrafiscalidade e não uma sanção, será necessário também que haja previsão constitucional no sentido daquele tributo dever ter as determinadas características.


      Mais uma vez, vale transcrição da fala de alguns autores sobre a necessidade da previsão constitucional do caráter extrafiscal:


      “Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime.”24

      São elementos caracterizadores da extrafiscalidade: i) fim constitucional pretendido; ii) meio utilizado e iii) a técnica adotada. Dessa forma, o fim constitucional pretendido deve estar expresso no texto constitucional e objetiva a realização das finalidades da Ordem Constitucional ou Social (família, cultura, meio ambiente, etc.). Não é a destinação do recurso ou a técnica utilizada que determina a natureza da norma extrafiscal, mas a sua finalidade constitucional.”25



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    6. GIANINNI, Achille Donato. Instituciones de derecho tributário. Tradução de Fernando Sainz de Bujand. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1957, p. 158.


    24 Ibidem, p. 261-262.


    1. CALIENDO, Paulo. Limitações constitucionais ao poder de tributar com finalidade extrafiscal. Nomos Revista do Programa de Pós-


      Noutro dizeres, ao criar meios de atender à extrafiscalidade do tributo, o legislador precisa atentar para suas balizas constitucionais, não podendo dar caráter extrafiscal completamente alheio ao imposto pela Constituição para aquele tributo.


      Dessa forma, sob o nosso entendimento, a progressividade das alíquotas do IPTU e do ITR não poderiam ser caracterizadas como sanções, mas sim materializações de seu caráter extrafiscal previsto e inclusive determinado na Constituição Federal.


      É farta a doutrina nesse sentido, sendo válidas algumas transcrições:


      “A Constituição quer que, além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1º do art. 145, c.c o inciso I do § 1º do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal (determinada no inciso II do

      § 1º do art. 156 da CF).26

      A CF preceitua que, sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art.

      182. § 4º, III, o IPTU poderá: (I) ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (II) ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel (redação da Emenda Constitucional n. 29, de 13-9-2000).

      [...]

      Também se entendera que ‘a progressividade é constitucionalmente postulada, tanto a de caráter fiscal (inerente ao próprio tributo) como a extrafiscal (promoção de uma igualação social – eliminação de desigualdade), o favorecimento dos desvalidos, a criação de empregos, o desenvolvimento econômico, a melhoria das condições de vida, a proteção do meio ambiente etc., são valores que mereceram do contribuinte especial encômio’.”27


      Alguns autores, como Robson de Maia Lins28, para conciliar a progressão das alíquotas dos impostos territoriais e a definição de tributo, classificam essas normas não como sanções, mas sim como as já vistas normas com função sancionatória. Esse entendimento se parece compatível com o caminho até então trilhado, tendo em vista que o referido autor se filia com as ideias, neste aspecto, aqui abordadas. Portanto, o autor citado também rechaça que as alíquotas progressivas do IPTU e ITR tenham caráter de sanção.



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      graduação em Direito da UFC v. 33, n. 2, jul./dez. 2013, p. 171-206. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/nomos/issue/view/142/57. Acesso em: 25 mar. 2021.


    2. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 102, destaque do autor.


    3. PAULSEN, Leandro. Impostos federais, estaduais e municipais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 347-348.


    4. LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 543.


  6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, nos aproximamos da visão de sanção adotada por Norberto Bobbio, que entende como possível a existência de sanções positivas e sanções negativas, pois não seria a sanção necessariamente uma punição, mas sim uma atitude do Estado para estimular um comportamento de seus cidadãos.


Entendemos, contudo, que a divisão criada pelo autor, de sanções positivas e sanções negativas, é um tanto desnecessária, visto que, como foi exposto, os dois conceitos podem ser mesclados.


Convidamos o leitor a, ao invés de analisar apenas o sujeito passivo da sanção (positiva ou negativa), analisar todos os sujeitos passivos e, mediante comparação, identificar qual ou quais elementos determinam o tratamento jurídico diferenciado entre eles.


Caso tenha-se um tratamento diferenciado entre dois sujeitos motivado única e exclusivamente pela existência de um ato ilícito, será esse tratamento uma sanção29, não nos sendo relevante o sujeito afetado ou a polaridade (positivo ou negativo) do tratamento, pois o foco seria apenas a existência de um tratamento diferenciado motivado somente pelo ilícito.


No caso de existirem outros fatores, além do ato ilícito, que motivaram o tratamento diferenciado, então se estaria diante de uma norma primária com função sancionatória, visto não ter como antecedente um ato ilícito.


Combinando esse entendimento com o art. 3º do CTN, passa-se a ver que as limitações do artigo são maiores do que inicialmente poder-se-ia imaginar.


É ilegal não só o tributo (ou parcela dele) que configure uma punição por um ato ilícito, mas também a parcela que só é cobrada quando há a presença de um ato ilícito por parte do contribuinte.


Caso, contudo, o desconto não se dê diretamente sobre o montante do imposto devido (vide o afastamento da multa de mora pela denúncia espontânea) ou não seja motivado única e exclusivamente pelo ato ilícito (contribuinte precisar não cometer ilícito e preencher outros requisitos para receber o desconto), não se estará diante de uma sanção, mas sim de uma norma com função sancionatória.


Como dito, o fato de ser uma norma com função sancionatória não garante a legalidade dessa, pois pode-se questionar sua constitucionalidade por outros motivos, sendo um deles


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  1. Para Bobbio, será uma sanção positiva caso o tratamento diferenciado seja um bônus para um deles e uma sanção negativa caso seja um ônus.


falta de isonomia. Contudo, não se poderá argumentar que ela fere o art. 3º do CTN, pois não será ela sanção por ato ilícito, visto que ela trata de atos lícitos.


Entender a sanção premial como algo compatível com a definição de tributo acarretará não só num desrespeito ao art. 3º do CTN, mas também deixará o contribuinte exposto a abusos da administração fazendária, que, diante da possibilidade de se reduzir alíquotas ou base de cálculo de tributos, condicionará esses descontos ao não cometimento de atos ilícitos, de forma a, diretamente, criar sanções e, indiretamente, punir os sujeitos infratores.


REFERÊNCIAS

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http://online.sefaz.am.gov.br/silt/Normas/Legisla%E7%E3o%20Estadual/Lei%20Estadual/ Ano%202014/Arquivos/LE%20203_14.htm#:~:text=LEI%20PROMULGADA%20N%C2%BA

%20203%2C%20DE,492%2C%20de%2016.09.14.&text=DISP%C3%95E%20sobre%20a%20con

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