IMPOSTO DE RENDA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: A PERIODICIDADE ANUAL E MENSAL NO IRPJ
CORPORATE INCOME TAX AND ABILITY TO PAY: THE TAX YEAR AND THE TAX MONTH IN THE CIT
Professor Titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo. Vice-Presidente e Pró-Reitor do Mestrado Profissional do IBDT. E-mail: schoueri@lacazmartins.com.br
Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. E-mail: mateus.barbosa@lacazmartins.com.br
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-24
Este artigo analisa a periodicidade no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. Partindo da premissa de que a capacidade contributiva perseguida pelo IRPJ, porque manifesta no lucro da atividade, apenas pode ser mensurada definitivamente com o término do próprio empreendimento, o artigo aponta na periodicidade do tributo a solução para a contingência financeira do Estado. O artigo apresenta a legislação histórica sobre a periodicidade do imposto, com períodos anuais, semestrais e mensais, decorrendo de todos eles obrigações tributárias de IRPJ, ainda que calculado sobre base estimada. O artigo então identifica no “ajuste” anual o mecanismo de acertamento da base indireta para a direta, ajustando, em períodos anuais, a carga tributária do contribuinte à sua efetiva capacidade contributiva individual, conforme o princípio da renda líquida. A compensação de prejuízo fiscal é finalmente indicada como medida que, integrando o “ajuste” anual, igualmente concilia a periodicidade com o direito do contribuinte de ser tributado em sua lucratividade efetiva.
This article analyses the levy of the Corporate Income Tax in periods. Based on the notion that the CIT envisages an ability to pay only to be measured at the end of the enterprise, the article identifies the tax periods as the solution for the public budget needs. It considers the CIT legislation over time, where it demonstrates that income tax obligations occur in various tax periods, from year to month, even with estimated tax bases. The article then argues that the year-end tax adjustment determines the tax base in a direct method, thus adjusting the tax burden from the indirect method to the ability to pay of the taxpayer according to a net income principle. It is finally argued that offset of tax losses, as a part of the year-end tax adjustment, also reconciles the levy in periods and the taxpayer right to be taxed according to her profitability.
INTRODUÇÃO
Conquanto seja corriqueira a invocação do princípio da capacidade contributiva para questões envolvendo a tributação das pessoas jurídicas, uma análise cuidadosa revela que se trata de mera simplificação. Pessoas jurídicas não passam de instrumentos do Direito. Não ostentam capacidade contributiva própria e independente. Quem possui capacidade contributiva, ou não, são os indivíduos. Seja o patrimônio imputado à pessoa física, seja à pessoa jurídica, estas não passam de categorias jurídicas que refletem a capacidade contributiva de indivíduos. Já sustentamos noutra oportunidade que a persona (máscara) não serve a esconder essa realidade econômica indivisível1. No caso das pessoas jurídicas, dos indivíduos que, sócios ou acionistas, nela investiram o seu capital. Ou seja, os indivíduos têm sua renda tributada por várias maneiras (cédulas). Assim, como não gera espécie que o indivíduo, que tem capacidade contributiva, seja tributado por cédulas, como os ganhos de capital, rendimentos financeiros etc., a renda da atividade empresarial é tributada em cédula própria, identificada juridicamente como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”).
Desde suas origens alhures, o IRPJ era visto como um meio indireto de se tributarem os investidores, i.e. “um imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos dos sócios”, dizendo-se até que “qualquer análise acadêmica útil sobre a pessoa jurídica deve começar negando a sua existência e visualizando os vários grupos de pessoas interagido através da pessoa jurídica”2. A inexistência de capacidade contributiva dos entes coletivos era
apontada, mesmo, em desfavor do IRPJ, que deveria ceder lugar à cobrança direta e imediata dos detentores daquela capacidade, i.e. os investidores.
Menos evidente é que a capacidade contributiva (dos indivíduos), porque manifestada pelo lucro da atividade empresarial, não pode ser aferida definitivamente antes do próprio empreendimento e, assim, do término da própria existência moral do ente coletivo. O empreendimento (a empresa) só terá tido sucesso, ou não, quando concluído. Assim, um resultado, positivo ou negativo, somente pode ser calculado com segurança depois da apuração final de haveres, momento em que o investidor constatará o acréscimo ou decréscimo sobre o capital inicialmente investido no negócio. É apenas naquele momento último que está manifestada, em definitivo, a capacidade contributiva, legitimando a sua cobrança pelo Estado.
Claro que, por aquele momento final estar distante e indefinido tempo, a contingência financeira corrente do Estado reclama a arrecadação tempestiva do imposto ainda na continuidade do empreendimento. Não poderia o Erário aguardar até o encerramento da atividade tributada. Entre a contingência financeira e o direito do contribuinte de ser tributado conforme a sua capacidade contributiva, expressa no sucesso final do negócio, a solução de sistema é deveras engenhosa. De um lado, o IRPJ é arrecadado periodicamente no decurso da atividade, até mensalmente. De outro lado, é permitido um acertamento de contas, também periódico, que “ajusta” os recolhimentos ao acréscimo que o contribuinte teve naquele lapso de tempo, tentando-se identificar melhor a capacidade contributiva manifestada no negócio, ainda que provisória.
É o tema deste artigo: considerando que apenas com o encerramento da empresa é que se pode determinar se houve, ou não, renda aproveitada pelo indivíduo, como conciliar essa constatação com a realidade orçamentária a exigir a periodicidade da tributação? Em tal vereda, o tema se torna ainda mais interessante quando se vê que o legislador, além de tornar o imposto periódico, não se satisfaz e adota expedientes para antecipar o imposto em momentos anteriores ao do encerramento que ele mesmo escolheu. Daí questionar-se a fundamentação jurídica desses pagamentos antecipados.
Com efeito, no Brasil, há muito o IRPJ é cobrado periodicamente, com a apuração de resultados em períodos anuais, semestrais e mensais. Se em alguns casos essa cobrança se torna definitiva, como se vê nos períodos trimestrais do atual regime, outras vezes o legislador prevê o ajuste das contas num período mais amplo, como o ano, com vistas à lucratividade efetiva do contribuinte.
A periodicidade do IRPJ, todavia, ainda desperta insegurança na literatura pátria, sobretudo para períodos inferiores ao ano. Primeiro, em virtude de desentendimentos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, supõe-se muitas vezes, teria cerrado o “fato gerador” do IRPJ no dia 31 de dezembro. Segundo, em virtude da base de
cálculo adotada legalmente para o período mensal, dita “estimada” e assim divergente da
lucratividade concreta do negócio naquele tempo.
Este artigo revisita a periodicidade do IRPJ à luz das considerações acima. No tópico II, é apresentada a insegurança que desperta a Súmula n. 584 do STF, argumentando-se que o enunciado, sem ter sido baseado em precedentes acerca do aspecto temporal do “fato gerador” do IRPJ, é anacrônico e não esgota o imposto em 31 de dezembro. No tópico III, o artigo aponta que a apuração periódica do resultado foi uma providência primeiro adotada em Direito Privado para atender ao interesse lucrativo do investidor. No tópico IV, o artigo considera a legislação histórica do IRPJ para demonstrar que, também em Direito Tributário, a periodização foi a solução encontrada para atender ao interesse do Estado, impondo-se apuração em períodos anuais, semestrais e depois mensais, com o imposto respectivo. No tópico V, aponta-se que a periodização é uma opção legislativa legítima, inclusive em períodos inferiores ao ano, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal. No tópico VI, o artigo argumenta que o “ajuste” anual, como também o balancete de suspensão ou redução, é um instrumento que, por força do princípio da renda líquida, permite o acertar a base estimada com a lucratividade concreta no período, sem desmerecer a natureza do imposto mensal. No tópico VII, indica-se na compensação de prejuízo fiscal uma providência que, como o “ajuste” anual, concilia a periodicidade do tributo com o princípio da renda líquida. No tópico VIII, estende-se o raciocínio à Contribuição Social sobre o Lucro (“CSL”), também cobrada em períodos mensais sobre base estimada. No tópico IX, o artigo conclui que o IRPJ e a CSL anuais, sobre o lucro real, como os próprios IRPJ e CSL mensais, sobre uma base estimada, são, todos eles, nada mais que “antecipações”, pela via de obrigações tributárias legítimas e periódicas, do instante indefinido e longínquo em que a atividade da pessoa jurídica é encerrada e a sua lucratividade, se alguma, revela a capacidade contributiva do sócio ou acionista.
PERIODICIDADE MENSAL: INSEGURANÇA E PERPLEXIDADE
O tema de recolhimentos mensais suscita insegurança na literatura. A hesitação volta a 1977, ano em que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n. 584 para enunciar que, “ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”. É importante perceber que os precedentes que animaram a Súmula não examinavam o critério temporal do “fato gerador” do IRPJ. A aplicação reiterada do enunciado pelo Tribunal, todavia, não conteve a Súmula às suas próprias lindes: desligando-se do que se discutira no Tribunal quando foi aprovada a Súmula, a Corte passou a aplicar o seu enunciado em sentido distinto do que fora acordado. Basta dizer que, já sob o ordenamento de 1988 e com legislação ordinária distinta da que vigia quando fora aprovada a Súmula, chegou-se a afirmar que “o Supremo
Tribunal Federal possui o entendimento consolidado no sentido de que o fato gerador do imposto sobre a renda se materializa no último dia do ano-base, isto é, em 31 de dezembro”3.
Foi o que bastou para que certa perplexidade se instaurasse na literatura. Vertendo a conclusão jurisprudencial, e sem se dar conta de que a Súmula se refere a ordem constitucional e legal pretérita e tema distinto (irretroatividade da lei tributária), há quem dite que, “como a conduta de auferir renda e proventos de qualquer natureza é aferida à vista de determinado lapso de tempo, o aspecto temporal há de ser fixado no encerramento desse período-base”, no que “o marco temporal do nascimento da obrigação correspondente é 31 de dezembro de cada exercício”4. Basta essa premissa para que se avance e se afirme que os recolhimentos efetuados ainda no curso do exercício (e.g. estimativas e retenções na fonte) seriam, para o contribuinte, “mera antecipação do imposto devido ao final do exercício, quando ocorrerá o fato gerador e se determinará a matéria tributável”, o que leva a cogitar, naqueles recolhimentos mensais, um “pagamento de tributo sem que haja a respectiva obrigação tributária”, temporalmente fixada apenas no encerramento do exercício5. É dizer: se antes de 31 de dezembro não ocorreu o “fato gerador” da obrigação tributária, então de que forma cogitar um imposto devido mensalmente pelo contribuinte, ainda que mediante antecipação? Não há como perder de vista que o “fato gerador” é “situação necessária e suficiente” para o surgimento da obrigação tributária, tal como determina o art. 114 do Código Tributário Nacional. Admitido que a obrigação tributária apenas surgirá a posteriori, com o fim do exercício, como entender que um imposto de renda seja devido pelo contribuinte quando ainda não ocorrido o “fato gerador”? Haveria uma obrigação tributária sem “fato gerador”? Qual a natureza daqueles recolhimentos ditos “antecipados”?
Não houve resposta singela. Causou espécie que o contribuinte pudesse recolher, a título de antecipação de imposto de renda, prestação pecuniária que não resultasse de uma obrigação tributária presente. Desde há muito, autores ponderam a inconsistência do postulado que terminou por derivar da Súmula n. 584, ainda que os precedentes que a geraram em nada discutissem o tema das antecipações: diante do recolhimento “a título de antecipação do que vier a ser devido quando da declaração anual de rendimentos, modalidade que vem sendo adotada com crescente generalização”, foi questionada, mesmo, “a sua regularidade por possível desconsideração da base de cálculo do tributo definida no art. 44 do CTN”. Afinal, adotava-se a premissa de que o “acréscimo deve ser aferido ao cabo de um período de tempo”6, o que tornava inexplicável o cálculo do imposto para períodos
inferiores ao anual. O esforço teorético para superar o que se percebeu como “afronta à legalidade (cobrar tributo sem que tenha ocorrido o fato gerador)” desaguou até mesmo em curiosa equiparação da antecipação a um insólito “‘empréstimo compulsório’ no curso do ano-calendário em que são percebidos valores e efetuadas despesas, que somente no momento do ajuste é que vão ser computadas a fim de se verificar e quantificar se ocorreu, ou não, o fato gerador do IR, por haver o contribuinte auferido e adquirido renda como acréscimo patrimonial”7.
Em verdade, são muitos os reparos que hoje merece o enunciado do Supremo Tribunal Federal. A Súmula n. 584 foi editada a partir de precedentes que cuidaram da tributação de pessoas físicas, cuja sistemática de apuração é diversa do IRPJ. Mais importante, a Súmula foi editada à luz de um ordenamento específico e pretérito, ainda anterior ao Código Tributário Nacional. Na regra ali vigente, o resultado finalmente apurado no ano- calendário nada mais era que uma grandeza utilizada para que se calculasse o imposto devido no exercício seguinte. A antiga sistemática tomava o acréscimo patrimonial tido no ano-base anterior como critério quantitativo (i.e. base de cálculo) do imposto devido no exercício, mediante um regime denominado “praenumerando” substancialmente diverso do regime hodierno de bases correntes, ou “postnumerando”. Aquela sistemática, que serviu de contexto normativo para a Súmula n. 584, há muito deixou de vigorar, inclusive em virtude de sua questionável compatibilidade com o próprio Código Tributário Nacional. Até pela alteração da sistemática legal, a manutenção da Súmula no ordenamento presente é inconsistente8.
Mesmo que mais centrado nos limites para a retroatividade da lei que na sistemática do imposto de renda, o contexto do enunciado do Tribunal baralhou a compreensão do período de apuração do IRPJ. A aplicação irrefletida e generalizada da Súmula n. 584 resulta em assertivas que, como as derivadas na literatura acima, olvidam a sistemática de apuração do imposto de renda no ordenamento.
Com efeito, nenhum dos precedentes que originalmente motivaram aquela Súmula versou sobre o IRPJ, ou mesmo elucubrou acerca do critério temporal do seu “fato gerador”. Querer encerrar a hipótese tributária do IRPJ em 31 de dezembro, ou limitar sua base de cálculo possível ao acréscimo patrimonial no exercício, é incorrer em certo simplismo que não condiz com o ordenamento histórico no Brasil e a ratio decidendi subjacente à Súmula n. 584, simplesmente alheia àquelas questões.
O recolhimento mensal por estimativa parece mais bem enfrentado como abaixo. Os tópicos seguintes esclarecem que a indicação de uma hipótese tributária – com o critério temporal – no final do exercício não implica rejeitar a natureza de obrigação tributária ao recolhimento mensal, decorrente de “fato gerador” próprio e igualmente levando a imposto devido pelo contribuinte. Fundamentalmente, a diferença entre o recolhimento mensal e o recolhimento anual está apenas no período de apuração do tributo, que pode ou não corresponder ao exercício.
O PERÍODO DE APURAÇÃO
É bem registrado pela literatura pátria que “uma definição absoluta dos resultados da renda ou do lucro somente é possível ser efetivada no instante do encerramento das atividades” da pessoa jurídica9. Trata-se do “princípio da continuidade” da empresa, cuja operação continuada – e indefinida – no tempo impõe que o seu resultado, quer lucro ou prejuízo, apenas seja levantado em definitivo no encerramento da atividade. Afinal, a continuidade assume que a empresa “opera por prazo indeterminado e que continuará a produzir riquezas indefinidamente”10. Rigorosamente, só caberá falar em lucro – ou prejuízo
– no encerramento daquela atividade.
O dilema colocado – a conciliação entre a necessidade de apurações periódicas e a impropriedade de um resultado antes do encerramento das atividades – não surgiu na seara tributária, mas no Direito Comercial. Relata-se que, “nos exemplos mais antigos de sociedades comerciais”, a determinação do resultado coincidia, efetivamente, com a própria “existência da sociedade”, haja vista que as sociedades se constituíam “para um único empreendimento, ou por prazo certo, em geral de 2 a 7 anos, e seu resultado somente era apurado na liquidação” – este o momento final em que a “comparação do saldo em dinheiro remanescente com o capital próprio formado inicialmente com contribuições dos sócios permitia saber se a sociedade havia auferido lucro ou sofrido prejuízo, e em que valor”11. Faz todo o sentido que assim fosse nos primórdios das sociedades: reuniam-se recursos para uma “empresa” a qual, concluída, permitia que se distribuíssem seus ganhos entre os que se aventuraram a nela investir.
Como é próprio do Direito Comercial, as necessidades práticas levaram à evolução do próprio instituto. Afinal, se para uma empresa com um período determinado (por exemplo, armar uma barca para explorar territórios conquistados) era de todo aceitável que se esperasse sua conclusão para que os ganhos fossem repartidos, a mesma solução não se podia estender a empreendimentos mais sofisticados e continuados. A obediência rigorosa
à ideia de que só se poderiam repartir resultados com o encerramento colocaria grave óbice ao interesse de sócios e acionistas. Quem, afinal, estaria disposto a investir o seu capital na atividade empresarial, se fosse necessário aguardar indefinidamente pelo lucro e retorno de dividendos? Parecia inegável que adotar uma “apuração de resultado somente na liquidação da sociedade desestimulava a participação de aplicadores de capital e impedia a constituição de sociedades com longos prazos de duração”12.
Dado que a distribuição dos resultados pressupunha o encerramento da empresa, a criatividade impôs aos comerciantes “liquidar negócios inacabados e a ‘dividir’ empreendimentos continuados em diversas sociedades com prazo determinado”, quando não se viam na contingência de incorrer em uma “grande ineficiência na liquidação precipitada de sociedade”, com a “realização acelerada de ativos (muitas vezes com deságio) e, da mesma forma, a quitação imediata de todos os passivos”13. Tudo engendrado para que os resultados da empresa vertessem aos investidores, em cumprimento do objetivo lucrativo subjacente à própria empresa.
Foi, portanto, o Direito Privado que encontrou a solução: segmentar a apuração de resultados em períodos de tempo. A providência permitia à empresa apresentar a seus investidores, a cada lapso temporal da sua atividade continuada, um lucro ou prejuízo, ainda que provisório. A convenção de um período para a apuração do resultado pôde acomodar o princípio da continuidade da empresa com a distribuição a investidores, que já não mais exigiria a liquidação do próprio empreendimento. Na segmentação temporal operada através de balanços, fruto do pragmatismo dos negócios, apontava-se “ficção contábil e jurídica, pois a empresa tem uma continuidade de vida que não pode ser cindida, originando até essa coisa esdrúxula que é o levantamento de um balanço estático (de exercício) numa empresa em movimento”14.
A prática viu no lapso de 12 meses um período adequado para que a demonstração do resultado, mesmo que provisório vis-à-vis a perspectiva continuada da empresa, representasse com alguma segurança a situação econômica do negócio. Eis porque o Código Comercial de 1850 já determinava aos comerciantes “formar annualmente um balanço geral do seu activo e passivo” (art. 10). Fundado em usos e costumes do comércio, a duração de um ano para o período de apuração pareceu assegurar que o resultado, embora provisório, fosse minimamente consolidado: “como a duração do ciclo operacional na maior parte das empresas é inferior a um ano, esse prazo permite que cada exercício social compreenda um ou mais ciclos da produção”15. O receio é o de que, caso adotado um período
inferior ao ciclo de produção (anual) do negócio, “um exercício lucrativo seja seguido por outro deficitário, e se a companhia distribuir todo o resultado do período superavitário, o prejuízo do exercício seguinte reduz o capital”. Teriam sido distribuídos, enfim, meros superávits momentâneos, que não se consolidariam como lucro, em desfalque do capital da empresa.
A anualidade do período não perduraria como um dogma na apuração de resultados. O dinamismo mercantil se impôs, primeiro, no setor financeiro, onde o Alvará de 12 de outubro de 1808, estabelecendo o Banco do Brasil, já determinava a distribuição de resultados apurados em período semestral16. Dado que os títulos de empréstimos públicos (então chamados de ações ou apólices) rendiam juros semestrais, percebeu-se que as ações representativas do capital investido na empresa haveriam de adotar igual critério de retorno para serem bem colocadas em mercado. Não demorou, pois, a que a redução do período de apuração se generalizasse: no Decreto n. 2.711, de 1860, era disposição comum aos bancos e demais empresas que “só poderão fazer parte dos dividendos dos Bancos e outras Companhias, ou Sociedades anonymas de qualquer natureza os lucros liquidos provenientes de operações effectivamente concluídas no respectivo semestre” (art. 42). Também admitiram período de apuração semestral a Lei n. 3.150, de 1882 (art. 13) e o Decreto
n. 434, de 1891, consolidando então a legislação de sociedades (art. 116).
Tal era o panorama legal que Miranda Valverde tinha diante de si quando concebeu o anteprojeto do que viria a ser o Decreto n. 2.627/1940. No dispositivo que propôs para o diploma que regeria por décadas as sociedades por ações, “poderão os diretores, sob sua exclusiva responsabilidade, adiantar parte dos dividendos, baseados nos lucros auferidos no semestre” (art. 133). A redação, todavia, não prosperou, e dividendos propostos como mero adiantamento ou antecipação de resultado apurado em período sempre anual se tornaram resultados definitivos, apurados semestralmente. Ditou o Decreto, neste sentido, que “as sociedades que por força de lei ou de disposição dos estatutos devam levantar balanços semestrais, poderão pagar, semestralmente, os dividendos correspondentes, se os estatutos o determinarem” (art. 132). Rompia-se, finalmente, com o dogma da anualidade no período de apuração. Valverde só pôde lamentar o que considerou uma “quebra, injustificada, de velha tradição”.
Parcela da literatura, todavia, contemporizava ao regime de 1940, ponderando que a anualidade do período de apuração apenas cedia à semestralidade, sem cogitar maior concessão. Sob esta linha, reconhecia-se que, “efetivamente, o lucro é uma entidade substancial que existe independentemente do balanço, e a fixação de termos peremptórios para a redação dos balanços não corresponde à realidade econômica, variável nos vários
casos e até em cada caso específico, pois os ciclos econômicos da produção de redito de uma certa empresa pode oscilar”; a legislação societária, por outro lado, “não pode ser concebida sem um mínimo de certeza, e a duração anual ou semestral estandardizada não se afeiçoa necessariamente à efetiva cadência das operações e aos ciclos operativos, mas corresponde à solução que a lei deu aos conflitos de interesses que vem à tona ao ensejo da determinação e distribuição do lucro”17. Nessa toada, o Decreto n. 2.627/1940 não permitiria “a distribuição de lucros adiantados e provisórios, nem de lucros que venham a ser apurados por balanços que sejam levantados em períodos que não equivalham ao semestre ou ao ano social”. Adotando “ciclos menores” que os dois períodos de apuração, os balanços poderiam “logicamente ser levantados, mas não para o fim de distribuição de dividendos, e sim para o objetivo de revelar a situação patrimonial da empresa, sempre que a administração julgar conveniente fazê-lo”.
O fortalecimento do mercado de capitais acabaria por exigir ainda maior flexibilidade no período de apuração de resultados. Como no diploma que a precedeu, a vigente Lei n. 6.404/1976 viu o debate na sua tramitação: o projeto original, acompanhando o que já determinava o Decreto n. 2.627/1940, limitava o período de apuração a ano ou semestre. De fato, o § 1º do art. 204, que atualmente autoriza a sociedade a “levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital”, foi incluído por obra de emenda legislativa. Pareceu ao Relator Tancredo Neves que, se o “princípio geral” de que “o semestre é o período mínimo de apuração de lucros” serve a “manter a integridade do capital social”, então “não há inconveniente em admitir períodos menores de apuração de lucro” se “a sociedade possui reservas de capital”, estas como uma “proteção adicional ao capital social”18. O parlamentar justificava a medida ante o objetivo maior de “adotar normas mais flexíveis quanto à distribuição”, haja vista que, “para que as ações possam concorrer com os títulos de renda fixa, a companhia de capital aberto poderá adotar orientação de distribuir dividendos em períodos menores que o semestre”.
Com o art. 204 da Lei n. 6.404/1976, estava consolidada a liberdade no tempo para a apuração e distribuição dos resultados. Nem pelo fato de o exercício social obedecer à regra da anualidade naquela lei, o resultado apurado e distribuído a partir de períodos inferiores ao ano será menos válido para o Direito. Afinal, este resultado intercalar ao exercício social é “levantado com observância de todas as prescrições legais e regras contáveis aplicáveis ao balanço anual, mas sem encerramento das contas do resultado do exercício: ainda que a sociedade distribua dividendos com base no lucro apurado, a demonstração do resultado anual abrange os resultados de todo o exercício social”19. Com a distribuição de resultados
apurados em período inferior ao exercício anual, o que se tem são meras “contas redutoras do lucro do exercício”, no que então “a conta do lucro final do exercício não é afetada, e todas as destinações anuais continuam a ser feitas sobre o valor total do lucro social apurado no exercício” – ocorre apenas que “a parcela já distribuída como dividendos intermediários não estará mais disponível para a partilha”20. Daí se afirmar que resultados apurados a partir de período inferior ao exercício social “não constituem mera antecipação do dividendo anual; ao contrário, uma vez distribuídos, tornam-se definitivos e irrevogáveis, não estando sujeitos a qualquer confirmação no balanço anual”21. Anual, semestral, ou mesmo em prazo inferior: a apuração em qualquer dos períodos distribui a acionistas o resultado do negócio, definitivamente.
O PERÍODO DE APURAÇÃO E O IRPJ
Nada obstante, o objetivo de lucro da empresa não atende apenas aos acionistas que ali investiram seu capital. O resultado do negócio interessa, também e sobremaneira, ao Estado, que encontra naqueles lucros uma manifestação de capacidade econômica apta a contribuir para gastos que incorre em prol da coletividade. Eis o imposto de renda: a participação do Estado no resultado do empreendimento, dada a capacidade, revelada no negócio lucrativo, de contribuir para o financiamento de gastos públicos.
A cobrança do imposto, todavia, haveria de aguardar a conclusão do empreendimento do contribuinte, único momento em que a apuração definitiva de um lucro revelaria a sua capacidade contributiva. É sabido que “the correct measure of ability to pay taxes is the complete income, thus the lifetime income of the taxpayer which is not restricted by an arbitrary period of time like one year”22. Evidente que a limitação seria intolerável ao Estado e à sua necessidade financeira corrente, i.e. “practically it is not possible to account a lifetime income and it is not acceptable for the budget if the whole income tax is not paid before the death of the taxpayer”. O interesse financeiro legítimo do Estado cuidou de assegurar, pois, alguma estabilidade ao fluxo de arrecadação para o financiamento público corrente, determinando a cobrança do imposto de renda ainda durante a atividade presente do contribuinte.
Como o Direito Privado, atendendo ao interesse lucrativo do investidor e a dinâmica do mercado de capitais, teve o legislador tributário de segmentar no tempo a apuração de resultados para a retirada de sua participação (o imposto de renda), tendo em vista a contingência financeira do Estado. Para o Direito Tributário, a noção assentada de que a renda tributável conforme a capacidade contributiva somente pode ser apurada com o
encerramento do negócio revela que, fundamentalmente, a cobrança periódica do imposto de renda, qualquer que seja ela, não é mais do que a antecipação daquilo que, a bem dizer, apenas se cobraria pelo Estado na conclusão definitiva da atividade econômica (“lifetime income”). A apuração de um resultado tributável em períodos, mais ou menos largos no tempo, é sempre um artifício com vistas à arrecadação.
A legislação histórica do IRPJ no Brasil demonstra que a anualidade, depois das duas décadas pioneiras do imposto, flexibilizou-se como regra para apuração do resultado tributável. Depois de conviver com a manipulação de seus limites pelo contribuinte, a apuração do imposto de renda se enquadrou dentro do exercício financeiro da União em períodos semestrais e depois mensais, com legislações que, finalmente acatando a política já levantada na Reforma Tributária de 1965, determinaram o levantamento de um resultado tributável e o recolhimento mais tempestivo do IRPJ ao Estado. É o que se expõe nos tópicos a seguir.
A anualidade
No pioneiro Decreto n. 16.581, de 1924, tomava-se como a “base do imposto o lucro líquido, revelado pelos balanços semestraes ou annuaes, conforme estabelecerem os estudos da sociedade” (art. 63). Este apego às regras comerciais, que já conviviam com resultados anuais ou semestrais, não iria além do lucro levantado em balaço, útil para o cálculo do IRPJ: diversamente do Direito Privado, o Direito Tributário fixou o período de 12 meses como a única base de apuração do resultado tributável. Assim determinou o Decreto n. 17.390, de 1926, pelo qual “em cada exercício financeiro, o imposto será calculado na base do rendimento correspondente ao anno encerrado com o ultimo balanço anterior ao dia 1 de junho” (art. 51) – ou, na redação que lhe foi dada pelo Decreto n. 21.554, de 1932, “em cada exercício financeiro, o imposto será calculado na base do rendimento correspondente ao ano encerrado com o último balanço compreensivo de 12 meses de negócios, encerrado até 30 de junho” (art. 51). No Decreto-lei n. 4.178, de 1942, em que “as pessoas jurídicas serão tributadas de acordo com os lucros reais verificados, anualmente, segundo o balanço” (art. 32), o período de apuração também equivalia ao ano civil, mantendo-se a anualidade pela disposição de que “a base do imposto será dada pelos rendimentos brutos, deduções cedulares e abatimentos correspondentes ao ano civil imediatamente anterior ao exercício financeiro em que o imposto for devido (artigo 22)”.
Em suma, o que se tinha era a anualidade como regra para o período de apuração do resultado tributável pelo imposto de renda. Ainda que o Direito Privado autorizasse “levantar balanços semestrais” com vistas à apuração de resultados distribuíveis aos acionistas, para o Direito Tributário “esses balanços intermediários não modificam o período de determinação da renda, que continua a ser anual” – caso fossem apurados
resultados semestrais, “o período base de incidência compreende os dois períodos
semestrais e a base de cálculo do imposto é a soma dos resultados neles apurados”23.
A flexibilização da anualidade: exercício social
No Decreto-lei n. 5.844, de 1943, as pessoas jurídicas seguiram “tributadas de acôrdo com os lucros reais verificados, anualmente, segundo o balanço e a demonstração da conta de lucros e perdas” (art. 32). A “base do imposto” foi, diferentemente, “dada pelo lucro real ou presumido correspondente ao ano social ou civil anterior ao exercício financeiro em que o imposto for devido” (art. 43). Ambos os dispositivos subsistiam no Decreto n. 55.866, de 1965 (arts. 155 e 180). Como nas legislações pretéritas, mantinha-se a ideia de que o imposto era devido em um exercício, sendo o lucro do ano anterior (ano-base) mera base de cálculo praenumerando.
A previsão legal do ano social em alternativa ao ano civil para o período de apuração causou espécie a parcela da literatura, a quem a regra pareceu “inepta”: o “ano social ou ano civil? Quem escolhe entre um e outro? O fisco ou o contribuinte?”24 O dilema decorria da ausência de uma regra que, à época, delimitasse o exercício social das empresas: com liberdade para se determinar a duração e o encerramento do exercício social, o período de apuração do IRPJ terminava ao sabor de escolha essencialmente privada. A própria Lei n. 2.354, de 1954, acrescentou um parágrafo único ao art. 32 do Decreto-lei n. 4.178 para admitir que “quando ocorrer a alteração do exercício social, a tributação será feita com base nos lucros reais verificados no período inferior ou superior a doze meses entre a data do balanço que instruiu a declaração anterior e a do último balanço realizado”.
Era inaugurada a flexibilização da anualidade como regra absoluta para a apuração da base de cálculo do imposto. Enquanto restava à Administração aceitar um “balanço de mais ou de menos doze meses, desde que encerrado no ano base”, a literatura então questionava se a legislatura “não se arrependerá dêste gesto liberal”25.
O “pay-as-you-go” e a reforma tributária
Àquela altura, todavia, já se cogitava alteração significativa na apuração do resultado tributável. Incumbida de reformular e consolidar a legislação do imposto, a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda emitiu um Anteprojeto de Código do Imposto de Renda em 1965. Na sistemática proposta, “os rendimentos, a renda líquida e os ganhos líquidos em transações de capital serão determinados segundo períodos anuais de realização” (art. 159). A pessoa jurídica, nada obstante, estaria obrigada a uma “declaração preliminar de renda”,
que teria “a estimativa dos rendimentos líquidos, da renda líquida e dos ganhos líquidos em transações de capital a serem realizados no próximo período de determinação”, com “o cálculo provisório do imposto total a incidir no período, com base na estimativa da renda” (art. 395). O tributo que fosse “estimado na declaração preliminar de renda das pessoas jurídicas domiciliadas no país será recolhido em tantas prestações mensais quantos forem os meses civis do período de determinação”, cabendo ao contribuinte então “optar na sua declaração preliminar de renda pelo recolhimento em prestações mensais calculadas” em “igual valor, resultantes da divisão do montante total do imposto a ser recolhido pelo número de meses”, ou em “prestações proporcionais ao montante da receita bruta operacional do período” (art. 398). Neste caso, deveria o contribuinte, “na sua declaração preliminar, estimar a receita bruta do período, calcular a percentagem de imposto em relação à mesma, e recolher em cada mês a importância correspondente à aplicação dessa percentagem sobre a receita bruta operacional efetivamente arrecada no mês anterior” (art. 398, § 2º). Na “declaração final de renda referente a cada período de determinação”, a pessoa jurídica poderia descontar, do imposto ali calculado sobre o resultado final do período, o imposto que já pagara “mediante recolhimento durante o período com base em declaração preliminar de renda”, mantida eventual “multa e os juros de mora por atraso no recolhimento de prestações mensais” (art. 404).
Assinado por Bulhões Pedreira, o Anteprojeto dizia buscar a “cobrança do imposto, tanto quanto possível, contemporaneamente à realização do rendimento”, motivo pelo qual determinou que “as empresas deverão recolher seu imposto em parcelas mensais, por estimativa, ajustando a diferença na sua declaração anual”26, nos termos acima. Para propor aquele recolhimento em períodos mensais, o estudioso tinha em vista a contingência típica da macroeconomia dos anos 1960 e 1970, inclusive em economias mais desenvolvidas: a inflação, “reduzindo (em termos reais) todos os créditos em moeda nominal”, e que assim “incentiva o diferimento no tempo da apuração de rendimentos e sua declaração, fazendo como que o fisco receba o imposto em moeda desvalorizada”. A perspectiva era condizente com o relatório de Carl Shoup, docente da Universidade de Columbia que serviu de consultor à Comissão de Reforma. No amplo estudo que apresentou acerca do sistema brasileiro, Shoup dedicou um tópico a “inflation and the taxation of business income”, onde notou que “the price level in Brazil is expected to continue to rise substantially in 1964 and 1965”27.
Sobre a medida proposta acima pelo Anteprojeto, o denominado “Relatório Shoup” recomendou “serious consideration”, vez que seria “one of the major contributions of the Project”28. Ponderou Shoup que um “complete pay-as-you-go would have been especially
helpful to the Treasury in the recent years of inflation”, assinalando que o dito “complete pay-as-you-go will not be achieved until corporations are required to pay their entire tax in estimated quarterly installments as the profit accrues”, até que “a final return after the close of the year would account for the balance of tax due or would claim a refund”. A menção do especialista a uma sistemática “pay-as-you-go” – expressão que, no idioma de origem, denota o regime em que pagamentos seguem a ocorrência do objeto contratado – pode ser explicada pelo sistema então vigente em seu país natal. Nos Estados Unidos, o que se percebia como uma certa “acceleration of corporate income tax payments” culminou com a edição do Revenue Code de 1954 e o que se denominou “partial pay-as-you-go basis”,
i.e. “corporations are required to file a declaration of tax based on their estimate of the current year’s income and to pay a percentage of the estimated tax in two equal instalments before the end of the taxable year”29. Já em 1956, aquela sistemática, determinando o recolhimento em períodos semestrais a partir da renda estimada para o ano, respondia por 90% da arrecadação do imposto de renda corporativo estadunidense.
No plano legislativo, todavia, a recomendação para um sistema como o “pay-as-you-go” do Anteprojeto não prosperaria à época. Mesmo com a reforma tributária de 1965, permaneceu a regra do período de apuração anual para o IRPJ, flexibilizada pela alternativa do exercício social. A vigência daquele regime persistia ainda que “com a elevada inflação e com os abusos na manipulação da liberdade de fixação do período-base fiscal atrelado ao exercício social”: uma vez que a pessoa jurídica era “livre para fixar a data de encerramento do exercício social e a respectiva duração, desde que fechasse qualquer período em qualquer data do ano anterior ao exercício financeiro em que o imposto era devido, motivo pelo qual o período-base podia ser manejado sem infração à lei”, relatando-se que o período de apuração do imposto terminava, mediante deliberação social, “reduzindo-se a um mês (ou mesmo um dia) e estendendo-se até vinte e três meses (ou mesmo um ano e mais trezentos e sessenta e quatro dias)”30. Considerando a corrosão da moeda pela inflação, a apuração do resultado tributável a valores nominais em 23 meses traria óbvia oportunidade de planejamento tributário.
O “pay-as-you-go” deixaria, nada obstante, legado na lei. Ainda que permanecendo a flexibilização da anualidade pelo exercício social, a Reforma e o seu Anteprojeto lograriam inspirar uma modificação com o Decreto-lei n. 62, de 1966, pelo qual “as pessoas jurídicas que, nos termos da legislação vigente, devem apresentar declaração de rendimentos nos meses de fevereiro a maio do exercício financeiro, deverão recolher, mediante guia, até o dia 20 de cada um dos meses que antecederem o da apresentação da declaração de rendimentos, parcelas de antecipação do impôsto a ser lançado” (art. 19, § 2º). As
denominadas “parcelas mensais de antecipação” seriam “determinadas como percentagem da receita bruta registrada pela pessoa jurídica no período base do exercício financeiro em que o imposto for devido” (art. 19, § 3º), sendo que a percentagem “corresponderá a 1/12 (um doze avos) do resultado da divisão do total do impôsto devido no exercício financeiro anterior, pelo montante da receita bruta registrada no exercício social que tiver servido de base ao cálculo do mesmo imposto” (art. 19, § 4º).
Deveria o contribuinte anexar “à sua declaração do impôsto de renda cópias das guias dos recolhimentos antecipados durante os meses do exercício financeiro decorridos até o mês da apresentação da declaração de rendimentos” (art. 19, § 5º), cujo montante seria descontado do saldo devido para o exercício, a ser pago “nos meses restantes do exercício financeiro” (art. 19, § 6º). A falta do dito “recolhimento antecipado” levaria o contribuinte infrator “à multa de 30% (trinta por cento) sobre o montante das parcelas não recolhidas” (art. 19, § 8º).
O regime de 1966 deixava claro o propósito de um recolhimento mais tempestivo para o Estado, como enunciado pelo Anteprojeto de 1965. Embora não se cogitasse uma “declaração preliminar de renda” tal como sugerida pela Reforma, a regra de 1966 tinha o efeito de impor o recolhimento do IRPJ com o início do exercício financeiro, independentemente da data fixada para a declaração de renda ou do mês em que encerrado o período de apuração no ano-calendário anterior. Estreitava-se assim, mesmo que por poucos meses, o lapso com que contava o contribuinte entre o término do seu exercício social (i.e. o período de apuração) e o pagamento do IRPJ, até então fixado para a entrega da declaração de renda no exercício seguinte.
Igual desiderato informou a regra depois editada pelo Decreto-lei n. 1.704 em 1979, pela qual “a pessoa jurídica que não encerrar balanço anual no dia 31 de dezembro e cujo último lançamento de imposto de renda, com base na declaração de rendimentos, tenha sido de valor igual ou superior a Cr$ 300.000,00 é obrigada, a partir de janeiro de 1980, a recolher em parcelas mensais, a título de antecipação, o imposto de renda correspondente ao exercício financeiro em que for devido” (art. 2º). Aqui, a “parcela mensal de antecipação” seria fixada em “instruções a serem baixadas pelo Ministro da Fazenda, tendo por referência o último lançamento do imposto anual, ajustado pela variação na receita líquida, de vendas e serviços da pessoa jurídica no último período-base” (art. 2º, § 2º), também sujeitando o contribuinte infrator “à multa de 30% (trinta por cento) sobre o montante não recolhido no prazo devido” (art. 2º, § 3º).
Nas regras de 1966 e 1979, em suma, o recolhimento do IRPJ iniciava juntamente com o exercício financeiro da União, e ainda antes de apresentada a declaração de renda pelos contribuintes. A estes, todavia, continuava possível eximir-se de qualquer pagamento entre a data em que encerrado o exercício social (e concluído o período de apuração do imposto)
e o término do respectivo ano-calendário. O cenário se alteraria em 1982, com o regime de duodécimos e antecipações exposto abaixo.
A flexibilização da anualidade: duodécimos e antecipações
Maior reação legislativa à regra do exercício social viria no Decreto-lei n. 1.967/1982. Embora admitindo períodos de apuração que superassem (ou sequer alcançassem) os 12 meses, a depender do exercício social, determinou o diploma que “o imposto será pago em parcelas mensais sob a forma de antecipações, duodécimos ou quotas” (art. 3º). Prazos foram fixados para que os contribuintes apresentassem “declaração de rendimentos em cada exercício financeiro da União [...] segundo a base de cálculo do imposto e o mês do término, no ano- calendário anterior, do período-base de incidência” (art. 1º), a partir daí disciplinando-se o recolhimento do IRPJ conforme o momento em que encerrado o período de apuração no exercício anterior.
Para as “pessoas jurídicas cujo período-base de incidência terminar no mês de dezembro”, o imposto seria pago “em doze parcelas mensais, no curso do exercício financeiro a que corresponder”, sendo que “nos meses que antecederam ao da entrega da declaração de rendimentos, as parcelas do imposto serão pagas sob a forma de duodécimos” (art. 7º). Para “as pessoas jurídicas cujo período-base de incidência não terminar no mês de dezembro”, o imposto também seria pago “em doze parcelas mensais” – todavia, “nos meses que antecederem o início do exercício financeiro, as parcelas do imposto serão pagas sob a forma de antecipação”, mantidos os “duodécimos” acima para os “meses do exercício financeiro que antecederem ao fixado para apresentação da declaração de rendimentos” (art. 8º). Já para “as pessoas jurídicas cujo período-base de incidência for superior a doze meses, em decorrência de alteração da data do término do exercício social ou da data de apuração anual do resultado”, a base de cálculo do imposto devido no exercício seria “o resultado da adição: a) da parcela do lucro real calculado com base em balanço relativo aos primeiros doze meses do período base de incidência” e “b) da parcela do lucro real calculado com base em balanço relativo aos meses restantes para completar o período-base de incidência” (art. 9º). O imposto então calculado seria “pago em tantas parcelas quantos forem os meses do período-base”, na “forma de antecipação” nos “meses que antecederem o início do exercício financeiro” e na “forma de duodécimos” para os “meses do exercício financeiro que antecederem ao fixado para apresentação da declaração de rendimentos”. Em todas as hipóteses, previa-se que “a falta ou insuficiência de recolhimento do imposto, antecipação, duodécimo ou quota, nos prazos fixados neste Decreto-lei, apresentada ou não a declaração de rendimentos, sujeitará o contribuinte à multa de mora de vinte por cento ou à multa de lançamento ex officio, acrescida, em qualquer dos casos, de juros de mora” (art. 16).
Assim colocado, o regime de 1982 compatibilizou a regra do período de apuração, então suscetível ao limite maleável do exercício social, com o ideal de recolhimentos mais
tempestivos ao Estado. Através das “antecipações”, algum imposto era sempre recolhido em determinado exercício, de modo a contornar a prática de contribuintes que, manipulando a duração do exercício social de seu negócio (seja para estender o período de apuração para além de 12 meses, ou encerrá-lo logo com o início de um certo exercício financeiro), logravam eximir-se de parcela relevante da cobrança até o exercício seguinte, quando o IRPJ se considerava devido.
Vigente o regime legal de “antecipações”, qualquer que fosse o momento em que o ano social se encerrasse em um determinado exercício (e, ipso facto, fosse concluído o período de apuração do resultado tributável), iniciar-se-ia o recolhimento do IRPJ respectivo ao Estado, mensalmente.
O rompimento com a anualidade
Ainda maior reação legislativa viria em 1985, com a Lei n. 7.450. Nesta, fixou-se que, “para efeito de apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas, o período-base de incidência será de 1º de janeiro a 31 de dezembro” (art. 16). Não mais se tinha regime praenumerando, já que a incidência se dava no próprio encerramento do período-base. Ao mesmo tempo, era extinta a alternativa do exercício social como um período de apuração do resultado tributável. Este período tampouco retornava à regra do ano civil, que poderia se esgotar em qualquer lapso de 12 meses. O período de apuração era finalmente equiparado, rigorosamente, ao exercício financeiro da União.
A eliminação da alternativa do exercício social cessou de uma vez com a corriqueira manipulação do período de apuração do resultado tributável, conveniente para a redução da carga tributária efetiva em virtude da altíssima inflação do período. Por conseguinte, a Lei n. 7.450/1985 pôde então determinar “extintos os regimes de antecipação e de duodécimos previstos na legislação do imposto de renda para as pessoas jurídicas”, e tão somente estabelecer que o IRPJ de um exercício (financeiro) seria pago em quotas “vencíveis a partir do mês fixado para a entrega da declaração” (art. 22).
Se serviu a contornar abusos, o apego a um período estático de 12 meses, cerrado no exercício financeiro da União, não implicou o retorno à regra da anualidade do período de apuração. Pelo contrário: na Lei n. 7.450/1985, os contribuintes de maior capacidade econômica foram obrigados a um período inferior para levantamento de seu resultado tributável: ali, “as pessoas jurídicas cujo lucro real ou arbitrado, no exercício financeiro de 1985, tenha sido igual ou superior a 40.000 (quarenta mil) ORTN serão tributadas com base no lucro real ou arbitrado, apurado semestralmente nos meses de junho e dezembro de cada ano” (art. 17). No período semestral assim previsto, já não havia qualquer regra de anualidade.
A correlação do período-base com o exercício financeiro da União não buscava mais do que um limite máximo e estático para o levantamento do resultado tributável pelo imposto. É
dizer: a partir da nova regra, estavam proibidos os períodos que, a par de encerrados em qualquer momento do ano, antes se estendiam para além de 12 meses. Nestes termos, a reação legislativa era no sentido da redução do período de apuração do resultado tributável. Este período, longe de corresponder absolutamente ao exercício financeiro da União, tornava-se obrigatoriamente semestral à parcela mais expressiva da arrecadação do IRPJ. No posterior Decreto-lei n. 2.283/1986, que aliviou a obrigatoriedade do período semestral aos que “demonstrarem ter praticado a política de preços nos critérios adotados pelos órgãos competentes do Ministério da Fazenda”, transpareceu, mesmo, o contexto que se viu acima tipicamente motivar a sistemática de recolhimentos mais tempestivos ao Estado: a inflação.
Já em 1987, o Decreto-lei n. 2.354 expressou ainda maior contingência por aqueles recolhimentos tempestivos quando revogou o período semestral e restabeleceu que “o imposto de renda das pessoas jurídicas será pago em parcelas mensais sob a forma de antecipações, duodécimos ou quotas” (art. 2º). Face à sistemática de 1982 acima, em que as “antecipações” somente denotavam o pagamento imediato e mensal do imposto já calculado em virtude do encerramento de seu período de apuração (que poderia se dar ainda no decorrer de um certo exercício financeiro), a novidade em 1987 estava em que as ditas “antecipações” de fato integravam uma apuração que somente se encerraria mais tarde, com o término do seu período, agora delimitado no exercício financeiro da União. Ou seja: os pagamentos estariam “antecipando”, pelos seus efeitos, o recolhimento daquele tributo.
De fato, deveriam as pessoas jurídicas obrigadas ao adicional de imposto quando da declaração de rendimentos apresentada em abril (i.e. aquelas com resultado superior a quarenta mil ORTN) “pagar o imposto relativo ao exercício financeiro subsequente em doze parcelas mensais” (art. 3º). O cronograma estabelecia que, nos “meses de setembro a dezembro que antecederem o início do exercício financeiro, as parcelas do imposto serão pagas sob a forma de antecipação”; nos “meses de janeiro a março do exercício financeiro, as parcelas do imposto serão pagas sob a forma de duodécimos” (art. 3º, I e II). Cada uma das parcelas deveria ser “igual a 1/12 (um doze avos) do imposto e adicional devidos pelo contribuinte no exercício financeiro em que se deva iniciar o pagamento das antecipações”, podendo o contribuinte, alternativamente, calcular as antecipações “à razão de 1/6 (um sexto) do imposto e adicional incidentes sobre o resultado apurado em balanço ou balancete levantado em 30 de junho do período-base em curso”, em demonstração financeira que “somente produzirá efeitos para o cálculo das antecipações” (art. 4º). Com a “declaração de rendimentos”, em abril do exercício seguinte, seriam então “deduzidas as antecipações e os duodécimos efetivamente pagos”, e o “saldo do imposto devido” com base no período anual anterior seria “dividido em cinco quotas iguais a serem pagas a partir do mês de abril do exercício financeiro” (art. 3º, III). Determinava-se, finalmente, que a “falta ou insuficiência de pagamento do imposto, antecipação, duodécimo ou quota, nos prazos
fixados, sujeitará o contribuinte às penalidades previstas na legislação do imposto de renda” (art. 2º, § 2º). A sistemática foi depois incorporada na Lei n. 7.799/1989, que apenas substituiu a antiga referência às Obrigações do Tesouro Nacional (OTN) pelo “BTN Fiscal”, nova referência para indexação de tributos federais (art. 35).
O regime de bases correntes de 1987, encampado em 1989, finalmente introduziu na legislação do IRPJ sistemática que se poderia comparar à “pay-as-you-go”, almejada em 1965 pela Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Como recomendaram os estudiosos, apuração e recolhimento do IRPJ não mais aguardariam o encerramento de um ano, ou mesmo do semestre; dar-se-iam, antes, em periodicidade mensal, a partir de uma base estimada, de forma a cumprir com o desiderato de tempestividade dos pagamentos ao Estado. Com a declaração de ajuste, em período anual, o imposto que se calculasse sobre o lucro real do exercício já se teria saldado, parcial ou totalmente, pelos recolhimentos mensais, mais tempestivos.
Aquele propósito ficou ainda mais evidente com a Lei n. 8.383/1991, pela qual “o imposto de renda das pessoas jurídicas será devido mensalmente, à medida em que os lucros forem auferidos” (art. 38). Na sistemática prevista, deveriam as pessoas jurídicas “apurar, mensalmente, a base de cálculo do imposto e o imposto devido” no respectivo mês, determinando-se, mesmo, que “o prejuízo apurado na demonstração do lucro real em um mês poderá ser compensado com o lucro real dos meses subsequentes” (art. 38, §§ 1º e 7º). Noutras palavras, a apuração do resultado tributável na Lei n. 8.383/1991 descia a um período mensal, exclusivamente.
Alternativamente, “as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real” poderiam optar pelo pagamento do “imposto devido mensalmente” em cálculo “por estimativa” (art. 39). Entre os meses de janeiro a agosto, “o imposto estimado corresponderá, em cada mês, a um duodécimo do imposto e adicional apurados no balanço anual de 31 dezembro do ano anterior”; “nos meses de setembro a dezembro, o imposto estimado corresponderá, em cada mês, a um sexto do imposto e adicional apurados em balanço ou balancete semestral levantado em 30 de junho do ano em curso” (art. 39, I a III). A qualquer tempo, poderia a pessoa jurídica “suspender ou reduzir o pagamento do imposto mensal estimado, enquanto balanços ou balancetes mensais demonstrarem que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto calculado com base no lucro real do período em curso” (art. 39, § 2º).
Ainda na Lei n. 8.383/1991, deveriam os contribuintes do IRPJ “apresentar, em cada ano, declaração de ajuste anual consolidando os resultados mensais auferidos nos meses de janeiro a dezembro do ano anterior”, com observação de que “os resultados mensais serão apurados, ainda que a pessoa jurídica tenha optado pela forma de pagamento do imposto e adicional referida no art. 39”, i.e. por estimativa (art. 43). Desta forma, “a diferença entre o imposto devido, apurado na declaração de ajuste anual (art. 43), e a importância paga” por estimativa seria “paga em quota única, até a data fixada para a entrega da declaração de
ajuste anual, se positiva”, ou compensada “com o imposto mensal a ser pago nos meses subsequentes ao fixado para a entrega da declaração de ajuste anual, se negativa, assegurada a alternativa de requerer a restituição do montante pago indevidamente” (art. 39, § 5º).
A sistemática acima foi objeto de parecer da lavra de Ives Gandra da Silva Martins, solicitado por Tercio Sampaio Ferraz Junior. O então Procurador-Geral da Fazenda Nacional perguntou ao colega docente, diante da iniciativa do Poder Executivo, se “o pagamento do imposto em 12 parcelas calculadas por estimativa significa uma forma de antecipação”, e também se “em termos de aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, o fato gerador é ali tratado de forma constitucionalmente adequada”31. No conciso texto publicado na Revista de Direito Administrativo, o parecerista respondeu que “o pagamento do imposto em 12 parcelas não significa antecipação”: em “nenhum momento, o dispositivo faz menção a uma antecipação de imposto cuja incidência ocorreria no futuro”. O regime traria, antes, “uma forma de estimativa do imposto incidente sobre fatos geradores ocorridos e que são, de rigor, os que exteriorizam a aquisição de cada disponibilidade econômica e jurídica”. Com igual lucidez, o parecerista questionou a noção de um “fato gerador pendente em cada aquisição de disponibilidade e um fato gerador completado ao final do período”, apontando que, no sistema legal, “a cada aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica ocorre um fato gerador”. Para o jurista, a estimativa mensal apenas não poderia implicar “um sistema rígido, passível de gerar a incidência sobre uma ‘não disponibilidade adquirida’ – obrigando a pessoa jurídica, mesmo sem ter lucro, a recolher o ‘imposto’ pretendido”. Incidência, todavia, que não se materializava: ponderou o autor que “em nenhum momento, haverá incidência de tributo sobre ‘não aquisições de disponibilidades econômicas’, possuindo o sistema mecanismo adequado para que se pague o tributo à medida que se adquiram as disponibilidades, cabendo ao contribuinte, por seus controles internos e contábeis, definir o nível do pagamento para que não pague tributo sobre renda que não auferiu”.
São muito precisas as assertivas do autor. Na sistemática que seguiu ao Decreto-lei n. 2.354/1987, a previsão de períodos mensais de apuração e recolhimento de IRPJ relegou o período anual, encerrado em 31 de dezembro, a uma mera oportunidade para que o contribuinte confrontasse o imposto mensal em base estimada com o lucro real, base em que as despesas são deduzidas da receita com vistas à renda líquida. O confronto é exigência do princípio da capacidade contributiva, como explica o tópico VI seguinte, e não retira do recolhimento mensal a natureza de uma obrigação tributária de imposto de renda, apenas apurado em período mensal, com “fato gerador” próprio. Evidência disso está em que, caso a pessoa jurídica apurasse o lucro real mensal ou levantasse balancetes mensais
para redução ou suspensão do imposto estimado, nada sequer restaria a saldar ou restituir com o final do exercício: aqui, o período anual não tinha nenhum significado financeiro ao Estado e contribuinte.
Valiam, com ou sem o ajuste em um período anual, as obrigações tributárias mensais de IRPJ, com “fatos geradores” autônomos e que exteriorizavam – para retomar a dicção de Ives Gandra – “a aquisição de cada disponibilidade econômica e jurídica” mensalmente, ainda que em base estimada. O período de apuração era mensal, com “fatos geradores” levando a obrigações tributárias IRPJ cujo descumprimento, na própria Lei n. 8.383/1991, sujeitaria o contribuinte “à multa de mora de vinte por cento e a juros de mora de um por cento ao mês-calendário” (art. 59). A existência de um período anual, coincidente com o exercício financeiro da União, para que o contribuinte confrontasse os impostos mensais pagos em base estimada com o lucro real verificado ao longo do exercício nada alterava ou prejudicava nos períodos mensais de apuração do IRPJ, com as respectivas obrigações tributárias. Afinal, a capacidade contributiva é matéria que se apura apenas no final do empreendimento. Qualquer corte temporal, seja ele mensal, semestral ou anual, é uma concessão à praticabilidade; o cuidado do legislador, daí, em permitir que anualmente se façam os ajustes é medida adequada para que se concilie a necessidade da arrecadação corrente, pelo Estado, com o direito do contribuinte de só ver exigido imposto sobre efetiva manifestação de capacidade contributiva.
Aquele período mensal foi mantido na Lei n. 8.541/1992, onde o IRPJ era “devido mensalmente, à medida em que os lucros forem sendo auferidos” (art. 1º), cabendo à pessoa jurídica “apurar mensalmente os seus resultados” (art. 3º). Como na Lei n. 8.383/1991 acima, a lei de 1992 autorizava que as “pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real poderão optar pelo pagamento do imposto mensal calculado por estimativa” (art. 23), caso em que seriam aplicáveis, para o cálculo daquele pagamento, “as disposições pertinentes à apuração do lucro presumido” (art. 24). Diversamente da lei anterior, a Lei n. 8.541/1992 não previu mecanismo de balancetes para a suspensão ou redução das estimativas; estabeleceu, apenas, que “a pessoa jurídica que optar” pela base de cálculo estimada “poderá alterar sua opção e passar a recolher o imposto com base no lucro real mensal” (art. 23, § 3º). De toda forma, o contribuinte que optasse pelo imposto estimado deveria “apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano ou na data de encerramento de suas atividades”, no que “o imposto recolhido por estimativa [...] será deduzido [...] do apurado na declaração anual” (art. 25, § 1º). A “diferença verificada entre o imposto devido na declaração e o imposto pago referente aos meses do período-base anual” seria “paga em quota única, até a fixada para entrega da declaração anual quando positiva”, ou então “compensada, corrigida monetariamente, com o imposto mensal a ser pago nos meses subsequentes ao fixado para a entrega da declaração anual se negativa, assegurada a alternativa de restituição do montante pago a maior” (art. 28).
Na posterior Lei n. 8.981/1995, onde o IRPJ também se dizia “devido à medida em que os rendimentos, ganhos e lucros forem sendo auferidos” (art. 25), a base estimada não era alternativa para o imposto mensal, mas a regra. Para “efeito de apuração do Imposto de Renda, relativo aos fatos geradores ocorridos em cada mês” (art. 27), aquela lei definia que a “base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de cinco por cento sobre a receita bruta registrada na escrituração”, via de regra, com a previsão dos percentuais de 1%, 9%, 10% e 30% para certas atividades (art. 28). A lei de 1995, nada obstante, retomou o mecanismo da Lei n. 8.383/1991 acima, e estabeleceu que “a pessoa jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do imposto devido em cada mês, desde que demonstre, através de balanços ou balancetes mensais, que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto, inclusive adicional, calculado com base no lucro real do período em curso” (art. 35). Então, “sem prejuízo dos pagamentos mensais do imposto, as pessoas jurídicas [...] deverão, para efeito de determinação do saldo de imposto a pagar ou a ser compensado, apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano-calendário ou na data da extinção” (art. 37).
Nos sucessivos regimes legais, parece claro o estreitamento da apuração do resultado tributável pelo IRPJ, providência que terminou por assegurar o fluxo de recolhimento daquele imposto mediante obrigações tributárias mensais ao contribuinte. Depois de rompida a regra da anualidade, historicamente já flexibilizada, pelo período semestral na Lei n. 7.450/1985, a previsão de recolhimentos em períodos mensais de apuração nos regimes seguintes deixou ao período anual o papel de simples acertamento de contas vis-à-vis o lucro real. Aquele ajuste, que serve ao princípio da capacidade contributiva conforme explica abaixo o tópico VI, não infirma a periodicidade mensal do IRPJ, inclusive se calculado em base estimada.
O PERÍODO MENSAL E O ORDENAMENTO
Considerado o exposto nos tópicos anteriores, não parece acertado sustentar que a Constituição Federal “pressupõe o período anual”, no que “a redução drástica de incidência e de apuração do imposto seria absolutamente inconstitucional, se não fosse opcional”32. Se é correto que o ordenamento constitucional concede “ao orçamento e ao exercício financeiro anual”, nem por isso aquelas máximas do Direito Financeiro são cogentes para a sistemática do imposto de renda. A limitação do período de apuração do IRPJ ao exercício financeiro da União, além de sobremodo tardia no Direito Tributário do País, viera pari passu de períodos de apuração semestrais e então mensais, em nítido movimento de enquadramento e redução de um período antes fluído, no interesse de recolhimentos mais tempestivos ao Estado.
Tampouco é cediço que “apenas o período anual bitola razoavelmente a atividade da pessoa (física ou jurídica)”33. Basta lembrar que desde há muito o Direito Privado abandonou a anualidade como regra para a apuração e distribuição de resultados aos acionistas, dada a dinâmica dos negócios. Se os resultados se apuram e distribuem em períodos inferiores, por que haveria o legislador tributário de se condicionar ao período anual para que o Estado pudesse haver a sua parcela no resultado do empreendimento? Nada na Constituição Federal parece cerrar o “fato gerador” do IRPJ em 31 de dezembro de cada ano.
Em verdade, a sistemática de recolhimento mediante as antecipações e duodécimos, conforme prevista pelo Decreto-lei n. 2.354/1987 acima, já foi levada ao Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que os dispositivos legais “pretenderam instituir manifestos empréstimos compulsórios”, vez que implicariam pagamento de tributos “antes dos respectivos fatos geradores”, supostamente ocorridos apenas com o final do exercício respectivo34. In casu, o acórdão do Tribunal foi unânime em manter a decisão recorrida, segundo a qual as antecipações “não violam qualquer princípio constitucional”, porque “ajustada ao entendimento do Supremo Tribunal Federal”.
De fato, o Tribunal já chegara à conclusão de que a “forma do recolhimento” seria uma questão “sem nível constitucional” em precedente sobre a Lei n. 7.787/1989, que estendeu à CSL a regra de antecipações e duodécimos35. A conclusão igualmente prosperou para o IRPJ, no que foram negados recursos contra acórdãos de tribunais federais que, e.g., entenderam que “o recolhimento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), sob a forma de antecipações, nos termos preconizados pelo Decreto-lei nº 2.354/87 é inteiramente cabível, uma vez que as empresas, ao longo de seu exercício, auferem renda, daí por que a apuração e tributação do lucro por unidade de fato aquisitivo não padecem de qualquer inconstitucionalidade”36. Sobre a matéria, o Supremo Tribunal chegou, mesmo, ao exagero de que “cada fato se enfileira numa série que se encerra em 31 de dezembro, mas, visto isoladamente, não deixa de ter força geradora da correspondente obrigação tributária”, tendo “existência jurídica”37. A questão das antecipações já se considerou, assim, “dirimida por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal”38 e, mesmo em decisões mais recentes, a corte segue a reiterar que “a forma de recolhimento do imposto de renda [...] não alcança
status constitucional, porquanto solvida à luz da interpretação da legislação
infraconstitucional”39.
Na vigente Lei n. 9.430/1996, o que se constata, nestes termos, é a opção legislativa por um período trimestral de apuração do IRPJ, sem que se possa vislumbrar por que aquela lei teria de manter compromisso com a anualidade, período de resto há muito superado pela legislação societária, que admite o caráter definitivo dos dividendos intermediários e, igualmente, pela contingência financeira do Estado para o levantamento de um resultado tributável. Ao ditar que “o imposto de renda das pessoas jurídicas será determinado com base no lucro real [...] por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro” (art. 1º), a Lei n. 9.430/1996 reitera a tendência, já consolidada nas leis anteriores, de rompimento com um período de 12 meses para a apuração do IRPJ – regra que, à exceção das duas décadas primeiras do imposto, nunca vigorou de forma absoluta no Brasil.
De outro lado, a Lei n. 9.430/1996 prevê que “a pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada”, caso em que se aplicam os percentuais do regime de lucro presumido, sendo que “o imposto a ser pago mensalmente na forma deste artigo será determinado mediante a aplicação, sobre a base de cálculo, da alíquota de quinze por cento” (art. 2º, § 1º). A lei vigente remete (art. 2º), ainda, ao art. 35 da Lei n. 8.981/1995, assim incorporando à sua sistemática que “a pessoa jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do imposto devido em cada mês, desde que demonstre, através de balanços ou balancetes mensais, que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto, inclusive adicional, calculado com base no lucro real do período em curso”. Em todo caso, “a pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano” (art. 2º, § 3º), no que, depois de deduzidos os pagamentos mensais de imposto, “o saldo do imposto apurado em 31 de dezembro”, se positivo, “será pago em quota única, até o último dia útil de março do ano subsequente”; se negativo, “poderá ser objeto de restituição ou de compensação” (art. 6º, § 1º).
Sabidamente, a escolha pela apuração do IRPJ em períodos trimestrais ou mensais é colocada à conveniência do contribuinte, com várias circunstâncias a ponderar. Muito premente na decisão está o levantamento de demonstrações financeiras trimestrais, sobre as quais o lucro real é calculado, em providência mais onerosa ao contribuinte que a apuração sobre a base estimada, ainda que mensal. Afinal, escolhido o regime mensal, a obrigação de levantar uma demonstração financeira pode se resumir em 31 de dezembro, quando o contribuinte deve calcular o lucro real para o período anual. O mandamento legal não desnatura os pagamentos mensais, que seguem como obrigações tributárias de IRPJ,
mas somente acerta a renda líquida, como recomenda o princípio da capacidade contributiva. Sim, pode-se afirmar que a cada mês surge uma obrigação tributária. De que outra forma, se não como uma obrigação tributária autônoma, poderia o imposto mensal sujeitar a pessoa jurídica, na própria Lei n. 9.430/96, a multa de “50% (cinquenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal” que deixar de ser efetuado, “ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal” (art. 44, II, “b”)?
É verdadeiro que, caso já encerrado o exercício em que devido o imposto mensal, certa linha jurisprudencial tem entendido que, em eventual lançamento de ofício pela Administração Tributária, “a infração que se pretende repreender com a exigência isolada da multa (ausência de recolhimento mensal do IRPJ e CSLL por estimativa) é completamente abrangida por eventual infração que acarrete, ao final do ano calendário, o recolhimento a menor dos tributos”40. A posição tem em vista que, para a falta de recolhimento do IRPJ sobre o lucro real anual, a Lei n. 9.430/1996 também prevê uma multa específica, de “75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto” (art. 44, I). Como o inadimplemento do IRPJ sobre o lucro real anual decorre do pagamento a menor dos próprios impostos mensais, aquelas duas infrações, antes distintas, terminam por se colocar em relação de causa e efeito. É dizer: via de regra, não há meio de se infringir o recolhimento do IRPJ anual sem ter sido infringida a própria obrigação mensal com o Erário. Daí a jurisprudência, diante do nexo de dependência, afastar a dita “multa isolada”, reconhecendo que “o princípio da consunção (também conhecido como Princípio da Absorção) é aplicável nos casos em que há uma sucessão de condutas típicas com existência de um nexo de dependência entre elas”41. O princípio penal da consunção exigirá o afastamento da “multa isolada”, com a prevalência da “multa de ofício”, que encerra, ela própria, a conduta sancionada pela anterior.
A aplicação do princípio da consunção, todavia, se orienta pela natureza – punitiva – daquelas multas. Sanções tributárias têm natureza punitiva: com as multas, não se indeniza o Erário, mas se pune o contribuinte pela violação da lei. A aplicação jurisprudencial do princípio da consunção é apenas um exemplo da permeabilidade de princípios entre o Direito Penal Tributário e o Direito Tributário Penal, muitos dos primeiros expressamente recebidos pelo Código Tributário Nacional, estendendo-se ao ius tributandi42. Ou seja: tratando-se “as multas tributárias de medidas sancionatórias, aplica- se a lógica do princípio penal da consunção, em que a infração mais grave abrange aquela menor que lhe é preparatória ou subjacente”43, sendo apenas em virtude da “lógica do princípio penal da consunção” que se conclui que “não se pode exigir concomitantemente
a multa isolada e a multa de ofício”44. Nada no raciocínio, próprio de Direito Tributário Penal, infirma a natureza e a autonomia dos impostos mensais como obrigações tributárias de IRPJ. Basta notar que, a despeito de o princípio da consunção eliminar a cobrança da “multa isolada” depois de encerrado o exercício, permanecem devidos os juros de mora sobre o imposto mensal que deixou de ser recolhido tempestivamente ao Estado. Ora, se há juros de mora é porque o imposto é devido. Se este é devido, é porque houve um fato jurídico tributário. Por outro lado, se o exercício ainda estiver em curso, então a “multa isolada”, legitimamente fundamentada no ius tributandi, sequer poderá ser afastada, tendo em vista o descumprimento de uma obrigação tributária de IRPJ, apurado mensalmente.
Em síntese, o recolhimento mensal previsto na Lei n. 9.430/1996, como em regimes que a precederam, é obrigação tributária de IRPJ, decorrente de “fato gerador” presente e levando a imposto devido pelo contribuinte, com apuração em um período mensal. A ver no tópico seguinte, o fato de aqueles pagamentos mais tarde se confrontarem com o IRPJ devido em um período anual, sobre o lucro o real do exercício, não desnatura o pagamento daqueles impostos, mas atende ao princípio da capacidade contributiva. Uma base dita “estimada” para o cálculo tampouco desmerece aquelas obrigações mensais, porque plenamente condizente com o aspecto material do “fato gerador” do imposto de renda.
A BASE ESTIMADA E O ACERTAMENTO ANUAL
Um imposto sobre uma base estimada, ou calculado “por estimativa”, implica a ideia de aproximação. Cogita-se, aqui, uma base de cálculo que não corresponde às contas correntes do contribuinte, mas que, por se aproximar razoavelmente daquele valor, é considerada adequada para mensurar o “fato gerador”.
O sistema brasileiro nunca divergiu de tantos outros que ignoram contas correntes do contribuinte para amparar o tributo em índices diversos, presumivelmente suficientes para quantificar o “fato gerador”. São diversos os exemplos, presentes e passados. Assim foi na Contribuição ao PIS, cujo “fato gerador” na Lei Complementar n. 7/1970 trazia o faturamento mensal: sendo inconcebível que a empresa conhecesse, ao final do mês, o faturamento exato do período, a lei optou por uma base praenumerando, tomando-se o faturamento do sexto mês anterior ao do “fato gerador” como a base de cálculo daquele tributo, o que revela a presunção, da parte do legislador, de que o faturamento pretérito seria uma aproximação adequada do presente. Assim também é com a apuração do Imposto sobre Veículos Automotores pelos Estados: embora o critério temporal do “fato gerador” esteja no 1º de janeiro, muitas vezes a base de cálculo se define pelo valor médio do veículo em determinada época do ano anterior. Desde a Lei n. 4.506/1964, o Imposto sobre Produtos Industrializados toma como o “valor tributável” o preço “no mercado atacadista da praça do remetente” se “a saída se der a título de locação ou arrendamento mercantil ou
decorrer de operação a título gratuito”, ou então saída “a estabelecimento de firma com a qual mantenha relação de interdependência”. Não é raro, ainda, que a legislação municipal do Imposto sobre Serviços defina que, para a base de cálculo, “o preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria Municipal de Finanças em pauta que reflita o corrente na praça”, como no Decreto n. 53.151/2012, de São Paulo.
Também no IRPJ a tributação baseada em aproximações se fez presente. Basta lembrar que o tributo devido em um determinado exercício era apurado a partir do resultado do ano- calendário anterior, que se considerava o período-base do lucro real antes que a Lei n. 7.450/1985 inaugurasse o cálculo do IRPJ em bases correntes. Até então, falava-se na literatura em uma “teoria da renda ficta do exercício”, conforme a qual “a renda objeto de lançamento em cada exercício é tomada ‘de empréstimo’ ao ano anterior, e considerada, por ficção legal, auferida no próprio exercício em que o tributo é lançado e arrecadado”45. Ou seja: a renda seria “considerada auferida no exercício financeiro da União (ano subsequente), como se fosse a renda obtida no ano-base mera estimativa da renda (por ficção) ganha no exercício financeiro e sujeita ao imposto”46. Como visto acima, tratava-se de regime praenumerando, superado no ordenamento por uma sistemática postnumerando quando, em 1985, o IRPJ passou a ser considerado apurado e devido, nominalmente, no próprio ano-calendário a que compete o resultado tributável. No exercício subsequente, o tributo é apenas recolhido ao Erário.
O caso do IRPJ mensal merece análise mais detida. Afinal, mesmo depois que o lucro real do exercício passou a bases correntes, os pagamentos mensais seguiram calculados sobre uma base que não determina, como aquela apuração anual, o resultado líquido das contas correntes. À exceção do lucro real mensal, estabelecido nas Leis n. 8.383/1991 e n. 8.541/1992, o imposto do mês, dito “por estimativa”, não se calcula sobre um encontro de receitas e despesas com vistas a exprimir o acréscimo patrimonial líquido naquele lapso de tempo. No mês, a renda do contribuinte é determinada a partir de índices legais diversos, que ora se apegaram a resultado do período anual anterior, proporcionalizado para o mês (caso do Decreto-lei n. 2.354/1987 e da Lei n. 7.799/1989), ora partiram de coeficientes percentuais de lucratividade, então aplicados sobre a receita bruta do mês (como se viu nas Leis n. 8.383/1991, n. 8.541/1992, n. 8.981/1995 e n. 9.430/1996 acima). Tratar-se-ia de imposto de renda o pagamento mensal calculado “por estimativa”, sobre aquela base de cálculo presumida, ainda que o contribuinte não considere, naquele período mensal, as despesas que efetivamente incorreu para a obtenção da receita?
Parece correto dizer que sim. De início, é preciso ter em vista que, sob perspectiva econômica e fundamental, o conceito de renda se traduz em termos de satisfação e bem- estar do indivíduo47. O raciocínio é simples, e parte da premissa de que os agentes econômicos buscam o seu bem-estar. Se o Estado precisa tomar recursos da sociedade, deve então optar por aqueles que tenham maior bem-estar: são os que tendem a ter maior resiliência à tributação, porque capazes de se recuperar com maior facilidade do que os agentes menos eficientes e bem-sucedidos.
Ocorre que é impossível mensurar o bem-estar, objetivamente. São as mais plurívocas as formulações econômicas que, no propósito de identificar aquela medida, propõem um conceito de renda. É exemplo o Modelo Schanz-Haig-Simons (ou “SHS”): os economistas pioneiros consideram todos os acréscimos experimentados no período, e então somam a eles o consumo despendido. No conceito SHS, sustenta-se que o bem-estar (i.e. a renda) pode ser mensurado a partir do consumo (forma mais imediata de satisfação, ou de bem- estar) e variação patrimonial positiva (i.e. acréscimo patrimonial – a satisfação da segurança de que se poderá consumir no futuro).
Juridicamente, a amplitude do conceito de renda na Ciência das Finanças desaguou na variedade de regimes para o cálculo do imposto, inclusive a partir de métodos – ditos “indiretos” – que não se baseiam nos resultados correntes e líquidos do contribuinte. É deveras comum, em Direito Comparado, o emprego de regimes que deixam de lado o lucro real do contribuinte para apurar a renda tributável através de métodos diversos, seja para imputar renda ao contribuinte quando nenhum ingresso financeiro teve lugar – caso da “imputed income” –, seja para simplesmente ignorar aquele resultado efetivo, substituído por um lucro presumido – caso da “deemed income”48. A tributação da renda apurada indiretamente é o que orienta, dentre outras sistemáticas em Direito Comparado, a “estimación objetiva” espanhola, a avaliação “forfataire” francesa e a “Pauschalbesteuerung” alemã49. Todos aqueles regimes igualmente legítimos, porque fazendo uma representação aproximada – ou “proxy” – para o acréscimo de poder econômico, bem-estar – i.e. renda – do contribuinte. Daí se afirmar que a tributação presumida envolve um “proxy da renda real do contribuinte”, tal como o faz todo e qualquer modelo proposto a mensurar o acréscimo satisfatório de poder econômico que experimenta o contribuinte50.
Em verdade, sequer se poderia cogitar, propriamente, a “renda real” do contribuinte, parecendo antes que “there is no ‘real’ or ‘realistic’ income but only an income formula more or less appropriate in a given context”51. Mesmo o lucro real, apurado a partir do lucro líquido na escrituração comercial e assim supostamente “verdadeiro” (real), não é mais válido ou fidedigno, como representação aproximada da renda do contribuinte, do que regimes baseados em aproximações, como o lucro presumido52.
O IRPJ mensal, porque calculado sobre base dita “estimada”, não viola o conceito jurídico de renda – apurada, no mais das vezes, indiretamente, a partir de certas aproximações que ignoram o encontro de receitas e despesas correntes do contribuinte, preferindo aplicar percentuais sobre as receitas totais, conforme a sua atividade. Com efeito, a apuração da renda tributável de modo indireto, mediante índices estimados, nunca foi estranha ao ordenamento tributário brasileiro: já em 1926, o Decreto n. 17.390 facultava “às firmas individuaes e às sociedades o direito de optar pelo lançamento do imposto na base da receita bruta durante o anno social ou na do volume das vendas mercantis relativa ao anno civil anterior ao exercicio financeiro em que o imposto fôr devido”, competindo então a “uma commissão technica a tabela de coefficientes de renda liquida real, em relação aos diversos ramos da exploração agrícola, e das demais industrias, inclusive a comercial” (arts. 60 e 57, § 2º). Em 1943, o Decreto-lei n. 5.844 já elucidava que “a base do imposto será dada pelo lucro real ou presumido” (art. 43), permitindo-se a certas pessoas jurídicas “optar pela tributação baseada no lucro presumido” (art. 33), caso em que o resultado tributável seria “determinado pela aplicação do coeficiente de 8% sôbre a receita bruta” (art. 40), sendo que “do lucro presumido não será permitida dedução de qualquer espécie” (art. 42). Nos regimes legais, sistematicamente reeditados e aperfeiçoados na legislação do IRPJ até as Leis n. 9.249/1995 e n. 9.430/1996, a renda do contribuinte é determinada indiretamente. A apuração deixa de lado o encontro de receitas e despesas correntes da pessoa jurídica em benefício de aproximações, fixadas com coeficientes de lucratividade.
Nada inovou o Código Tributário Nacional, pois, quando definiu que “a base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda” (art. 44). Mais do que introduzir o método indireto na apuração do IRPJ, já encampado pela legislação histórica do imposto no País, o mérito do Código está em legitimar, com a força de uma lei complementar, a base de cálculo presumida, ou então “estimada”, para o IRPJ. Dada a previsão naquela norma geral de Direito Tributário, a estimativa de renda ombreia com o lucro real como base de cálculo possível para o IRPJ – não havendo precedência entre os métodos direto e indireto. Igualmente importante, o dispositivo do Código espanca
qualquer dúvida acerca da pertinência entre aquela base indireta e o “fato gerador” do imposto de renda, cuja definição vem logo no artigo antecedente como a “disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (art. 43, I e II). Lidos os dois dispositivos citados acima, resta clara a decisão do legislador complementar pela pertinência entre uma base presumida, ou “estimada”, e o “fato gerador” do imposto de renda. É dizer: mesmo indiretamente, pode ser determinado o acréscimo patrimonial do contribuinte, mediante aproximação. Qualquer base de cálculo é “verdadeira”, se prevista em lei. Se nenhum óbice se opõe no ordenamento, como nunca se opôs, a que o contribuinte determine sua renda tributável mediante coeficientes presumidos de lucratividade, por que então o imposto mensal, também sobre uma base estimada, haveria de apurar o acréscimo patrimonial a partir de resultado líquido de receitas e despesas correntes? O conceito de renda definido pelo Código não impõe ao legislador tal providência.
Apenas não se pode perder de vista que, se o conceito de renda tributável é definido pelo Código Tributário Nacional, o ordenamento tributário é mais amplo, e fundado na Constituição Federal. O mandamento constitucional no sentido de que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” (art. 145, § 1º) materializa no País o conhecido princípio da capacidade contributiva, dizendo respeito à “potencialidade de contribuir com os gastos públicos”53 e determinando ao Estado, aqui como alhures, “a divisão equitativa das despesas na medida da capacidade individual de suportar o encargo fiscal”54.
É em virtude da capacidade contributiva, como princípio constitucional positivo, que a renda tributável não pode ser determinada pela totalidade dos rendimentos auferidos pelo contribuinte, ainda que estes expressem o acréscimo de poder econômico obtido, mas pelo resultado líquido final do empreendimento55. A capacidade de contribuir, com o IRPJ, para os gastos públicos pressupõe liquidez, pois impostos apenas podem ser pagos com liquidez pelo contribuinte56. Não há sentido cogitar renda tributável se não estiver disponível: somente com a liquidez pode o particular contribuir com os gastos da coletividade. Mesmo o Código Tributário Nacional reforça aquela noção ao definir, como “fato gerador” do imposto, a “aquisição de disponibilidade” sobre a renda (art. 43). E aquilo que se emprega e despende no negócio, com vistas à obtenção de lucro, não está, evidentemente, disponível
para tributação57. Em virtude do princípio da capacidade contributiva, “não admitir deduções de despesas necessárias à produção da riqueza (renda) é tributar o que não é renda, é tributar o que não é riqueza, em outras palavras, é confisco”58. Para contribuir conforme a sua capacidade econômica, deve o contribuinte deduzir, dos seus resultados, os gastos em que incorreu para produzir o ganho.
É expressão do princípio da capacidade contributiva, pois, o denominado princípio da renda líquida, que garante ao contribuinte o direito à dedução das despesas necessárias à obtenção da riqueza59. O seu fundamento constitucional, e recebimento pelo Código Tributário Nacional, quando define o “fato gerador” do imposto a partir do critério da “disponibilidade”, impõe ao legislador a determinação da base de cálculo do imposto com vistas ao resultado líquido e lucrativo do contribuinte60. É a razão pela qual “o imposto de renda, em geral, incide sobre os créditos líquidos do contribuinte”, i.e. “a diferença entre a renda bruta e específicas deduções admitidas na lei”61.
Aquele princípio, retoma-se, não se opõe à apuração indireta da renda. Impede, apenas, que o legislador, a pretexto de fixar uma base presumida, adote índices arbitrários ou aleatórios no cálculo do imposto. Para os métodos de apuração indireta, também eles recebidos pelo Código Tributário Nacional, o princípio da renda líquida determina ao legislador o emprego de coeficientes bem ajustados às circunstâncias dos negócios e condizentes com a realidade setorial de mercado, de modo que a base de cálculo fixada indiretamente baixe legítima presunção daquilo que o IRPJ deve alcançar, respeitada a capacidade contributiva: a lucratividade do contribuinte. Afinal, como já mencionado acima, se o art. 44 do Código Tributário Nacional acolhe a base presumida, esta não pode se afastar do art. 43, que exige disponibilidade. Daí que a base presumida, como a real ou a arbitrada, há de buscar uma aproximação com o que está disponível para o contribuinte.
Também em virtude do princípio da renda líquida, a legislação do IRPJ sempre previu os regimes de lucro presumido como uma opção ao contribuinte, a quem é facultada a alternativa de apurar a base de cálculo do imposto de renda pelo lucro real – regime em que poderá deduzir, concretamente, os dispêndios em que incorreu para a produção da riqueza. Neste sentido, o caráter opcional do método indireto para o contribuinte pode se dizer uma medida legal de “ajustabilidade”, conciliando a padronização entabulada pelos coeficientes
de lucratividade, presumidos setorialmente pela lei, e a capacidade contributiva individual do particular, que orienta, também na Constituição Federal, o princípio da igualdade62. Se determinados contribuintes apuram o IRPJ pelo seu lucro real, onde as despesas necessárias são concretamente dedutíveis, a isonomia ditará que a pessoa jurídica deve ter o direito de, igualmente, apurar a sua renda líquida pela dedução dos gastos em que efetivamente incorreu. Dado o seu caráter facultativo, todavia, a padronização no método indireto não viola a capacidade contributiva como princípio constitucional. É a linha que se vê, no mais, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, tendo já decidido que “as diferenças de tratamento tributário entre sociedades empresárias que recolhem Imposto de Renda sob os regimes de lucro real ou de lucro presumido [...] não representam ofensa à igualdade, pois a sujeição ao regime do lucro presumido é uma escolha realizada pelo contribuinte, sob as luzes de seu planejamento tributário”63.
De todo o modo, posto que opcional, não se põe em dúvida que o imposto calculado com base no “lucro presumido” constitui obrigação tributária. Ora, se assim o é para o lucro presumido, não há razão para duvidar que também o imposto calculado em bases estimadas (igualmente regime optativo) implique vera obrigação tributária.
O cuidado do legislador com a “ajustabilidade” da padronização também se vê quando, mesmo obrigando o contribuinte ao IRPJ em uma base estimada mensal, a legislação assegura que a pessoa jurídica tenha meio de suspender o recolhimento sobre tal base de cálculo estimada, dado o desarranjo dos coeficientes estimados diante das contas correntes do período. É o que se vê desde a Lei n. 8.383/1991, quando se permitiu ao contribuinte “suspender ou reduzir o pagamento do imposto mensal estimado, enquanto balanços ou balancetes mensais demonstrarem que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto calculado com base no lucro real do período em curso” (art. 39, § 2º). A sistemática, conhecida na prática como “balancetes de suspensão ou redução”, assegura que, havendo excesso de despesas frente a receitas correntes, a demonstração do prejuízo, ou de excesso de recolhimento, em balancete desobriga o contribuinte do imposto mensal, porque baseado em aproximação que já não mantém correspondência com o resultado concreto da pessoa jurídica. Assim, do método indireto de apuração, o contribuinte passa, por sua opção, ao método direto, ajustando-se base de cálculo do tributo à sua capacidade contributiva individual.
Tal como a facultatividade do regime de lucro presumido e dos balancetes de suspensão ou redução acima, é também em atenção ao princípio da renda líquida que a legislação do IRPJ sempre determinou que, anualmente, o contribuinte obrigado a impostos mensais, calculados sobre base indireta, confrontasse aqueles recolhimentos com o lucro real de um
período anual. No confronto, quando da declaração anual, o contribuinte é autorizado a compensar os impostos mensais com o IRPJ do período anual – seja para se restituir daquilo que pagou, mensalmente, em excesso à apuração anual, seja para complementar aquilo que, em vista da sua lucratividade efetiva no ano, excedeu os pagamentos mensais. Ou seja: a base de cálculo do IRPJ, até então estimada mensalmente, passa a um método direto, que considera as despesas concretamente incorridas pelo contribuinte no exercício. Pelo denominado “ajuste” anual, tem-se um acertamento de contas entre uma base indireta e uma base direta de apuração da renda tributável.
Eis aí o papel do período anual de apuração do IRPJ, findo em cada 31 de dezembro, nas sistemáticas legais que, como a vigente Lei n. 9.430/1996, obrigam o contribuinte ao pagamento de IRPJ em período mensal, sobre uma base estimada. A providência legal apenas permite que o imposto pago sobre uma base estimada, com “fatos geradores” mensais, seja contraposto a um resultado líquido das despesas concretamente incorridas pelo contribuinte em um período anual. Nestes termos, a medida legal nada diz acerca do conceito jurídico de renda – que, como exposto acima, bem pode ser calculada indiretamente, sobre base presumida –, ou ao aspecto temporal do “fato gerador” do IRPJ – que, como elucidado no tópico anterior, há décadas tem periodicidade mensal no Brasil. O “ajuste” anual serve, apenas, ao princípio da renda líquida, i.e. o princípio constitucional da capacidade contributiva, pois ajusta a carga tributária do contribuinte à sua efetiva capacidade contributiva individual.
A medida, atendendo ao princípio da renda líquida, demonstra que, qualquer que seja o período de apuração adotado – mensal, semestral ou anual –, o IRPJ sempre tem em vista o resultado lucrativo do contribuinte. Se a existência de lucro (i.e. capacidade contributiva) somente se verifica, definitivamente, no final do empreendimento, então a periodização no tempo é o artifício que permite conciliar a contingência financeira do Estado, reclamando um fluxo tempestivo de arrecadação, e o direito do contribuinte de ser tributado sobre o seu resultado concreto, a partir do princípio da renda líquida. Aquela conciliação parece clara na atual Lei n. 9.430/1996: ainda que a conveniência do contribuinte não recomende o período trimestral de apuração, prazo exíguo dentro do qual teria de concluir a demonstração do lucro real, a obrigação alternativa ao imposto mensal, sobre uma base estimada, acerta-se mais tarde, quando o “ajuste” na declaração do IRPJ determinará a compensação dos impostos mensais vis-à-vis o lucro real de um exercício.
Em suma, a apuração do lucro real em um período anual não retira, dos pagamentos mensais, a natureza de obrigações tributárias de IRPJ, mas materializa o princípio da renda líquida, porque acerta o método de apuração indireto para o direto. O “ajuste” das obrigações mensais de IRPJ, sobre base estimada, face ao lucro real do exercício é uma medida legal adequada a apurar a efetiva capacidade contributiva manifestada, conforme o acréscimo líquido que a pessoa jurídica teve em seu patrimônio. Nem por isso, os
recolhimentos mensais deixarão de ter a natureza de imposto de renda, como legalmente reconhecido.
A COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZO FISCAL
Evidência de que o legislador sempre mira a capacidade contributiva revelada pelo empreendimento é encontrada em instituto corriqueiro em diversos ordenamentos que, tal como o “ajuste” anual que ora examinamos, nada mais faz que acomodar o recolhimento do IRPJ ao acréscimo patrimonial efetivo. Referimo-nos à compensação de prejuízo fiscal, também reservada pela lei para a declaração de ajustes. Enquanto o “ajuste” anual visa corrigir eventuais desvios decorrentes de excessos ou faltas de recolhimentos durante o ano, a compensação de prejuízos fiscais nada mais faz, senão a correção entre os períodos de apuração, de modo a evitar que a tributação em um período, porque descasada dos resultados negativos anteriores, acabe por implicar transferência ao Erário de montante superior àquele que o empreendimento pode refletir em termos de capacidade contributiva. Na sistemática ora vigente, a apuração do lucro real ao final do exercício autoriza o contribuinte a, anualmente, compensar o prejuízo fiscal apurado em exercícios anteriores, respeitado o limite de 30% do lucro tributável no período. Dado o pressuposto legal da continuidade da empresa, é de se esperar que, no final, todo o prejuízo venha a ser compensado de modo que a carga tributária acumulada pela pessoa jurídica não seja distinta daquela que haveria, fosse a tributação diferida para o momento do encerramento do empreendimento.
É bem sabido que a compensação de prejuízo fiscal passado é uma medida necessária para apurar a efetiva capacidade contributiva do contribuinte, i.e. o acréscimo líquido no seu patrimônio, conforme o princípio da renda líquida64. A providência decorre da precariedade do resultado apurado no exercício vis-à-vis a continuidade da empresa, indefinida no tempo: tratando-se de atividade continuada, é natural que, se o exercício levar a um prejuízo, aquela cifra possa mais tarde se compensar contra eventual lucro. Afinal, o prejuízo passado desmente a existência de um “lucro” futuro. Encarados os dois períodos em perspectiva, não houve acréscimo patrimonial, simplesmente.
Fosse a empresa encerrada naquele momento, então nada haveria a ser entregue aos investidores a título de lucro. Teriam eles, quando muito, o direito à restituição do capital investido, depois de satisfeitos os credores. Ora, se o empreendimento não produziu resultados, seria de se esperar que também nada tivesse sido entregue ao Fisco já que os investidores (indivíduos) não tiveram qualquer nova manifestação de capacidade contributiva. Ora, como indicado acima, a solução – tributação apenas no término do empreendimento – não é praticável, dadas as necessidades financeiras do Erário. Surge a
periodicidade como forma de assegurar ao Estado recursos constantes. Mas a necessidade do Estado não pode ser suprida à custa do direito do contribuinte à tributação segundo a capacidade contributiva. Daí que a compensação do prejuízo fiscal, como o próprio “ajuste” anual das obrigações mensais de IRPJ, compatibiliza a arrecadação periódica do tributo com o direito de o contribuinte ser tributado conforme a sua capacidade contributiva.
Comparada à periodicidade, a compensação de prejuízo fiscal no IRPJ foi algo tardia na lei pátria. Nas primeiras décadas do tributo, a periodicidade do seu recolhimento, embora já editada na regra de anualidade, ainda se defrontava com certo “princípio da independência dos exercícios”, que animava decisões reiteradas do então Conselho de Contribuintes no sentido de que, “dada a autonomia dos exercícios financeiros, o prejuízo de um ano não é dedutível em ano outro posterior”65. Aquele direito somente foi reconhecido ao contribuinte com a Lei n. 154/1947, pela qual “o prejuízo verificado num exercício, pelas pessoas jurídicas, poderá ser deduzido, para compensação total ou parcial, no caso da inexistência de fundos de reserva ou lucros suspensos dos lucros reais apurados dentro dos três exercícios subsequentes”, mesmo que, “decorridos os três exercícios, não será permitida a dedução, nos seguintes, do prejuízo porventura não compensado” (art. 10).
Estabelecido o direito, a compensação de prejuízos não mais deixou o ordenamento, onde aquele limite inicial de três exercícios foi estendido. No Decreto-lei n. 1.493/1976, “o prejuízo verificado num exercício a partir do período-base relativo ao exercício de 1977 poderá ser compensado total ou parcialmente, com os lucros contábeis apurados dentro dos 4 (quatro) exercícios subsequentes” (art. 12). Igual prazo foi mantido no Decreto-lei n. 1.598/1977, que, disciplinando o lucro real tributável a partir da nova Lei das S.A., dispôs que “a pessoa jurídica poderá compensar o prejuízo apurado em um período-base com o lucro real determinado nos quatro períodos-base subsequentes” (art. 64). Ainda na Lei n. 7.450/1985, em que os contribuintes de maior capacidade econômica foram obrigados a um período semestral, ditou-se, consistentemente, que as tais pessoas jurídicas “poderão compensar o prejuízo apurado em um período base com o lucro real determinado nos 8 (oito) períodos base semestrais subsequentes” (art. 26).
Na Lei n. 8.383/1991, com o período mensal para o imposto, a compensação de prejuízo deixou de ter limite no tempo: “o prejuízo apurado na demonstração do lucro real em um mês poderá ser compensado com o lucro real dos meses subsequentes” (art. 38, § 7º). A iniciativa pioneira, todavia, não se consolidou à época: logo a posterior Lei n. 8.541/1992, embora mantendo o período mensal para o lucro real, reestabeleceu que “os prejuízos fiscais apurados a partir de 1º de janeiro de 1993 poderão ser compensados, corrigidos, monetariamente, com o lucro real apurado em até quatro anos-calendários, subsequentes ao ano da apuração” (art. 12). Em ambos os regimes legais, todavia, a fixação de período
mensal para o lucro real tornava aquele lapso também o momento adequado para compensação do prejuízo fiscal anterior. Se a lucratividade do negócio deveria ser apurada para o intervalo de um mês, era também nesta frequência que se deveria ajustar o resultado obtido com o prejuízo incorrido no período anterior, sob pena de não se aferir, propriamente, o acréscimo líquido mensal.
A retirada da limitação temporal somente se firmou com o regime das atuais Leis n. 8.981/1995 e n. 9.065/1995 (arts. 42 e 15, respectivamente). Nestas, o único limite para a compensação do prejuízo fiscal está no “lucro líquido ajustado” do período anual, i.e. o resultado tributável, que não pode ser reduzido em mais de 30%. Ou seja: de uma limitação temporal, então abolida, passou-se a um limite quantitativo, com o que se percebeu que a finalidade legal não era “vedar a compensação, mas apenas diluí-la no tempo indefinidamente”66.
Tratando-se de direito há muito consolidado na lei, hoje aparece clara na literatura a “constatação de que a comunicação entre os períodos de apuração e a compensação de prejuízos fiscais anteriores em anos-calendário subsequentes são consequências normativas necessárias do conceito de renda”67. É firme, neste sentido, que “a não consideração do saldo final do período de apuração anterior (lucro ou prejuízo) fará com que a apuração do acréscimo patrimonial não tenha como referência o valor do patrimônio no início do período de apuração, o que viola qualquer definição de renda que se adote”68. Tem- se, enfim, que “o problema da periodicidade na pessoa jurídica é tremendamente suavizado com a regra de compensação de prejuízo”69. Não sobra mais espaço ao suposto “princípio da independência dos exercícios”, como cogitado nas antigas decisões administrativas.
Tendo sido percebido o papel da compensação do prejuízo fiscal, a crítica foi dirigida à limitação quantitativa no regime de 1995. A chamada “trava dos 30%”, ao impedir a dedução integral daquele prejuízo em um exercício lucrativo, permitiria que o IRPJ excedesse o acréscimo líquido no período e assim violasse a capacidade contributiva que a apuração do lucro real serve a investigar. Decidiu o Supremo Tribunal Federal, todavia, pela constitucionalidade da limitação acima ao lamentável argumento de que “o direito ao abatimento dos prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do contribuinte”, como “instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado”70. Posteriormente, o Tribunal assentou a tese de que “é
constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL”, no que a limitação legal “não ofende nenhum princípio constitucional regente do Sistema Tributário Nacional”71.
A capacidade contributiva não parece endossar a conclusão do Tribunal. Se aquela é manifestada no resultado líquido do período, então princípio está, necessariamente, violado pela desconsideração do prejuízo fiscal anterior, ainda que parcialmente. No mais, fosse para decidir pela constitucionalidade da limitação, melhor teria seguido o Tribunal se, no lugar de apontar um “benefício fiscal” na compensação de prejuízos, buscasse justificativa para a “trava” na contingência financeira do Estado. Afinal, é o recolhimento tempestivo, ainda antes de terminada a empresa, que justifica a própria periodicidade. Estabelecida a cobrança periódica para a conveniência do Estado, não há qualquer vantagem ou benesse em se assegurar a compensação intertemporal dos prejuízos: a providência legal garante que o IRPJ periódico, tal como se daria com um tributo ideal cobrado no término do negócio, possa incidir sobre o resultado líquido e efetivo do contribuinte, respeitando a sua capacidade contributiva.
De fato, são variadas as justificativas para limitar a compensação de prejuízo fiscal, e nenhuma delas indica naquela providência um favor arbitrário de política tributária. Muito ao contrário: na Alemanha, decidiu a Corte Constitucional que o princípio da igualdade é violado pelo impedimento integral à compensação de prejuízo fiscal72. Admite a citada Corte, todavia, que limitações parciais à compensação intertemporal de prejuízos, fundadas na necessidade de garantir a previsibilidade para execução do orçamento, não violam per se aquele princípio73. Para justificar alguma limitação no direito de compensar prejuízo fiscal, aponta a literatura, também, o possível abuso na realização de perdas pelo contribuinte, sobretudo em períodos de maior lucratividade esperada74. Mesmo em Ciência das Finanças, a extensão e os limites da compensação de prejuízos fiscais são fatores para a decisão sobre a tomada de riscos, a natureza do investimento a ser realizado pela empresa e a origem do financiamento, se mediante capital próprio ou de terceiros, tudo a conferir subsídios para que o legislador induza, ou não, determinado comportamento através da formulação mais ou menos ampla daquela regra75.
Em todo caso, no ordenamento brasileiro a justificativa para a limitação, se alguma, deve encontrar fundamento na Constituição Federal. A justificava deve, também, ser sempre
oposta ao princípio da capacidade contributiva. É dele que decorre o direito do contribuinte de ser tributado conforme a lucratividade efetiva do negócio, no que se impõe, para o IRPJ, o princípio da renda líquida. É com vistas a mensurar aquele acréscimo patrimonial que a legislação, a par de estabelecer um “ajuste” de contas anual, autoriza a compensação do prejuízo fiscal passado. Somente assim pode o IRPJ incidir periodicamente, ainda no curso do empreendimento, sem desviar daquilo que persegue: a capacidade contributiva manifestada no lucro.
Posto que com a trava dos 30%, fato é que nosso ordenamento afasta o tal “princípio da independência dos exercícios”, conformando a tributação anual à consideração dos períodos pretéritos de modo a direcionar a tributação do empreendimento conforme a capacidade contributiva que ele revela.
Daí, pois, a compensação dos prejuízos exercer a mesma função dos “ajustes” anuais no que se refere às obrigações mensais. Assim como não se põe em dúvida que a cada exercício surge uma obrigação tributária autônoma, posto que influenciada por fatos pretéritos, de modo a se ajustar a tributação à renda do empreendimento, do mesmo modo parece clara a tese sustentada neste artigo: os recolhimentos efetuados durante o exercício constituem, eles mesmos, pagamentos por efetivas obrigações, não meras antecipações. Tais pagamentos (definitivos) são, entretanto, considerados no “ajuste” anual, de modo a se complementarem ou restituírem valores, sempre com vistas à capacidade contributiva que o empreendimento, ao fim e ao cabo, revela.
A CSL MENSAL, SOBRE BASE ESTIMADA
Cabe registrar que as afirmações acima se estendem à CSL, hoje também cobrada em períodos mensais, sobre base estimada, conforme o regime da Lei n. 9.430/1996.
A uma, porque a CSL, como o IRPJ, também tem em vista a capacidade contributiva, apenas desvelada ao final do empreendimento. Diferentemente de outros sistemas jurídicos, em que “contribuições” são tributos cobrados de grupos bem delimitados, geralmente referidos à atividade estatal financiada, no ordenamento pátrio as contribuições sociais melhor se identificam com os impostos, embora com uma destinação específica – ao modo do que se denomina, na Alemanha, “Zwecksteuer”, imposto com afetação76. A destinação postulada não impede que as contribuições sociais se cobrem no Brasil indiscriminadamente, dos mais variados grupos, bastando que o contribuinte tenha, e.g., receitas, lucros – ou, em outras palavras, manifeste capacidade contributiva. Para as contribuições sociais que, como a CSL, destinam-se à seguridade social, o art. 195 da Constituição Federal, ao determinar que a “seguridade social será financiada por toda a sociedade”, reforça a aplicação do princípio da capacidade contributiva à espécie: se a coletividade, toda ela,
financia a seguridade social, ressurge a ideia de que cada qual pagará na medida de sua capacidade contributiva.
Se a capacidade contributiva apenas se manifesta ao final do empreendimento, então a cobrança periódica da CSL é, como no IRPJ, o artifício que impõe a contingência do Estado, aqui com vistas ao financiamento tempestivo e corrente da seguridade social. Cobrança em períodos que não precisam obedecer – como não obedecem – uma suposta regra de anualidade. É legítima decisão legislativa, hoje dada na Lei n. 9.430/1996, que a CSL seja cobrada em períodos trimestrais, ou mesmo mensais, se assim escolheu o contribuinte. No regime legal, as cobranças mensais têm a natureza de obrigações tributárias de CSL, inclusive sancionadas, se descumpridas. Foi diante da Lei n. 7.787/1989, que estendeu à CSL a regra de antecipações e duodécimos mensais então vigente para o IRPJ, que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a “forma do recolhimento” do tributo, mesmo em período diverso do anual, seria questão “sem nível constitucional”77. Nada desmerece, nestes termos, o regime vigente na Lei n. 9.430/1996, onde o contribuinte incorre em obrigações tributárias de CSL, com “fatos geradores” mensais.
A duas, estendem-se à CSL as afirmações tecidas para o IRPJ porque a contribuição, como o imposto, tem em vista a lucratividade do contribuinte, i.e. o seu resultado disponível, podendo a CSL ser mensurada pelo lucro real ou presumido, como definem os arts. 43 e 44 do Código Tributário Nacional. A aplicação destes dispositivos, originalmente dedicados ao imposto de renda pelo Código, decorre da circunstância peculiar da CSL no ordenamento. A edição daquele tributo no Brasil demonstra que, na forma de uma contribuição, estabeleceu-se materialmente um mero adicional de IRPJ, diverso apenas na afetação dos recursos arrecadados. Dada a equivalência material dos tributos, a definição de renda tributável dada pelo Código Tributário Nacional é plenamente válida para a CSL – inclusive quando autoriza que a lucratividade do contribuinte seja calculada em base presumida, ou por estimativa.
Também aqui, a afirmação se apoia na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando investigou se, “sob a denominação de contribuição social, se criou, em verdade, um adicional ao imposto de renda”78. Embora o Tribunal tenha se apegado à afetação dos recursos para diferenciar IRPJ e CSL, a equivalência do elemento intrínseco (i.e. o “fato gerador”) dos dois tributos pareceu assente. In casu, o Ministro Relator Moreira Alves tomou como premissa que a CSL “tem por fato gerador o lucro das pessoas jurídicas, o qual é também fato gerador do imposto de renda”: somente era discutida a suposta “bitributação vedada”. Tampouco ao Ministro Ilmar Galvão pareceu haver inconstitucionalidade “no fato de a contribuição sob análise ter fato gerador e base de cálculo idênticos aos do Imposto de
Renda”. Ao Ministro Sepúlveda Pertence, era, também, “evidente que a substancial identidade da contribuição com o imposto de renda decorre da própria Constituição, que a faz incidente sobre o lucro das empresas”.
A constatação foi reiterada pelo Supremo Tribunal Federal quando, mesmo tendo em conta a destinação dos recursos para diferenciar IRPJ e CSL, o Ministro Relator Carlos Velloso, seguido pelos demais, deixou clara a equivalência material entre os tributos, pressuposta na própria Constituição Federal79. Afinal, concluiu o Supremo Tribunal, “não seria possível a utilização do argumento no sentido de que teríamos, no caso, bis in idem – o lucro das pessoas jurídicas constituindo fato gerador do imposto sobre a renda e da contribuição – por isso que é a Constituição que, expressamente, admite a contribuição sobre o lucro (C.F., art. 195, I)”.
Se os “fatos geradores” são equivalentes, não há como deixar de estender à CSL a disciplina do IRPJ nos arts. 43 e 44 do Código Tributário Nacional. A renda é tributada, por ambos, quando disponível ao contribuinte, respeitado o princípio da renda líquida. Daí o regime de lucro presumido, como base de cálculo para a CSL, ser opcional na legislação – modo de assegurar ao contribuinte o direito de deduzir, pelo lucro real, despesas que efetivamente incorreu, para então apurar a contribuição social devida. Daí a CSL mensal, calculada sobre uma base estimada e plenamente legítima, acertar-se mais tarde, com o final do exercício, quando é confrontada com o lucro real daquele período. Tudo, em suma, com vistas à capacidade contributiva perseguida pela CSL, também ela voltada a aferir a lucratividade concreta da pessoa jurídica.
Nem por isso, os pagamentos mensais em que incorre o contribuinte, calculados por estimativa, deixam de configurar obrigações tributárias autônomas de CSL. A sua natureza está clara na legislação, que optou por períodos trimestrais ou mensais de apuração da contribuição social. Aqui, como no IRPJ, o dito “ajuste” anual somente concretiza o princípio da renda líquida, acertando um método de apuração indireto da CSL, autorizado pelo Código Tributário Nacional, para o método direto, mais próximo da efetiva capacidade contributiva manifestada, como quer o art. 145, § 1º, da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
No IRPJ e na CSL, estão em jogo a contingência financeira do Estado, reclamando uma arrecadação periódica e tempestiva ainda na continuidade do empreendimento, e o direito do contribuinte de ser tributado conforme a capacidade contributiva expressa na lucratividade concreta do negócio.
O resultado lucrativo somente se materializará com o término da própria atividade, possivelmente distante no tempo. Dada a necessidade de cobrança tempestiva, feita sobre
a base estimada, o acertamento anual de contas é o momento em que o tributo pago em períodos mensais se “ajusta” ao acréscimo que o contribuinte teve no lapso de um ano, tentando-se identificar com maior precisão, anualmente, a capacidade contributiva demonstrada pelo negócio. Uma tentativa, mesmo ela, precária, porque sujeita a uma nova investigação no exercício seguinte, quando o tributo recolhido mensalmente novamente se confrontará com o lucro real anual e este, mais uma vez, considerará eventuais prejuízos pretéritos, num continuum.
A capacidade contributiva do sócio ou acionista, se alguma, apenas se manifestará definitivamente ao encerramento do negócio, tendo em conta o seu resultado final. Nestes termos, o IRPJ anual, sobre o lucro real, como o próprio IRPJ mensal, sobre base estimada, não são mais do que “antecipações”, pela via de obrigações tributárias periódicas, daquele instante final e longínquo. O recolhimento mensal por estimativa é, em tudo, IRPJ e CSL devidos ao Estado.
BIBLIOGRAFIA
AMARO, Luciano da Silva. O Imposto de Renda e os princípios da irretroatividade e da anterioridade. Revista de Direito Tributário n. 25/26. São Paulo: Malheiros, 1983.
AMARO, Luciano. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário n. 63. São Paulo: Malheiros, 1993.
ANDRADE, Cesar Augusto Seijas. O momento da ocorrência do fato gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Revista Direito Tributário Atual v. 21. São Paulo: IBDT/Dialética, 2007.
AUERBACH, Alan J.; POTERBA, James M. Tax loss carryforwards and corporate tax incentives. In: FELDSTEIN, Martin (coord.). The effects of taxation on capital accumulation. Chicago: University of Chicago Press, 1987.
ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011.
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
AVI-YONAH, Reuven. Pessoas jurídicas, sociedade e o Estado: uma defesa do imposto das pessoas jurídicas. Revista Direito Tributário Atual v. 21. São Paulo: IBDT/Dialética, 2007.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
CANTO, Gilberto de Ulhôa; MUNIZ, Ian de Porto Alegre; SOUZA, Antonio Carlos Garcia de. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O fato gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. São Paulo: Resenha Tributária/CEEU, 1986.
CARNEIRO, Erymá. O balanço das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Revista das Sociedades Anônimas, 1958.
COMISSÃO DE REFORMA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. Anteprojeto de Código do Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1965.
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DERZI, Misabel. Princípio de cautela ou não paridade de tratamento entre o lucro e o prejuízo. In: CARVALHO, Maria A. M. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Da compensação de prejuízos fiscais ou da trava de 30%.
Revista Fórum de Direito Tributário n. 60. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Imposto sobre a Renda: uma proposta de diálogo com a contabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
GASSNER, Wolfgang. The influence of tax principles on the taxation of income from capital – a response. In: ESSERS, Peter; RIJKERS, Arie Rijkers (coord.). The notion of income from capital. Amsterdam: IBFD, 2005.
HENNRICHS, Joachim. Leistungsfähigkeit – objektives Nettoprinzip – Rückstellung. In: TIPKE, Klaus (coord.). Festschrift für Joachim Lang zum 70. Geburtstag. Köln: Otto Schmidt, 2010.
HEY, Johanna. Einkommensteuer. In: TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. Köln: Otto Schmidt, 2012.
HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Amsterdam: IBFD, 2000.
JARACH, Dino. O fato imponível: teoria geral do direito tributário substantivo. São Paulo: RT, 1989.
JUSTEN FILHO, Marçal. Mesa de debates – periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário n. 63. São Paulo: Malheiros, 1993.
KRELOVE, Russel. Taxation and risk taking. In: SHOME, Parthasarathi (coord.). Tax policy handbook. Washington DC: International Monetary Fund, 1995.
LANG, Joachim. The influence of tax principles on the taxation of income from capital. In: ESSERS, Peter; RIJKERS, Arie (coord.). The notion of income from capital. EATLP International Tax Series. Amsterdam: IBFD, 2005.
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Do direito do acionista ao dividendo. Obelisco: São Paulo, 1969.
LEMGRUBER, Andréa. A tributação do capital: o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e o Imposto sobre Operações Financeiras. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (coord.). Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imposto sobre a Renda – sistema de bases correntes – constitucionalidade. Revista de Direito Administrativo n. 185. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1991.
NABAIS, José Casalta. Por um Estado fiscal suportável – estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005.
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Imposto de Renda e capacidade contributiva.
Revista de Direito Administrativo n. 189. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1992.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. v. 1.
PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda – lucro da pessoa jurídica – compensação de prejuízos. Revista de Direito Administrativo n. 207. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1997.
PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a Renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979. v. 1.
PIVA, Luiz Carlos. Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 2.
POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2012.
QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Barueri: Manole, 2004.
REGO, Marcelo Lamy. O conceito de balanço semestral no art. 204 da Lei das S.A. In: VENÂNCIO FILHO, Alberto; LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ROSMAN, Luiz Alberto Colonna (coord.). Lei das S.A. em seus 40 anos. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
REZENDE, Tito. A nova regulamentação do Imposto de Renda, 1965.
REZENDE, Tito. Manual prático do Imposto de Renda. 2. ed. Rio de Janeiro: Sfreddo & Gravina, 1939.
ROBERT, Bruno. Apuração, declaração e pagamento do dividendo mínimo obrigatório nas companhias brasileiras. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, 2009.
RONK, Sally S. The acceleration of corporate income tax payments. The Journal of Finance
n. 11. Wiley for the American Finance Association, 1956.
ROXAN, Ian. Imputed income (including deductible costs). In: ESSERS, Peter; RIJKERS, Arie (coord.). The notion of income from capital. Amsterdam: IBFD, 2005.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Considerações acerca da disponibilidade da renda: renda disponível é renda líquida. In: ZILVETI, Fernando Aurelio; FAJERSZTAJN, Bruno; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (coord.). Direito tributário: princípio da realização no Imposto sobre a Renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010. v. 1.
SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. A persona e o direito: entre a realidade e a ficção das pessoas jurídicas. Revista Direito Tributário Atual v. 30. São Paulo: Dialética/IBDT, 2014.
SCHOUERI, Luís Eduardo; GALENDI JR., Ricardo André. Irretroatividade e função extrafiscal do tributo: elementos para a superação definitiva da Súmula nº 584 do STF. In: DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo; LEITE, Matheus Soares (coord.). Extrafiscalidade: conceito, interpretação, limites e alcance. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
SHOUP, Carl S. The tax system of Brazil. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1965. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. 15. ed. Köln: Dr. Otto Schmidt, 1996.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. v. 4.
ZILVETI, Fernando Aurelio. Capacidade contributiva e mínimo existencial. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998.