INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA ENQUANTO ETAPA MEDIAL DO CICLO PRODUTIVO. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEMÁTICA 816 OBJETO DE REPERCUSSÃO GERAL
CUSTOMIZED INDUSTRIALIZATION AS A MEDIAL STAGE OF THE PRODUCTION CYCLE. CONSIDERATIONS ABOUT THE THEME 816 OBJECT OF GENERAL REPERCUSSION
Mestrando do Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Tributário do IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco. Advogado em São Paulo. E-mail: rafael@rosasdeavila.adv.br
Recebido em: 04-01-2021
Aprovado em: 05-03-2021
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-18
Mediante a eleição do esquema lógico-semântico da regra-matriz de incidência tributária enquanto método de aproximação do intérprete aos enunciados prescritivos do direito posto e, em especial, recortando-se para fins de sua análise exclusivamente o critério material do descritor, o presente trabalho tem por escopo precípuo definir se a industrialização por encomenda enquanto etapa intermediária do ciclo produtivo sujeita-se à incidência do imposto federal sobre produtos industrializados ou, distintamente, se a atividade humana nele imbuída reveste-se dos contornos jurídicos de um serviço municipalmente tributável e, para tanto, recortando- se para fins de análise, a questão controvertida objeto do Recurso Extraordinário n. 882.461/MG sob repercussão
geral (Tema 816) e sobre a qual pende julgamento definitivo da Suprema Corte, a qual particulariza-se pela circunstância da industrialização por encomenda ser realizada sobre os insumos remetidos pelo encomendante e por tal atividade constituir-se em uma etapa intermediária do processo fabril.
By choosing the logical-semantic scheme of the matrix rule of tax incidence as a method of approximating the interpreter to the prescriptive statements of the post law, and especially for the purposes of its analysis, exclusively the mate-rial criterion of the descriptor, the main purpose of this paper is to define whether industrialization by order as an intermediate stage of the production cycle is subject the incidence of the federal tax on industrialized products or, distinctly, if the human activity imbued with it takes on the legal contours of a municipally taxable service and, for this purpose, cutting itself out for analysis purposes, the controversial issue which is the subject of the Extraordinary Appeal n. 882.461/MG under general repercussion (Topic 816) and on which the Supreme Court’s final judgment is pending, which is characterized by the fact that industrialization by order is carried out on the inputs sent by the ordering party and because this activity constitutes an intermediate stage of the manufacturing process.
INTRODUÇÃO
Recorrente problemática produto das opções do legislador constituinte na definição do arcabouço normativo-constitucional do sistema tributário vigente é a atinente à superposição de incidências tributárias, sabidamente resultantes em situações desrespeitosas à distribuição de competências impositivas e em nefastas hipóteses inadmissíveis de bitributação, problemática esta a qual transcende os enunciados prescritivos do direito posto e repousa sobre os ombros de todos aqueles que pensam o Direito enquanto Ciência antevista dissonante de uma das, aqui valendo-nos da pena de Celso Antônio Bandeira de Mello, “mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano”1.
Nesta recorrente complexidade da subsunção dos cada vez mais distintos e dinâmicos conceitos negociais às próteses das normas jurídicas impositivas situam-se questões concernentes a tributação de dadas operações a título do imposto federal sobre produtos industrializados ou do imposto municipal sobre serviços, dentre as quais figuram as
recorrentes questões atinentes à denominada “industrialização por encomenda”, árido terreno sobre o qual semear-se-á, através deste ensaio, reflexões a respeito de seus controversos contornos.
O presente trabalho tem por escopo precípuo definir se a industrialização por encomenda enquanto etapa intermediária do ciclo produtivo sujeita-se, em estrito respeito ao seu nomen juris, à incidência do imposto federal sobre produtos industrializados ou, distintamente, se a atividade humana nele imbuída reveste-se dos contornos jurídicos de um serviço tributável e, portanto, sujeita à cobrança e arrecadação por parte dos Municípios.
Para tanto, mediante a eleição do esquema lógico-semântico da regra-matriz de incidência tributária enquanto método de aproximação aos enunciados prescritivos do direito posto e destacando-se única e exclusivamente o critério material do descritor da norma impositiva do imposto federal sobre produtos industrializados e do imposto municipal sobre serviços de qualquer natureza, visar-se-á precipuamente estremá-los e, para tanto, elencando os discrímens usualmente empregados para o entabulamento das distinções necessárias.
Por conseguinte, definindo-se o que se entende, semanticamente, pela locução “industrialização por encomenda”, o ensaio analisará a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 4.389-MC2 quando em pauta as “operações de industrialização de embalagens destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria”, destacando os critérios usualmente empregados pela Corte Suprema desde a referida decisão paradigmática para o atingimento do desiderato supracitado.
Então com a posse dos aventados critérios firmados e saturando-se as variáveis lógicas firmadas com os conteúdos enunciativos do direito positivo posto aplicáveis na espécie, procurar-se-á analisar a questão central a qual constitui objeto do Recurso Extraordinário
n. 882.461/MG sob repercussão geral (Tema n. 816), no qual a contribuinte, pessoa jurídica sediada no Município de Contagem/MG, fora notificada pelo Fisco Municipal por não recolher oportunamente o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com relação aos serviços por si prestados de “corte e recorte de bobinas de aço”, questão sub judice pendente de resolução definitiva e a qual imbui-se no propósito deste ensaio, vale dizer, a definição de se sobre tal atividade tem-se incidente o imposto federal ou municipal em destaque.
DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS IMPOSITIVAS E A TRIBUTAÇÃO PARTICIONADA DA CADEIA ECONÔMICO-PRODUTIVA: UM FECUNDO CAMPO À SUPERPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA
Face a jurídica estampa do sistema constitucional tributário instituído pela vigente Carta de 1988 e inicialmente observando-se a discriminação de competências impositivas no que atine, em específico, aos impostos, observa-se que o constituinte delimitara o âmbito material suscetível de tributação, a exemplo da renda, da propriedade, da circulação de mercadorias, da prestação de serviços, dentre várias outras constitucionalmente definidas, atribuindo-o, privativamente, aos entes políticos, facultando-lhes sobre eles serem editadas normas impositivas e, portanto, outorgando-lhes um âmbito tributável que lhes é próprio, repartição esta eminentemente rígida por tender, em especial, a assegurar a isonomia política dos entes federativos mediante relevante prestígio às respectivas autonomias financeiras.
Não obstante, uma das mais fardas críticas que se aposta ao sistema tributário pátrio no seu particular de repartição das competências tributárias é o particionamento do ciclo produtivo em distintos âmbitos materiais suscetíveis de tributação, os quais foram elegidos pelo constituinte em razoável dissonância da cada vez mais dinâmica e complexa desenvoltura moderna dos negócios econômicos, bastando atentar-se que esta repartição constitucional de competências tributárias pelo constituinte de 1988, inclusive realizada no diapasão dos textos constitucionais anteriores, como precisamente anota Luís Eduardo Schoueri, “não decorreu de uma análise lógico-racional da realidade econômica, consistindo o trabalho do constituinte, muito mais, numa mera repartição de impostos, a partir de aspectos históricos e políticos”3.
Embora sob o apanágio da consecução de valores tidos por fundamentais à República, a exemplo da garantia do desenvolvimento nacional e redução das desigualdades regionais, considerando-se a amplitude territorial nacional e, em especial, a diversidade econômica e política das mais diferentes regiões, optara-se por atribuir à União a tributação incidente sobre a atividade industrial, ao passo que a instituição de atividades inerentes a circulação de mercadorias ficou a cargo dos Estados-membros e Distrito Federal, restando aos Municípios a imposição sobre a prestação de serviços, opção a qual, embora motivada pelos louváveis objetivos, repousa na contramão de uma unificação do ciclo produtivo para fins tributários.
Tal dissonante opção do constituinte com a dinâmica e recente realidade dos negócios econômicos tivera por condão, distintamente do que modernamente sucedera com a imensa maioria dos países desenvolvidos que optaram por tributar o ciclo econômico da
produção ao consumo de forma unificada, em especial, mediante a criação de um único tributo incidente sobre o consumo – na generalidade de tais casos, o imposto sobre valor agregado (IVA) – situar o Brasil em um modelo tributário que opta por cindir o ciclo produtivo em fases distintas e, por conseguinte, sujeitas a exações distintas e de competências distintas, modelo que cria, dentre vários outros revezes, uma multiplicidade de complexas questões afetas à superposição de incidências tributárias as quais culminam, não tão somente em situações desrespeitosas à distribuição de competências impositivas, mas nefastas hipóteses de bitributação inadmitidas.
Nesta problemática complexidade da subsunção dos cada vez mais distintos e dinâmicos conceitos4 negociais às próteses das normas impositivas situam-se questões concernentes à tributação de dadas operações a título do imposto federal sobre produtos industrializados ou do imposto municipal sobre serviços, antevista já há muito apontado por Aires F. Barreto que “as genéricas definições legais das hipóteses de industrialização ora tangenciam, ora invadem, ora se confundem parcialmente, com as de prestação de serviço”5; exemplo categórico de tal problemática é a industrialização por encomenda e, aqui objeto do nosso recorte, quando realizada sobre insumos remetidos pelo contratante com a obrigação de serem-lhe retornados e ainda quando tal figure nos meados da respectiva cadeia produtiva, cabendo-nos aqui distintivas perquirições através do firmamento de seguros discrimines e o qual entabularemos mediante emprego do arranjo sintático-semântico da regra-matriz de incidência tributária.
REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Conhecer é, antes de mais nada, uma relação; no dizer de Pontes de Miranda “Há no conhecer uma relação entre seres, na qual um se faz sujeito e ao outro objecto.”6
E o objeto cognoscível não é internalizado pelo sujeito cognoscente de per si pois como nos leciona Vilém Flusser “a realidade dos dados brutos é apreendida e compreendida por nós em forma de língua”7. A realidade é, substancialmente, constituída pela linguagem e, portanto, os objetos cognoscíveis são internalizados pelos sujeitos cognoscentes através dos respectivos enunciados a estes referidos; como bem pontua Fabiana Del Padré Tomé
“o objeto do conhecimento não são as coisas-em-si, portanto, verdadeiras ou falsas: os
enunciados a elas referentes é que se sujeitam a essa espécie de valoração”8.
No discurso científico e nesta particular relação a aproximação dos aventados seres se faz pela linguagem e através da adoção de um dado método; é na forma, meio ou técnica racionalmente escolhida pelo sujeito cognoscente que o mesmo se estreita aos enunciados referidos ao objeto cognoscível por ele mesmo delimitado, permitindo-lhe uma mais adequada valoração dos enunciados linguísticos concernentes ao objecto, daí ser tão caro ao cientista a sua respectiva eleição, não particularizando-se a Ciência Jurídica em posição oposta e, atentando-se a esta relevância, valemo-nos aqui para o proposto desvencilhamento das tortuosas questões que inauguram o ensaio a estrutura sintático- semântica da regra-matriz de incidência.
Regra-matriz de incidência enquanto método e sua função operacional de delimitação do âmbito normativo de incidência
A regra-matriz de incidência tributária é, fundamentalmente, uma regra, vale dizer, uma norma jurídica de conduta, o que equivale a dizer que não se trata de um dado bruto imbuído nos âmagos dos enunciados prescritivos do direito positivo, mas sim, uma construção do respectivo intérprete. Regra esta matriz já que, observada a homogeneidade sintática da linguagem prescritiva do direito posto, formalmente estrutura-se a título de um modelo ou standard padronizado, firmando seguras balizas lógico-formais ao intérprete para fins de lhe nortear na subsequente análise semântica e pragmática quando da saturação de suas variáveis lógicas pelos conteúdos da linguagem prescritiva do direito positivo. Finalmente, eminentemente de incidência, antevista esta norma predestinar-se à sua respectiva aplicação e atingimento do seu escopo de disciplinamento das mais variadas condutas intersubjetivas.
Produto da intelecção dos textos de direito positivo em matéria tributária – vale dizer, atinente a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos – extrai-se a regra-matriz de incidência tributária a qual, segundo Paulo de Barros Carvalho, “é, por excelência, uma norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias”9.
A sua grande valia repousa sobre a sua reconhecida função operacional, dentre a qual extrai-se – e saliente-se, aqui imprescindível para fins do escopo do presente ensaio – o respectivo condão de delimitação do âmbito normativo de incidência, ou seja, sem embargo de concomitantemente auxiliar o intérprete na mais segura interpretação dos textos do direito positivo e possibilitar-lhe enquanto ferramental um mais incisivo controle da
constitucionalidade e legalidade, mediante a saturação do esquema sintático-semântico da regra-matriz com a linguagem prescritiva dos mais variados textos do direito positivo tributário, delimitando-se então o campo de extensão conotativa do descritor e prescritor, por meio da regra-matriz de incidência tributária franqueia-se ao intérprete circundar com maior precisão a ocorrência do fato hipoteticamente previsto e a respectiva relação jurídica a ser concretizada.
O descritor da regra-matriz e seu critério material
Da percepção da homogeneidade sintática da linguagem prescritiva do direito positivo constata-se que toda e qualquer norma jurídica de conduta apresenta-se com a compostura de um juízo hipotético-condicional ou binário de uma dada hipótese ou descritor juridicamente enlaçada a determinada consequência ou também denominada prescritor; a articulação da proposição jurídica se dá, eminentemente, sob a forma lógica implicacional.
Observa-se que mais relevante para o atingimento dos escopos propostos inauguralmente no ensaio é concentrar-se a perquirição no suposto da norma jurídica de incidência, precisamente, do dado compostural o qual o legislador tributário, mediante a axiológica seleção de dado fato social sobre o qual pende a necessidade de qualificação normativa e pontuando as notas que o mesmo deverá possuir, o eleva à condição de fato jurídico- tributário; nas lições de Lourival Vilanova: “A hipótese é o descritor de possível situação factica do mundo (natural ou social, social juridicizada, inclusive), cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese.”10
E dentre os critérios imbuídos na compostura da hipótese tributária é imprescindível aqui, sem embargo da relevância de todos os outros, o destacamento analítico do respectivo critério material ou também denominado objetivo, seu verdadeiro núcleo, o qual é composto de um verbo impessoal e seu respectivo complemento, elementos estes que denotam um comportamento juridicamente qualificado cuja respectiva delimitação é verdadeiro desafio ao intérprete e construtor da norma antevista a complexidade desta tarefa de, caminhando-se de um dado unitariamente estruturado, segregar-lhe dos demais critérios imbuídos no suposto como de antemão adverte-nos Paulo de Barros Carvalho11.
Ao mencionar o verbo enquanto o primeiro elemento do critério ora em exame, na pena do douto, “aludirmos a comportamento humano, tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação), como aquelas espontâneas (verbo de estado: ser, estar, permanecer.)”12. Por
conseguinte, tratando-se de um verbo necessariamente impessoal e de predicação incompleta demanda-se a presença do seu respectivo complemento, no caso, o segundo elemento integrante do critério material. Tem-se, assim, a conformação do critério em questão o qual cinge-se, exclusivamente, ao comportamento de dado sujeito em um ser, dar ou fazer e precisado, necessariamente, mediante processo de abstração da hipótese, isto é, sem a consideração dos correlatos – e não menos importantes – condicionamentos de tempo e lugar.
O CRITÉRIO MATERIAL DO DESCRITOR DO IPI
A dualidade ato e fato. Industrialização e produto industrializado
Sob a clássica rubrica de “Impostos sobre a Produção” nos leciona Alfredo Becker a imprescindibilidade de se distinguir o produzir enquanto ato do produto enquanto fato; na pena do douto: “Deve-se distinguir entre o produzir e o produzido. O produzir é ato; a coisa produzida é fato (sentido estrito) e tanto aquele ato como este fato são fatos (sentido lato).”13
Escorado no aventado escólio e inicialmente visando-se semanticamente delimitar-se o que se entende, justamente, pelo produzir enquanto ato, no caso, o que se tem por “industrialização”, imperativa a menção a Lei n. 4.502, de 30 de novembro de 1964, a qual, em seu art. 3º, parágrafo único, prescreve que “considera-se industrialização qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto”; ou ainda, vide o Decreto n. 7.212, de 15 de junho de 2010, que regulamenta a cobrança, fiscalização e arrecadação e administração do imposto sobre produtos industrializados, que em seu art. 4º, caput, define “industrialização”, com pequenas alterações de sua redação se confrontada com o enunciado prescritivo precedente face justamente o respectivo – e saliente, criticado – alargamento semântico, como “qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo”.
Por conseguinte, agora precisando-se o que se tem por coisa produzida enquanto fato (em sentido estrito), isto é, por “produto industrializado”, oportuna a remissão do que preceitua o Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172/1966, art. 46, parágrafo único, isto é, de que “considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”
Em suma, produzir é ato e industrializar é, em síntese, operação de modificação ou aperfeiçoamento, ao passo que o respectivo produto é fato (sentido estrito) e
industrializado é aquilo que tenha sido submetido à esta operação de modificação ou aperfeiçoamento.
Incidência sobre o fato. O critério material do IPI
Esta precedente visão dual fenomenológica é, em nosso juízo, de suma importância de seu firmamento antevista que, para efeitos jurídico-tributários (em especial, para fins de saturação do critério material do antecedente da respectiva regra-matriz de incidência tributária do imposto federal em questão) a incidência se dá, distintamente de doutos entendimentos em sentido diametralmente oposto14, sobre o fato e não sobre o ato, ou seja, sobre o produto e não sobre o produzir; vide, a respeito, lição a qual integralmente encampamos de, dentre outros doutos que assim pensam, Regina Helena Costa, a qual merece oportuna transcrição:
“[...] o conceito de industrialização, para fins de IPI, é meramente acessório, já que o que importa é o conceito de produto industrializado, objeto da operação (art. 46, parágrafo único, CTN). Não é a industrialização que se sujeita à tributação, mas o resultado desse processo.”15
Sem embargo da tríplice identidade material do imposto federal em questão e recortando- se a hipótese de incidência a qual interessa-nos ao presente ensaio e atento ao referencial normativo dos enunciados prescritivos constantes da CF/1988, art. 153, inciso IV c.c. a Lei n. 4.502/1964, art. 2º, inciso II c.c. o CTN – Lei n. 5.172/1966, art. 46, inciso II e Decreto n. 7.212/2010, art. 8º, critério material do prescritor da regra-matriz de incidência do IPI é “promover operação com produto industrializado”, não havendo que se confundir, como já advertido no capítulo precedente, o critério material do antecedente com as respectivas e correlatas variações temporais também constantes do antecedente da regra, no entanto, concernentes ao critério temporal; esta é a lição de Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi:
“Como se vê, o art. 46 adota o desembaraço aduaneiro do produto de procedência estrangeira, a saída do estabelecimento industrial e a arrematação em leilão do produto apreendido ou abandonado, como diferentes aspectos temporais de exteriorização de um mesmo fato. Importa, assim, identificar o conceito em sua essência, ou seja, o aspecto material da hipótese, que é sempre o mesmo, não importando as variações das circunstâncias de tempo escolhidas pelo legislador. O aspecto material da hipótese de incidência tributária desse imposto é promover operações com produtos industrializados (são esses os ensinamentos de Cleber Giardino e Geraldo Ataliba, ‘Conflitos entre IPI e ICM’, in RDT, vol. 13, p. 14, p. 139;
‘Hipótese de Incidência do IPI’, in RDT, n. 37, p. 148). A saída, o desembaraço aduaneiro ou a arrematação são exteriorizações daquele fato, que denunciam o momento de sua ocorrência.”16
Advertida a razoável complexidade de segregação dos critérios afetos ao aventado “ente lógico-jurídico unitário e incindível” como nos leciona Geraldo Ataliba17 e firmado o núcleo do critério material do prescritor da regra-matriz de incidência do IPI observa-se que, para fins de incidência do imposto federal em exame, não basta a mera industrialização, tornando-se necessária ainda a subsequente operação de saída do produto industrializado do respectivo estabelecimento industrializador; na pena de Leandro Paulsen, a incidência ora em apreciação “Pressupõe, portanto, a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial.”18
Do distanciamento dos critérios materiais do IPI e ISS. Dos critérios da natureza e da individualidade prestacional
Não se mostra árdua a tarefa de distinguir, em um primeiro momento de forma eminentemente conceitual e despreocupada com a subsunção dos fatos sociais à prótase das normas impositivas quando do respectivo processo de positivação, o critério material das exações ora destacadas, vale dizer, a atividade de “promover operações com produtos industrializados” (CF/1988, art. 153, inciso IV c.c. a Lei n. 4.502/1964, art. 2º, inciso II) da conduta de “prestar serviços de qualquer natureza, não compreendidos os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, definidos em lei complementar” (CF/1988, art. 156, inciso III c.c. a LC n. 116/2003, art. 1º, caput).
Na verdade, a dificuldade deste segregamento se revela quando do processo de positivação da norma jurídica individual e concreta e, não obstante, temos para nós que pelo menos 2 (dois) critérios distintivos – objetivamente distintos muito embora umbilicalmente ligados
– são aptos a auxiliar, com razoável segurança, o intérprete e aplicador para fins de estremar os núcleos dos descritores das normas impositivas das exações em destaque.
Ainda que usualmente criticado por assentar-se em ambígua distinção e ostentar certa insuficiência solutiva, o critério da “natureza prestacional” é tradicionalmente empregado para fins de distinguir-se o critério material do IPI do ISS; aliás, como pontua Washington de Barros Monteiro: “Nenhum vínculo obrigacional logrará subtrair-se a essa classificação, embora a prestação possa apresentar-se algumas vezes sob facetas complexas.”19
Mediante seu manejo aponta-se que, enquanto na atividade de “promover operações com produtos industrializados” tem-se uma obrigação de dar, na conduta de “prestar serviços de qualquer natureza, não compreendidos os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, definidos em lei complementar” tem-se verdadeira prestação de fazer; aliás, clássicas as notas de Aires F. Barreto de que “obrigação de dar jamais pode conduzir à exigência de ISS, porquanto serviço se presta mediante um facere. Em outras palavras, serviço faz-se, não se dá”20, critério este usualmente empregado pela jurisprudência21.
Individualmente consideradas as atividades ínsitas ao verbo e seu complemento constante do núcleo do descritor torna-se ainda possível segregar as exações em tela por meio do emprego do critério da “individualidade” das prestações referidas, inexistente na concernente ao imposto federal e presente naquela relativa ao imposto municipal.
Na industrialização tem-se por objetivo produção em maiores escalas, padronizada, não particularizada ou, como anota Marçal Justen Filho22 no industrializar tem-se a alteração da configuração de um bem material de forma padronizada e massificada, distintamente do que sucede na prestação de serviços no qual visa-se, eminentemente, a realização de produção limitada ou reduzida, não padronizada, particular ou, como bem anota Marcelo Caron Baptista: “O tomador de serviços, quando contrata, objetiva não a apropriação de um bem, mas o resultado do esforço e da capacidade, física ou intelectual, da outra parte [...].”23
INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA ENQUANTO ETAPA INTERMEDIÁRIA DO CICLO PRODUTIVO
A fim de precisar a incidência – basicamente, se do IPI ou ISSQN – sobre a “industrialização por encomenda” enquanto etapa intermediária do ciclo produtivo cumpre-nos verificar, inicialmente, o que semanticamente entende-se por esta locução, segregando-lhe de figura que lhe é próxima, in casu, a industrialização por “conta e ordem de terceiro”.
Industrialização por encomenda e industrialização por conta e ordem de terceiro. O critério distintivo
Diversamente do que sucedera na apreciação da incidência onde acostamo-nos ao fato e não ao ato, isto é, sobre o produto e não sobre o industrializar, ora visando-se a distinção da denominada “industrialização por encomenda” da chamada “industrialização por conta e ordem de terceiro” torna-se mister adotar-se caminho distinto, ou seja, o do produzir enquanto ato, vale dizer, a industrialização enquanto operação de modificação ou aperfeiçoamento, por conseguinte, realizada no denominado “estabelecimento industrial” (Decreto n. 7.212/2010, art. 8º).
Sabidamente, a dinâmica e crescente complexidade dos negócios demanda que, muitas das vezes, parte do processo produtivo seja trespassado a outrem por diversas razões, seja a própria impossibilidade física de assunção de todo o ciclo produtivo ou, até mesmo, a imprescindibilidade do maior nível de especialização inerente a dada etapa do processo fabril; aqui tem-se a denominada “encomenda” e a qual reputamos verdadeiro gênero o qual possui como espécies a industrialização por encomenda (propriamente dita) e a industrialização por conta e ordem de terceiro as quais, por sua vez, distanciam-se mediante o manejo do critério da disponibilidade dos insumos para a sua concreção24.
Ou seja, caracteriza-se a industrialização “por encomenda” pela circunstância do industrial, na respectiva operação de modificação ou aperfeiçoamento, valer-se de insumos próprios, isto é, insumos que não foram remetidos pelo encomendante, diversamente do que sucede na industrialização por “conta e ordem de terceiro” na qual se torna imprescindível à operação a seu cargo a remessa de insumos do encomendante antevista não serem submetidos a modificação ou aperfeiçoamento insumos que lhe são próprios e já sob sua disponibilidade.
A (ir)relevância das características da industrialização por encomenda na definição da incidência em questão
Fixado o critério supra cumpre-nos verificar se o mesmo assume importância na saturação do critério material dos descritores das normas impositivas em questão.
Neste particular, entendemos que a propriedade dos insumos e a sua eventual remessa de um estabelecimento ao outro para um superveniente reenvio ao encomendante remetente é, inequivocamente, dado de importância, em especial para fins de firmar-se a existência e extensão de deveres instrumentais ou até mesmo quando em exame também a incidência do ICM, contudo, trata-se de um critério não seguro para fins de definição da subsunção do conceito do fato social ao antecedente da norma tributária exacional do IPI ou do ISSQN.
Portanto, não identificamos a mesma relevância que tal dado possui na definição e cumprimento dos deveres instrumentais que circundam a tributação na respectiva precisão da incidência em questão; neste específico concordamos com Kiyoshi Harada quando então criticando o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal n. 20, de 13 de dezembro de 2007 salientara que: “Não interessa saber quem forneceu os insumos do produto industrializado. O importante é saber o que é produto industrializado à luz da legislação aplicável.”25
Já especificamente no que atine a figurar ou não a atividade etapa intermediária do ciclo produtivo e se a referida característica pode ou não influir na definição da incidência a qual ora perquirimos, cremos que tudo irá depender da atividade a qual se examina e devidamente observada a ampliação da hipótese de incidência do ISSQN trazida pela LC n. 157/2016 no subitem 13.05 da LC n. 116/2003 e, ainda, a operada com relação ao item 72.1 do Decreto-lei n. 406/1968 pela LC n. 116/2003, atual subitem 14.05.
Então vigente o Decreto-lei n. 406/1968, o item 52 da respectiva lista anexa de serviço não entabulara qualquer ressalva às atividades ali descritas – composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia – constituírem ou não etapa intermediária do ciclo produtivo. Tal prescrição fora integralmente repetida quando da edição da LC n. 116/2003, subitem 13.05. Supervenientemente, então ampliado o subitem
13.05 da lista anexa de serviços da LC n. 116/2003 pela LC n. 157/2016, atualmente prescreve- se que os serviços ali prescritos são tributados pelo ISSQN “exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS”; aqui, como infere-se da prescrição destacada, de suma importância a verificação se as atividades ali descritas configuram ou não etapa intermediária do processo fabril.
Não obstante, o mesmo não sucede atualmente com relação à Lei Complementar n. 116/2003, subitem 14.05. Então vigente o Decreto-lei n. 406/1968, o item 72.1 da lista anexa de serviço expressamente apregoava que serviços como o “recondicionamento,
acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres” eram tributados pelo ISSQN tão somente quando realizados em “objetos não destinados à industrialização ou comercialização”. Logo, na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, tais atividades tão somente configurariam a hipótese de incidência do imposto municipal se realizadas em objetos os quais não configurassem etapa intermediária do ciclo produtivo, mas sim, se fossem realizadas direta e imediatamente a favor de destinatários finais.
No entanto, editada a Lei Complementar n. 116/2003, a respectiva lista anexa no subitem
14.05 expressamente apregoara que tais atividades – e inserindo no aventado rol a atividade de “restauração” – poderiam realizar-se com relação a “objetos quaisquer”, portanto, suprimindo-se a exigência de que os mesmos fossem destinados à industrialização ou comercialização, prescrição esta que, inclusive, fora manutenida mesmo posteriormente ao advento da Lei Complementar n. 157/2016 que, modificando a redação do aventado subitem, retirara da previsão legal a atividade de “plastificação”, insertando em sua redação as atividades de “costura” e “acabamento” e, no particular ora em exame, ainda apregoando que estes poderiam ser realizados com relação a “objetos quaisquer”.
Suprimida a referida previsão legal concluímos que, com a edição e vigência da atual redação dos enunciados prescritivos da Lei Complementar n. 116/2013, subitem 14.05 ora em destaque, se torna de somenos importância que as atividades que ali constam configurem ou não etapa intermediária do ciclo produtivo para fins de definição da incidência, sendo atualmente despiciendo perquirir-se se são ou não realizadas de forma direta e imediata em favor de destinatários finais; ora, atualmente, é possível, ao menos em tese, a incidência do ISSQN sobre as atividades ali referidas em qualquer etapa da cadeia produtiva.
DA PARADIGMÁTICA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DA ADI N. 4.389-MC E DOS JULGADOS POSTERIORES
Caminhando-se adiante da precedente estruturação sintática da regra-matriz e sua respectiva saturação semântica com os enunciados prescritivos do direito positivo e, agora, adentrando-se a pragmática jurisdicional – no caso, do Supremo Tribunal Federal – cumpre precisar os critérios empregados pela Corte para fins de firmar a incidência da mais adequada norma impositiva das questões que lhe são submetidas nesta seara, em especial, posteriormente à paradigmática decisão da ADI n. 4.389-MC.
Quando do julgamento da ADI 4.389-MC26 e em pauta a incidência do ISSQN ou do ICM sobre o serviço de subitem 13.05 da lista anexa da Lei Complementar n. 116/2003 – no caso em apreço, “operações de industrialização de embalagens destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria” – o
Supremo Tribunal Federal entendera pela não incidência do ISSQN e, sim, do ICMS; supervenientemente, ao apreciar o mérito da aventada demanda, o Pretório Excelso julgara prejudicada a referida ação direta de inconstitucionalidade em razão da perda superveniente do objeto, no caso, caracterizada pela mudança redacional do enunciado prescritivo questionado, no entanto, mantidos os efeitos da tutela cautelar no período de sua respectiva vigência27.
No caso em apreço, tratava-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira de Embalagens (ABRE) em face dos dispostos no art. 1º, caput e § 2º da Lei Complementar n. 116/2003 e do respectivo subitem 13.05 da lista de serviços anexa, dispostos os quais franqueariam interpretações dos agentes fazendários dos diversos Municípios brasileiros no sentido da admissão da incidência e tributação pelo ISSQN das atividades de composição gráfica, ainda que a referida atividade representasse mera etapa intermediária do processo produtivo de embalagens.
Afirmara a associação demandante que várias empresas contratavam a produção de embalagens personalizadas para acondicionamento de suas respectivas mercadorias e, em contrapartida, os Municípios estariam a cindir a composição gráfica do processo de industrialização e comercialização de embalagens para fazer incidir, de modo autônomo, o ISSQN sobre tal atividade, distintamente do que entendia a demandante como escorreito, ou seja, de que quaisquer atividades relativas à composição gráfica são absorvidas pelo objeto final da operação, no caso, a venda das embalagens enquanto produto acabado.
Averbando o Ministro Relator que “nenhuma qualidade intrínseca da produção de embalagens resolverá o impasse. A solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo” e a caracterizando como típico “insumo”, bem como pela impossibilidade de “equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio”, posicionara-se pela incidência do ICM na espécie controvertida e, portanto, pela concessão da medida liminar então pretendida.
Em subsequente julgado28 e ainda em pauta o aventado subitem e serviços de composição gráfica e customização de embalagens, hipótese a qual sustentava a contribuinte não incidir sobre si os efeitos do julgamento da ADI n. 4.389-MC para firmar a incidência do ISSQN na espécie, interessantes reflexões foram trazidas pelo então Relator Ministro Dias Toffoli que, como por si declarado, refletira que seu juízo se fundava no pensar dos Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie manifestados quando do julgamento da ADI n.
4.389-MC, com pequeno acréscimos, estatuindo então a Corte critérios para distinção da conflituosa incidência.
Aventando que no supracitado precedente restara definida a incidência de ICMS “sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria”, observara a Corte que a incidência sobre a referida atividade deveria ser realizada a luz de 2 (dois) critérios: (a) verificação se a venda opera-se ou não a quem promoverá nova circulação do bem; (b) caso o adquirente seja destinatário final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação dos ditos elementos de industrialização, concluindo que face os critérios expostos, tão somente ter-se-á incidência do ISSQN se a resposta ao primeiro critério for negativa e, no segundo critério, observar-se a preponderância do fazer sobre o dar.
No caso em comento e firmando apreciar a Corte situação idêntica àquela objeto da ADI n. 4.389-MC – vale dizer, identificável que a venda operar-se-á a quem promoverá nova circulação do bem – concluíra o Ministro Relator que a hipótese não revelaria a preponderância da obrigação de fazer em detrimento da obrigação de dar, não havendo como se conceber a prevalência da customização sobre a entrega do próprio bem; salientara o Julgador que a então recorrente tem por atividade específica a fabricação de embalagens, entendendo preponderar na espécie o fornecimento de bens em face da composição gráfica, em seu juízo atividade meramente acessória, logo, decidindo a Primeira Turma que na hipótese incide o ICM.
Em julgamento posterior, interessante apontamento fora trazido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, voto de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso29, também julgando a Corte Maior em tal oportunidade questão afeta ao subitem supradescrito e, nesta espécie, particularizando-se a questão controvertida face a atividade da contribuinte de receber polímero granulado, transformando-o em fio por um processo de extrusão, retornando-o à empresa encomendante a fim de ser utilizada na sua respectiva atividade de industrialização, no caso, produção de embalagens sob encomenda de terceiros, em geral, na área de grãos.
Neste julgamento, salientara a Corte que é imprescindível a verificação do papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo considerado, cabendo ao intérprete perquirir se a atividade prestada é marcada por um talento humano específico e voltada à um destinatário final ou, distintamente, se a atividade desempenhada é atividade essencialmente industrial e meramente intermediária da cadeia de circulação.
Então considerando que o serviço prestado pela contribuinte se constituía em meta etapa intermediária da produção, não reveladora de qualquer fazer humano específico, decidira mais uma vez a Suprema Corte pelo afastamento da incidência do ISSQN.
As atividades de desdobramento e beneficiamento (corte, recorte e/ou polimento), sob encomenda, de bloco e/ou chapa de granito e mármore (de propriedade de terceiros), com o subsequente retorno ao estabelecimento do proprietário encomendante, a fim de superveniente comercialização ou submissão a nova etapa de industrialização também foram objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal30, destacando-se então o julgado no qual o Pretório Excelso tinha por pauta o pretenso “serviço tributável” diante do que prescreve o subitem 14.05 da lista anexa da Lei Complementar n. 116/2003.
Visando afastar a incidência do ISSQN sobre a referida atividade sustentara a contribuinte no caso concreto inexistir qualquer personalização dos serviços por si explorados já que, no caso, os mesmos não foram executados em conformidade a um pretenso interesse exclusivo do encomendante, portanto, não se sujeitando ao imposto municipal.
Então em voto condutor do Ministro Dias Toffoli e, neste particular, reafirmando os critérios por si identificados no já mencionado precedente de sua relatoria31, entendera o Julgador que após a realização da atividade em questão a mercadoria será comercializada ou submetida a nova etapa de industrialização e, em razão de tal circunstância – e o que neste particular discordamos32 no que atine à sua relevância para fins de firmar-se a escorreita incidência no caso controvertido em apreciação – afirmara que a industrialização por encomenda, nessa hipótese, consistiria mera fração de um processo produtivo em que prevalece a circulação e a industrialização da mercadoria e, com o referendo da Primeira Turma da Corte Suprema, firmara a não incidência do ISSQN e, sim, a incidência do IPI e ICMS.
UMA VISÃO DO TEMA DA REPERCUSSÃO GERAL N. 816
Estabelecidos inicialmente os critérios distintivos tendentes à segregação do critério material do descritor do IPI do ISSQN e, em especial, aqueles de utilização pelo Supremo Tribunal Federal desde a respectiva jurisprudência paradigmática instituída com o julgamento da ADI n. 4.389-MC nos julgamentos tocantes à industrialização por
encomenda, cumpre-nos agora proceder ao exame do Recurso Extraordinário n. 882.461/MG, cuja repercussão geral fora reconhecida pela Corte Suprema (Tema n. 816).
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 882.461/MG
Na hipótese controvertida aventada no Recurso Extraordinário n. 882.461/MG sob repercussão geral (Tema n. 816), a contribuinte, pessoa jurídica sediada no Município de Contagem/MG, fora notificada pelo Fisco Municipal por não recolher oportunamente o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com relação aos serviços por si prestados de “corte e recorte de bobinas de aço” relativos ao período de abril a dezembro de 2004, janeiro a dezembro de 2005 e janeiro a setembro de 2006, os quais a juízo do Fisco Municipal, caracterizam serviço tributável face a aplicação, na espécie, da norma jurídica de incidência construída à luz da CF/1988, art. 156, inciso III c.c. a Lei Complementar n. 116/2003, art. 1º, caput c.c. o subitem 14.05 da lista anexa.
Os representantes legais da autuada, irresignados, impugnaram o crédito em âmbito administrativo e, não logrando êxito, supervenientemente em âmbito judicial, sustentando, em apertada síntese, a não incidência do ISSQN e a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Sustenta a contribuinte recorrente em todo o iter processual que na cadeia de produção siderúrgica o aço produzido em longas chapas e bobinas demanda ser cortado antes de ser posto à venda e tal atividade é por si desempenhada. No aventado ciclo produtivo, recebe do respectivo produtor o aço produzido em longas chapas e bobinas, procede ao respectivo corte transversal ou longitudinal e, por conseguinte, remete o produto cortado à respectiva empresa encomendante, logo, figurando a atividade de corte e recorte de bobinas de aço a seu cargo mera etapa intermediária do processo fabril do aço. Por constituir-se em atividade-meio para obtenção do produto final, a qual exerce com arrimo na legislação de regência (RIPI, art. 4º), a atividade por si desempenhada de beneficiamento do aço não se subsume ao conceito de “serviços” para fins de uma pretensa incidência de ISSQN face o predomínio da obrigação de dar um dado produto com certas especificidades a outrem sobre a obrigação de fazer e, entender-se o contrário, é no juízo dos representantes da contribuinte amesquinhar a não cumulatividade mediante a inserção de elemento estranho na cadeia débito-crédito própria do IPI e ICMS, motivos pelos quais para a contribuinte a cobrança perpetrada pelo Fisco Municipal infringe os dispostos da Carta da República de 1988, art. 93, inciso IX, art. 150, inciso IV, art. 153, § 3º, inciso II, art. 155, § 2º e art. 156, inciso III.
Diversamente, entende a Fazenda Pública Municipal que, no caso em apreço, a atividade desempenhada pela contribuinte se constitui em verdadeira “prestação de serviço” e, por conseguinte, sujeita à incidência do ISSQN.
Conforme fundamentação fazendária é irrelevante a destinação do aço para a verificação, na espécie, da incidência, descabendo-se cogitar se a atividade realizada é ou não etapa intermediária do ciclo produtivo. No juízo dos procuradores fazendários, com o advento da Lei Complementar n. 116/2003 não mais se faz a distinção no subitem 14.05 da nova lista de serviços (Tabela I, anexo II-A) a qual era realizada no item 72 da lista de serviços do Decreto- lei n. 406/1968, ou seja, de que os serviços ali descritos não fossem “destinados à industrialização ou comercialização”, atualmente referindo-se o item em questão a serviços ali descritos “de objetos quaisquer”. Em outras palavras, para a Fazenda Pública Municipal houvera mudança do conceito de “industrialização por encomenda” que, antes da edição da Lei Complementar n. 116/2002, sujeitava-se à incidência do ISSQN somente quando efetivada em objetos não destinados à industrialização ou comercialização, ao passo que com o advento do diploma tivera a sua respectiva hipótese de incidência ampliada.
Daí a problemática – que, inclusive no caso controvertido, não se cinge a esta, debatendo- se ainda no processo judicial referenciado a hipotética existência de confisco na aplicação das multas fiscais moratórias – a qual é ora objeto de nossa indagação no presente ensaio e a qual constitui-se produto de nosso recorte, qual seja, definir se a industrialização por encomenda enquanto etapa intermediária do ciclo produtivo e realizada em materiais fornecidos pelo encomendante sujeita-se a incidência do IPI ou, diversamente, se a atividade humana a qual nela implica-se constitui-se serviço tributável por meio do ISSQN.
Da operação em questão: o corte transversal ou longitudinal de chapas e bobinas de aço
No caso controvertido observa-se que a empresa autuada recebe do respectivo produtor o aço produzido em longas chapas e bobinas, procede ao respectivo corte transversal ou longitudinal e, por conseguinte, reenvia o aço devidamente transformado à respectiva empresa remetente e encomendante do corte em típica atividade de industrialização por conta e ordem de terceiro como precedentemente definido; cumpre-nos, então, examinar tais 3 (três) momentos atinentes ao processo fabril do aço.
Da remessa das chapas e bobinas de aço
Como já aventado entendemos pela irrelevância da propriedade e destinação dos insumos à atividade de industrialização para fins de precisão de qual norma jurídica em sentido estrito tem-se operada a incidência e, sem embargo, temos para nós que, face tal remessa, não há que se aventar do preenchimento do critério material do descritor do imposto federal antevista não ter-se aqui qualquer operação – jurídica, saliente-se – de saída do produto industrializado do respectivo estabelecimento industrializador.
Denote-se que mesmo aprioristicamente definido que, na atividade em questão e ainda que hipoteticamente, tem-se verdadeira operação sujeita à incidência do imposto federal observar-se-á que inexiste qualquer obrigação tributária exigível; a legislação de regência
do IPI expressamente elenca a aventada remessa enquanto hipótese de suspensão do pagamento do imposto federal (Decreto n. 7.212/2010, art. 43, incisos VI e VII).
O mesmo diga-se, por reforço de argumento, do que usualmente observa-se no que atine à tributação pelo imposto estadual de circulação de mercadorias.
Observado que a circulação a qual refere-se o disposto da CF/1988, art. 155, inciso II c.c. a LC
n. 87/1996, art. 2º, inciso I pressupõe transferência de titularidade haja vista que “Sem mudança da titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS”, como nos leciona Roque Antonio Carrazza33 e, inclusive, entendimento este assente no Superior Tribunal de Justiça (vide, a respeito, Súmula n. 166) e atualmente referenciado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (Tema 297 da Repercussão Geral – RE n. 540.829), mostra- se clarividente que, enviado o aço pelo produtor à referida empresa sob a expectativa do respectivo retorno do aço devidamente transformado, não há que aventar-se de qualquer transferência – in casu, jurídica – da titularidade e, portanto, “operação” tributável.
Este intransponível óbice se dá também acerca de uma potencial qualificação do aço enquanto “mercadoria” onde, sabidamente, não é a qualidade intrínseca que lhe define a respectiva comercialidade pois, como precisado por Marcelo Viana Salomão e aqui em colação: “o bem será considerado mercadoria na medida em que tenha sido adquirido ou produzido para ser comercializado com fins lucrativos e, ainda, desde que tal operação tenha como comprador um produtor, um comerciante ou um industrial”34; no caso observa-se a ausência de qualquer compra – negócio jurídico bilateral e oneroso – do aço pela empresa autuada.
Tratam-se estas as razões pelas quais na remessa do aço pelo produtor à referida empresa contratada revela-nos clarividente a inexistência de qualquer obrigação tributária concernente ao IPI e, ainda, qualquer “circulação” de “mercadoria” e, por conseguinte, da incidência da norma impositiva do imposto estadual35.
Exatamente se dá a respeito de uma pretensa incidência do ISSQN; não há que se aventar de qualquer hipotética prestação de serviço da contratada.
Do corte de chapas e bobinas de aço
Aqui reside o ponto nevral da problemática e, como aventado, as características tipificadoras da denominada industrialização “por encomenda” – ou, como preferimos face às peculiaridades do caso, industrialização “por conta e ordem de terceiro” – são inábeis para permitir ao intérprete e aplicador a segura definição e construção da mais adequada norma jurídica impositiva; é que para tal desiderato é irrelevante a propriedade dos insumos destinados ao processo fabril quando em vista um suposto conflito da incidência do imposto federal – CF/1988, art. 153, inciso IV c.c. a Lei n. 4.502/1964, art. 2º, inciso II – com o imposto municipal referenciado ao serviço em destaque – CF/1988, art. 156, inciso III c.c. a LC n. 116/2003, art. 1º, caput c.c. o subitem 14.05 – mostrando-se de somenos importância perquirir se a etapa é ou não intermediária no processo fabril para fins de definição da incidência.
Acreditamos que tão somente através do escorreito manejo dos precitados critérios distintivos das materialidades ínsitas aos impostos em potencial conflito como inicialmente aventado é que firmar-se-á, com maior precisão, a escorreita exação incidente na espécie.
Dada a insuficiência do critério da “natureza prestacional” a firmar-se qual exação tem-se na espécie nos revela que é por meio do critério da “individualidade”36 da prestação que lhes é ínsita, inexistente no concernente ao imposto federal e presente naquela relativa ao imposto municipal, que terá o condão de orientar o intérprete à segura solução.
Na industrialização por encomenda a atividade demandada é realizada em prol da obtenção de um produto único, singular, personalizado; esta é a precisa pena de Kiyoshi Harada: “Na chamada produção por encomenda, feita a partir das especificações ditadas por determinado cliente, sobressai-se a característica de ser o produto encomendado o único do mesmo gênero, ou seja, a produção encomendada é personalizada.”37
No entanto, entendemos que tão somente o atendimento às especificações e preferências ditada pelo encomendante não bastam para caracterizar-lhe; caso contrário, todo e qualquer trespasse de parte de uma dada produção a outrem considerar-se-á uma prestação de serviço tributável antevista que, qualquer trabalho realizado a mando de outrem atende, ao menos superficialmente, certa diretriz de quem o solicita.
Na industrialização por encomenda é preciso caminhar-se adiante, ou seja, verificar se em razão de tais recomendações e preferências do encomendante estas venham a atingir um
significativo volume e razoável complexidade de modo que a atividade a ser desempenhada pelo contratado também se revele particular, única, singular.
Se em razão do volume e complexidade das recomendações e preferências do encomendante a atividade a ser desempenhada se revele, também, única e particular, inequivocamente as aptidões de quem a realiza também são imprescindivelmente levadas em conta pelo encomendante, tudo a revelar que, em tal hipótese de significativa importância da atividade de fazer, ter-se-á indubitavelmente um serviço tributável; ora, apoiado ou não por meio de instrumentos ou maquinários se revela pujante a personalidade do trabalho a ser realizado e aqui denota-se, valendo-nos do escólio de Aires
F. Barreto, que “A essência está no esforço humano que a caracteriza, define e dá-lhe
natureza.”38
Distintamente, se as diretrizes do encomendante não atingem significativo volume e complexidade, sua realização não se revela particular e as condições subjetivas de quem o realiza assumem superficial significação, logo, não se mostra antagônica a atividade a ser desempenhada a uma massificação de um processo repetitivo, homogêneo e não personificado, vale dizer, a uma produção em série; ter-se-á então a predominância do mero dar e, portanto, a tributação da atividade fabril quando de sua respectiva saída do estabelecimento industrial.
E em vista da atividade ora em exame – corte de chapas de bobinas de aço – revela-nos clarividente que sobre a mesma não se reveste, sequer longinquamente, a individualidade e as especificidades do esforço humano a terceiro as quais tipificam um serviço tributável.
Muito pelo contrário, o processo de corte de bobinas é realizado meramente em atenção às especificidades métricas ditadas pelo projeto do encomendante e em típica linha de produção inteiramente automatizada, iniciando-se no desenrolamento da bobina, na realização do corte transversal ou longitudinal das chapas e, por fim, na rebobina das tiras.
O detalhamento de tais recomendações métricas distancia-se consideravelmente de significativas recomendações específicas que envolvam uma atividade eminentemente qualificada e/ou uma peculiar capacidade de quem as realiza ao proceder o corte do aço.
Tem-se aqui, na realidade, a alteração da configuração do aço de forma padronizada e massificada, distintamente do que sucederia na prestação de serviços qualificados de corte do aço no qual visa-se, eminentemente, a realização de uma produção limitada ou reduzida, não padronizada, particularizada, a qual a atividade tão somente por um ou alguns poder- se-ia ser realizada, dada as complexidades de sua feitura e/ou a respectiva capacitação para sua realização, razão pela qual, salvo entendimentos em sentido diverso, a referida etapa
em exame nada mais é do que uma mera fase intermediária do ciclo produtivo do aço e não um serviço destacável para fins de incidência da exação municipal.
Do reenvio do aço transformado ao produtor encomendante
Transformado o aço mediante o devido corte e reenviado ao produtor encomendante é de nosso entendimento que, em razão de não ter-se qualquer operação de saída do produto industrializado quando da remessa do respectivo estabelecimento industrializador não ter- se-á, por conseguinte, qualquer transferência de titularidade no reenvio do aço ao produtor encomendante, razão pela qual concluímos que, em tal saída, não há que se aventar da incidência do imposto federal e estadual antevista falecer concretude aos descritores da regra-matriz de incidência do IPI e do ICM39, apenas havendo que se aventar de incidência quando, reenviado o aço ao estabelecimento remetente e definitivamente transformado e concluído o respectivo processo fabril, operar-se a saída do estabelecimento industrial ao destinatário com a consequente transferência de titularidade sobre o produto final.
CONCLUSÕES
São conclusões do presente trabalho:
Na denominada “industrialização por encomenda” a propriedade dos insumos e a sua eventual remessa de um estabelecimento ao outro para um superveniente reenvio ao encomendante remetente é, inequivocamente, dado de importância para distintos fins no exame do fenômeno tributário, contudo, um critério não seguro e determinativo para fins de definição da subsunção do conceito do fato social ao antecedente da norma tributária exacional do IPI ou do ISSQN que ora constitui-se o objeto precípuo do presente ensaio;
Especificamente no que atine a figurar ou não a atividade etapa intermediária do ciclo produtivo e se a referida característica pode ou não influir na definição da incidência a qual ora perquirimos, cremos que tudo irá depender da atividade a qual se examina e devidamente observada a ampliação da hipótese de incidência do ISSQN trazida pela LC n. 157/2016 no subitem 13.05 da LC n. 116/2003 e, ainda, a operada com relação ao item 72.1 do Decreto-lei n. 406/1968 pela LC n. 116/2003, atual subitem 14.05;
O Supremo Tribunal Federal, firmando sua jurisprudência a partir do julgamento da ADI n. 4.389-MC, tem-se valido de 2 (dois) critérios distintos para estremar conflituosas incidências a exemplo da qual ora perquirimos: a) verificação se a venda opera-se ou não a quem promoverá nova circulação do bem; b) caso o
adquirente seja destinatário final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação dos ditos elementos de industrialização, concluindo que face os critérios expostos tão somente ter-se-á incidência do ISSQN se a resposta ao primeiro critério for negativa e, no segundo critério, observar-se a preponderância do fazer sobre o dar, contudo, o entabulamento de tais critérios à luz de uma pretensa incidência do ISSQN diante do subitem 14.05 da lista anexa da Lei Complementar n. 116/2003 se dá em dissonância da alteração do enunciado prescritivo da Lei Complementar n. 116/2003, subitem 14.05 o qual distanciara-se da redação do Decreto-lei n. 406/1968, o item 72.1; em outras palavras, face às atividades ali descritas é despiciendo perquirir-se – e muito menos firmar-se a incidência com base neste exclusivo critério a exemplo do que sucedera no julgamento do RE n. 606.960 – se a atividade é ou não etapa intermediária do processo fabril;
Dada a insuficiência do critério da “natureza prestacional” a firmar-se qual exação tem-se na espécie, reveste-se de ímpar relevância o critério da “individualidade” da prestação que lhes é ínsita, inexistente no concernente ao imposto federal e presente naquela relativa ao imposto municipal, critério este que terá o condão de orientar, com razoável segurança, o intérprete e aplicador à solução da questão, de modo que única e exclusivamente mediante o exame do caso concreto é que será capaz de se firmar pela incidência do IPI ou do ISSQN;
Para melhor apuro do que se envolve na dita “industrialização por encomenda” na qual se visa, eminentemente, a obtenção de um produto único, singular, personalizado, tão somente o atendimento às especificações e preferências ditada pelo encomendante não bastam para caracterizar-lhe, sendo necessário ainda verificar se tais recomendações e preferências do encomendante atingem um significativo volume e razoável complexidade de modo que a atividade a ser desempenhada pelo contratado também se revele particular, única, singular e, neste ínterim, revelar-se oportuno se o exame da capacidade para a respectiva realização seja um dado também levado em consideração pelo encomendante;
Se em razão do volume e complexidade das recomendações e preferências do encomendante a atividade a ser desempenhada se revele, também, única e particular, inequivocamente as aptidões de quem a realiza também são imprescindivelmente levadas em conta pelo encomendante, tudo a revelar que, em tal hipótese de significativa importância da atividade de fazer, ter-se-á indubitavelmente um serviço tributável; ao revés, se as diretrizes do encomendante não atingem tal patamar a sua realização não se mostra antagônica a uma massificação de um processo repetitivo, homogêneo e não personificado, vale dizer, a uma produção em série, tendo-se aqui, então, a predominância do mero dar e, portanto, tem-se a tributação da atividade fabril quando de sua respectiva saída do estabelecimento industrial;
Examinando-se a questão controvertida cerne do Recurso Extraordinário n. 882.461/MG cuja repercussão geral fora reconhecida pela Corte Suprema (Tema n.
816) e destacando-se a atividade ali discutida – corte de chapas de bobinas de aço – revela-nos clarividente que sobre a mesma não se reveste, sequer longinquamente, a individualidade e as especificidades do esforço humano a terceiro as quais tipificam o serviço tributável pelo imposto municipal; o processo de corte de bobinas é realizado meramente em atenção às especificidades métricas ditadas pelo projeto do encomendante e em típica linha de produção inteiramente automatizada, iniciando-se no desenrolamento da bobina, na realização do corte transversal ou longitudinal das chapas e, por fim, na rebobina das tiras, portanto, o detalhamento de tais recomendações métricas distancia-se consideravelmente de significativas recomendações específicas as quais envolvam uma atividade eminentemente qualificada e/ou uma peculiar capacidade de quem as realiza ao proceder o corte do aço, tendo-se aqui, na realidade, a alteração da configuração do aço de forma padronizada e massificada, razão pela qual a referida etapa em exame nada mais é do que uma mera fase intermediária do ciclo produtivo do aço e não um serviço destacável para fins de incidência da exação municipal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 18. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2019.
BALEEIRO, Aliomar; e DERZI, Misabel. Direito tributário brasileiro, CTN comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
BAPTISTA, Marcelo Caron. ISS: do texto à norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2005.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. CALIENDO, Paulo. Curso de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CARVALHO, Paulo de Barros. As operações de “factoring” e o Imposto sobre Operações Financeiras. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Derivação e positivação. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2017. v. II.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2018.
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo: Annablume, 2007.
HARADA, Kiyoshi. Industrialização por encomenda: enfoque prático para distinguir IPI- ICMS do ISS. Prática Jurídica v. 7, n. 73, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. O Imposto sobre Serviços da Constituição. São Paulo: RT, 1985.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. O problema fundamental do conhecimento. Porto Alegre: Edições Globo, 1937.
MONTEIRO, Washington de Barros; e MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil, direito das obrigações. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MUNIZ, Ian de Porto; e SILVA, Carlos Bender. Industrialização por encomenda e a Lei Complementar 116/2003. Revista Tributária e de Finanças Públicas n. 63, 2005.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. São Paulo: Atlas, 2000.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011.