A (IN)DEDUTIBILIDADE DE QUANTIAS REFERENTES À QUITAÇÃO DE DÉFICIT ECONÔMICO DE PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA

THE (UN)DEDUCTIBILITY OF QUANTITIES CONCERNING THE ECONOMIC DEFICITS’ DISCHARGE OF PRIVATE PENSION PLANS OF THE NATURAL PERSON’S INCOME TAX CALCULATING BASIS


Álvaro Jáder Lima Dantas


Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas PPGCJ da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela FACISA de Campina Grande-PB. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Professor e Advogado. E-mail: alvarojaderdantas@gmail.com.



Recebido em: 02-03-2020

Aprovado em: 30-06-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-2


RESUMO


Neste artigo, guiando-se pelo método do construtivismo lógico-semântico de Paulo de Barros Carvalho, investiga-se a possibilidade de se deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoas Físicas as contribuições de natureza extraordinária pagas a entidades de previdência complementar privada. Trabalha- se a temática, desse modo, a partir do julgamento do Tema Representativo de Controvérsia n. 171 pela Turma Nacional de Unificação. Estabelece-se, para tanto, um estudo multidisciplinar, observando-se categorias tanto do Direito Civil quanto do Direito Previdenciário, adotando-se seus conceitos para fins interpretativos em consonância com o art. 109 do Código Tributário Nacional. Assim, como modo adequado ao método que se segue, investiga-se a semântica, ou a natureza jurídica, tanto das verbas dedutíveis do Imposto de Renda quanto das contribuições extraordinárias acima citadas, tendo em vista compreender se a natureza destas últimas


satisfaz os critérios das primeiras, de modo que se possa responder se essas quantias não ordinárias podem ou não ser consideradas verbas dedutíveis.

PALAVRAS-CHAVE: IMPOSTO DE RENDA DE PESSOAS FÍSICAS, DEDUÇÕES DA BASE DE CÁLCULO, PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA, CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS


ABSTRACT


In this article, guided by the method of logical-semantic constructivism by Paulo de Barros Carvalho, we investigate the possibility of deducting from the personal income tax calculation basis the extraordinary contributions paid to private pension entities. In this way, the theme is based on the judgment of the Representative Controversy Theme No. 171 by the National Collegiate of Jurisprudence Unification. Therefore, a multidisciplinary study is established, observing categories of both Civil Law and Social Security Law, adopting their concepts for interpretative purposes in accordance with Article 109 of the National Tax Code. Thus, as appropriate to the method that follows, the semantics, or the legal nature, of both Income Tax deductible funds and the extraordinary contributions mentioned above are investigated, with a view to under- standing whether the nature of the latter meets the criteria of the former, so that it can be answered whether or not these non-ordinary amounts can be considered deductible amounts.

KEYWORDS: PERSONAL INCOME TAX, DEDUCTIONS FROM THE CALCULATION BASIS, PRIVATE SUPPLEMENTARY PENSIONS, EXTRAORDINARY CONTRIBUTIONS


  1. INTRODUÇÃO

    Neste artigo, tem-se por objetivo discutir sobre a possibilidade teórica e prática de se deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoas Físicas – IRPF as quantias pagas a título de contribuições extraordinárias para planos de previdência complementar privada. O assunto surge do debate construído na Turma Nacional de Unificação – TNU, responsável por unificar os entendimentos jurisprudenciais oriundos de juizados especiais e turmas recursais. Nesse debate, que foi afetado como Tema Representativo de Controvérsia, recebendo o n. 171 no supracitado órgão colegiado nacional, o julgamento foi favorável ao contribuinte, permitindo que a dedução fosse feita, obedecendo-se, contanto, a limitação de 12% posta no regulamento do referido tributo.


    A temática tem sua importância porque, a partir dela, além de se empreender uma discussão que traz a interdisciplinaridade entre as áreas do Direito Civil, em particular, dos contratos, do Direito Tributário e do Direito Previdenciário, apresenta-se – como será concluído ao término dessa discussão – um posicionamento fundamentado em um dos votos-vista propostos por um dos juízes da TNU, mas que se opõe à permissão dada pela


    fixação da seguinte tese: “As contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (art. 11 da Lei n. 9.532/97)”.


    A divergência surge justamente da distinção entre as naturezas jurídicas das contribuições ordinárias e extraordinárias, uma vez que, enquanto a primeira se assemelha à forma de custeio realizada na sistemática do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), a outra parece ter muito mais semelhanças com obrigações pecuniárias oriundas de cláusulas contratuais de repartição de risco. Todavia, para que esta pesquisa se apresentasse de maneira a portar um problema verdadeiro e uma hipótese realmente hipotética – e não uma tese sem ponderações ou contra-argumentos –, seria necessário que fossem estabelecidas condições de refutação. Ou seja, caso, ao fim, a distinção das naturezas jurídicas das contribuições não se justificasse, seria necessário refutar a hipótese apresentada acima, uma vez que os fundamentos que servem de base à construção dessa hipótese não mais se sustentariam.


    A relevância da pesquisa realizada está evidente na própria exposição da problemática. A fixação do tema de controvérsia interpretativa deu-se no último semestre de 2018 e, embora tenha posto fim a um conjunto numeroso de lides, apresentou uma solução possível, por óbvio, mas pouco atenta às naturezas jurídicas dos institutos envolvidos. Desse modo, esta discussão não só revisa como também oferece elementos argumentativos diversos para os casos semelhantes. Ademais, com a ampliação da discussão ora empreendida, torna-se mesmo possível, no futuro, que a orientação jurisprudencial possa ser revisada e melhor construída, exibindo critérios dogmáticos mais sofisticados.


    O método utilizado para a elaboração deste trabalho advém do construtivismo lógico- semântico, marcadamente elaborado por Paulo de Barros Carvalho e Lourival Villanova. Isso porque se busca nesta pesquisa a semântica construída pelo direito em seus diversos âmbitos, para que se possa ao fim responder à pergunta: a natureza jurídica das contribuições extraordinárias satisfaz o critério de efetivação de garantia fundamental, característico das demais deduções, para que se repute devida a dedução da base de cálculo do Imposto de Renda (IR)?


    Retomando os caminhos metodológicos da escola acima citada, é impossível omitir que esses marcos não foram tomados, porque se acredita que são capazes de responder satisfatoriamente, com a verdade, a todos os anseios dos juristas. Em vez disso, foram escolhidos por promoverem interessantes lugares argumentativos e analíticos – com todo o cuidado simbólico relativo ao termo.


    Já acerca da composição do texto, foram construídas três narrativas, uma para cada tópico. No primeiro, discute-se a natureza jurídica das deduções da base de cálculo do IRPF


    constitucionalmente previstas, revelando que as contribuições para planos previdenciários privados realmente servem ao escopo da efetivação de direitos e garantias fundamentais, nesse caso, o direito fundamental à previdência posto no rol do art. 6º da Constituição.


    A segunda narrativa se divide em dois subtópicos. No primeiro, apresentam-se descrições mais gerais, que distinguem, no caso brasileiro, o ramo da previdência privada – aberta ou fechada – e o da pública – expressa nos seus dois regimes, a saber, o geral e o próprio. Sendo assim, realizadas as distinções que possibilitam enxergar certas características do ramo privado, como a complementariedade, a autonomia e a contratualidade, o texto se dirige ao subtópico seguinte, no qual se oferece uma classificação dos contratos dos planos de previdência, segundo uma taxonomia clássica, expondo-se o número de partes reciprocamente obrigadas, a gratuidade ou onerosidade, a comutatividade ou aleatoriedade, dentre outras tantas características que servem para se conhecer melhor a natureza jurídica das relações privadas nesse âmbito previdenciário.


    Por fim, no terceiro tópico, apresenta-se brevemente o conjunto de fatos, reais e processuais, que levaram à fixação da tese n. 171, de maneira a formar um arcabouço suficiente, para que se chegue à conclusão, seja ela a que se espera ter, ou a sua refutação.


  2. A NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL DEDUTÍVEIS DA BASE DE CÁLCULO DO IRPF

    Neste trabalho, materializa-se um estudo que se pretende voltado a um fenômeno rotulado como “prático”. Todavia, trabalham-se, por início, certos postulados teóricos, marcadamente atribuídos a uma corrente do pensamento do Direito Tributário, a saber, o construtivismo lógico-semântico. Assim se faz para que se evidencie que será esse aporte que sustentará a conclusão anteriormente enunciada na introdução. Desse modo, antes de se tomarem propriamente os debates sobre a natureza jurídica de certos fatos, buscar-se-á discutir um pouco sobre a exegese de certos dispositivos do Código Tributário Nacional (CTN), especificamente a do art. 109, tendo em vista que, no mencionado texto normativo, discorre-se sobre parâmetros do processo hermenêutico envolvidos na seara tributária. Citando-o, pois, ipsis litteris: “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”1.


    Ora, o que é dito na primeira parte do texto acima é que, nas situações em que a norma tributária precisar utilizar um instituto, conceito ou forma jurídica pertinente ao direito privado, ela deverá trabalhá-lo/a de modo a manter a semântica corrente na seara privatista. Já a sua última parte deixa transparecer que as consequências dessas normas

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    1. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direit o tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 8 fev. 2019.


      jurídicas tributárias não são dependentes de outra área do direito, mas têm sua autonomia preservada. Melhor explicando, o texto do art. 109 do CTN “estabelece, por exemplo, que, à vista da realização do negócio jurídico ‘x’ (definido pelo direito privado), haverá a consequência de tal ou qual partícipe do negócio tornar-se sujeito passivo de determinado tributo”2. Explorando o exemplo, qualquer negócio jurídico que seja praticado e compreendido dentro da classificação “x” gerará a mencionada consequência.


      Nesse ponto, então, torna-se interessante voltar ao construtivismo lógico-semântico, que tem algumas de suas bases no normativismo kelseniano e na fenomenologia de Husserl3. Para essa corrente, nas normas jurídicas, são observáveis dois momentos distintos, a saber, o de uma hipótese e o da sua consequência. A “hipótese”, ou antecedente, é como uma descrição abstrata de um fato; e a “consequência” é como uma relação obrigacional entre sujeitos, caso haja um fato que preencha aquela descrição abstrata da hipótese. Tem-se, por exemplo, auferir renda enquanto antecedente, e a obrigação de pagar Imposto sobre a Renda como consequente.


      Citando Paulo de Barros Carvalho4, “as unidades normativas descrevem ocorrências, colhidas no ambiente social, e atrelam ao acontecimento efetivo desses eventos o nascimento de uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito”. É necessário que se chame a atenção, nesse primeiro momento, para a afirmação que, na citação acima, o autor faz: a de que as normas “descrevem ocorrências colhidas no ambiente social”. Ou seja, na atividade hermenêutica do Direito Tributário, há a construção de uma narrativa acerca dessas ocorrências que de alguma maneira deve preencher ou não a descrição abstrata presente na hipótese. A questão é que a atividade descritiva já é algo problemático em si. Ao se descrever algo “segundo o modelo ‘objeto e designação’, [...] o objeto cai fora de consideração, como irrelevante”5. Ou seja, na maioria das vezes, não importa o que acontece na ocorrência, ou nos atos/objetos “considerados em si”; ao invés, vale mais a “designação” ou a narrativa “jurídica” construída sobre aquele dado real.


      Essa narrativa, que recebe o título de “jurídica”, é a que se apresenta como legítima para preencher ou não os requisitos daquela hipótese normativa. Isso porque a própria “realidade jurídica é constituída, em toda a sua extensão, em todos os seus momentos e manifestações, em todas as suas instâncias organizacionais, pela linguagem do direito posto”6. Desse modo, abordar a natureza jurídica dos institutos civis é o mesmo que se


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    2. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 247 et seq.


    3. Cf. CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2016. p. 99.


    4. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 34.


    5. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. p. 10 7.


    6. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 10. ed. São Paulo: Noeses, 2018. p. 180.


      debruçar sobre como o direito narra ou compreende determinadas situações da vida social. Essa atividade dogmática permite, como dito acima, fazer incidir os consequentes normativos a partir da aferição de um determinado fato. Aproveitando o exemplo do IR: as chamadas “verbas indenizatórias” não são tributáveis pelo imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Isso porque a sua natureza jurídica é de reparação a um dano sofrido; ela, portanto, serve para restaurar o estado material/moral que existia antes do dano, não consistindo em acréscimo patrimonial, elemento da hipótese de incidência desse imposto.


      É por isso que se tomou a discussão acima. A tributação sobre a renda e rendimentos de pessoa física, no Brasil, assume um posicionamento tal que não são somente os frutos econômicos do capital, ou da valorização de bens, que fazem gerar o dever de pagar tributo, mas também a atividade laborativa dos indivíduos, os seus salários. O art. 43 do CTN estabelece que o fato gerador do IR é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e de “acréscimos patrimoniais” não compreendidos na outra hipótese.


      O que se torna interessante, mas que não é objeto de uma análise pormenorizada neste trabalho, é que a ampla maioria dos brasileiros em idade ativa é agente dos fatos geradores da obrigação de pagar o IRPF, uma clara feição dos princípios da generalidade e universalidade atribuída ao tributo. O que se quer dizer é que, diante do elemento central do antecedente da norma matriz – da forma na qual foi exposta no texto do art. 43 do CTN

      –, aquela ampla maioria recorrentemente aufere renda, rendimentos ou proventos. No entanto, pela concentração de renda e pela baixa remuneração de diversos setores existentes no País, grande parcela desse grupo é abarcada pela faixa de isenções, havendo a constituição da relação jurídico-tributária, sendo, todavia, essa incidência mutilada em seu critério quantitativo7.


      Esse critério mutilado, mais precisamente a base de cálculo – que costuma trazer semelhanças ao próprio fato gerador e à própria hipótese de incidência –, é o que possibilita o sustento de inúmeras famílias. Sem a criação de isenções, ou da possibilidade de deduções de certas despesas, a subsistência no País seria impossível para muitos. Conforme observam certos estudiosos da questão do IRPF, as deduções e isenções possuem um fundamento distinto nas diferentes doutrinas, mas coincidem no sentido de que são correlatas à concretização e garantia de valores fundamentais, postos na Constituição8.


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    7. Aqui, as isenções devem ser entendidas como mutilações da regra-matriz de incidência tributária. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 482.


    8. No sentido trabalhado relativo ao IRPF, as deduções e isenções possuem um fundamento distinto nas diferentes doutrinas, mas coincidem no sentido de que são correlatas à concretização e garantia de valores fundamentais, postos na Constituição. Certas visões acerca do tema são observáveis em: ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 441; CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 80. Ainda, sobre uma feição obrigatória do caráter extrafiscal dos impostos: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012. p. 240; FICHERA, Franco. Imposizione ed extrafiscalitá nel sistema constituzionale. Napoli: Ed scientifiche italiane, 1973.


      Contudo, a finalidade deste tópico não é a de buscar a semântica de signos como renda, rendimentos ou proventos, ou mesmo de analisar a sua base de cálculo e o impacto social do tributo. Na verdade, buscar-se-á analisar a natureza jurídica das possibilidades de deduções da base de cálculo do IRPF. Nesse sentido, pode-se apresentar a seguinte afirmação:


      “As deduções de valores, previstos na legislação, tem por objetivo evidente a eleição de determinados gastos considerados essenciais para a preservação dos direitos considerados fundamentais, assim como permitir a preservação da própria vida e da fonte produtora de riquezas”9.


      Assim, faz-se necessário que as possibilidades de deduções legalmente previstas sejam trazidas para esta discussão, com o objetivo de que sejam expostas quanto à sua natureza jurídica. O art. 8º, inciso II, da Lei n. 9.250/1995 apresenta esse rol de despesas que podem ser abatidas da totalidade de rendas auferidas. São elas genericamente definíveis em: despesas dentro do ano-calendário com serviços de saúde; despesas com instrução e educação do contribuinte e de seus dependentes; despesas pressupostas pela existência de dependente; quantias pagas em sede de contribuições para a Previdência Social; quantias pagas enquanto contribuições para as entidades de previdência privada cujo custeio seja assemelhado ao da Previdência Social; importâncias pagas a título de pensão alimentícia; despesas escrituradas no Livro Caixa (incisos de I a III do art. 6º da Lei n. 8.134, de 27 de dezembro de 1990); contribuições para as entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública.


      Ao enunciar acima os distintos gastos dedutíveis da base de cálculo, formada pela universalidade das rendas auferidas por um indivíduo, busca-se expor exatamente que essas custas subtraíveis são, em verdade, quantias que, apesar de se constituírem enquanto renda e proventos de qualquer natureza, são despendidas na busca pela efetivação de direitos fundamentais e de um mínimo existencial para os indivíduos. As razões que fundamentam essa afirmação são evidentes em relação às somas gastas com saúde, educação, pensão alimentícia e dependentes, mas não tão patentes em relação às dedutibilidades em decorrência de contribuições para a Previdência Social, bem como para fundos privados de previdência.


      Sobre esse ponto, talvez seja complicado afirmar que os regimes de previdência, o geral, o próprio e os complementares, possuem semelhantes naturezas. Embora seus objetivos sejam aparentemente os mesmos – o de oferecer quantias em sede de aposentadoria aos indivíduos, que para elas contribuem – e sua forma de custeio seja semelhante – a


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    9. CASTELLANI, Fernando Ferreira. Considerações acerca das deduções de natureza constitucional do imposto sobre a renda. 2014. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 200.


      estipulação de contribuições periódicas –, ainda assim restam diferenças marcantes entre os referidos institutos.


      A previdência privada é complementar e tem organização autônoma em relação ao RGPS, como será mais detalhadamente discutido à frente, bem como tem sua independência financeira em relação ao Estado. Mas o que é mais marcante – e é consequência da autonomia – é o elemento que faz surgir a dúvida acerca do caráter fundamental dos regimes privados, ou seja, a sua facultatividade.


      Ora, os direitos fundamentais costumam ter por seu núcleo o seu atrelamento ao sujeito titular. A própria concepção de direitos fundamentais enquanto direitos humanos positivados constitucionalmente é evidência dessa nuclearidade. É aí que está a questão: uma vez que seja ligado à própria noção de pessoa e que tenha por atributo a sua indisponibilidade, torna-se estranho tratar algo que é facultativo como direito fundamental. Ainda, esse caráter da autonomia garante que os regimes previdenciários privados independam por completo de qualquer atrelamento ao regime geral, o que torna possível, por exemplo, que um indivíduo se filie a um plano de previdência privada independentemente de uma prévia filiação ao RGPS, sendo inclusive uma exceção ao caráter da complementariedade.


      Por outro lado, é perceptível que o art. 6º da Constituição não cria distinção entre os possíveis regimes previdenciários, mas somente dispõe que “são direitos sociais [...] a previdência social [...] na forma desta constituição”. Além disso, a Seção III do Título da Ordem Social, que trata justamente da Previdência Social, é dirigida a disciplinar ambos os institutos, o geral e o complementar privado.


      Desse modo, em que pese não existir essa necessidade de prévia vinculação ao RGPS, a noção de direito fundamental à previdência deve ser compreendida como um todo para efeitos tributários. Como se verá no art. 87 da IN/RFB n. 1.500, para que seja possível a sua dedução, a contribuição previdenciária a ser abatida da base de cálculo deve ter natureza de custeio de um direito fundamental. Sendo assim, a possibilidade de dedução das contribuições para os regimes de previdência privada só existe enquanto complemento ao RGPS ou ao RPPS (Regime Privado de Previdência Social), sendo necessária a sua vinculação prévia a um desses dois sistemas. Ou seja, para efeitos fiscais, o regime privado, compreendido isoladamente, não pode ser considerado como um direito fundamental.


      Enumeradas as circunstâncias em que a dedução é possível, não restam muitos outros elementos argumentativos para se tentar criar mais distinções capazes de afastar a previdência privada da “fundamentalidade” afirmada na constituição. São, portanto, direitos fundamentais e, por isso, foram inseridos entre as hipóteses de dedução da base de cálculo do IRPF. Lembrando, contudo, que a previdência privada deve ser considerada em complementação ao RGPS, com prévia vinculação a este, para que, como conjunto, seja


      dotada desse caráter. Tal compreensão foi construída a partir da emissão da Instrução Normativa n. 1.500 pela Receita Federal do Brasil. Regulando essas contribuições dedutíveis, a citada IN apresenta a seguinte prescrição:


      “Art. 86. São admitidas, a título de dedução, as contribuições:

      1. – para a Previdência Social da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

      2. para as entidades de previdência complementar domiciliadas no Brasil e as

        contribuições para o Fapi, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;

      3. – para as entidades de previdência complementar de natureza pública de que trata o § 15 do art. 40 da Constituição Federal, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social.

        [...]

        Art. 87. As contribuições de que tratam os incisos II e III do caput do art. 86 ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para o regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na DAA.

        [...]

        Art. 89. Os prêmios de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência são indedutíveis para fins de determinação da base de cálculo do imposto devido na DAA”10.


        Ao analisar esse texto normativo, algumas observações são cabíveis. Pelo teor do art. 86, inciso II, acima exposto, os benefícios complementares devem ser assemelhados aos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa obrigatoriedade deixa mais evidente que a finalidade dos regimes é semelhante e, de maneira específica, mostra o caráter complementar da previdência privada. Em suma, a prescrição posta no mencionado dispositivo só evidencia a forma unitária da Previdência Social, enquanto direito fundamental.


        Outro elemento marcante na presente IN é o art. 89, o qual, por seu turno, confirma o que foi exposto no início deste tópico. Ora, ao se afirmar que “prêmios de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência” são indedutíveis, o que aí há é a percepção de que


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    10. BRASIL. Instrução Normativa RFB n. 1.500, de 29 de outubro de 2014. Dispõe sobre normas gerais de tributação relativas ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 57, 30 out. 2014. Art. 86-87; 88 (destaques nossos). Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=57670. Acesso em: 20 fev. 2019.


      esses institutos de seguro de vida – como é o caso do plano de previdência privada Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) – não têm natureza jurídica de contribuição previdenciária. Isso será melhor discutido mais adiante, todavia, esse fator já conduz este tópico a uma conclusão parcial. Ela pode ser sintetizada em forma de uma premissa maior, qual seja: somente as verbas que tenham natureza jurídica de contribuição para o financiamento do direito fundamental à previdência podem ser deduzidas na formação da base de cálculo do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza de pessoas físicas.


      Desse modo, passa-se ao estudo das formas existentes de previdência complementar privada no Brasil, com o objetivo de se entenderem os elementos conceituais envolvidos em seus institutos.


  3. A PREVIDÊNCIA PRIVADA BRASILEIRA E A CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS DOS PLANOS DE PREVIDÊNCIA

    1. A previdência privada brasileira


      Embora já se tenha abordado o tema da previdência privada no tópico anterior, tal abordagem, parcialmente feita, não foi suficiente para se atingir (ou: alcançar) o escopo almejado neste trabalho. Faz-se necessário, desse modo, que esse setor da Ordem Social do ordenamento jurídico brasileiro seja explorado mais detalhadamente. Uma vez que o presente objeto de estudo não é o Direito Previdenciário em si – nem mesmo os distintos regimes nele existentes – neste lugar argumentativo, certas características gerais do âmbito privado da previdência serão trazidas e, posteriormente, certas feições específicas dos planos de previdência privada também. A fim de se realizarem a distinção e o destaque dos principais elementos do setor privado em relação ao público, tem-se a seguinte consideração:

      “(...) a Previdência Social no Brasil é composta por regimes públicos, quais sejam, o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Agentes Públicos, todos em sistema de repartição, compulsórios, geridos pelo Poder Público, que cobrem a perda da capacidade de gerar meios para a subsistência até um valor-teto; e outro, complementar, privado e facultativo, gerido por entidades de previdência fiscalizadas pelo Poder Público11.


      Conforme enunciado acima, os regimes públicos (RGPS e RPPS) são: compulsórios, enquanto os privados são facultativos; geridos pelos poderes públicos, em oposição à gestão autônoma das entidades de previdência; em sistema de repartição simples, diferentemente do sistema de capitalização promovido por essas entidades; limitados até um teto, de modo


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      1. CASTRO, Carlos Alberto de; e LAZZARI, João Batista. Direito previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 123 (destaques nossos).


        que os benefícios podem ser complementados pelos planos de previdência complementar (privados ou públicos).


        Então, apresentaram-se as características diferenciais e específicas dessa forma de previdência complementar, algumas de maneira explícita e outras implicitamente, as quais serão escrutinadas adiante: a autonomia; a forma privada de organização; a natureza eminentemente contratual; e a capitalização, como sistema de contribuição e gestão dos planos.


        Por primeiro, tem-se que o caráter complementar dessa forma de previdência é referente ao escopo central almejado pelo instituto, qual seja, o de oferecer uma “quantia extra” àqueles que considerem os valores trabalhados pelo RGPS como insuficientes. Sendo assim, a complementariedade, e não a “suplementariedade”, é a regra, todavia, essa afirmação não é absoluta. Ou seja, para esses regimes regulados pela supracitada lei, um indivíduo que não é contribuinte obrigatório e que não é vinculado ao RGPS pode vincular- se a qualquer regime privado, ainda assim.


        Melhor explicando, em geral, os benefícios provenientes de planos de previdência privada foram criados para complementar aqueles oriundos do RGPS. Por exemplo, a quantia mensal que um aposentado recebe do INSS é limitada pelo teto ou pelo valor das contribuições ao longo dos períodos de contribuição daquele indivíduo, que pode ter contratado com uma entidade privada o recebimento de valores que servem para complementar aquele valor mensal recebido. Todavia, devido ao caráter autônomo do regime, o qual será melhor exposto adiante, eventualmente, a complementariedade pode ceder seu lugar a uma “suplementariedade”, de forma que as quantias pagas não sirvam apenas para completar uma renda paga por vinculação ao RGPS, mas para substituir os benefícios pagos pelo Regime Geral. Daí é que se percebe a importância dada à autonomia desses planos privados de previdência.


        Passa-se, então, para a autonomia. É interessante perceber que, antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, e até mesmo antes da Lei n. 6.435, de 15 de julho de 1977, já se observava a existência de planos de previdência privada no Brasil. Foi em decorrência da sistemática trazida com a Constituição de 1988 e com a Emenda n. 20/1998 que foi elaborada a Lei Complementar n. 109/2001. Assim, nesse marco legal, o Estado funciona marcadamente como agente regulador e fiscalizador das entidades privadas, que, por sua vez, são as responsáveis por conduzir a atividade própria de gestão dos recursos.


        Repetido no art. 1º da Lei Complementar n. 109/2001, o caráter autônomo da previdência complementar privada refere-se à sua total independência dos regimes geridos pelo poder público. Ora, a autonomia, pela EC n. 20 e pela LC n. 109, foi posta de tal maneira que a sua nuclearidade permite até mesmo transformar o caráter complementar em suplementar. Tudo isso de forma a afastar por completo as entidades privadas da ingerência ou da


        dependência do poder público, que só atua como agente regulador. Essa atuação governamental ficou restrita àquela feita pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), uma autarquia de natureza especial – criação conferida pela Lei

        n. 12.154, de 23 de dezembro de 2009 – vinculada ao Ministério da Economia. Como dito, a sua atribuição é especificamente a de fiscalizar e supervisionar essas atividades das entidades fechadas de previdência complementar, bem como a de executar as políticas para o regime de previdência complementar operado por essas entidades12.


        A característica da forma privada de organização não carece de mais explicações além das noções dadas acima, uma vez que é decorrência direta da autonomia e se expressa pela forma contratual de seus planos. Esses contratos são evidência da autonomia das vontades contratantes, corolária da autonomia privada e perceptível em três princípios marcantes: o da liberdade contratual; o do pacta sunt servanda; e o da relatividade contratual13. Reiterando, portanto, à gestão privada restam claras e incontestes, quando escrutinadas, as feições da autonomia e a natureza contratual de suas relações obrigacionais.


        Acerca da contratualidade, é possível dizer que os planos de previdência privada têm natureza, “efetivamente, de uma relação de cunho contratual privado, pois se instala com formalização de um acordo entre as partes de direito privado (participante e entidade de previdência privada, com ou sem a participação de uma pessoa jurídica patrocinadora)”14. É justamente por isso que existe, no mercado brasileiro, uma pluralidade vasta de planos, com distintas opções de benefícios e contribuições. Corroborando o pensamento anterior, tem-se a seguinte assertiva:


        “O fato é que existe grande flexibilidade nas possibilidades de ingresso em planos de Previdência Privada, tanto em relação aos participantes, quanto aos patrocinadores. Para que haja esta flexibilidade de opções de ingresso no sistema previdenciário complementar privado, a contratualidade é a característica mais significativa em relação à formalização material dos direitos e obrigações do participante de entidade de Previdência Privada15.


        Sendo assim, uma vez que tenha feições contratuais, toda a legislação civilista é aplicável à regulação das relações obrigacionais pactuadas entre as entidades e os participantes. Os pressupostos de validade dos negócios jurídicos – capacidade do agente, licitude do objeto



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      2. CASTRO, Carlos Alberto de; e LAZZARI, João Batista. Op. cit., p. 124.


      3. FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Contratos. Salvador: JusPodivm, 2012. v. 4.


      4. GAUDENZI, Patrícia Bressan Linhares. O perfil jurídico do imposto de renda e a tributação dos planos de previdência complemen tar privada. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 32-33.


      5. WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Manual de direito previdenciário privado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 25 (destaque nosso).


        e forma não defesa em lei –, portanto, dentre outros dispositivos, também são necessários à legalidade e à correta existência dos contratos.


        Posteriormente, ao se buscar melhor expor a natureza contratual e as minúcias dos planos de previdência privada – escolhidos, neste trabalho, por serem os tipos de plano cuja dedução da base de cálculo do IR é possível –, será exposta uma classificação, segundo a taxonomia clássica, em: unilaterais ou bilaterais; gratuitos ou onerosos; comutativos ou aleatórios; de execução imediata, diferida ou sucessiva; paritários ou por adesão; e personalíssimos ou impessoais.


        Todavia, de modo a fechar uma primeira parte acerca das características gerais que diferenciam as previdências privada e pública, é necessário abordar o último elemento descrito acima, a saber, o regime de capitalização como forma de gestão dos recursos. A cartilha editada pelo então Ministério da Previdência Social, em 2004, intitulada Panorama da Previdência Social Brasileira, dispõe a seguinte concepção:


        “A técnica desenvolvida para a construção de qualquer sistema de previdência funda-se no princípio da capitalização, seja com base na força de trabalho ou no capital propriamente. O primeiro modelo diz respeito ao pacto intergeracional, no qual a geração futura, ao ingressar no mercado de trabalho, assume o ônus da aposentadoria da geração anterior. Todavia, em matéria de Previdência Complementar, a legislação apenas permite a capitalização com base na acumulação de capital, que ocorre por meio da acumulação de ativos, que podem ser imobiliários, títulos da dívida ou participações acionárias no capital das empresas”16.


        Esse modelo da acumulação de ativos possui uma grande diversidade de métodos possíveis, que se distinguem uns dos outros de acordo com certas variáveis acerca das características específicas dos perfis pessoais dos segurados. Isso permite que as entidades gestoras dos planos possam oferecer um maior número de serviços adaptados a determinados perfis socioeconômicos. Por esse modo, é possível fazer com que os juros comecem mais baixos e durante o tempo de contribuição sejam crescentes, ou o contrário. Isso de forma a tornar um determinado plano mais atrativo a um dado grupo. Enfim, é essa gestão, é esse processo de constituição de ativos que deve, ao fim do período de contribuição, garantir o pagamento dos benefícios contratados. Há uma necessidade de que se mantenha o equilíbrio atuarial dos planos, sob pena de surgirem outras tantas contribuições dirigidas à quitação de um possível déficit.


    2. A classificação dos contratos de planos da previdência complementar privada


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      1. BRASIL. Panorama da previdência social brasileira. Brasília: Ministério da Previdência Social, 2004.


        Estudadas certas características concernentes aos vários planos de previdência privada, torna-se necessário, como passo argumentativo deste estudo, analisar as diferentes formas existentes dos planos previdenciários. Dessa maneira, é essencial que se apresentem tanto os planos das entidades abertas como os das fechadas, apresentando-se brevemente suas diferenças. Logo de início, também é devido destacar que o VGBL, apesar de ser tratado dentro dos planos de previdência complementar privada das entidades abertas, tem natureza de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência. Assim também ocorre com o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), que não é considerado um fundo de previdência privada, porque se assemelha a uma poupança, não estabelecendo um período determinado para a contribuição.


        Sobre aqueles planos existentes em meio às entidades fechadas, o que é interessante notar é que, como eles são “produtos” contratáveis por qualquer pessoa por convenção, foram criados padrões, cujas condições específicas são estipuladas a partir das características dos grupos socioeconômicos. Eles são conhecidos pelas siglas: PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres), PAGP (Plano com Atualização Garantida e Performance), PRGP (Plano com Remuneração Garantida e Performance). O PGBL tem por característica a inexistência de garantia de remuneração mínima durante o período de diferimento. Já no PRGP, durante o período de diferimento, há a apuração de resultados. Isso porque eles têm a garantia – durante o período de diferimento – de que os recursos sejam remunerados segundo uma taxa de juros anual, bem como por índice de atualização, todos previstos no regulamento do plano. Por último, o PAGP é distinto do PRGP somente porque a atualização dos recursos não é dada segundo taxa de juros efetiva anual, sendo feita somente segundo índice de atualização de valores17.


        Já no tocante aos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência privada, não existem “produtos” preestabelecidos, como o PRGP ou o PGBL, por exemplo. Mas o caráter contratual da relação jurídica permanece. A diferença está, como dito, na inexistência de produtos; isso faz com que os planos sejam formados com vistas ao perfil do grupo de pessoas a quem se destinam18.


        Sobre todos os citados planos, não se tem dúvida de que seus contratos sejam bilaterais (sinalagmáticos) ou plurilaterais, em caso de haver uma entidade patrocinadora. Ou seja, eles possuem mais de uma parte envolvida, e todas elas pactuam obrigações recíprocas, umas em relação às outras19. Também não é questionável que, genericamente, eles possuam natureza de contratos de execução sucessiva, uma vez que tanto as obrigações de contribuição como as de pagamento de benefício são contínuas, sendo pagas de mês a mês.


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      2. GAUDENZI, Patrícia Bressan Linhares. Op. cit., p. 60.


      3. Ibidem, p. 58.


      4. GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 93.


        Todavia, é preciso que se note a possibilidade de se ter uma cláusula resolutiva, em que a entidade pague de uma só vez a quantia acumulada e atualizada até então.


        Outra marca característica é a de que são predominantemente – para não se dizer de maneira exclusiva – contratos de adesão, logo que as entidades, tanto as abertas quanto as fechadas, já mantêm as cláusulas contratuais fixadas, não havendo negociação. Ora, como dito, as entidades de previdência complementar padronizam vários perfis dos diferentes planos, de modo a se tornarem produtos atrativos aos distintos grupos socioeconômicos. Outra marca também destacável é o caráter personalíssimo dessas relações contratuais, em que a cobertura e o pagamento de benefícios se fazem somente ao beneficiário, ou a seus legítimos herdeiros, em caso de morte.


        A questão mais emblemática a ser debatida é sobre se os contratos de planos de previdência são comutativos ou aleatórios. Quanto a isso, toma-se a seguinte noção:


        “Em determinados negócios não existe o fator risco em relação às prestações, que serão certas e determinadas. A compra e venda, por exemplo, é, em regra, um contrato comutativo, pois o vendedor já sabe qual o preço a ser pago e o comprador qual é a coisa a ser entregue.

        [...]

        Por outro lado, no contrato aleatório a prestação de uma das partes não é conhecida com exatidão no momento da celebração do negócio jurídico pelo fato de depender da sorte, da álea, que é um fator desconhecido”20.


        De antemão, já é possível dizer que não é certo afirmar genericamente que o tipo de contrato ora em foco aqui pertence exclusivamente a uma classificação ou outra. Isso porque, como visto anteriormente, existem instrumentos contratuais que pactuam com exatidão o benefício que deverá ser recebido; em outros, se contrata o valor das contribuições. Assim, ao mesmo tempo que não se pactua necessariamente o tempo de contribuição – ou nos casos em que se fixa o benefício – não se fixa a contribuição e vice- versa. Para além disso, pelo caráter de investimento financeiro que a previdência privada tem tomado nos últimos anos, é comum que existam cláusulas que facultem a resolução do contrato, mediante levantamento dos saldos matemáticos existentes nas contas particulares.


        Dessa maneira, compreende-se neste trabalho que não é possível afirmar dos contratos de planos de previdência privada o que comumente se afirma dos contratos de seguro, ou seja, que eles são evidentemente contratos aleatórios. Todavia, ainda que existam planos como o PRGP, em que a exatidão das cláusulas faz com que até os juros e os demais índices


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      5. TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 3. p. 22 (destaque nosso).


        tenham previsão contratual, é posicionamento, neste trabalho, que de alguma forma haverá sempre alguma inexatidão acerca do adimplemento da obrigação pactuada.


        Para os fins deste trabalho, torna-se interessante buscar uma taxonomia desses planos que vá além do “nome comercial” ou do “nome do produto”. Uma que não siga as formas de remuneração como aquelas referentes às siglas, acima expostas, e que sirva também para os planos oferecidos pelas entidades fechadas. Assim, uma classificação útil, que sirva para ambas as formas de previdência complementar, é a que utilize por critério a sua organização sob modalidades de “contribuição definida”, “benefício definido” ou “contribuição variável”. Uma outra é segundo o tipo de renda que o plano deve gerar: se vitalícia, por prazo limitado ou vitalícia reversível ao beneficiário. Sobre estas últimas três, não se faz necessária uma ampla explicação diante dos nomes autoexplicativos. De outro modo, as três primeiras serão mais detalhadamente descritas adiante.


        Nos planos de contribuição definida, o valor do benefício futuro fica desconhecido até o momento da iminência da sua concessão. O que se quer dizer é que, como o valor da contribuição é que é fixado no contrato, os benefícios serão definidos apenas no futuro, tomando-se por base o saldo oriundo da soma das contribuições adidas de seus rendimentos. Destarte, nesse tipo de plano, não existem “superávits” ou “déficits”, visto que o benefício é pago de acordo com o que foi acumulado na reserva.


        Já nos de benefício definido, o que ocorre é que o valor de quanto será pago ao participante no futuro é fixado no momento da adesão, tomando por fundamento valores prefixados e fórmulas de cálculo postas nos regulamentos dos planos. Já se pode perceber, desse modo, que, para se garantir aquele benefício acordado previamente, as contribuições acabam podendo variar durante o tempo. Ou seja, há uma indeterminação quanto ao número e quanto aos valores de contribuições necessárias, assim como há a chance de se perceberem “superávits” ou “déficits” econômicos do plano. Os de contribuição variável, por sua vez, unem aspectos de ambos os planos, sendo cada um desses aspectos aplicável a um dado momento da relação contratual.


        Essa breve classificação foi exposta para que se perceba o que já foi enunciado. Embora a álea não perpasse todo o contrato, de uma maneira ou de outra, certas inexatidões surgem em meio à relação e aos adimplementos das obrigações contratuais. Inclusive, é completamente possível que se insiram cláusulas devido a déficits econômicos no plano, de modo que os participantes sejam chamados a realizar contribuições extraordinárias. Isso é um representativo da aleatoriedade dos contratos de previdência complementar, que ora se apresentam melhor preestabelecidos, ora dependentes de condições da efetiva duração da vida do participante – casos de renda vitalícia –, bem como de alterações mercadológicas futuras.


  4. O TEMA REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA N. 171 E A (IM)POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS EM COMPLEMENTAÇÃO A FUNDO DEFICITÁRIO

    O Tema Representativo de Controvérsia n. 171, julgado pela Turma Nacional de Unificação, é oriundo de um pedido de uniformização de interpretação de lei federal, realizado no processo n. 5008468-36.2017.4.04.7108 do Rio Grande do Sul. Nessa ação, a parte buscou a tutela jurisdicional para descontar quantias pagas a título de contribuição para previdência privada, acima dos 12% permitidos em lei, da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física. No entanto, as verbas cujas deduções foram pleiteadas não eram contribuições ordinárias para a previdência complementar, mas diziam respeito a quantias extraordinárias pagas com o objetivo de sanar um déficit econômico do plano.


    Melhor expondo, em 2014, participantes de um determinado plano de previdência complementar oferecido pela entidade fechada Fundação Banrisul de Seguridade Social, sob a modalidade de benefício fixo, foram chamados para que pudessem suportar e dirimir as consequências do déficit econômico no plano de benefícios PB1. Sendo assim, mesmo aqueles participantes que já haviam cumprido seus períodos de diferimento e que, portanto, já estavam recebendo seus benefícios, passaram a sofrer descontos em seus pagamentos.


    Vale destacar que essa situação é permitida conforme previsto no art. 19 da Lei Complementar n. 109, bem como no próprio regulamento do plano. Em verdade, o citado artigo divide as contribuições em normais e extraordinárias, conforme consubstanciado em seus incisos I e II. São normais aquelas destinadas diretamente ao custeio dos benefícios previstos no plano, e extraordinárias aquelas cujo escopo é o custeio de déficits, serviços passados e outras finalidades que não a de custeio de benefício, conforme se depreende do texto normativo:


    “Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.

    Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:

    1. – normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e

    2. – extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”21.


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    1. BRASIL. Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União: col. 1, Brasília, DF, p. 3, 30 maio 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 8 fev. 2019.


      Essas contribuições extraordinárias foram cobradas justamente porque, uma vez que a modalidade do plano era de benefício fixo, também era conhecido o risco de que aquelas verbas oriundas das contribuições e de sua capitalização pudessem gerar efeitos negativos para o plano. Ou seja, nas atividades de gestão e aplicação das quantias recolhidas dos participantes, os resultados poderiam ser positivos – hipótese em que, havendo o superávit do plano, esses importes serviriam para adimplir outras tantas obrigações do PB1 –, mas também poderiam ser deficitários – ocasião em que o regulamento do supracitado plano previa uma “contribuição extraordinária”, tida como “valor pecuniário vertido pelo participante e patrocinador destinado ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”.


      Inclusive, também por determinação do mesmo regulamento, em caso de déficit durante o seu período de diferimento, o participante teria a faculdade de pagar contribuição extraordinária para sua cobertura. Na hipótese em que essas quantias não ordinárias não fossem pagas durante a acumulação, haveria um reflexo no valor do benefício na forma de dedução do quantum total a ser pago pelo plano.


      Algo que não havia sido exposto anteriormente, sobretudo porque se acredita não fazer parte da natureza jurídica própria das deduções na base de cálculo do IR, é a questão da tributação da renda em diferentes momentos no tempo. Melhor explicando, ao permitir a dedução de até 12% do Imposto de Renda, além de fomentar o costume do ramo privado da previdência complementar, o sistema tributário faz a opção de tributar essa renda no momento do pagamento dos benefícios. Por essa via, a situação dos participantes do PB1 da Fundação Banrisul restou de tal modo que diversas pessoas passaram a sofrer abatimentos em seus benefícios, a título de contribuição extraordinária. No entanto, esses abatimentos não eram levados em consideração no momento de apuração da declaração anual de ajuste do IRPF, sofrendo o benefício, em sua totalidade, a tributação.


      Destarte estão postas as circunstâncias que geraram o pleito autoral da ação citada acima: o pagamento de verbas aos planos, mesmo após o período de diferimento, e a impossibilidade de deduzi-los da base de cálculo do tributo em questão. A ação, em trâmite sob Procedimento do Juizado Especial Federal na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, teve sentença de 1º grau julgando improcedente a ação. Todavia, interposto o recurso, a 5ª Turma Recursal daquela Seção lhe deu provimento, reformando a sentença consoante o pedido da parte autora, por considerar que, uma vez que inexista acréscimo patrimonial, inexiste renda tributável. Foi então que a Procuradoria da Fazenda Nacional pleiteou a uniformização de interpretação de lei federal, de modo que a citada ação foi afetada como Tema Representativo de Controvérsia, recebendo o n. 171 na Turma Nacional de Uniformização.


      Em trâmite nesse colegiado nacional, o processo recebeu a relatoria do Juiz Federal Guilherme Bollorini Pereira, que tomou por base as noções sobre os conceitos de renda e rendimentos fixadas no julgado da 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Desse modo, concluiu que a pretensão da autora não era considerar a contribuição extraordinária como uma quantia não integrante do conceito de renda, mas que o efetivamente buscado na ação foi a redução da base de cálculo do IRPF, por meio da superação dos limites relativos às deduções.


      Já o magistrado Ronaldo José da Silva, em seu voto-vista, trabalhou o conceito de renda ao ponderar que, na situação, ainda que não tivesse havido disponibilidade econômica de valores, haveria a disponibilidade jurídica. Por isso, seria inafastável a ocorrência do fato gerador do IRPF na situação. Sua conclusão, portanto, foi a mesma do relator. O voto-vista do juiz Bianor Arruda foi no mesmo sentido daquele dado pelo relator, todavia, por fundamentação diferente, e assim restou fixada a tese proposta pelo juiz Guilherme Bollorini: “As contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (art. 11 da Lei n. 9.532/97)”.


      Contudo, academicamente, torna-se mais interessante o voto-vista do juiz federal Bianor Arruda, isso porque, apesar de ter votado em consonância com o relator, chegou à conclusão de que nem mesmo se limitando aos 12% poderiam ser deduzidas as parcelas pagas a título de contribuição extraordinária a planos de previdência privada. A sua justificativa foi que, por ser um indiferente jurídico-tributário, aquela quantia, além de ser considerada renda, divergia do conceito e da teleologia trabalhada na norma de benefício fiscal, que era o que possibilitava a sua dedução da base de cálculo do imposto em questão.


      Escrutina-se adiante esse posicionamento, em dois pontos: o primeiro é sobre se o fato de as contribuições extraordinárias serem debitadas dos benefícios na fonte interferiria na renda auferida; o segundo servirá para se indagar se as contribuições extraordinárias têm por finalidade indireta “custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”22 ou se têm sua origem em cláusulas contratuais de partilha de risco. O ponto inicial foi amplamente discutido no julgado, e é provável que tenha sido ele o elemento determinante para que se pudesse conferir a possibilidade da dedução desses valores. Em verdade, a parte autora do leading case, se assim é possível chamar, sustentou a todo momento a existência de uma bitributação.


      Explicando mais pormenorizadamente, segundo o pleito inicial, ao perceber benefícios debitados na fonte, nos valores das contribuições extraordinárias, o autor estaria


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    2. BRASIL. Instrução Normativa RFB n. 1.500, de 29 de outubro de 2014. Dispõe sobre normas gerais de tributação relativas ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 57, 30 out. 2014. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=57670. Acesso em: 20 fev. 2019.


      recolhendo tributos tanto no momento de acumulação quanto no momento de percepção dos benefícios. Sendo assim, pela narrativa da autora, esses valores debitados não poderiam ser considerados como renda. Foi isso que o voto do juiz Ronaldo José da Silva, já sintetizado acima, afirmou. Ao dizer que, ainda que não houvesse disponibilidade econômica de valores, naquela situação específica, haveria ainda assim a disponibilidade jurídica, o referido magistrado realizou uma distinção entre o benefício contratado e, portanto, irredutível, e as verbas de natureza de contribuição extraordinária. Uma paráfrase possível é: a opção de realizar o adimplemento das obrigações extraordinárias somente na época da percepção dos rendimentos mensais foi do participante. Logo, em tese, a soma total dos rendimentos pagos ao participante deveria ser tributada, não importando se eventualmente esse valor sofre um abatimento, para saneamento do déficit financeiro.


      Uma vez que o rendimento é tributável, chega-se ao ponto em que a teleologia posta na norma de benefício fiscal deve ser considerada. Assim, vale trazer de volta os assuntos discutidos tanto no primeiro quanto no segundo tópico deste artigo. Tendo o direito por produto da linguagem, é necessário escrutinar a natureza jurídica da contribuição extraordinária. Só assim será possível afirmar a possibilidade ou impossibilidade de sua dedução do IR.


      Vale, então, a pena repetir a pergunta sintetizada na introdução: a natureza jurídica das contribuições extraordinárias satisfaz o critério de efetivação de garantia fundamental, para que se repute devida a dedução da base de cálculo do IR? Ou, reformulando, a contribuição extraordinária serve para custear benefícios previdenciários ou apenas para suprir o imprevisto econômico-financeiro de dado plano? Para responder a essas questões, é preciso notar que, distintamente do que considerou o relator, o juiz Bollorini, essas verbas extraordinárias pagas ao plano não servem para o custeio indireto dos benefícios.


      Explanando um pouco mais, as verbas destinadas a contribuições de previdência privada só são consideradas dedutíveis sob dois aspectos, como visto acima. Um deles é a necessidade de que o participante do plano privado seja também vinculado ao RGPS. O outro se refere ao que deve ser custeado com o valor das contribuições. Trazendo um exemplo, os contratantes de VGBL não podem deduzir de suas bases de cálculos do IRPF os valores contribuídos, justamente porque essas contribuições não são destinadas ao custeio de benefícios semelhantes aos do regime geral; em vez disso, as quantias são assemelhadas aos pagamentos mensais decorrentes de contrato de seguro de vida.


      Dessa maneira, aplica-se a segunda categoria acima disposta como parâmetro para aferir se as contribuições extraordinárias são, ou não, dedutíveis. A natureza dessa contribuição não é dirigida ao custeio de benefício. A prova disso é o não aumento do benefício contratado mediante a contribuição não ordinária. Ora, poder-se-ia ser perguntado nesse


      momento se, no caso de o plano sofrer déficit, os benefícios não sofreriam decréscimos. Todavia, a resposta negativa dessa questão sinaliza para aquele tipo de plano cujo benefício mensal é fixado previamente ao período de diferimento. Em uma hipótese, em um plano de benefício fixo em que não houvesse a estipulação de possíveis contribuições extraordinárias, acredita-se que a irredutibilidade estaria garantida. Ou seja, em uma situação hipotética como essa, a entidade de previdência privada terminaria por arcar com todas as suas obrigações contratadas, suportando o déficit sozinha.


      Destarte, o tipo dessa contribuição não ordinária tem por escopo o custeio de serviços passados, outras finalidades, principalmente de déficits, e não a de custeio de benefícios de maneira assemelhada aos que são pagos pelo RGPS. O que se observa é que essas cláusulas contratuais são, em verdade, dispositivos que promovem a repartição de riscos dos contratos de previdência privada. Chega-se a um traço importante para este artigo. Uma vez que essas quantias extraordinárias são pagas como consequência de cláusulas de repartição de riscos financeiros e atuariais, é inegável a distinção das demais formas ordinárias de contribuições.


      Essa dissociação de noções é feita de maneira que, respondendo à pergunta feita anteriormente, é devido dizer que, consoante o que foi argumentado pelo juiz federal Bianor Arruda, as contribuições extraordinárias não podem ser incluídas como verbas dedutíveis do IRPF:


      “Por não constituir aporte de reserva matemática regular, com a finalidade de viabilizar a execução do contrato de plano de previdência com benefício definido, mas, ao contrário, por se constituir em mera recomposição do capital, em razão da situação deficitária do ‘plano’, não se inclui entre os valores dedutíveis, nos termos do art. 4.º, IV, da Lei n. 9.250/97”.


      Ora, as quantias “não ordinárias” não custeiam benefícios, sendo assim, não se tornam parte da busca do indivíduo pela garantia de um direito fundamental seu. Se uma quantia não corresponde à natureza, ou à narrativa legal construída pelo Direito Tributário, não pode gozar das consequências normativas dispostas no ordenamento.


  5. CONCLUSÃO

A título de consideração final, apresenta-se a conclusão extraída deste texto, que foi tal qual apontavam os indícios expostos na introdução. Talvez seja possível construir neste momento a ideia debatida em forma de silogismo sem que haja uma perda semântica significativa. Em um silogismo, a premissa maior é um enunciado geral e abstrato sobre uma dada realidade. Por sua vez, a menor é a descrição concreta de uma realidade específica, e a conclusão, um outro enunciado, que serve para verificar se a menor está inserida no contexto da maior.


A premissa geral e abstrata seria sintetizável naquela enunciada no primeiro tópico do texto: somente as verbas que tenham natureza jurídica de contribuição para o financiamento do direito fundamental à previdência podem ser deduzidas na formação da base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza de pessoas físicas. Ou seja, somente as contribuições que custeiem benefícios semelhantes aos do RGPS podem ser deduzidas.


A menor poder-se-ia extrair do segundo e terceiro tópicos deste texto, em que se pôde perceber que: a contribuição extraordinária para plano de previdência complementar privada não serve para o custeio de benefícios, mas é oriunda de cláusula contratual de repartição de riscos de atividade financeira. Apresentada dessa forma, a conclusão ora veiculada parece ser a única possível. Ou seja, parece ser evidente que, ao contrário do que foi fixado na tese do Tema Representativo de Controvérsia n. 171, as verbas destinadas ao pagamento de contribuições extraordinárias não devem ser dedutíveis da base de cálculo do IRPF.


Todavia, vale ressaltar que essa não deve ser a única conclusão possível a partir do tema. Reconhecer a “campo-dependência”23 do concluído não lhe retira o papel dogmático de responder a questões concretas, nem lhe confere um papel zetético. Todavia, é preciso que se perceba que a multiplicidade de enfoques e de metodologias é, por vezes, capaz de modificar as conclusões das mais distintas pesquisas, tal como o “leito de Procusto”24. Sendo assim, ao se concluir este trabalho, opta-se por promover não a conclusão veiculada em si, mas, em vez disso, o debate. É inegável que, na posição em que se encontra o contribuinte brasileiro, a impossibilidade de abater uma determinada quantia da base de cálculo de um tributo que tenha por justificativa somente um argumento técnico ou dogmático é um discurso fraco e, talvez, até nefasto. A decisão acima comentada talvez represente uma opção mais justa do que a apontada por este artigo. Embora seja menos justa, a proposta dogmática ora defendida apresenta-se como interpretação mais coerente com o sistema normativo dado.


É por isso que se estimula a discussão. Não com o objetivo de eventualmente modificar a interpretação de um dado conjunto de normas, mas com o fito de fortalecer os posicionamentos e as teses, aprimorando a construção do direito nos tribunais e na academia. Ou seja, a discussão deve ser ampliada, a fim de se fomentar um campo


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  1. A campo-dependência é entendida por Toulmin como o reconhecimento de que o ramo do conhecimento que está sendo desenvolvido não é matemático ou demonstrativo, mas argumentativo e dependente do auditório e dos pressupostos tomados. Cf. TOULMIN, Stephen. The uses of argument. Cambridge: Cambridge University Press, Reino Unido, 2003.


  2. Procusto é um ser da mitologia grega, presente no mito de Teseu. Seu costume era o de dar alojamento aos peregrinos, oferecendo-lhes sempre uma cama maior ou menor que o tamanho do andarilho. Assim, sadicamente, Procustro ou amputava as partes excedentes de seus hóspedes, ou lhes esticava os membros até que coubessem perfeitamente no leito. Essa conduta serve de representativo de como o método pode condicionar uma análise, e assim apresentar a hermenêutica como uma fuga de um solipsismo judicial, ou mesmo jurídico. Cf. BARRETO, Ricardo de Macedo Menna. Do leito de Procusto à discricionariedade judicial: as implicações do solipsismo filosófico para o direito e sua superação pela hermenêutica jurídica. Revista da AJURIS v. 39, n. 125, Porto Alegre, mar. 2012, p. 135-157.


argumentativo em que os juízes enunciem se as tomadas de suas decisões conduziram-se por vieses dogmáticos, formalistas e lógicos ou se adotaram critérios de uma moralidade tributária, pensando em uma disposição “mais confiável” da relação entre contribuinte e Fisco.


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as Leis n. 11.457, de 16 de março de 2007, e 10.683, de 28 de maio de 2003; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, edição extra, Brasília, DF, p. 1, 23 dez. 2009. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12154-23-dezembro-2009- 599155-norma-pl.html. Acesso em: 20 fev. 2019.


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