A INCONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DO VEÍCULO COMO FORMA INDIRETA DE COBRANÇA DO IPVA NO ESTADO DE GOIÁS

THE UNCONSTITUTIONALITY OF VEHICLE SEIZURE AS AN INDIRECT WAY OF CHARGING IPVA IN THE STATE OF GOIÁS

Ana Carolina de Freitas Inácio

Bacharela em Direito pela Faculdade de Jussara/FAJ. Discente do Programa de Especialização em Prática Tributaria Empresarial Faculdade Cambury. UF: Goiás. E-mail: carolf.inacio@hotmail.com


Rafael Machado de Souza


Professor do Curso de Direito da Faculdade de Jussara/FAJ. UF: Goiás. Especializado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional. E-mail: rafaelmachado1986@uol.com.br



Recebido em: 12-03-2019

Aprovado em: 29-04-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-3


RESUMO


O presente artigo científico busca, numa perspectiva bibliográfica e de estudo documental, discutir a constitucionalidade da apreensão do veículo em débito com o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor – IPVA como forma indireta de cobrança, o que encontra-se corriqueiro no Estado de Goiás. Analisa- se a forma com que os veículos são licenciados no Estado, o inadimplemento do IPVA e as consequências da mora, abordando a Lei n. 6.830/1980 que regula a forma de cobrança dos tributos e se a conduta adotada pelo poder de polícia em relação à apreensão do veículo não licenciado, pela ausência de pagamento do imposto, fere direitos constitucionais. Ainda, analisa-se os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do não confisco que busca resguardar os direitos fundamentais do cidadão frente a atuação do Estado. Diante de tal perspectiva, foram realizados estudos buscando acolhimento em decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, dos tribunais superiores, além de doutrinas de renomados juristas e, principalmente, o estudo da Constituição Federal, Códigos Tributário Nacional e Estadual e de Trânsito Brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: ESTADO DE GOIÁS, IPVA, INADIMPLÊNCIA, APREENSÃO DE VEÍCULO, INCONSTITUCIONALIDADE.


ABSTRACT

This scientific article seeks, in a bibliographic and documentary perspective, to discuss the constitutionality of the seizure of the vehicle owed to the Motor Vehicle Property Tax1 as an indirect form of collection, which is commonplace in the State of Goias. It analyzes the way in which vehicles are licensed in the State, the default of IPVA and the consequences of arrears will be analyzed, addressing Law 6.830/80 that regulates the form of collection of taxes and whether the conduct adopted by the police in relation to the seizure of the unlicensed vehicle, due to the failure to pay the tax, it violates constitutional rights. Still, it analyzes the principles of due legal process, broad defense and non-confiscation that seeks to safeguard the fundamental rights of the citizen in the face of the State’s action. Given this perspective, studies were carried out seeking acceptance in decisions of the Court of Justice of the State of Goias, of the superior courts, in addition to doctrines of renowned jurists and, mainly, the study of the Federal Constitution, National and State Tax Codes and Brazilian Traffic.

KEYWORDS: GOIAS STATE, IPVA, DEFAULT, SEIZURE OF VEHICLE, UNCONSTITUTIONALITY


  1. INTRODUÇÃO

    Levando em consideração que o principal fator gerador de receitas para o Estado reside na cobrança de tributos, surge a necessidade do recolhimento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Neste sentido, quanto maior for o número de veículos licenciados naquele Estado, mais será arrecadado.


    Conforme dados estatísticos fornecidos pela Secretaria de Estado da Fazenda – SEFAZ, no primeiro semestre de 2018 houve um notório crescimento em relação à venda de veículos automotores no Estado de Goiás. Atualmente, o IPVA se encontra em terceiro lugar com 6%2 (seis por cento) das receitas geradas para o Estado3.


    As estatísticas fornecidas pelo site do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás – DETRAN/GO mostram que até o mês de outubro 2018 houve 58.6372 veículos autuados por diversos órgãos, como a Policial Militar – PM, Polícia Rodoviária Federal – PRF, por conduzir veículo sem o devido Certificado de Licenciamento (CRLV) e o de Registro de Veículos (CRV)4.


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    1. Os nomes dos principais impostos constitucionais têm tradução semelhante nos Estados Unidos, na versão em inglês, porém sem a sigla equivalente no Brasil. Disponível em: https://www.englishexperts.com.br.


    2. Dados Estatísticos fornecidos pelo site da SEFAZ/GO. Disponível em: http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2018- 10/transparEncia-goiAs-nominal-201810.pdf. Acesso em: 1 mar. 2018.


    3. SEFAZ. Transparência Goiás. 2018. Disponível em: http://www.sefaz.go.gov.br/. Acesso em: 1 mar. 2018.


    4. DETRAN. IPVA Goiás. 2018. Disponível em: https://www.detran.go.gov.br/psw/#/. Acesso em: 10 set. 2018.


      Devido a essas numerosas apreensões, a Secretaria da Fazenda – SEFAZ e a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária – SSP/GO firmaram um Termo de Cooperação n. 00/15, em 21 de julho de 2015, que objetiva a comunhão de esforços entre os partícipes, visando executar os serviços de policiamento preventivo e repressivo, operações especializadas, fiscalização e controle de trânsito em apoio às ações de fiscalização de tributos estaduais, ficando acordada administrativamente a cobrança de tributos pelo aparato de segurança Pública.


      No entanto, diante do quadro apresentado, a Ordem dos Advogados de Goiás – OAB/GO ingressou com uma ação civil pública5 na 1ª Vara das Fazendas Públicas do Estado de Goiás, em face das mencionadas secretarias, pelo fato que, de acordo com o termo firmado, os veículos cujos proprietários estão em débito com as taxas vinculadas ao DETRAN, que são o CRLV e CRV, cujas licenças são obrigatórias para qualquer veículo trafegar em conformidade com a respectiva lei de trânsito, poderiam ser apreendidos em blitzes6.

      No primeiro momento, a Juíza Zilmene Gomide proferiu liminar que suspendia os efeitos da apreensão dos veículos não licenciados, mas, no dia 12 de janeiro de 2018 os efeitos dessa decisão foram suspensos pelo Desembargador Zacarias Neves Coelho, que autorizou a apreensão de veículos não licenciados.


      Portanto, o presente artigo visa analisar a constitucionalidade da apreensão de Veículos com IPVA em débito, mais especificamente o porquê dessa apreensão não ser acolhida pela Constituição de forma que fere direitos e garantias constitucionais, as formas legais de cobrança do IPVA, examina também que o uso do aparato de segurança nesses casos é medida inconstitucional para a cobrança do IPVA e que não cabe ao poder de polícia administrativa, na vertente da segurança pública, intervir autuando o contribuinte a pagar o IPVA.


      Para tal, esse artigo utilizou como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica, composta por diversas fontes de leitura, como a legislação, artigos científicos, doutrinas, súmulas, jurisprudências e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal Justiça (STJ).


  2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

    Pensando-se numa definição para tributo, o Código Tributário Nacional – CTN conceitua:


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    1. Ação Civil Pública – Processo n. 5408687.35 Disponível em: https://pjd.tjgo.jus.br/.


    2. Blitz é uma expressão estrangeira já incorporada à língua brasileira, no sentido figurado, para fazer referência a uma batida policial repentina que tem como objetivo combater qualquer tipo de ilegalidade.


      “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”7


      Destarte, é importante salientar que tributo não se confunde com a penalidade pecuniária que decorre do inadimplemento da obrigação tributária, sendo assim, tributo não pode ser confundido com a multa.


      Segundo Baleeiro8, “na divisão das formas tributáveis, o imposto é uma prestação pecuniária, com fins de interesse coletivo, sendo exigido de um ente público aos sujeitos, sem que seja assegurada qualquer vantagem ou serviço específico em sua retribuição”.


      Coelho9 propõe em sua obra que a Constituição não cria tributos, simplesmente atribui competência aos entes políticos para institui-los através de lei (princípio da legalidade da tributação).


      Conforme o regramento constitucional, há uma repartição de competências conforme a unidade política respectiva, tratando, de forma genérica, da criação e arrecadação dos tributos, sendo regulamentada principalmente pelo Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1996. Esta lei complementar, conjugada à Constituição Federal, engloba o principal bloco legislativo da matéria tributária.


      Dessa forma, é possível analisar que a Constituição Federal traz em seu bojo apenas a competência para instituir impostos sobre a propriedade de veículos automotores, deixando os demais itens necessários para a perfeita cobrança do tributo à legislação infraconstitucional, que se fará concomitantemente entre o Código Tributário Nacional e a Lei estadual.


      Assim, o Estado de Goiás, através da Lei n. 11.651/1991, tem as suas especificações no tocante ao IPVA e outros tributos estaduais, mas por se tratar de uma lei estadual, deve sempre estar em consonância com a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional – CTN, que são leis materialmente superiores.


  3. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE VEÍCULOS AUTOMOTORES


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    1. BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 set. 2018.


    2. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.197.


    3. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.


      O conceito de imposto está elencado no art. 16 do CTN “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”10.


      Em 1985, a exigibilidade do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA surge no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional n. 27/1985, acrescentando assim o inciso III ao art. 23 da Constituição Federal de 1967. Com a Constituição Federal/1988 foi previsto no art. 155, inciso III, a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o imposto sobre a propriedade de veículos automotores.


      O IPVA deve ser pago anualmente, tendo como função precípua, além de arrecadatória, a identificação dos veículos que estão licenciados. A cobrança do débito do IPVA é realizada pela Receita Estadual, sendo que metade do valor arrecadado é destinado ao município onde o veículo foi emplacado e a outra parte, destinada ao Tesouro Estadual, conforme art. 158, III, da Constituição Federal/198811.


      Nos termos do art. 155, § 6º, da Constituição Federal, o IPVA terá suas alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal, podendo, ainda, possuir alíquotas diferenciadas em razão do tipo e da utilização do veículo. E, dentro destes limites objetivos, cada Estado determina a alíquota para a cobrança do IPVA. Até o presente momento não existe nenhuma regulação pelo Senado Federal, restando então a competência do Estado de forma ampla12.


      No Estado de Goiás os valores das alíquotas variam, sendo de 1,25% para ônibus, micro- ônibus e caminhões; 2,5% para automóveis de até 100 cilindradas e motocicletas; 3,45% para caminhonetes e utilitários; e, 3,75% para automóveis acima de 1.000 cilindradas, conforme art. 93 do Código Tributário do Estado de Goiás – CTE13.


  4. O IPVA E O LICENCIAMENTO DO VEÍCULO

    O inadimplemento do IPVA consuma-se quando o proprietário do veículo se exime de efetuar o pagamento da exação, iniciando-se a possibilidade para que o Estado possa exigi- lo de forma coercitiva, acarretando sanções pecuniárias e administrativas. Ocorre que, quando o IPVA não é pago, significa que o veículo não está licenciando, não possui os documentos de porte obrigatório exigidos pelo Conselho Nacional de Trânsito –


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    1. BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 set. 2018.


    2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 set. 2018.


    3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 set. 2018.


    4. BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 set. 2018.


      CONTRAN, quais sejam, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV e o Certificado de Registro de Veículo – CRV.


      Nesse sentido, o art. 130 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB versa sobre o licenciamento anual dos veículos automotores:


      “Art. 130. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semirreboque, para transitar na via, deverá ser licenciado anualmente pelo órgão executivo de trânsito do Estado, ou do Distrito Federal, onde estiver registrado o veículo.”14


      O CRV é expedido pelo DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito e documenta a existência e regularidade do registro do veículo, constando todas as características como cor, placa, ano, identificando-o e singularizando-o nos sistemas, sendo que qualquer alteração em relação ao veículo que não contenha no CRV, o condutor deve comunicar ao DETRAN, como por exemplo, mudança de cor do veículo.


      Já o CRLV é uma licença obrigatória que o condutor deve portar em mãos para poder trafegar com seu veículo em vias terrestre em conformidade com o Código de Trânsito. A liberação desse licenciamento é feita após a quitação de todas as taxas e valores referentes a impostos e tributos estaduais como o IPVA, e caso tenha alguma multa de trânsito, deve ser quitada, condicionando-se, então, a expedição do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV.


      Assim versa a legislação específica:


      “Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN.

      […]

      § 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.”15


      Quando não há licença e registro do veículo automotor, podem ocorrer medidas administrativas e pecuniárias, conforme define o Código de Trânsito Brasileiro:


      “Art. 230. Conduzir o veículo:

      V – que não esteja registrado e devidamente licenciado; Infração – gravíssima;


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    5. BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 set. 1997. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br. Acesso em: 20 set. 2018.


    6. BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 set. 1997. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br. Acesso em: 20 set. 2018.


      Penalidade – multa e apreensão do veículo; Medida administrativa – remoção do veículo.”16


      Dessa forma, em última análise literal, o não pagamento do IPVA pode ensejar tanto punições pecuniárias como administrativas, como multa, pontos na CNH do proprietário e, consequentemente, a apreensão do veículo, tudo isto sem que ocorra qualquer procedimento prévio.

      Ou seja, havendo uma blitz e ocorrendo a constatação pelo agente da ausência de pagamento, sem, contudo, haver uma análise pra verificar se há alguma discussão sobre tal situação, há a imediata apreensão do veículo.


  5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DO VEÍCULO

    A Constituição Federal de 1988, a égide do ordenamento jurídico, é a norma que organiza o Estado, de forma que as demais normas existentes devem seguir os ditames da mesma. Considerando essa estrutura hierárquica do ordenamento jurídico brasileiro, as leis infraconstitucionais não podem de forma alguma direcionar contra as diretrizes elencadas17.


    Na toada do ensinamento de Pimentel Junior18, a Constituição “é a norma fundamental, pois traz em si um conjunto de preceitos jurídicos responsáveis pelo estabelecimento e pela manutenção do Estado”. Assim, percebe-se que a promulgação da Constituição Federal/1988 foi de suma importância, já que em seu âmago, prevê direitos e garantias fundamentais que funcionam como limites para o Estado evitando possíveis excessos no exercício do poder.


    Logo, a Constituição brasileira surge como um guia indispensável, pois é responsável pela proteção do cidadão em face do Estado, sendo a Carta Magna a reger o ordenamento jurídico e disciplinar todas as normas e regras aos indivíduos e do próprio Estado. Deste modo, numa concepção hierárquica, todo ato normativo que derivar do comportamento que não seja compatível com a Constituição Federal é declarado inconstitucional.


    O vocábulo “inconstitucionalidade” remete o leitor a imaginar a existência de possível contrariedade de uma declaração de vontade ou de um ato normativo com uma Constituição. Realmente, essa é a ideia primordial19.


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    1. BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 set. 1997. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br. Acesso em: 20 set. 2018.


    2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 set. 2018.


    3. PIMENTEL JÚNIOR, Paulo Gomes. Constituição e eficácia social. Curitiba: Juruá, 2003, p. 17.


    4. RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61.


      Quando uma lei hierarquicamente inferior entra em conflito com a Constituição Federal, ocorre a inconstitucionalidade, a qual não deve mais fazer parte do ordenamento jurídico, sob pena de não se manter a higidez e verticalidade que o sistema constitucional persegue.


      Segundo Dworkin20:


      “Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero [...].”


      Nessa acepção, não só pelo sentido verticalizador, mas também pela unidade do sistema jurídico, no conflito com a Constituição, está sempre prevalece, ao passo que, quando há um conflito entre leis, deverá ser obedecido os critérios tradicionais, principalmente sob a égide de que a norma hierarquicamente superior prevalece sobre inferior.


      1. Princípios constitucionais de defesa


        Os princípios têm “um papel fundamental nos argumentos que sustentam as decisões a respeito de direitos e obrigações jurídicos particulares”21.


        Os princípios constitucionais têm suma importância no ordenamento jurídico, uma vez que contribui para que a aplicação das normas jurídicas se torne concreta. Dessa forma, são chamados de princípios constitucionais todos aqueles que estão expressos ou subentendidos no sistema, que rege valores fundamentais da ordem jurídica.


        “Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...]. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.”22



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    5. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 42.


    6. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 46.


    7. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 147-149.


      Deste modo, a abrupta e inopina apreensão do veículo fere diversos direitos de defesa do contribuinte, contrariando frontalmente a própria Constituição e seus valores fundamentais de garantia do cidadão de ter seus bens.


      Renomado jurista assevera que:


      “No plano administrativo, o tributo deve ser exigido por meio de notificação de lançamento que assegure ao sujeito passivo da obrigação tributária o exercício do contraditório e ampla defesa, observado, ainda, o princípio constitucional do devido processo legal. [...]”23.


      Sob essa égide, como pondera o autor, para que o Estado possa cobrar esse imposto, deve se atentar ao procedimento necessário, respeitando a Constituição Federal/1988 e seus corolários que estão dispostos na Constituição Federal, com os princípios constitucionais e fundamentais de proteção tanto do Estado quanto do cidadão, para que haja uma igualdade entre os sujeitos.


        1. Princípio do não confisco


          O princípio do não confisco está disposto no art. 150, IV, da CF, determinando que,


          “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

          IV – utilizar tributo com efeito de confisco; [...].”24


          Sua origem etimológica vem do verbo latim confiscare, que “é concebido, no ambiente jurídico, como ação de força exercida pelo Estado consistente em transferir para si todos ou parte dos bens de um particular”25.


          Com efeito, confisco pode também ser definido como “apreensão e adjudicação ao fisco de

          bens do patrimônio de alguém por violação da lei e como pena principal ou acessória”26.


          Conti27 declara que o “tributo tem efeito de confisco quando é de tal forma oneroso ao contribuinte que importa em violação do seu direito de propriedade”.


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    8. HARADA, Kiyoshi. Sanções políticas como meio coercitivo indireto de cobrança do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2117, 18 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12656/sancoes-politicas-como-meio-coercitivo-indireto-de- cobranca-do-credito-tributario. Acesso em: 16 maio. 2018.


    9. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 set. 2018.


    10. MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). Direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: RT, 2000, p. 93.


    11. PAULO, Antônio de (org.). Pequeno dicionário jurídico. 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 82.


    12. CONTI, José Mauricio. Sistema constitucional tributário interpretado pelos tribunais. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997, p. 104.


      O Princípio do não confisco tem o objetivo de resguardar os direitos que estão descritos nos arts. 5º, 6º e 7º da CF, objetivando a proteção dos direitos básicos dos contribuintes, logo, é vedado que os tributos alcancem uma parcela que seja significativa da renda dos contribuintes e que venha a ser-lhe prejudicial.


      Conforme Machado28, “os princípios jurídicos da tributação existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder de Tributar pertencente ao Estado”. Nessa perspectiva, para Ichihara29, “jamais a tributação pode ter uma conotação confiscatória, de forma que venha descaracterizar essa natureza tributária, e partindo como forma de uma penalidade”.


      Ademais, é importante salientar que há uma distinção em relação ao que é “confisco” e o que é “efeito de confisco”. Quando um contribuinte é afetado em parte da sua capacidade financeira através de um tributo, podendo ter afetado o seu patrimônio em médio ou curto prazo, diz-se que esse tributo tem “efeito de confisco”.


      Quando o Fisco realiza uma cobrança de um tributo, não pode se apoderar da totalidade do patrimônio do contribuinte. Quando assim o faz, considera-se que o contribuinte teve seus bens confiscados pelo ente tributante, sendo que, além da cobrança, houve uma apropriação do patrimônio do contribuinte.


      Segundo o doutrinador Cassone30,


      “de forma clara e precisa, sustenta tal distinção: Veja-se que o ‘efeito de confisco’ não se confunde com ‘confisco’. Isto quer dizer que, toda vez que a tributação afeta, seriamente, uma atividade, através de uma tributação elevada, ou de uma penalidade pecuniária elevada, o ‘efeito de confisco’ se caracterizará, implicando inconstitucionalidade. E, via de consequência, se toda a ‘renda’ for tomada pela tributação, vai-se além do ‘efeito de confisco’, para chegar-se ao próprio ‘confisco’.”


      Cumpre ressaltar que a apreensão do veículo como forma de cobrança do IPVA pode se enquadrar no conceito de “confisco”, uma vez que o Estado, pela ação do Poder de Polícia, apreende o bem do devedor para sanar a dívida com o Estado, vindo a confiscar o seu veículo por causa da dívida tributária.


        1. Princípio da legalidade


          Para Meirelles31, o princípio da Legalidade seria um



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    13. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 45.


    14. ICHIHARA, Yoshiaki. Direito tributário. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 62.


    15. CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 108-109.


    16. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 89.


      “[...] princípio da administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso”.


      Portanto, quando se analisa esse princípio dentro da esfera administrativa, observa-se que a Administração Pública só pode fazer aquilo que está taxado em lei, e as demais pessoas físicas ou jurídicas podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe.


      Deste modo, a apreensão do veículo por débito do IPVA está em desacordo com o princípio da legalidade, sendo que a Administração Pública não pode permitir que o Poder de Polícia Administrativa aja de tal maneira coagindo os condutores para realizar o pagamento do débito, por meio das apreensões de veículos.


        1. Princípio do devido processo legal


          Na esteira de Didier32, “o aludido princípio consiste no postulado fundamental do processo, podendo ser aplicado genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis”.


          O princípio do devido processo legal é consagrado pelo art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal/1988, trata-se de uma garantia constitucional que preserva o direito do devido processo legal. O art. 5º, inciso LIV, dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”33.


          Silva34 preconiza que:


          “O princípio do devido processo legal combinado com o direito de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Assim, garante-se o processo com as formas instrumentais adequadas, de forma que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um, o que é seu.”


          A partir do entendimento sobre devido processo legal, que se estende a todo individuo, dá- se o direito fundamental a um processo justo. Portanto, é possível analisar que o princípio do devido processo legal busca proteger os direitos fundamentais inerentes a todos os cidadãos.


    17. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009, vol. 1, p. 29-30.


    18. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 set. 2018.


    Ocorre que, quando acontece a apreensão do veículo por inadimplemento do IPVA, pode- se analisar que esse princípio não é respeitado, de forma que o Estado ignora essa garantia constitucional, que é o justo acesso pelas partes ao processo legal, privando o contribuinte- condutor de seu bem sem que para isso tenha havido a instauração de um processo, de forma que o contribuinte é compelido a adimplir de forma imediata a dívida sob pena de apreensão do veículo.


      1. Princípio da ampla defesa e do contraditório


        A redação do aludido art. 5º, LV, da Constituição Federal/1988, trata também sobre o princípio da ampla defesa e do contraditório, assegurando às pessoas presentes no processo judicial ou administrativo, quanto autor e réu, o pleno exercício para ter seus argumentos analisados.


        Machado35 conceitua, de forma cristalina, os dois aspectos dessa garantia fundamental:


        “[...]. Por ‘contraditório’ entende-se o procedimento no qual tudo o que de relevante é praticado no processo por uma das partes deve ser do conhecimento da parte contrária. Sobre o que diz o autor deve ser ouvido o réu, e vice-versa. Sobre as provas produzidas por uma das partes deve a outra ser ouvida, e na própria produção de certas provas, como a ouvida de testemunha e a realização de perícias, as partes devem ter oportunidade de atuar, contraditando uma as afirmações da outra. Ampla defesa quer dizer que as partes tudo podem alegar que seja útil na defesa de sua pretensão posta em juízo. Todos os meios lícitos de prova podem ser utilizados.”


        O princípio da ampla defesa e do contraditório é garantia constitucional, protege e assegura aos cidadãos em processo judicial ou administrativo a possibilidade de contrapor e apresentar suas razões e ser devidamente ouvido em suas manifestações.


        1. Princípio do contraditório


          Observa-se que o princípio do contraditório é derivado da frase latina audi alteram partem que significa “ouvir o outro lado”. Assim, cada ato praticado dentro do processo judicial ou administrativo resulta na participação ativa das partes (autor e réu), surge como uma garantia constitucional indispensável para as partes, garante que a parte contrária deve ser ouvida no processo.


          Antes de um juiz proferir uma decisão, é importante que se proceda a oitiva das partes, proporcionando assim a oportunidade de defesa igualitária a ambos, para que se manifestem com os devidos argumentos e contra-argumentos.



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          1. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 476.


        2. Princípio da ampla defesa


        O princípio da ampla defesa se direciona no sentido de que as partes do processo judicial ou administrativo, frente aos seus argumentos, podem demonstrá-los por todos os meios legais e moralmente possíveis, seja através de elementos de provas ou de recursos.


        Dessa forma, é possível analisar no processo tributário que o devedor do IPVA deve ter acesso e direito de resposta aos atos praticados pelo Fisco, de produzir todas as provas necessárias para a sua defesa, de forma que garanta os prazos para recursos, e que tenha um justo processo judicial ou administrativo, a fim de só assim ser passível de apreensão do seu bem.


  6. A APREENSÃO DO VEÍCULO NÃO É FORMA ADEQUADA PARA COBRANÇA DO IPVA

    Ocorre um equívoco quando o Estado se utiliza da apreensão do veículo como forma de se receber o débito oriundo do inadimplemento do IPVA, sendo ato não amparado pela Constituição Federal.


    O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre matéria similar, quando analisou a questão da realização de atos coercitivos para o pagamento de tributo:


    “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento

    de tributos[36].

    É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos[37].

    Não é licito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais[38].”


    Deste modo, o entendimento do STF sempre foi no sentido de proibir o Estado de praticar ato que enseje meio coercitivo de obrigar o devedor a pagar o tributo, já que feriria direitos fundamentais.


    Na abalizada lição de Machado39:


    “Com ou sem a vedação expressa, infelizmente a cobrança de taxas no licenciamento de veículos continuou e continua a ser praticada, em flagrante


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    1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 323. Sessão Plenária de 13 dezembro de 1963. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 143.


    2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 70. Sessão Plenária de 13 de dezembro de 1963. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 56.


    3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 547. Sessão Plenária de 3 de dezembro de 1969, DJ 10.12.1969, p. 5935.


    4. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, s/p.


      violência à Constituição. Ninguém a isto se opõe, talvez em virtude do valor

      relativamente pequeno cobrado de cada proprietário de veículo.”


      Neste sentido, a forma que vem sendo adotadas essas apreensões de veículos por meio de blitz por muitos Estados Brasileiros, inclusive no Estado de Goiás, é inadmissível, uma vez que o Estado usa de sua força e aparato estatal para ilegitimamente obrigar o contribuinte- condutor a realizar o pagamento do IPVA, sendo que há outros meios legais possíveis taxados na lei para se obter o pagamento deste imposto de forma legal.


      1. Processo legal para cobrança do IPVA


        Harada40 propõe em sua obra que a forma de cobrança do tributo deve respeitar o devido processo legal. O condutor deve ser notificado do lançamento do tributo, sendo resguardado pelos princípios do contraditório, da ampla defesa e do processo legal.


        Neste contexto, a Lei n. 6.830/1980, Lei de Execuções Fiscais (LEF), que é a Lei que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, indica que:


        “Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

        Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.”41


        Conforme a redação dos arts. 1º e 2º, quando o contribuinte se exime de pagar qualquer tipo de tributo, deve ser inscrito na Dívida Ativa.


        Portanto, o primeiro passo é o Processo Administrativo Tributário que inicia-se com a Fazenda Pública notificando o contribuinte do lançamento tributário conforme art. 142 do CTN, assim, constituído o credito tributário, a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar o crédito conforme art. 173 do CTN. Notificado o contribuinte, abre-se prazo para pagamento, conforme art. 160 do CTN.


        Machado42 discorre especificadamente sobre o IPVA:



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    5. HARADA, Kiyoshi. Sanções políticas como meio coercitivo indireto de cobrança do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2117, 18 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12656/sancoes-politicas-como-meio-coercitivo-indireto-de- cobranca-do-credito-tributario. Acesso em: 16 maio 2018.


    6. BRASIL. Lei Federal n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília-DF, 24 set. 1980. Seção 1, p. 19051.


    7. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 367.


      “O lançamento do IPVA é feito de ofício. A repartição competente para o licenciamento do veículo remete para a Secretaria da Fazenda as informações necessárias e esta emite o documento com o qual o proprietário do veículo é notificado para fazer o pagamento.”


      Decorrido o prazo prescricional geral tributário (cinco anos) não havendo pagamento, o débito é inscrito na dívida ativa, assim gerando a emissão da Certidão que representa um título executivo, podendo iniciar a ação de execução fiscal, cujo trâmite encontra-se inteiramente delimitado na legislação.


      1. Limites da atuação estatal do poder de polícia


        Para Di Pietro43, o conceito de Poder de Polícia é “Atividade que consiste em limitar o exercício do direito individual em benefício do interesse público”.


        O art. 78 do CTN dispõe sobre o Poder de Polícia na Legislação:


        “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

        Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”44


        Na esfera Estadual, especificamente no Estado de Goiás, o órgão que detém o Poder de Polícia Administrativo de trânsito é o Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Goiás – DETRAN, que em seu regimento interno antevê:


        “Art. 2º Ao Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/GO compete:

        I – executar a política estadual de trânsito, observada a legislação federal pertinente; II – exercer o poder de polícia relativo a registro, licenciamento e utilização de veículos automotores, fiscalização de trânsito e habilitação de condutores, bem como execução dos procedimentos a eles atinentes, no que se refere à formação, ao aperfeiçoamento e à reciclagem e suspensão;


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    8. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de polícia em matéria urbanística. In: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial, 1999, vol. 1, p. 24.


    9. BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 set. 1997. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br. Acesso em: 20 set. 2018.


      1. – vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar e licenciar veículos, expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal competente;

      2. – estabelecer e implementar, em conjunto com a Polícia Militar, as diretrizes para

      o policiamento ostensivo de trânsito.”45


      O Estado detém de ferramentas próprias para fazer valer a supremacia dos interesses públicos sobre a intenção de garantir os direitos de cada um, e de exigir juntamente o cumprimento de seus deveres dentro da sociedade, desse modo, Estado fiscaliza os atos individuais, para que não venha prejudicar os interesses coletivos.


      Outrossim, o Poder de Polícia administrativa tem atuação de intervir nas ações e omissões dos indivíduos perante a sociedade, em relação a benefício da coletividade, ele é que possibilita essa limitação estatal entre direitos e garantias individuais de cada um.


      O Estado tem total obrigação em fiscalizar seus contribuintes e veículos que trafegam pelas vias públicas, entretanto não pode usar o poder de polícia administrativa, uma vez que não há nenhum delito como acidente de trânsito, pode-se observar que há um abuso de poder de polícia por parte dos órgãos de trânsito, que abusam de sua autoridade para desapropriar o cidadão de seus bens.


  7. CONCLUSÃO

Esse artigo apresentou estudo sobre a inconstitucionalidade da apreensão de veículos no Estado de Goiás como forma indireta de cobrança do IPVA, analisando a conduta e as determinações da Administração perante a Constituição Federal, o Código de Trânsito Brasileiro e o Código Tributário Nacional, trazendo uma análise crítica sobre a forma correta de como se deve proceder à cobrança da exação, do porquê da medida de apreensão, para fins de cobrança, ser inconstitucional, e pelo que o poder de polícia não é meio legal para coagir o contribuinte ao pagamento do débito.


Foi visto que o Código de Trânsito Brasileiro, ao versar em seu art. 230 sobre as infrações previstas em casos de inadimplemento do IPVA, traz um conflito entre a Lei superior (Constituição Federal) e a Lei inferior (Código de Trânsito Brasileiro), tendo explicitado que a Lei superior deve ser respeitada, demonstrando a incompatibilidade das determinações administrativas com a legislação.


A supracitada disposição do art. 230 do CTB cometeu grave erro em relação à forma da aplicação das infrações em caso de inadimplemento, uma vez que a infração possui natureza tributária, não podendo ocorrer a cobrança do débito dessa natureza através da



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  1. GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Ação Civil Pública n. 5408687.35, Juíza Zilmene Gomide da Silva Manzolli, da 1 ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, Goiânia, GO, 2011. Disponível em: https://pjd.tjgo.jus.br/. Acesso em: 9 set 2018.


simples apreensão administrativa. É possível verificar que a presente norma não respeitou as garantias fundamentais básicas elencadas na Constituição Federal.


Portanto, é evidente a inconstitucionalidade dessa apreensão pela mora no pagamento do IPVA, pela forma como é conduzida e pelos meios ilegais que são usados.


O direito de defesa é afrontado no momento em que o Estado age de forma gravosa e arbitrária, apoderando-se da propriedade do cidadão, sem oferecer a oportunidade de defesa, punindo o devedor com a apreensão de seu veículo, usando de meios ilegais para se obter o recebimento da dívida, assim, indevidamente, agindo por meio do poder de polícia administrativa.


Diante disso, o contribuinte vê seus direitos sendo prejudicados em razão da forma que o Estado apodera-se do seu bem, impondo uma sanção administrativa incabível, sem garantir-lhe o acesso ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, além de confiscar seu veículo de forma gravosa para compeli-lo a pagar o débito eminentemente tributário, o que seria inaceitável, pois no ordenamento jurídico tem-se a Lei n. 6.830/1980 – Lei de execuções fiscais, que regula as formas que o Estado pode usar para receber dívidas tributárias, desrespeitando, assim, regras comezinhas de legalidade, ampla defesa e contraditório.


Por fim, cabe uma alteração legislativa na norma constritiva do art. 230 do CTB, alterando o dispositivo inconstitucional presente que fere as normas da Constituição Federal.


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