O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA SUFICIENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A DEFINIÇÃO TRIBUTÁRIA DE INTANGÍVEIS

THE SUFFICIENT TAX LEGALITY PRINCIPLE IN BRAZILIAN SUPREME COURT AND THE TAX DEFINITION OF INTANGIBLES

Antônio Augusto Souza Dias Júnior


Mestre em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Procurador da Fazenda Nacional em Campinas/SP. E-mail: toniaugusto@hotmail.com



Recebido em: 27-12-2019

Aprovado em: 07-03-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-4


RESUMO


O presente artigo visa abordar os conceitos existentes dos intangíveis, propondo um conceito no âmbito tributário, uma vez que não há, na legislação tributária brasileira, uma definição expressa do termo “intangíveis”. Diante dessa lacuna, será feita uma análise da legislação brasileira de propriedade intelectual, das leis tributárias que abordam os intangíveis, e dos conceitos expressos presentes em publicações da OCDE e de entidades dedicadas ao estudo da Contabilidade. Na análise da legislação brasileira, uma atenção especial será conferida ao software e aos serviços. Por sua vez, o estudo do conceito de intangíveis elaborado pela OCDE abordará as diretrizes relativas ao preço de transferência de intangíveis, que apesar de sua delimitação às operações de multinacionais, são úteis para a compreensão dos intangíveis de um modo geral. Ao final deste artigo, será esboçada uma proposta de definição de intangíveis para fins tributários na legislação brasileira. Além dessa proposta conceitual, também será discutida a metodologia para tanto, que pode dispensar uma atuação importante a normas de hierarquia abaixo da lei, tendo em vista a compreensão atual da legalidade tributária suficiente, já adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Como resultado dessa orientação jurisprudencial, este artigo propõe ser possível a fixação em lei de um conceito amplo de intangíveis para fins


tributários, abrindo-se espaço para a complementação por atos normativos emanados da Administração Tributária.

PALAVRAS-CHAVE: INTANGÍVEIS, CONCEITO, LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, LEGALIDADE TRIBUTÁRIA


ABSTRACT


This paper aims to address the existing concepts of intangibles, proposing a concept in the tax scope, since there is no express definition of intangibles in Brazilian tax legislation. Before this gap, it will be carried out an analysis of the property intellectual Brazilian legislation, tax laws that address intangibles, and the express concepts present in OECD publications, as well as publications of entities dedicated to Accounting study. In Brazilian legislation analysis, special attention will be paid to software and services. On the other hand, the study of intangibles concept drawn up by OECD will approach the guidelines related to the transfer price of intangibles that, despite its delimitation to multinational operations, are useful to the understanding of the intangibles in general. At the end of this paper, a proposal of the intangibles definition for tax purposes in Brazilian legislation will be drafted. In addition to this conceptual proposal, it will be also discussed the methodology for this purpose, which may dispense a significant action to the rules of the hierarchy below the law, bearing in mind the current understanding of the sufficient tax legality, already adopted by the Brazilian Supreme Court. As a result of this jurisprudential guidance, this paper proposes it is possible the setting in law of a broad concept of intangibles for tax purposes, making room for the complementation by normative acts arising from tax administration.

KEYWORDS: INTANGIBLES, CONCEPT, BRAZILIAN LEGISLATION, TAX LEGALITY


  1. INTRODUÇÃO

    Os maiores indicadores de valor econômico do mundo atual guardam relação com a utilização de ativos intangíveis. Novas formas de exercer atividades econômicas e de se relacionar com o mercado consumidor podem adicionar valor a uma empresa suficiente para permitir a dominação de um mercado por um longo período. Apesar da tendência de inovações tecnológicas não ser novidade1, a proporção que a criação de novas tecnologias tomou nos últimos 15 anos indica que as premissas jurídicas e econômicas da tributação também devem ser atualizadas.


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    1. Há quem aponte o início da década de 1970 como um importante marco: DUTFIELD, Graham. Intellectual property rights and the life science industries. London: Routledge, 2003.


      Não por acaso, o relatório intermediário da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o plano de Ação 1 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) menciona a possibilidade de se enxergar a criação de valor pelo usuário nas plataformas digitais como uma vantagem patrimonial sujeita a tributação2. Ou seja, as inovações tecnológicas e as respectivas repercussões na economia implicam uma mudança de paradigmas na tributação, o que pode gerar uma desfiguração ou transformação da tributação da renda3. Tal mudança de paradigmas, como será defendido nesse artigo, pode alcançar até mesmo o princípio da legalidade tributária.


      A economia digital, assim, representa um dos maiores desafios da tributação doméstica e internacional. A alta mobilidade dos intangíveis, a dificuldade de sua mensuração e mesmo a identificação de seu proprietário são alguns dos fatores de maior complexidade nas discussões tributárias.


      O presente texto se concentrará em uma camada inicial em meio a tantas incertezas envolvendo o tema da tributação de intangíveis. Assim é que se buscará apontar uma alternativa de definição de intangíveis para fins tributários. Também será abordada a metodologia dessa definição, que pode ter uma parte significativa de sua construção operada por meio infralegal, tendo em vista a compreensão atual da legalidade tributária suficiente, chancelada inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


      Como advertência terminológica, adota-se aqui o raciocínio segundo o qual os conceitos em direito tributário podem ser indeterminados4, já que a utilização de linguagem escrita no Direito atrai, inevitavelmente, uma carga de indeterminação inerente a ser enfrentada pelo intérprete/aplicador.


  2. OS INTANGÍVEIS NO DIREITO BRASILEIRO

    Inicialmente, é possível partir da premissa que intangível é tudo aquilo que não possui substância física (ainda que se agregue a um item corpóreo). Para fins tributários, essa vagueza é reduzida pela exigência de um conteúdo econômico, já que só pode ser tributado aquilo que pode ser mensurado economicamente.


    Com esses dois requisitos iniciais em mente (imaterialidade e conteúdo econômico), pode-

    se associar o termo “intangíveis” a institutos estudados pelo direito da propriedade


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    1. “[…] there are countries that view data collection from users, user participation, and the provision of user generated content as transactions between the users (as providers of data/content) and the digitalised business, with the digitalised business providing financial or non-financial compensation to the users in exchange for such data/content. [...] Countries that support this view agree that the interaction between users and the digitalized business is a transaction that could be subject to income taxation [...]” (OECD 2018. Tax challenges arising from digitalisation – interim report 2018: inclusive frameworks on BEPS, OECD/G20 base erosion and profit shifting project. Paris: OECD Publishing, p. 25-26)


    2. TANZI, Vito. Globalization, tax competition and the future of tax systems. International monetary fund. Working Paper n. 141/1996. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=883038. Acesso em: 14 set. 2018.


    3. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 716.


      intelectual (que abrange o direito autoral e o direito de propriedade industrial). Tal direito da propriedade intelectual é aquele ramo do direito que, tratando de bens imateriais e móveis5, busca proteger as criações do ser humano que podem conter uma valoração econômica6.


      A propriedade intelectual, portanto, abrange o direito autoral e o direito da propriedade industrial7. O direito autoral está ligado ao direito civil, enquanto o direito da propriedade industrial atrela-se ao direito empresarial. No Brasil, a Lei n. 9.610/1998 regula os direitos autorais8, ao passo que a Lei n. 9.279/1996 regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.


        1. Intangíveis na lei brasileira de propriedade industrial


          A lei brasileira de propriedade industrial (Lei n. 9.279/1996) traz em seu art. 2º os direitos relativos à propriedade industrial e a respectiva forma de proteção, elencando, dentre outros, as patentes de invenção e modelo de utilidade, o registro de desenho industrial e o registro de marca. As patentes protegem tanto as invenções como os modelos de utilidade. Os registros são a forma de proteção das marcas e do desenho industrial. O mesmo art. 2º da Lei

          n. 9.279/1996 menciona ainda que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial também pode ser efetuada mediante a repressão às falsas indicações geográficas e à concorrência desleal.


          Muitos dos intangíveis discutidos no direito tributário se restringem às figuras das invenções, dos modelos de utilidade e das marcas.

          Quanto às formas de exploração de uma patente, esta pode se dar por meio da comercialização de mercadorias ou prestação de serviços que utilizam o bem imaterial desenvolvido. Pode ocorrer ainda a transferência da patente a terceiro que não o seu desenvolvedor.


          A marca, por sua vez, refere-se a uma figura, símbolo, nome peculiar ou logotipo que o empresário utiliza para se diferenciar dos concorrentes. Para a lei brasileira, marca é um sinal distintivo visualmente perceptível (art. 122 da Lei n. 9.279/1996). De acordo com o art.



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    4. Lei n. 9.610/1998, art. 3º: “Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.”; Lei n. 9.279/1996, art. 5º: “Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.”


    5. A OMC define direitos de propriedade intelectual como os direitos conferidos às pessoas sobre as criações oriundas de suas mentes (World Trade Organization. Pharmaceutical patents and the TRIPS agreement. Disponível em: https://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/intel1_e.htm. Acesso em: 01 jun. 2018).


    6. “Tem-se, assim, correntemente, a noção de propriedade intelectual como a de um capítulo do Direito, altissimamente internacionalizado, compreendendo o campo da Propriedade Industrial, os direitos autorais e outros direitos sobre bens imateriais de vários gêneros.” (BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 10)


    7. “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; [...] XII – os programas de computador; [...].”


    15 do TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca.


      1. Intangíveis na legislação tributária brasileira


        A legislação tributária brasileira não define expressamente o que seria “intangíveis” para fins tributários. Tampouco o direito privado possui uma definição expressa do que seria um ativo intangível9.


        Na proposta Emenda à Constituição n. 45/2019, da Câmara dos Deputados, que corresponde a uma proposição de reforma tributária, há expressamente a previsão de se tributar “intangíveis”. Ao tratar dessa base tributária, na justificativa da proposta, as operações com bens intangíveis são identificadas como, por exemplo, streaming de músicas e vídeos e operações que envolvem a transferência do direito de uso, gozo ou disposição de bens intangíveis como softwares e licenças de comercialização ou distribuição. Além disso, a proposta de redação do art. 152-A da Constituição trata a cessão e o licenciamento de direitos como uma base distinta e separada da base tributária correspondente aos intangíveis10, o que indica um afunilamento na abrangência do termo.


        No direito empresarial, a Lei n. 6.404/1976 dispõe, ao tratar do balanço patrimonial das sociedades anônimas, que a conta de intangível deve tratar dos direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. Elidie Palma Bifano, ao tratar do bem intangível, ensina que este pode ser representado por uma atividade desenvolvida, como um contrato de prestação de serviço ou um contrato que envolve a confiança ou o crédito de forma abrangente, como a fiança ou a garantia11.


        Uma definição conceitual externa ao direito positivo que se aproxima da exposta pela OCDE (a ser mencionada abaixo) é a constante do Pronunciamento Contábil n. 04, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Referido pronunciamento define ativo intangível como um “ativo não monetário identificável sem substância física”. Componente dessa definição, “ativo” é, ainda segundo o pronunciamento, um recurso



        1. OECD/Receita Federal do Brasil (2019). Transfer pricing in Brazil: towards convergence with the OECD standard. Paris: OECD. Disponível em: www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.htm, p. 144.


        2. Conforme a proposta: “Art. 152-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas. § 1º O imposto sobre bens e serviços: I – incidirá também sobre: a) os intangíveis; b) a cessão e o licenciamento de direitos; [...].”


        3. BIFANO, Elidie Palma. Apuração de preços de transferência em intangíveis, contratos de prestação de serviços, intragrupo e cost sharing agreements. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2009, vol. 3, p. 32-33.


          controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem benefícios econômicos futuros para a entidade.


          Apesar da inexistência de um conceito categórico e expresso de intangível pela legislação tributária, é possível conceber um conceito indireto ou indiciário de intangíveis, ainda que não haja uma completude em tal construção.

          Ao se levar em consideração que os royalties representam uma forma de remuneração de certos intangíveis, pode-se chegar a uma noção de intangíveis a partir da conceituação de royalties presente na legislação tributária brasileira12.


          Dessa definição, percebe-se que certos direitos remunerados por royalties coincidem com alguns intangíveis mencionados na legislação de propriedade industrial, como as invenções, processos e fórmulas de fabricação (protegidas juridicamente pelas patentes) e as marcas de indústria e comércio.


          No que diz respeito aos direitos autorais, a lei tributária brasileira apenas classifica como royalties os rendimentos decorrentes da exploração da obra que não sejam percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra. Quando tais rendimentos forem recebidos pelo próprio autor ou criador, não serão caracterizados como royalties. Vale destacar que essa definição restrita em relação aos direitos autorais se dá em um dispositivo utilizado para controle de dedução no imposto de renda, não comprometendo eventual ampliação quanto aos direitos autorais recebidos pelo autor da obra, em um espectro tributário mais amplo.

          Além da Lei n. 4.506/1964, outras leis tributárias abordam os royalties. É o caso da Lei n. 10.168/2000, que instituiu a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, mais conhecida como CIDE-royalties.

          Essa contribuição adota como base de cálculo as remessas de royalties ao exterior, bem como as remessas decorrentes de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior.

          Isso indica que os royalties, mencionados expressamente no art. 2º, § 2º, da Lei n. 10.168/2000, correspondem à remuneração dos negócios mencionados no caput do art. 2º da mesma legislação, ou seja, a remuneração dos negócios de licença de uso, aquisição de conhecimentos tecnológicos e contratos que impliquem transferência de tecnologia, todos firmados com residentes ou domiciliados no exterior. Segundo Alberto Xavier, os royalties


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        4. Lei n. 4.506/1964, art. 22: “Serão classificados como ‘royalties’ os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como: a) direito de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais; b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais; c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio; d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra. Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento dos ‘royalties’ acompanharão a classificação destes.”


          a que essa lei alude dizem respeito a uma espécie de rendimento que remunera “direitos de pesquisa e de uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação”13. O art. 2º, § 1º, da lei define expressamente o contrato de transferência de tecnologia como aquele relativo à “exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica”.

          Ainda na legislação da CIDE-royalties, há outra base de incidência, correspondente às remessas ao exterior realizadas pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior.


          Na Lei n. 12.973/2014, ao tratar da tributação do lucro de controladas e coligadas no exterior, os royalties são mencionados como uma espécie de receita que não se amolda ao conceito de “renda ativa própria” (art. 84, I). Nesse cenário, os royalties ficam ao lado de outras receitas, como os juros, os dividendos, as participações societárias, os aluguéis, os ganhos de capital, as aplicações financeiras, e a intermediação financeira, receitas essas que podem ser identificadas como “renda passiva”.

          Desse modo, é possível asseverar que a investigação do significado de royalties na legislação tributária brasileira é útil para se compreender, por uma via indireta, o que o legislador entende como intangível para fins tributários.

          1. O software


            A legislação brasileira trata o software como propriedade intelectual do direito autoral, e não como propriedade industrial14, havendo uma equiparação legal a uma obra literária (Lei

            n. 9.609/1998, art. 2º). Essa opção brasileira está alinhada ao acordo sobre propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (TRIPS)15. O fato de o software ser tratado como direito autoral, contudo, não impede (ao contrário, permite) sua qualificação como intangível para fins tributários.

            Essa associação legislativa do software ao direito autoral não impediu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais de decidir que as remunerações pagas pelo licenciamento de direitos sobre programas de computador constituem royalties16. Tal decisão, de acordo com Sergio André Rocha e Romero Lobão Soares, seria resultado de uma


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        5. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 584.


        6. Lei n. 9.609/1998, art. 2º: “O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”; Lei n. 9.279/1996, art. 10: “Não se considera invenção nem modelo de utilidade: [...] V – programas de computador em si; [...].”


        7. “Artigo 10 Programas de Computador e Compilações de Dados. 1. Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão protegidos

          como obras literárias pela Convenção de Berna (1971).”


        8. Acórdão n. 9101-003.055, 1ª Turma da CSRF, sessão de julgamento de 12.09.2017. A discussão envolvia a aplicação de regra de indedutibilidade de pagamento de royalty a sócio (art. 71, parágrafo único, da Lei n. 4.506/1964).


          interpretação literal e isolada dos arts. 2º da Lei n. 9.609/1998 e 11 da Lei n. 9.610/1998, que leva à conclusão de que apenas a pessoa física pode ser autora de obra protegida pelo direito autoral (incluindo software). Para os autores, a conclusão, além de equivocada, geraria graves impactos tributários às empresas do setor de tecnologia17.


          No que diz respeito à contraprestação ao direito de distribuição ou comercialização de software, a Receita Federal editou o Ato Declaratório Interpretativo n. 7/2017, que em seu art. 1º enquadra tais rendimentos como royalties.


          Voltando à previsão legal de que apenas são royalties os rendimentos decorrentes da exploração da obra que não sejam percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra (art. 22, “d”, da Lei n. 4.506/1964), é possível admitir o controle de preços de transferência de transações envolvendo softwares caso o rendimento seja percebido por autor. Caso o rendimento não seja percebido pelo autor ou criador da obra, haverá a subsunção ao conceito de royalty, atraindo a aplicação do art. 18, § 9º, da Lei n. 9.430/199618, que veda a aplicação dos métodos de preços de transferência do art. 18 para os casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada.


          O entendimento acima do CARF de que as remunerações pelo licenciamento de direitos sobre softwares constituem royalties, desse modo, representa um óbice à possibilidade de controle de preços de transferência nessa hipótese particular.


          A rigor, portanto, seria possível o controle de preços de transferência de um rendimento percebido pelo autor ou criador de obra, nos termos do direito autoral, caso haja a subsunção deste autor ou criador no conceito de pessoa vinculada, nos termos do art. 23 da Lei n. 9.430/199619. Não é demais lembrar que em tal conceito é possível a caracterização de uma pessoa física no exterior como vinculada a uma pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Para tanto, deveria haver uma relação de vinculação, que excluísse o rendimento do autor do conceito de rendimento do trabalho não assalariado20.

          1. Serviços e know-how


    Embora seja possível que o resultado de um serviço seja tangível (um imóvel construído, por exemplo), o serviço em si prestado não é uma utilidade corpórea. Dessa constatação



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    1. ROCHA, Sergio André; e SOARES, Romero Lobão. Dedutibilidade de pagamentos de royalties para o exterior pelo direito de distribuição/comercialização de software. Revista Fórum de Direito Tributário ano 17, n. 98. Belo Horizonte, mar./abr. 2019, p. 49-68.


    2. Lei n. 9.430/1996, art. 18, § 9º: “O disposto neste artigo não se aplica aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa

      ou assemelhada, os quais permanecem subordinados às condições de dedutibilidade constantes da legislação vigente.”


    3. Nesse sentido é a orientação da Receita Federal no “Perguntas e Respostas Pessoa Jurídica 2019”: “[...] os rendimentos percebidos pelo autor ou criador do bem ou da obra (direitos autorais), estão sujeitos às regras de preços de transferência.” Disponível em: http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/ecf-escrituracao-contabil-fiscal/erguntas-e- respostas-pessoa-juridica-2019-arquivos/capitulo-xix-irpj-e-csll-operacoes-internacionais-2019.pdf. Acesso em: 02 ago. 2019.


    4. Art. 38, VII, do Decreto n. 9.580/2018 (regulamento do imposto de renda).


      surge a dúvida se um serviço poderia ser um intangível para fins de controle de preços de transferência.


      Considerando que a prestação de serviços é sujeita a controle por uma empresa, que decide sobre o contrato relativo a esse ou aquele serviço, que há remuneração pelo serviço e que se trata de um ativo não físico, não parece haver maiores problemas em caracterizar os serviços como intangíveis.


      A Lei n. 9.430/1996, inclusive, segue a linha de tratar os serviços técnicos e de assistência técnica ao lado dos royalties para fins de vedar o controle de preços de transferência (art. 18, § 9º).


      Em relação aos serviços que não se enquadrem como “assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada” (subordinados à vedação do art. 18, § 9º), não há impedimento legal ao controle de preços de transferência. A Lei n. 9.430/1996 vinculou a exclusão do controle de preços de transferência à sujeição aos limites de dedutibilidade da Lei n. 4.506/1964. Desse modo, caso se entenda que determinado serviço de assistência técnica ou administrativa não se enquadra no conceito da Lei n. 4.506/1964, também não haverá subsunção à vedação presente no art. 18, § 9º, da Lei n. 9.430/1996, exigindo-se o controle de preços de transferência do serviço em questão.


      Essa orientação é adotada pela Receita Federal no “Perguntas e Repostas Pessoa Jurídica 2019”, onde se optou por um critério de diferenciação entre os serviços técnicos e de assistência que serão ou não sujeitos ao controle do art. 18 da Lei n. 9.430/1996 a transferência de tecnologia21. Também é esse o entendimento de Elidie Palma Bifano22, Eliete de Lima Ribeiro Malheiro23, Ricardo Marozzi Gregorio24 e Victor Borges Polizelli25.

      Em relação aos serviços técnicos, cumpre tecer breves considerações sobre o know-how. O termo know-how não foi definido na legislação brasileira, havendo divergência doutrinária quanto ao alcance da expressão. Pode-se definir o contrato de know-how como o instrumento pelo qual uma parte repassa à outra a experiência e os conhecimentos



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    5. “A prestação de serviços técnicos, de assistência técnica e serviços administrativos que não envolvam a transferência de tecnologia ou processos, assim como os rendimentos percebidos pelo autor ou criador do bem ou da obra (direitos autorais), estão sujeitos às regras de preços de transferência.” Disponível em: http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/ecf- escrituracao-contabil-fiscal/erguntas-e-respostas-pessoa-juridica-2019-arquivos/capitulo-xix-irpj-e-csll-operacoes-internacionais- 2019.pdf. Acesso em: 02 ago. 2019.


    6. BIFANO. Elidie Palma. Apuração de preços de transferência em intangíveis, contratos de prestação de serviços, intragrupo e cost sharing agreements. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2009, vol. 3, p. 38.


    7. MALHEIRO, Eliete de Lima Ribeiro. Preços de transferência – intangíveis, serviços e cost-sharing. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2009, vol. 3, p. 61.


    8. GREGORIO, Ricardo Marozzi. Preços de transferência. Arm’s length e praticabilidade. Série Doutrina Tributária vol. V. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 332.


    9. POLIZELLI, Victor Borges. Tratamento dos serviços na legislação brasileira de preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2009, p. 249.


      adquiridos a respeito de determinada técnica de produção ou de prestação de serviço. Em termos mais simples, know-how diz respeito a ensinar alguém a fazer algo.


      Na seara do direito tributário internacional, o know-how é mencionado nos acordos contra bitributação que seguem as linhas gerais do modelo da OCDE. Ao lado das patentes, das marcas e do desenho industrial, o contrato de know-how é referido como “informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”, sendo remunerado por royalties. Tome-se como exemplo a convenção entre o Brasil e a Itália, que utiliza essa expressão em seu art. 12, 4.


      Vale notar que esse mesmo tratado segue uma tendência brasileira de incluir os serviços técnicos e de assistência técnica no conceito de know-how, como se pode conferir em seu protocolo26.

      Na doutrina brasileira, Gabriel Leonardos entende que know-how é sinônimo da expressão “assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante”, sendo gênero dividido em duas espécies: know-how secreto e know-how não secreto27.


      Na abordagem sobre os preços de transferência dos intangíveis, a OCDE trata o know-how e o segredo industrial como duas categorias à parte. Apesar disso, a organização ressalta a importância da confidencialidade para o valor do know-how. De qualquer forma, o texto da OCDE é expresso em considerar tanto o know-how quanto o segredo industrial como intangíveis para fins de aplicação do controle de preços de transferência28.


  3. OS INTANGÍVEIS NA VISÃO DA OCDE

    Para o controle dos preços de transferência, a OCDE não criou um conceito de intangíveis partindo do zero. Pelo contrário, se valeu de algumas noções já existentes na legislação dos Estados Unidos e de algumas linhas gerais a respeito dos intangíveis constantes nas normas internacionais de contabilidade.


    1. Conceito e noções gerais


      A OCDE possui uma proposta de definição de intangíveis quando trata de preços de transferência envolvendo ativos imateriais. Apesar de essa abordagem ser voltada aos fins do controle de preços de transferência, sua utilidade para outros aspectos do direito tributário é inegável.



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      1. “5. Com referência ao Artigo 12, parágrafo 4

        A expressão ‘por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico’ mencionada no parágrafo 4 do Artigo 12 inclui os rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos.”


      2. LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da transferência de tecnologia. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 79.


      3. “Know-how and trade secrets are intangibles within the meaning of Section A.1.” (OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 70-71)


        Nessa linha, a organização entende que o conceito de intangível não pode ser excessivamente amplo ou estreito, utilizando esse termo para se referir a algo que não seja um bem físico ou um ativo financeiro, mas que seja capaz de ser detido ou controlado com fins de uso em atividades comerciais, e cujo uso ou transferência seria compensado caso ocorresse numa transação entre partes independentes em circunstâncias comparáveis. Tal conceito assemelha-se ao encontrado em normas internacionais de contabilidade29.

        Apesar de a organização clamar que o conceito acima não é muito amplo, é possível identificar um alto nível de abstração e generalidade, o que vai ao encontro do interesse das autoridades tributárias de não restringir a base sujeita à tributação da renda oriunda de intangíveis30.


        Assim, destaca-se os principais traços do conceito acima: (a) ausência de substância física;

        (b) caráter não monetário (não se confunde com ativos financeiros); (c) sujeição a controle;

        (d) relevância econômica; (e) possibilidade de ser transferido em uma transação econômica31.


        A OCDE é explícita, ao definir os intangíveis, em rejeitar uma metodologia exclusivamente contábil ou jurídica para fins de preços de transferência32. Mesmo diante de registros contábeis ou formas jurídicas, a OCDE privilegia a investigação das reais condições que se estabelecem entre partes independentes para situações comparáveis. Uma definição idêntica é encontrada no manual de preços de transferência da ONU33.


        Sob essa perspectiva, intangíveis assim considerados para fins de preços de transferência podem não ter essa classificação contábil no balanço de uma empresa. Por exemplo, custos relativos a pesquisa e desenvolvimento são contabilmente classificados como despesas no balanço, enquanto os intangíveis resultantes de tais despesas nem sempre são refletidos no balanço. Do mesmo modo, eventual proteção legal concedida não é requisito para caracterização como intangível para se determinar o controle de preços de transferência.


        Tampouco se exige que o intangível seja transferível separadamente34, sendo possível sua transferência em conjunto com um bem físico. Por essa razão, há os intangíveis que podem


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      4. O International Financial Reporting Standard n. 3 define ativo intangível como um ativo identificável, não monetário e sem su bstância física. Disponível em: http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/docs/consolidated/ifrs3_en.pdf. Acesso em: 30 ago. 2018.


      5. LAGARDEN, Martin. Intangibles in a transfer pricing context: where does the road lead? International Transfer Pricing Journal. IBFD, September/October 2014.


      6. A separabilidade, contudo, não é um componente do conceito de intangível da OCDE: “[...] not all intangibles deserve compensation separate from the required payment for goods or services in all circumstances [...]” (OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 68).


      7. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 67.


      8. United Nations Practical Manual on Transfer Pricing (2017), p. 275.


      9. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 67.


        ser negociados separadamente, como as patentes e as marcas registradas, e os intangíveis que não podem ser rigorosamente dissociados em um negócio empresarial35, como o goodwill.

        O conceito de intangíveis não necessariamente acompanha o conceito de royalties do art. 12 do modelo contra bitributação da OCDE. O termo royalties significa a remuneração pelo uso de direitos de propriedade intelectual, como direitos relativos à exploração de obra artística, literária ou trabalho científico, bem como direito relativo a patente, marca registrada, desenho, modelo, processo, plano ou fórmula secreta, aí compreendido o know- how36.


        Percebe-se da definição acima uma zona de interseção entre os intangíveis como definidos para fins de preços de transferência e os direitos remunerados pelos royalties do art. 12, já que esses últimos podem ser entendidos de modo genérico como algo que não seja um bem físico ou um ativo financeiro e que pode ser objeto detido ou controlado para fins de uso comercial.


        Contudo, a OCDE sustenta que o conceito de intangíveis para fins de preços de transferência e o conceito de royalties do art. 12 são diferentes e não se confundem, não estando necessariamente alinhados. Um exemplo dessa distinção seria o goodwill, que apesar de não se encontrar incluído no conceito de royalties do art. 12, insere-se no conceito de intangíveis a serem controlados nos preços de transferência37.


        Ainda tratando do conceito de intangíveis, vale notar que as diretrizes de preços de transferência da OCDE publicadas em 2017 trazem duas classificações de intangíveis: marketing intangibles e trade intangibles. Numa adaptação para a língua portuguesa, os trade intangibles seriam intangíveis comerciais e os marketing intangibles, intangíveis para comercialização38.


        O marketing intangible seria aquele intangível que se relaciona com atividades comerciais, auxilia na exploração comercial de um produto ou serviço e/ou tem um importante valor promocional para o produto em questão. Os exemplos dados são, entre outros, marcas


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      10. TAYLOR, Willard B. The international taxation of goodwill and other intangibles. Disponível em: http://www.ibdt.com.br/material/arquivos/Biblioteca/Willard%20B.%20Taylor.pdf. Acesso em: 05 jul. 2018.


      11. Art. 12, § 2, do modelo da OCDE: “The term ‘royalties’ as used in this Article means payments of any kind received as a consi deration for the use of, or the right to use, any copyright of literary, artistic or scientific work including cinematograph films, any patent, trade mark, design or model, plan, secret formula or process, or for information concerning industrial, commercial or scientific experience.”


      12. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 68-69.


      13. Assim é feito em SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência, no direito tributário brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 359.


        registradas, listas de clientes, relacionamento com clientes ou dados sobre clientes utilizados para a venda de bens ou serviços.

        O trade intangible, por sua vez, é definido por exclusão, sendo aquele intangível que não se inclui no conceito de marketing intangible39. Exemplos de trade intangibles seriam as patentes, os segredos industriais, o know-how, usados na produção de mercadorias ou na prestação de serviços.


        Alguns autores ressaltam a importância dessa diferenciação, dado que os marketing intangibles não podem ser tratados da mesma forma que os demais intangíveis, seguindo abordagem diferenciada40.

        Há quem aponte que o fator de diferenciação entre intangíveis comerciais (trade intangibles) e intangíveis para comercialização (marketing intangibles) é a capacidade de os últimos gerarem retornos econômicos crescentes ao longo do tempo, enquanto os primeiros só podem ser explorados pelo período limitado em que a atividade econômica relacionada está vinculada a uma entidade em especial41.


        A OCDE inclui então como intangíveis sujeitos ao controle de preços de transferência: (a) patentes; (b) know-how e trade secrets (segredo industrial); (c) marca registrada e nome empresarial; (d) direitos contratuais e licenças governamentais42; (e) licenças e direitos limitados em intangíveis43.


    2. O “goodwill”


      A OCDE introduz também como intangível o “goodwill and ongoing concern value”, que poderia refletir a diferença entre o valor agregado de um negócio operacional e a soma dos valores de todos os ativos tangíveis e intangíveis separadamente considerados; os ganhos econômicos futuros associados com os ativos do negócio que não sejam individualmente identificados e separadamente reconhecidos; uma expectativa de negociações futuras com base nos clientes existentes; ou ainda o valor dos ativos reunidos de um negócio sobre a soma dos valores separados dos ativos individuais.


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      1. OECD (2017). OECD Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administration 2017. Paris: OECD Publishing, p. 27; 30.


      2. MUSSELLI, Andrea; e MUSSELLI, Alberto. Saving arm’s length pricing: from economists’ myths of tax avoidance by taxpayers, to the

        reality of uncertain application of rules, 19 Intl. Transfer Pricing J. 6 (2012), Journals IBFD.


      3. Steef Huibregtse e Steven Carrey, apud R. (Rohan) Shah; A. Tolani; e A. Bhatnagar. Transfer pricing issues relating to marketing intangibles. 19 Asia-Pac. Tax Bull. 2 (2013), Journals IBFD (acesso em: 11 jul. 2019).


      4. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 Final Reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 71.


      5. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 Final Reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 72.


        A referência ao termo “goodwill” padece de uma dificuldade de compreensão do fenômeno

        a ser analisado, dada a multiplicidade de conceitos relativos a essa expressão44.


        A legislação tributária brasileira a partir das alterações da Lei n. 12.973/2014, por exemplo, possui um conceito próprio de goodwill, que seria o ágio por rentabilidade futura45. Segundo o art. 20, III, do Decreto-lei n. 1.598/1977, o ágio por rentabilidade futura (ou goodwil) corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de patrimônio líquido na época da aquisição e mais ou menos-valia46.


        No Pronunciamento Técnico n. 15 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, por sua vez, o goodwill é definido como um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes de outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos47.


        Ou seja, apesar de ser possível identificar alguns traços comuns nas definições, como a dificuldade e imprecisão quanto à valoração de ativos em conjunto e intangíveis, o conceito de goodwill é polissêmico e sujeito a interpretações divergentes.

        A própria OCDE reconhece a fluidez das definições de goodwill, e reconhece não ser necessário estabelecer uma definição precisa de “goodwill” e “ongoing concern value”, ou mesmo precisar quando tais elementos caracterizam-se como intangíveis para os fins estabelecidos na Ação 8 do plano BEPS. O necessário seria ter em mente que uma parte significativa da compensação financeira entre partes independentes na transferência de alguns ou de todos os ativos de um negócio empresarial diz respeito às descrições acima dos conceitos de goodwill e ongoing concern value, o que atrairia a necessidade de se determinar o preço arm’s length quando transações similares ocorrerem entre pessoas associadas48.


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      6. WANG, Jingyi. A tentative improvement: comments on OECD discussion draft on the transfer pricing of intangibles. International Transfer Pricing Journal May/June 2013.


      7. “[...] parece claro que o ágio por rentabilidade futura (goodwill) no contexto de aplicação das normas contidas na Lei nº 12.973/14 constitui uma espécie de ativo intangível atípico que só tem substância econômica quando ligado a uma empresa em marcha e em condições de gerar benefícios futuros.” (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O regime jurídico tributário da mais-valia sobre investimentos e do ágio por rentabilidade futura na vigência da Lei nº 12.973/14. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2015, vol. VI, p. 147 – destacamos)


      8. Decreto-lei n. 1.598/1977, art. 20: “O contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e II – mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o inciso I do caput; e III – ágio por rentabilidade futura (goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os incisos I e II do caput.”


      9. Comitê de Pronunciamentos Contábeis Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1). Disponível em: http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/235_CPC_15_R1_rev%2004.pdf. Acesso em: 30 ago. 2018. Tal definição, por sua vez, é inspirada no International Financial Reporting Standard n. 3, que se refere ao goodwill como um “ativo que representa os benefícios econômicos futuros decorrentes de outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, que não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos” (Disponível em: http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/docs/consolidated/ifrs3_en.pdf. Acesso em: 30 ago. 2018).


      10. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 72.


    3. Categorias que não se enquadram no conceito da OCDE de intangíveis


      A OCDE também elenca categorias que não são consideradas intangíveis para mensuração dos respectivos preços de transferência.


      A sinergia de grupo está entre os conceitos excluídos do âmbito da definição de intangíveis. A sinergia costuma ser identificada como a capacidade de reduzir custos e impulsionar a lucratividade do grupo pela produção em larga escala. Contudo, alguns autores observam que as sinergias de grupo podem ser também negativas, como no caso em que uma empresa se torna grande a ponto de prejudicar a eficiência49. Não é incomum que empresas optem por vender determinadas divisões para se concentrar em um número mais limitado de atividades.


      Cumpre registrar a opinião de que, apesar da diferenciação entre sinergias e intangíveis, o tratamento para fins de preços de transferência seria similar, envolvendo a utilização de metodologias orientadas pela divisão de lucros50.


      De qualquer modo, a sinergia de um grupo, apesar de ter um valor para a geração de lucro da empresa, não pode ser detida ou controlada por uma entidade específica, razão pela qual é excluída do conceito de intangíveis. Tais ganhos advindos da integração até podem ser transferidos numa transação comercial, se o negócio em conjunto é vendido. O que não é possível é a transferência de modo separado ou individual de tal sinergia51.


      Igualmente, as características específicas de mercado, como custo de mão de obra e condições climáticas favoráveis, que apesar de afetarem a lucratividade da empresa, não podem ser detidas ou controladas por uma entidade52. Dentre as condições favoráveis de uma jurisdição, alguns autores lembram também dos cenários político e econômico, que certamente influenciam a segurança e o retorno de um investimento53.


      Deve-se distinguir, todavia, as características do mercado local, que não são intangíveis, de outros aspectos, como direitos contratuais que conferem exclusividade comercial em determinada localidade, direitos esses que podem cumprir os requisitos conceituais de um intangível54.



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      1. WRIGHT, Deloris R.; KEATES, Harry A.; LEWIS, Justin; e AUTEN, Lana. The BEPS Action 8 final report: comments from economists. International Transfer Pricing Journal. IBFD, March/April 2016.


      2. WILKIE, J. Scott. Intangibles and location benefits (customer base). Bulletin for International Taxation. IBFD, June/July 2014.


      3. KANE, Mitchell A. Transfer pricing, integration and synergy intangibles: a consensus approach to the arm’s length standard. World Tax Journal. IBFD, October 2014.


      4. OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 73.


      5. WILKIE, J. Scott. Intangibles and location benefits (customer base). Bulletin for International Taxation. IBFD, June/July 2014.


      6. United Nations Practical Manual on Transfer Pricing (2017), p. 280.


        Outros elementos ou atributos que agregam valor para a empresa e que não se inserem no conceito de intangíveis da OCDE são a cadeia de fornecimento, a força de trabalho e a vantagem de ser pioneiro num setor do mercado. Há quem denomine esses “quase intangíveis” de “soft intangibles”55.


        O ponto central da distinção seria a possibilidade ou não de detenção ou controle: determinados elementos que agregam valor à empresa, mas que não são passíveis de controle ou detenção individual estariam fora do conceito de intangíveis56.


  4. PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DE INTANGÍVEIS NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

    Como já mencionado, os intangíveis estão inseridos em um contexto econômico dinâmico, que se transforma e se reinventa em alta velocidade. Diante disso, qualquer tentativa legislativa de definir com precisão e de forma “cerrada” um conceito tributário de intangíveis seria, fatalmente, frustrada.


    Diante da inefetividade de um conceito fechado de intangíveis, não é difícil compreender as opções de uma conceituação ampla, como se pode verificar no Pronunciamento Contábil

    n. 0457, no International Financial Reporting Standard n. 358 e na Ação 8 do Plano BEPS da

    OCDE/G2059.


    Eventual definição tributária em sede legal deveria optar por esse caminho de uma definição aberta e passível de se amoldar a inovações tecnológicas. Afigura-se possível ainda que, com uma conceituação ampla e indeterminada, a lei preveja uma autorização para que o ato infralegal defina de modo mais concreto o que seriam os intangíveis a serem tributados. É essencial, para tanto, que essa mesma lei estabeleça padrões e parâmetros gerais, aos quais o ato infralegal estará vinculado.


    A complementação do conceito de intangível por norma infralegal não representaria uma ofensa ao princípio da legalidade tributária, pois este princípio não é absoluto (como nenhuma outra norma constitucional é absoluta), admitindo uma construção dinâmica em


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    1. VERLINDEN, Isabel; e MONDELAERS, Yoko. Transfer pricing aspects of intangibles: at the crossroads between legal, valuation and transfer pricing issues. International Transfer Pricing Journal. IBFD, January/February 2010. Martin Lagarden, por sua vez, denomina os bens imateriais que não podem ser transferidos de capital intelectual (LAGARDEN, Martin. Intangibles in a transfer pricing context: where does the road lead? International Transfer Pricing Journal. IBFD, September/October 2014).


    2. VERLINDEN, Isabel; e MONDELAERS, Yoko. Transfer pricing aspects of intangibles: at the crossroads between legal, valuation and transfer pricing issues. International Transfer Pricing Journal. IBFD, January/February 2010.


    3. “ativo não monetário identificável sem substância física”.


    4. “ativo identificável, não monetário e sem substância física”.


    5. “algo que não seja um bem físico ou um ativo financeiro, mas que seja capaz de ser detido ou controlado com fins de uso em atividades comerciais” (OECD (2015). Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10 – 2015 final reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, p. 67).


      seu sentido e alcance. Assim decidiu o STF no Recurso Extraordinário (RE) n. 343.446, ao permitir a complementação do aspecto quantitativo da obrigação tributária por norma infralegal:


      “[...] O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio e grave’, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. [...].” (STF, RE n. 343.446, Pleno, j. 20.03.2003)


      No voto do relator desse RE acima citado, Ministro Carlos Velloso, restou esclarecido que a delegação legislativa para que o ato infralegal complete a norma tributária depende da necessidade de que a aplicação da lei, em concreto, exija a aferição de dados e elementos60. Essa condicionante pode se revelar pertinente no caso dos intangíveis, diante da dinâmica no surgimento de novas realidades econômicas, as quais não podem ser acompanhadas pelo Poder Legislativo.


      A possibilidade de o legislador conferir espaço de atuação na definição da obrigação tributária não representa um caso antigo e isolado no STF. Pelo contrário, consiste em uma orientação sólida e reiterada inclusive em sede de repercussão geral. Para a Corte Constitucional, basta que os elementos essenciais do tributo estejam presentes na lei, o que seria suficiente para se preservar o princípio da legalidade tributária:

      “[...] 1. Na jurisprudência atual da Corte, o princípio da reserva de lei não é absoluto. Caminha-se para uma legalidade suficiente, sendo que sua maior ou menor abertura depende da natureza e da estrutura do tributo a que se aplica. No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, por força da ausência de exauriente e minuciosa definição legal dos serviços compreendidos, admite-se o especial diálogo da lei com os regulamentos na fixação do aspecto quantitativo da regra matriz de incidência. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade.

      [...] 3. A razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência

      tributária está justamente na maior capacidade de a Administração Pública, por estar estreitamente ligada à atividade estatal direcionada a contribuinte, conhecer da realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, visando encontrar, com maior grau de proximidade (quando comparado com o legislador), a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir.


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    6. “Em certos casos, entretanto, a aplicação da lei, no caso concreto, exige a aferição de dados e elementos. Nesses casos, a lei, fixando parâmetros e padrões, comete ao regulamento essa aferição. Não há que se falar, em casos assim, em delegação pura, que que é ofensiva ao princípio da legalidade genérica (C.F., art. 5º, II) e da legalidade tributária (C.F., art. 150, I).”


      [...] (STF, Pleno, RE n. 838.284 – repercussão geral, j. 19.10.2016 – destaque adicionado pelo autor)61


      No RE n. 704.292 (j. 19.10.2016), também julgado em sede de repercussão geral, o STF adotou o mesmo entendimento em relação às contribuições no interesse de categorias profissionais:

      “[...] 1. Na jurisprudência da Corte, a ideia de legalidade, no tocante às contribuições instituídas no interesse de categorias profissionais ou econômicas, é de fim ou de resultado, notadamente em razão de a Constituição não ter traçado as linhas de seus pressupostos de fato ou o fato gerador. Como nessas contribuições existe um quê de atividade estatal prestada em benefício direto ao contribuinte ou a grupo, seria imprescindível uma faixa de indeterminação e de complementação administrativa de seus elementos configuradores, dificilmente apreendidos pela legalidade fechada. Precedentes.

      2. Respeita o princípio da legalidade a lei que disciplina os elementos essenciais

      determinantes para o reconhecimento da contribuição de interesse de categoria econômica como tal e deixa um espaço de complementação para o regulamento. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade [...].” (STF, Pleno, RE n. 704.292 – repercussão geral, j. 19.10.2016

      – destaque adicionado pelo autor)


      Se o STF já vem flexibilizando o princípio da legalidade tributária em discussões relativas a taxas e contribuições no interesse de categorias profissionais ou econômicas, com mais razão se mostra imperioso um abrandamento da legalidade tributária quando se trata de tributação no setor de novas tecnologias, já que é flagrante a ineficiência do demorado processo legislativo para regular a tributação de atividades econômicas que se transformam em períodos de tempo cada vez mais curtos.


      De fato, a interpretação constitucional do princípio da legalidade tributária não pode permanecer idêntica àquela em voga no ano de 1988 (ou antes), quando se constata que as mudanças tecnológicas capazes de alterar a repartição de receitas pretendida pelo constituinte62 podem ocorrer em períodos significativamente inferiores ao necessário para o trâmite de um projeto de lei.


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    7. Destaque-se trecho do voto do Ministro Edson Fachin, proferido no RE n. 838.284: “[...] com esse entendimento [tipicidade fechada] não se pode concordar, sob pena de inviabilização da tributação no país ou, pelo menos, assumir um modelo de legalismo datado na evolução histórico-filosófica das ideias tributárias brasilianas”.


    8. Vide os conflitos de competências entre Estados e Municípios acerca da incidência do ICMS e do ISS sobre novas atividades econômicas, algumas das quais inclusive já vão deixando de existir antes de uma definição pelo Legislativo ou pelo Judiciário, como a tributação do software veiculado em meio físico.


      É de se reconhecer que a inaptidão do Legislativo para regular a tributação de novas realidades econômicas deve abrir espaço para um sistema de atuação do poder normativo da Administração Pública (mais próxima dos fenômenos tributáveis), mediante delegação legislativa.


      A compreensão de uma interpretação que acompanha a evolução da sociedade e da economia, ao invés de representar um autoritarismo, uma vilania estatal ou algo do gênero, é uma necessidade de adequação (prática e teórica) do direito tributário.


      Além dos precedentes do STF acima especificamente sobre a legalidade tributária, a interpretação que leva em consideração as alterações tecnológicas na economia foi chancelada também no julgamento sobre a imunidade dos livros eletrônicos (RE n. 330.817), cujo resultado foi uma desconsideração da literalidade do texto constitucional em prol de uma adaptação às novas realidades.


      Como tem demonstrado o STF nos julgados acima reproduzidos, a interpretação evolutiva no direito tributário não se restringe a resultados que tenham por efeito a desoneração tributária, admitindo-se ao intérprete a construção de sentidos que tenham por finalidade a preservação da eficácia da norma constitucional tributária. Ainda segundo o STF,


      “A Constituição Tributária deve ser interpretada de acordo com o pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo variados métodos, que vão desde o literal até o sistemático e teleológico, sendo certo que os conceitos constitucionais tributários não são fechados e unívocos.” (RE n. 651.703 – repercussão geral, j. 29.09.2016)


      Desse modo, reputa-se demonstrado que bastaria ao legislador a definição de parâmetros e padrões gerais, a serem obedecidos pela norma infralegal responsável pela concretização da definição de intangíveis para fins tributários.


      Essa fórmula de complementação de um conceito tributário legal pela norma infralegal a cargo da Administração encontra-se em consonância com uma compreensão de uma legalidade tributária suficiente, que terá uma abertura maior ou menor a depender da natureza e da estrutura do tributo, como reconhecido expressamente na ementa do Recurso Extraordinário n. 838.284, julgado pelo Tribunal Pleno em 19 de outubro de 2016.


      A insistência na concepção de uma legalidade “cerrada” ou “fechada”, adequada para a realidade das décadas de 1970, 1980 e 1990, acaba por representar um anacronismo que pouco contribui ao debate cada vez mais imperioso a respeito das novas formas de os princípios constitucionais tributários assegurarem, de modo proporcional e razoável, um grau adequado de previsibilidade e planejamento para as atividades dos contribuintes. Tal adequação, como reconheceu o STF, dependerá de circunstâncias ínsitas ao tributo analisado (natureza e estrutura do tributo). Acrescente-se ainda as variáveis relativas ao


      objeto tributado e à atividade do contribuinte, que igualmente podem servir para se compreender a legalidade tributária suficiente ao caso.


      A concepção de que haveria uma “legalidade cerrada”, “tipicidade fechada” ou “reserva absoluta da lei”, além de representar uma negação da complexidade inerente à interpretação de normas voltadas a uma realidade econômica plural e mutável, estaria fundada em razões ideológicas, e não na Constituição brasileira63.


  5. CONCLUSÕES

Os intangíveis representam uma parcela significativa dos ativos negociados na economia atual. A velocidade com a qual surgem e se transformam dificulta uma apreensão conceitual precisa e fechada. Uma noção vaga e inicial dos intangíveis para fins tributários passa pelo reconhecimento de sua imaterialidade e de seu conteúdo econômico.


Apesar de o direito brasileiro regular alguns intangíveis em leis relativas ao direito autoral e à propriedade industrial, a legislação tributária não possui uma definição expressa. Algumas leis tributárias, contudo, trazem disciplinas relativas aos royalties, que são reconhecidos como a remuneração por algumas espécies de intangíveis.


Diante da relevância econômica das operações envolvendo intangíveis, e até mesmo da existência de uma proposta de reforma constitucional tributária que prevê expressamente esse termo, afigura-se útil que o legislador introduza uma definição aberta de intangíveis, abertura essa que seria adequada à sua realidade dinâmica.


Em que pese a existência de parcela considerável da doutrina brasileira que resiste a qualquer intento de atualização ou evolução interpretativa do princípio da legalidade tributária, torna-se cada vez mais improvável que a ideia de uma legalidade “fechada” ou “cerrada” sobreviva a uma realidade de atividades econômicas cada vez mais dinâmicas, cuja captura pelo legislador seja praticamente impossível.


Na linha dessa evolução interpretativa, o STF tem adotado a noção de uma legalidade tributária suficiente que, na visão deste artigo, seria adequada para a definição tributária de intangíveis. Nessa concepção, o legislador desenharia parâmetros e padrões gerais, deixando à norma infralegal um espaço de atuação maior para adequação à realidade tributada.


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