PANDEMIA DA COVID-19 E A FLEXIBILIZAÇÃO DE INSTITUTOS TRIBUTÁRIOS: A IMPORTÂNCIA DOS JUÍZOS DE EQUIDADE EM CALAMIDADES PÚBLICAS

COVID-19 PANDEMIC AND THE FLEXIBILIZATION OF SOME TAX STATUTES: THE IMPORTANCE OF EQUITY JUDGMENTS IN CASES OF PUBLIC CALAMITY


Arthur M. Ferreira Neto


Mestre e Doutor em Direito (UFRGS) e Mestre e Doutor em Filosofia (PUCRS). Professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília, Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário da PUCRS-IET, Professor da Graduação da PUCRS e Professor Substituto de Direito Tributário da UFRGS. Vice-Presidente do Instituto de Estudos Tributários IET. 2º Vice- Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Rio Grande do Sul TARF/RS. E-mail: aferreiraneto@yahoo.com.br


Alexandre Ravanello


image

Advogado formado em Direito pela PUCRS, com experiência em consultoria e contencioso tributário. Possui Especialização em Direito Tributário da PUCRS-IET. Membro efetivo do Instituto de Estudos Tributários IET. Também é coautor da 2ª edição do Curso de Substituição Tributária (Livraria do Advogado, 2016). E-mail: alexandre@ravanelloadvocacia.com



image

DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-25


RESUMO


Este artigo jurídico tem como objeto a análise da possibilidade de flexibilização de institutos tributários em períodos de decretação de calamidade pública. Assim, diante da pandemia mundial da Covid-19, surge a necessidade de adoção de medidas jurídico-tributárias para salvaguardar não apenas a atividade econômica empresarial e a manutenção de empregos, mas também a persistência da capacidade contributiva do contribuinte no pagamento de tributos. Tais ações possuem, como principal finalidade, a redução dos impactos econômicos/financeiros na sociedade. Contudo, muito embora o caráter de urgência dessas medidas, a


flexibilização de normas tributárias deve ser realizada por meio de juízos de equidade ou por meio do chamado postulado da razoabilidade, no sentido de avaliar quais casos são efetivamente extremos e gravíssimos em um contexto pandêmico geral, merecendo, portanto, uma maior atenção por parte dos entes públicos e principalmente do Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO TRIBUTÁRIO, CALAMIDADE PÚBLICA, PANDEMIA COVID-19, FLEXIBILIZAÇÃO DE INSTITUTOS JURÍDICOS, EQUIDADE E RAZOABILIDADE


ABSTRACT


This paper aims to analyze the possibility of making some tax statutes more flexible during periods of public calamity that are declared by a Government decree. Thus, in face of the Covid-19 global pandemic, there is the urgent need to adopt tax measures that may not only safeguard economic activity by corporations and the maintenance of jobs, but also allow the persistence of the taxpayer’s ability to pay taxes. Such measures aim to reduce economic/financial impacts on businesses and to help the whole society in a near and unpredictable future. However, despite the urgency of the legal measures al-ready adopted, the flexibilization of some additional tax rules will have to be carried out during these harsh times, and this could be justified by means of equity judgements and by using the so-called, in Brazil, “Reasonableness Postulate”. These legal techniques request that the legal professional identify which cases are effectively extreme and very serious in the context of a pandemic and therefore determine which should receive a special and last resort protection from public entities, i.e., mainly from the Judiciary.

KEYWORDS: TAX LAW, PUBLIC CALAMITY, COVID-19 PANDEMIC, FLEXIBILITY OF LEGAL STATUTES, EQUITY AND REASONABLENESS


“Portanto, quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal, é justo, uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade, corrigir a omissão... E essa é a natureza do equitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade. E, mesmo, é esse o motivo por que nem todas as coisas são determinadas pela lei: em

torno de algumas é impossível legislar, de modo que se faz necessário um decreto.”1


image


  1. ARISTÓTELES. Nichomachean Ethics (1137b19-26). In:               . The complete works of Aristotle. Edição de Jonathan Barnes. Estados Unidos da América: Princeton University Press, 1995. v. 1 e 2. p. 1795-6.


    “O juiz, portanto, que [apenas] aplica a letra da lei é acribodikaios (ακριβοδικαίος), ou seja, ele não é um magistrado justo. O magistrado justo é aquele que não transforma a lei em um instrumento de punição por si mesma.”2


    INTRODUÇÃO3

    Em 25 abril de 1974, eclodiu em Portugal a chamada Revolução dos Cravos, a qual pretendeu derrubar o ditador Marcelo Caetano (e acabou tendo êxito), pondo, com isso, fim à ditadura de mais de quatro décadas iniciada por Oliveira Salazar. Dentre os eventos ocorridos durante esse movimento revolucionário, é frequentemente narrado episódio que poderia ser contado, no Brasil, como se fosse uma piada de português. Esse episódio, muito bem retratado no filme Capitães de abril4, conta o caso do grupo de militares rebeldes que, na manhã do levante, colocam uma coluna de tanques nas ruas para a imediata derrubada do governo ditatorial que estava no poder. Na cena reproduzida no filme, os militares revolucionários – bastante idealistas – discutem o significado de democracia, enquanto os tanques transitam pelas sinuosas ruas de Lisboa. De repente, todo o comboio de tanques freia abruptamente! Espantados, os capitães que conduziam a fila dos revoltosos questionam os seus comandados: “E agora, o que que foi? Outra avaria?”, ao que recebem como resposta do soldado à frente do comboio: “Não Capitão, é o sinal vermelho!”. Obedientes à ordem categórica dada pelo semáforo, todos os revolucionários aguardam, com paciência, a mudança para o sinal verde, olhando, receosos, um carro de policiais que, de uma esquina, observam o movimento bélico com certo espanto. Os militares chegam, inclusive, a discutir se não seria razoável ligar as sirenes dos carros oficiais para furarem a barreira intransponível levantada pela sinaleira de trânsito, proposta essa rejeitada ao argumento de que perderiam o elemento surpresa do seu ataque ao governo, pois, segundo um dos milicos, “assim não seríamos muito discretos”, como se um comboio de tanques nas ruas, em uma manhã ensolarada, fosse exemplo de discrição. Após alguns minutos, abre o sinal verde e os tanques voltam à marcha, rumo à revolução que acabaria sendo bem- sucedida. Moral da história: em contextos de anormalidade ou de ruptura da ordem estabelecida, a obediência cega e acrítica à letra da lei pode parecer algo de irrazoável, absurdo ou até anedótico.

    Portanto, esse conto (seja ele verídico ou não) serve como instigante ponto de partida tanto para a reflexão acerca da importância de se cumprir a lei, como para se discutir se existem


    image

  2. “Il giudice, pertanto, che aplica la lettera della legge è acribodikaios (ακριβοδικαίος), vale a dire, non è giudice retto. Giudice retto è solo colui che non transforma la legge in strumento di punizione fine a se stesso.” (DONATI, Alberto. Giusnaturalismo e Giuspositivismo nella Interpretazione della Norma Giuridica. In: Studi in Onore di Cesare Massimo Bianca. Itália: Giuffrè, 2006. t. 1. p. 132)


  3. Agradecemos a Eduardo Kronbauer pela revisão do texto preliminar deste artigo.


  4. CAPITÃES de abril. Direção de Maria de Medeiros. Portugal: Jacques Bidou, 2000. (124 min.)


    limites para a obediência fria e incondicional do direito positivo, mesmo diante de circunstâncias de anormalidade ou de grave instabilidade institucional. Esse milenar debate – encapsulado no famoso brocardo latino “summum ius, summa iniuria” –, certamente não é simples e exige profunda discussão sobre a força cogente da lei, a legitimidade da desobediência civil e a importância dos juízos de equidade na aplicação do direito.


    Pois bem, todas essas considerações iniciais mostram-se relevantes diante dos inúmeros conflitos morais e jurídicos que estão surgindo agora, no ano de 2020, em razão da atual e surpreendente pandemia da Covid-19, a qual vem provocando abalos humanitários, sociais e econômicos em escala global e com repercussões ainda imprevisíveis.


    No esforço de minorar e controlar os efeitos dessa pandemia, muitos entes federativos vêm declarando estado de calamidade pública5, reconhecendo a gravidade do cenário que se aproxima e fixando determinadas políticas públicas emergenciais de prevenção e enfrentamento da pandemia da Covid-19. Dentre essas medidas estão o isolamento social, a restrição na circulação de pessoas nas vias públicas e o fechamento temporário de estabelecimentos comerciais considerados não essenciais. Sem querer de nenhuma forma desprezar a importância dessas medidas restritivas, mostra-se evidente e incontroverso que essas determinações estatais provocarão algumas consequências negativas de ordem social e econômica (muitas delas, inclusive, já começam a mostrar os seus efeitos perversos em determinados países), podendo-se aqui citar, exemplificativamente: recessão, inflação, aumento expressivo no desemprego, falta de recursos públicos para custear serviços públicos fundamentais, endividamento público e privado fora de controle, dentre outros.


    Assim, o balanceamento entre os benefícios sociais gerados a partir dessas políticas públicas extraordinárias e os efeitos colaterais indesejados causados pela sua implementação está fazendo surgir inúmeros dilemas trágicos que, por certo, não serão resolvidos tranquilamente por meio da mera aplicação de fórmulas prontas extraídas das leis positivas, hoje, em vigor. Por isso, outro efeito colateral provocado pela crise pandêmica da Covid-19 é o aparecimento de conflitos inéditos e sem precedentes, os quais estão obrigando o aplicador do direito a repensar e a reformular muitos dos conceitos e institutos jurídicos que, no passado, poderiam ser considerados inquestionáveis e impassíveis de revisão. A crise que se instaurou, portanto, não é apenas de ordem sanitária, afetando a saúde pública, mas também de ordem jurídica, na medida em que grande parte do direito legislado vigente não foi pensado nem redigido para dar conta desse contexto fático que foge de qualquer parâmetro de normalidade. Temos, pois, uma espécie de crise pandêmica (rectius, paradigmática6) ocorrendo também no universo jurídico, a qual está obrigando a


    image

  5. Usamos, aqui, como exemplo disso, o Decreto do Estado do Rio Grande do Sul n. 55.128, de 19 março de 2020.


  6. Crise paradigmática pode ser usada aqui no sentido de Kuhn (KUHN, Thomas S. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University Of Chicago Press, 1970. p. 17-20). Sobre o ponto, escrevemos alhures: “... de tempos em tempos, novos casos


    uma profunda revisão crítica de algumas noções dogmáticas encrustadas no pensamento técnico e cultural do operador do direito. Tais reflexões exigirão (e já estão exigindo) não apenas uma mudança na forma de interpretação e aplicação do direito durante esse período de calamidade, mas também a formulação de um paradigma teórico diferenciado, válido especificamente para esse cenário excepcional e de anormalidade, o qual deverá nortear a atitude dos profissionais do direito na resolução das disputas jurídicas que estão surgindo durante esse estado emergencial.


    Aliás, de forma bastante previsível, muitos desses dilemas jurídicos excepcionais surgiram quase que imediatamente no campo tributário. E isso ocorreu porque, uma vez decretada a calamidade pública, a maioria das empresas foi impedida (ou gravemente limitada) de exercer suas atividades econômicas, inviabilizando a obtenção de faturamento oriundo das vendas de mercadorias e da prestação de serviços, o que – consequência lógica dessa intervenção estatal – fez suspender, por tempo indeterminado, a geração de novos recursos para dar conta dos seus compromissos financeiros vencidos e vincendos, não apenas de natureza tributária, mas também de ordem trabalhista e contratual. E esse contexto está criando verdadeiros dilemas morais, que vêm exigindo a tomada de decisões trágicas por parte do empresário sobre qual dos seus credores será decepcionado, ou seja, se serão frustradas as expectativas dos seus empregados, dos seus fornecedores e parceiros comerciais ou do Fisco. Medidas urgentes estão sendo adotadas pelo Legislativo e pelo Executivo, de modo a dar algum alívio momentâneo para o empresariado. No entanto, tais medidas foram estruturadas em termos gerais e abstratos ou para acudir prioritariamente esse ou aquele setor econômico, de modo que acabarão deixando de fora dessa rede de proteção inúmeros casos extremos de contribuintes que, dentro da já excepcional crise pandêmica que afeta a todos, estão sendo mais gravemente lesados. E, na casuística dessas situações, caberá ao Judiciário avaliar se esses contribuintes deverão ser abandonados à própria sorte ou se deverão receber alguma proteção extraordinária que lhes permita sobreviver.


    É precisamente em razão da insuficiência protetiva dessas medidas, bem como do contexto inesperado e excepcional de alguns casos particulares mais extremados, que se mostra necessário sejam repensados, com urgência, muitos institutos tradicionais do direito tributário, na medida em que, sabidamente, esses foram em grande parte estruturados pela doutrina e pela jurisprudência em torno de escola de pensamento bastante inclinada ao formalismo e ao normativismo7, pressupondo que o Direito Tributário somente pode ser


    image

    e novos dados apresentam-se com uma complexidade inédita, razão pela qual se mostram refratários e incompatíveis com o modelo paradigmático em vigor, o que causa um abalo no mundo científico, instaurando, assim, um momento anômalo de crise. Instaura-se, com isso, a chamada crise paradigmática que exigirá a formulação de novas teorias científicas que, ao final, culminarão em um momento revolucionário da ciência em que um novo paradigma surgirá e passará a ser observado e seguido, majoritariamente, pela comunidade acadêmica” (FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 111).


  7. Para um histórico dessas escolas de pensamento no direito tributário brasileiro, vide o nosso FERREIRA NETO, Arthur Maria. Po r uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 193-285.


    compreendido cientificamente se for rigoroso na aplicação da lei, inflexível à ponderação dos efeitos e consequências que podem ser provocados pela tributação e fechado a outras influências externas de ordem econômica, social e política. Por isso, a pandemia da Covid-19 surge como motivadora de importantes reflexões que passam a se impor no que se refere à função da lei no Direito Tributário, bem como sobre os seus limites aplicativos diante de circunstâncias de calamidade pública, as quais poderão exigir uma reavaliação da importância dos juízos de equidade e da razoabilidade neste campo do direito, permitindo e justificando a necessidade de flexibilização de alguns institutos jurídico-tributários até hoje considerados intocáveis.


    Conforme destacado de início, toda crise representa momento anormal, que exige cuidado redobrado em relação às medidas a serem adotadas, sob risco de assumirmos consequências nefastas diante de uma solução precipitada ou impensada. No entanto, essa mesma crise também gera o efeito colateral positivo de fornecer uma oportunidade única para submetermos a teste extremo os paradigmas e conceitos que foram idealizados e projetados durante períodos de normalidade. Este estudo, pois, pretende tomar máximo proveito dessa oportunidade para promover uma nova reflexão sobre a relevância dos juízos de equidade na flexibilização de institutos jurídico-tributários.


    1. CRISE PANDÊMICA E A FLEXIBILIZAÇÃO DE INSTITUTOS TRIBUTÁRIOS PELO LEGISLATIVO E EXECUTIVO

      Conforme acima destacado, a pandemia da Covid-19 vem provocando forte impacto na esfera empresarial, na medida em que a decretação de calamidade pública pelos entes federativos vem impondo intensas restrições no exercício de liberdades econômicas por parte das empresas, as quais estão sendo impedidas, por tempo indeterminado, de perseguir livremente os seus objetivos sociais, estando obrigadas a fechar os seus estabelecimentos e a suspender suas operações, deixando, por consequência, de auferir receitas novas, as quais são necessárias para que consigam honrar os seus compromissos financeiros vencidos e vincendos.


      Com efeito, traçando-se um paralelo, aqui, com a infecção generalizada provocada pela Covid-19, pode-se perceber que algo semelhante também se reflete na vida empresarial, na medida em que, assim que “infectadas” pelos efeitos colaterais da decretação da calamidade pública, as pessoas jurídicas também se colocam em espécie de quarentena forçada, impedidas de atuar com regularidade, e, exatamente por isso, exigem atenção e cuidados especiais não só do Estado, mas da sociedade em geral, sob pena de sofrerem grave e iminente risco de não mais conseguirem se manter em funcionamento após a superação desse período de crise pandêmica. Portanto, é real e inquestionável a possibilidade de muitas dessas pessoas jurídicas em “isolamento econômico” não conseguirem dar conta dos seus deveres financeiros nos próximos meses, o que poderá inviabilizar a continuidade de


      muitos empreendimentos empresariais, causando, assim, encerramento das suas atividades em futuro próximo. Caso esse “falecimento em massa” de empresas venha a ser admitido, sem que medidas jurídicas amplas sejam adotadas pelo Legislativo e Executivo, não serão apenas os interesses privados dos proprietários e gestores dessas pessoas jurídicas que serão afetados, mas serão também prejudicados todos os membros da sociedade, que sofrerão perdas em postos de trabalho, em bens e serviços que deixarão de ser produzidos e em recursos que deixarão de ser gerados. E, caso isso ocorra, também sofrerão perdas relevantes todos os entes públicos e seus agentes de arrecadação, uma vez que, sem atividade econômica, gradualmente deixarão de existir as bases de tributação que pressupõem a produção de alguma riqueza nova.


      Dessa forma, com o intuito de salvaguardar não apenas a atividade econômica empresarial, mas também a persistência de sua capacidade contributiva para pagar tributos no futuro, diversas medidas de flexibilização de normas tributárias têm sido adotadas ao redor do mundo, com a finalidade de reduzir os impactos econômicos/financeiros provocados pelo surto da Covid-19.


      Em recente estudo realizado pelo Instituto Insper8, foi identificada, em 43 países, a adoção de medidas estatais que visam a flexibilizar o cumprimento de normas tributárias, com o intuito de garantir algum alívio aos contribuintes. Conforme podemos observar no quadro abaixo, foram identificadas, no referido estudo, 166 medidas tributárias diferentes, as quais podem ser separadas em categorias diversas, tais como o diferimento no pagamento de tributos, a postergação no cumprimento de obrigações acessórias, a diminuição temporária da carga tributária, a redução de encargos moratórios, a devolução de tributos, dentre outras medidas.


      Categoria de Medidas

      Ocorrências

      Devolução de tributos

      9

      Diferimento de obrigação acessória


      19

      Diferimento do tributo

      83

      Outras medidas

      13


      image

  8. Link do estudo: https://www.insper.edu.br/noticias/levantamento-nucleo-de-tributacao-entrevista/. Acesso em: 26 abr. 2020.


    Redução de carga tributária

    26

    Redução de encargos moratórios

    16

    Total Geral

    166

    Cabe aqui destacar que a medida “diferimento de tributos” foi a mais adotada, com o

    expressivo número de 83 ocorrências no mundo (correspondendo a 50% do total do material analisado), enquanto a “redução da carga tributária” teve 26 ocorrências, e a “devolução de tributos”, apenas 9.


    Seguindo a tendência mundial, o Brasil também vem adotando algumas medidas legislativas e executivas que visam à flexibilização de normas tributárias. Contudo, importante destacar que as medidas estatais sendo adotadas – conforme se verá abaixo – estão ocorrendo de modo quase aleatório e não coordenado, não tendo sido elaborado nenhum tipo de regime especial tributário que pudesse globalmente reger os efeitos da calamidade pública da Covid-19 sobre as práticas tributárias. Por isso, percebe-se, claramente, que inexiste qualquer espécie de articulação harmônica entre as diferentes esferas da federação e que as medidas que vão sendo aos poucos editadas vão surgindo conforme a intensidade com que é exercida pressão política por determinado setor econômico. Assim, mesmo que haja preocupação do Estado brasileiro na manutenção de empregos e da atividade econômica, as medidas públicas sendo editadas – quase que de modo espasmódico – carecem completamente de uma ordenação racional, hierarquizada, e que tenha uma compreensão clara dos problemas enfrentados pelos empresários e dos riscos a que estes estarão submetidos no futuro. Com efeito, ausente qualquer coordenação nacional acerca de como dar enfrentamento aos problemas tributários dentro dessa crise pandêmica, certamente muitas empresas não estarão abarcadas por uma rede de proteção efetiva que lhes dê chance de sobreviver a esse período extremo, pois as medidas legislativas e executivas já editadas lhes serão insuficientes ou simplesmente inúteis.


    Feita essa breve observação, importante trazermos para este estudo as medidas de flexibilização tributária já editadas pelo Governo Federal, sem prejuízo daquelas medidas estaduais e municipais. Tais medidas são referentes a prorrogações no prazo de pagamento de tributos, suspensão no cumprimento de obrigações acessórias e no pagamento de penalidades tributárias, bem como a interrupção de procedimentos de fiscalização, dentre outros. Para fins didáticos, veja-se a seguinte tabela:



    Medida Adotada

    Prazo de

    Suspensão/Diferim ento

    Norma

    1

    Suspensão do prazo para empresas recolherem a parte referente à parcela da União no Simples Nacional

    Seis meses

    Medida Provisória n. 899/2020

    2

    Redução de 50% por três meses das contribuições devidas ao Sistema “S”

    Três meses

    Medida Provisória n. 932/2020

    3

    Suspensão do prazo para empresas pagarem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

    Três meses

    MP n. 9.127/2020

    4

    Redução a zero do IOF incidente sobre operações de créditos

    Noventa dias

    Decreto n. 10.305/2020

    5

    Diferimento do recolhimento de PIS/PASEP, COFINS e

    Contribuição Previdenciária Patronal

    De abril e maio para agosto e outubro

    Portaria ME n. 139/2020 e Portaria ME n. 150/2020

    6

    Redução a zero do IPI sobre bens produzidos internamente ou importados, que sejam necessários ao combate do Covid- 19

    Até 1 de outubro

    Decreto n. 10.285/2020 e Decreto n. 10.302/2020

    7

    Redução a zero das alíquotas de II sobre produtos de uso médico- hospitalar

    Até 30 de setembro

    Resolução n. 17 CAMEX

    8

    Redução a zero das tarifas de importação de mais 61 produtos

    Até 30 de setembro

    Resolução n. 22 CAMEX



    farmacêuticos e médico- hospitalares utilizados no combate à Covid-19



    9

    Suspensão dos direitos antidumping aplicados às importações brasileiras de seringas descartáveis e de tubos de plástico para coleta de sangue

    Até 30 de setembro

    Resolução n. 23 CAMEX

    10

    Prorrogação do prazo de entrega da Declaração do IRPF

    De 30 de abril para 30 de junho

    Instrução Normativa RFB n. 1.930/2020

    11

    Suspensão de atos de cobrança e facilidade de renegociação da Dívida pela PGFN em decorrência da pandemia

    Noventa dias

    Portaria ME n. 103


    Portaria PGFN n. 7.820 e 7.821

    12

    Suspensão dos prazos pela RFB para práticas de atos processuais e procedimentos administrativos

    Até 29 de maio

    Portaria RFB n. 543

    13

    Prorrogação das Certidões Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CND) e das Certidões Positivas com Efeitos de Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPEND) pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB)

    Noventa dias

    Portaria Conjunta n. 555


    14

    Prorrogação do prazo da apresentação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e da Escrituração Fiscal Digital da Contribuição para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita (EFD-Contribuições)

    10° e 15º (décimo quinto) dia útil do mês de julho

    IN RFB n. 1.932/2020


    Muito embora as medidas tributárias adotadas estejam em consonância com as praticadas por outros países em meio à pandemia da Covid-19, podemos observar que essas medidas não atingem diretamente o foco do problema, pois de nada adianta o diferimento do pagamento de tributos ou a prorrogação de cumprimento de obrigações acessórias se, diante da crise econômica instaurada, as empresas permanecerem sem obtenção de novas receitas por período indeterminado, tendo que retomar, após alguns meses, o pagamento cumulativo dos tributos que foram suspensos. Por isso, medidas mais enérgicas para tal cenário de crise serão necessárias e mais eficazes, como, por exemplo, a concessão de créditos fiscais extraordinários; a agilidade no reconhecimento de créditos favorável ao contribuinte; o reconhecimento de dedutibilidade de todas as despesas realizadas no combate à pandemia da Covid-19; o efetivo perdão de dívidas tributárias; a autorização especial para compensação antes do trânsito em julgado; a liberação de depósitos e garantias judiciais; bem como a flexibilização de regras de aproveitamento de prejuízos fiscais.


    É oportuno destacar que diversas dessas medidas legislativas e executivas adotadas pelo Governo Federal vieram após a pressão gerada por força de decisões individuais proferidas pelo Poder Judiciário que reconheceram, liminarmente, o direito do contribuinte à flexibilização de regras tributárias. Como exemplo disso, podemos citar ações que buscam a chamada “moratória tributária”, com base na Portaria MF n. 12/2012, que previa a possibilidade de contribuintes afetados por calamidades públicas adiarem o pagamento de tributos federais por alguns meses.


    Recentemente, juízes e alguns tribunais de diferentes Estados chegaram a deferir medidas liminares, postergando o dever de o contribuinte recolher tributos vencidos ou a vencer. Essas decisões judiciais isoladas acabaram influenciando diversos entes federativos a publicar os atos normativos já referidos que concederam moratórias relativamente a


    determinados tributos. Tais medidas estatais, porém, foram pensadas estrategicamente pelos entes públicos, visando muito mais a conter uma enxurrada de demandas judiciais (que acabariam consagrando moratórias mais amplas do que aquelas permitidas pelo Judiciário) do que propriamente garantir um sistema de efetiva proteção ao contribuinte gravemente lesado pela decretação de calamidade pública. Tais atos legislativos, portanto, foram projetados para dar conta das situações médias ou mais comuns dos contribuintes afetados pela calamidade pública.


    Outro interessante exemplo de flexibilização de normas tributárias está presente em recentíssima decisão proferida pelo Juiz Federal Alexandre Rossato Ávila, convocado para atuar junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, demonstrando sensibilidade com o atual cenário, deferiu pedido de antecipação da tutela em agravo de instrumento para determinar a liberação no bloqueio de ativos que eram garantia em execução fiscal, permitindo a substituição por bem imóvel, tendo em vista, precisamente, a situação excepcional criada pela pandemia da Covid-199.


    O que se observa, portanto, é que a adoção de medidas legislativas e executivas que flexibilizaram determinadas normas tributárias em meio à crise da pandemia da Covid-19 foi produzida de forma desarticulada, sem uma adequada coordenação nacional e sem que houvesse um estudo efetivo da sua eficácia real para todos os setores econômicos, tendo sido, em realidade, editadas com intuito estratégico de reduzir a litigiosidade dessas demandas perante o Judiciário e de evitar uma redução exagerada de arrecadação (não obstante isso venha a ocorrer independentemente da medida estatal que seja adotada).


    Ocorre que, diante da gravidade do cenário instaurado, essas medidas estatais não garantirão efetiva proteção a todos, pois grande parte delas (a) foi pensada para um setor econômico específico; (b) foi tomada no calor do momento para apaziguar pressão política;


    image


  9. TRF4, AG 5012221-77.2020.4.04.0000, Segunda Turma, Relator Alexandre Rossato da Silva Ávila, juntado aos autos em 31.03.2020: “... diante da pandemia do Covid-19, que exige o isolamento social, o qual acarretou a redução ou paralisação das atividades econômicas, o princípio da menor onerosidade ao devedor e o princípio da universalidade da jurisdição conferem ao Poder Judiciário uma amplitude de ação para zelar pelas garantias individuais do devedor.

    Não preponderam, em nosso ordenamento, somente os interesses da Fazenda Pública, que, em determinadas situações, podem cercear e aniquilar com o legítimo exercício da atividade econômica dos contribuintes. [...]

    Diante deste contexto de grave crise social e econômica, impõe-se a flexibilização da uniformidade da jurisprudência, conferindo à proteção da confiança e à segurança jurídica interpretação que pondere os interesses do devedor e os da Fazenda Pública. O equilíbrio deste conflito deve possibilitar, de modo simultâneo, que os interesses da Fazenda, sempre que possível, sejam resguardados com garantias suficientes para proteger os seus créditos e que o devedor continue exercendo as suas atividades, gerando riqueza e auferindo os recursos necessários para manter os seus empregados, pagar tributos e fornecedores. Nessa perspectiva, o bloqueio de ativos financeiros pelo BACENJUD inflete diretamente contra a base deste equilíbrio, fragilizando, muitas vezes de forma irreversível, a situação econômica do devedor em exclusivo benefício da Fazenda Pública.

    Já temos um precedente contundente de interpretação que levou em conta a situação de excepcionalidade decorrente do estado de calamidade pública gerado pela pandemia do Covid-19. Com efeito, o Ministro Alexandre de Moraes afastou dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898/2020), apontando que o afastamento dos dispositivos seria excepcional e válido apenas durante o estado de calamidade pública, exclusivamente para combater a pandemia da Covid-19.

    Essa mesma ordem de ideias deve ser adotada com relação às empresas contra as quais a Fazenda Pública promove execução fiscal. Diante da notória crise que assola todos os brasileiros, não é possível permitir o bloqueio de dinheiro das empresas nas execuções fiscais, mormente se forem nomeados outros bens à penhora.”


    ou (c) somente adia momentaneamente o pagamento dos tributos, sem impactar, de fato, na preservação da saúde econômica dos diferentes setores empresariais.


    Com efeito, outras medidas excepcionais serão necessárias de acordo com a gravidade de cada caso, para que não se deixe determinado contribuinte ou grupo de contribuintes à própria sorte. Não há dúvida de que a pandemia da Covid-19 esteja atingindo a todos. Isso, porém, não é razão para se presumir que todos os contribuintes estão sofrendo tais efeitos negativos com a mesma intensidade e extensão, sendo, pois, precipitado concluir que as medidas legislativas e executivas já adotadas representam tudo o que se possa fazer em relação a todos os contribuintes nessa crise pandêmica. Sendo certo que muitos setores econômicos considerados essenciais continuam em funcionamento, estando estes, portanto, dentro de um parâmetro aceitável de normalidade, também é certo que existem outros ramos da economia que estão sendo agressivamente lesados pela atual calamidade pública, de modo que os remédios oficiais já oferecidos pelo Estado serão simplesmente inócuos para esses contribuintes. Nesses casos extremos esporádicos, somente o Poder Judiciário terá competência para avaliar, com base em seu senso de justiça e sensibilidade afinada com os elementos casuísticos, qual medida poderá ser razoável e necessária na preservação do mínimo vital daquele contribuinte. Por isso, pretende-se aqui demonstrar que, nesse contexto pandêmico, deve o Judiciário se valer de instrumentos jurídicos que permitam excepcionalmente avaliar as particularidades de cada caso concreto e, eventualmente, flexibilizar ainda mais determinadas leis tributárias, funcionando, assim, como ultima ratio regum na tentativa de garantir subsistência a esses contribuintes em casos extremos.


    1. DIREITO POSITIVO EM PERÍODOS DE NORMALIDADE E EM MOMENTOS DE EXCEÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA EQUIDADE

      A lei positiva10, uma vez promulgada, tem a intenção de trazer ordem e segurança para a sociedade na qual ela foi produzida, exigindo, para tanto, respeito e obediência dos seus destinatários. Uma comunidade humana carente de legislação ou na qual essa é simplesmente descumprida ou tratada com descaso jamais será capaz de se organizar nem garantir proteção mínima aos seus cidadãos. Sem lei não temos civilização nem Estado de Direito, mas apenas barbárie. Por isso, a lei positiva emana de si autoridade moral que se impõe sobre os desejos e vontades individuais, exigindo, aprioristicamente, que seus termos sejam seguidos pelos membros da sociedade, sem lhes atribuir capacidade para decidir, caso a caso, quando os ditames legais são dignos de serem observados e cumpridos.


      image

  10. O campo cognitivo em que se maneja o uso do termo “lei” (nomos ou lex) não pode ser visto como algo exclusivo do profissional do direito. Em verdade, o conhecimento de uma lei representa atividade a ser exercitada por todo e qualquer cientista, independentemente do seu campo de atuação (e.g., leis da física, química, matemática, economia etc.). Portanto, na sua definição mais ampla, lei enquanto lei (lege qua lege), ou seja, lei em si considerada, significa a existência de uma regra e medida (regula et mensura) racional que orienta e direciona algo a determinado fim (AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I-II, q. 90, a. 1. São Paulo: Loyola, 2004). (Vide FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 363)


    Não obstante a veracidade dessas afirmações iniciais, não podem elas ser assumidas como considerações categóricas, absolutas ou desprovidas de qualquer margem de ponderação.


    Isso porque, em sua definição mais aberta, a lei positiva pressupõe a intenção de um grupo de indivíduos em deliberar e identificar um possível padrão racional de conduta (dentre outros que também poderiam ser mais ou menos razoáveis), atribuindo a este uma enunciação formal que deverá ser publicada e comunicada a todos os demais membros da sociedade para que tenham ciência de como é esperado que se portem no espaço de convívio social. Exatamente por isso, esse enunciado formal que pretende captar um determinado padrão de racionalidade desejado pelo legislador poderá servir como critério de medida e de avaliação da regularidade dos comportamentos sociais que serão qualificados, em tese, como corretos e justos, bem como geradores das expectativas jurídicas consideradas, nesse contexto, legítimas. Assim, a positivação da lei não pode ser considerada, propriamente, um fim em si, mas assume uma carga instrumental, sendo, pois, uma ferramenta que gera um produto da deliberação racional dos seres humanos, confeccionado em prol da ordenação razoável da vida em sociedade, visando à concretização, em algum grau, de objetivos considerados por aquela comunidade política como inteligíveis, justificáveis e passíveis de compartilhamento11. Exatamente em razão dessa carga instrumental que a lei positiva assume é que o seu enunciado textual jamais pode ser considerado como a “quintessência” da racionalidade, como se fosse capaz de integralmente verter em linguagem formal um padrão racional de comportamento que estivesse, previamente, fornecendo todas as respostas que devem ser usadas na avaliação e regulação da ação humana. Isso ocorre porque todo e qualquer legislador humano sofre, em algum grau, de limitações intelectuais que restringem a sua capacidade cognitiva e de afetações externas que constrangem a sua disposição decisória, o que impõe a conclusão de que qualquer ato legislado será sempre passível de aperfeiçoamento e, dependendo do contexto, de ser rediscutido e reavaliado no seu mérito.


    Assim, sendo evidente e indubitável que o legislador humano jamais será dotado de onisciência e de perfeição nas suas deliberações legislativas12, impõe-se bem compreender o efetivo campo de incidência de uma lei, bem como identificar os cenários limítrofes em que o padrão normativo nela contido necessitará ser avaliado com maior cuidado e atenção, de modo a conferir se, de fato, o razoável será aplicar o conteúdo do enunciado


    image

  11. Ilustrativa nesse ponto a definição clássica de lei proposta por Aquino, como sendo “uma ordem racional dirigida ao bem comum e promulgada por quem tem o cargo de governo da comunidade” (“... definitio legis, quae nihil est aliud quam quaedam rationis ordinatio ad bonum commune, ab eo qui curam communitatis habet, promulgata” – AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, I-II, q. 90, a. 4). Vide, ainda, HOLZHEU, Elena. Thomas von Aquin: Summa Theologica – Sind ‘lex aeterna’ und ‘lex naturalis’ identisch?. Alemanha: GRIN Verlagsprogramm, 2009. p. 9.


  12. “... a atividade de criação de leis humanas envolve uma combinação, não perfeitamente controlável nem mensurável, do intelecto humano com a sua capacidade volitiva, sendo que o primeiro pretende – por cognição e por deliberação – captar alguma dimensão racional de nossa realidade, enquanto que o segundo é responsável pela tarefa de revelar inclinações, motivações e desejos que mobilizam os seres humanos na busca de fins que se mostram como indispensáveis ou relevantes” (FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 373).


    legislativo nesse caso específico. Isso, portanto, significa reconhecer que a aplicação da lei positiva exige que estejam presentes os pressupostos fáticos que seriam minimamente previsíveis ao legislador quando da escolha da linguagem que compôs o texto legislado, o que, por sua vez, impõe que também se esteja diante de contexto de alguma normalidade e estabilidade institucional, na medida em que esse foi o cenário imaginado pelo legislador quando do exercício das suas funções legiferantes.


    Obviamente, a identificação desse contexto de mínima normalidade e de ações humanas que poderiam ser consideradas usuais e prováveis para verificar a sua compatibilidade com o padrão normativo previsto no texto legal envolve uma atividade cognitiva altamente complexa e pressupõe grande experiência decisório-prudencial por parte daquele que deverá assumir essa incumbência, o qual jamais poderia promover essa avaliação como se fosse uma tarefa meramente dedutiva, mecânica ou repetitiva. Essa dificuldade, porém, não significa reconhecer que uma área de limite na aplicação do texto da lei não exista nem que não possa esse espaço ser razoavelmente identificado por meio de conhecidos instrumentos jurídicos. E é precisamente dentro desse campo de anormalidade, imprevisibilidade fática e excepcionalidade das consequências não imagináveis pelo legislador que tradicionalmente se reservou, no direito, o espaço de atuação da equidade (Epikeia ou Aequitas) como instrumento extraordinário para a resolução de conflitos jurídicos.


    No grego, epiiches pode ser compreendido como aquilo que é razoável13, derivando seu sentido dos vocábulos epi, que significa “acima”, e ikos, que significa “obediente”14. Aquino interpreta a etimologia dessa expressão como indicando a ideia de alguém que manifesta obediência a um sentido superior da lei, ao conseguir captar sua normatividade plena, e não apenas àquilo que pode ser extraído da leitura literal do seu texto.


    Nessa esteira, a equidade, em sentido aristotélico, corresponde à técnica de aplicação do direito em que se afasta de determinados casos – considerados excepcionais ou anormais – a incidência da regulação prevista no texto da lei pelo simples fato de a generalidade e a abstração contidas nos enunciados legais não darem conta nem se afeiçoarem às particularidades daqueles casos concretos marcados precisamente pela sua excepcionalidade e anormalidade. Assim, estando-se diante de situação particular anormal, excepcional ou que simplesmente foge do padrão de comportamento que, razoavelmente, havia sido projetado pelo legislador ao positivar a regulação de determinada conduta, mostra-se “injusto” (i.e., inadequado ou irrazoável) aplicar o padrão normativo genérico previsto na lei, o qual foi editado para reger condutas esperadas, previsíveis e médias. O


    image

  13. Conforme se verá no tópico 4 deste artigo, na doutrina brasileira contemporânea, Humberto Ávila revitalizou o conceito de equidade por meio dos seus “postulados normativos da razoabilidade” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 121).


  14. AQUINO, Tomás de. Commentary on Aristotle’s Nicomachean Ethics. Estados Unidos da América: Dumb Ox Books, 1993. p. 343.


    caso excepcional, portanto, nas palavras de Lamas, “escapa da intenção regulativa do legislador”15. Com efeito, a técnica da equidade, seguindo Aristóteles, representa um tipo de aplicação justa da lei, funcionando como um critério diretivo na sua interpretação e aplicação, sendo uma espécie de corretor da lei em certos casos especiais16. E tais casos especiais se manifestam a partir de um “defeito” que a lei poderá apresentar, falha essa que não pode ser atribuída nem a um vício do legislador nem a um erro no procedimento de elaboração do dispositivo legal, o que poderia comprometer a sua validade geral e abstrata (rectius, o seu fundamento de constitucionalidade). Em verdade, esse tipo de “defeito” não é casual, mas sim inerente à própria natureza da lei, assim como à natureza das coisas e à natureza da ação humana em geral17. Cabe esclarecer esse ponto.


    O referido “defeito” é derivado da linguagem geral e abstrata que é típica de ser usada pelo legislador, de modo que as previsões legislativas são naturalmente pensadas para darem conta das situações de normalidade e das ocorrências que possam ser consideradas usuais e prováveis. Ocorre que as ações humanas são essencialmente particulares e contingentes, jamais sendo possível prever de antemão todas as suas possíveis concretizações, já que o ser humano pode agir de modo infinitamente diferente. O legislador, portanto, não por sua ignorância nem por sua má-fé, é incapaz de compreender todos os futuros contingentes que a nossa realidade social apresentará18. Exatamente por isso representa um grave erro de aplicação do direito fazer incidir a lei – que foi projetada para regular casos normais e ordinários – nas situações particulares consideradas anormais e extraordinárias.


    A equidade, desse modo, deve ser um remédio diretivo e corretivo da lei, na medida em que a lei somente dá conta daquilo que se poderia esperar da capacidade deliberativa e imaginativa do legislador. Todo o restante das ocorrências possíveis não usuais, excepcionais, acidentais ou inimagináveis não merecem receber a medida formal que foi prevista no passado pelo legislador19.


    image


  15. LAMAS, Felix Adolfo. La experiencia jurídica. Argentina: Instituto de Estudios Filosóficos Santo Tomás de Aquino, 1991. p. 430.


  16. “E essa é a natureza do equitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade. E, mesmo, é esse o motivo por que nem todas as coisas são determinadas pela lei: em torno de algumas é impossível legislar, de modo que se faz necessário um decreto” (ARISTÓTELES. Nichomachean Ethics (1137b19-26). In: _ The complete works of Aristotle. Edição de Jonathan Barnes. Estados Unidos da América: Princeton University Press, 1995. v. 1 e 2. p. 1795-6). Para as traduções ao português, vide ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro V, capítulo 10. 4. ed. Brasília: UnB, 2001.


  17. AQUINO, Tomás de. Commentary on Aristotle’s Nicomachean Ethics. Estados Unidos da América: Dumb Ox Books, 1993. p. 344.


  18. “A razão disto é que toda lei é universal, mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta. Nos casos, pois, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei considera o caso mais usual, se bem que não ignore a possibilidade de erro. E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto, pois o erro não está na lei, nem no legislador, mas na natureza da própria coisa, já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza” (ARISTÓTELES. Nichomachean Ethics (1137b12-20). In: _ The Complete Works of Aristotle. Edição de Jonathan Barnes. Estados Unidos da América: Princeton University Press, 1995. v. 1 e 2. p. 1795).


  19. “Vê-se imediatamente que o apelo à equidade [...] será mais frequente nas épocas de transição, em que certa escala de valores está sendo

    substituída por outra” (PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 40).


    Cabe ressaltar, porém, que os juízos de equidade que se prestam “a corrigir a lei” não devem ser aplicados por cada indivíduo em qualquer circunstância que estes possam entender como relevante. Essa observação é fundamental para se evitar o risco de subjetivismos e arbitrariedades no uso abusivo desse importante instrumento jurídico. Na verdade, o corretor da lei que é a equidade pressupõe que essa avaliação seja promovida apenas perante a instituição pública adequada, de modo a garantir aos juízos equitativos um mínimo de controlabilidade social. Portanto, será o juiz20 diante do caso submetido ao seu julgamento que deverá avaliar a situação concreta e nela identificar a presença de elementos particulares de anormalidade e excepcionalidade, assim fundamentando, expressa e publicamente, a necessidade de se afastar daquele caso concreto específico a incidência do que está previsto no texto da lei, demonstrando, por argumentos que abertamente explorem os elementos próprios daquele contexto, por que a aplicação literal da lei será irrazoável ou excessiva. Será, pois, a deliberação judicial que permitirá o afastamento ocasional do parâmetro contido no texto legislado, devendo o magistrado assumir o ônus argumentativo de ilustrar as razões que justificam “corrigir” excepcionalmente a lei, já que aplicá-la naquele caso representaria uma espécie de “punição” ao seu destinatário, o qual não merece receber toda a “dureza” do texto frio e insensível da lei que não atenta para aquele cenário excepcional21. Nesse sentido, a equidade poderá assumir duas funções distintas, mas não excludentes: a já referida função de correção (aequitas como correctio legis), mas também a função de mitigação (aequitas como mitigatio juris)22, a qual serve precisamente para minorar efeitos colaterais nefastos que surgem quando da aplicação acrítica e imponderada da lei diante de circunstância anormal e de exceção, efeitos esses que jamais poderiam ter sido desejados pelo legislador. Exatamente por isso, aquele juiz que invariavelmente se atém à aplicação literal da lei, não obstante a sua evidente injustiça e excessividade diante de situações excepcionais e anormais, é chamado, no grego, de acribodikaios (ακριβοδικαίος)23. Assim, nas situações concretas em que a literalidade da lei aplicada a caso anormal pode representar uma espécie de “punição” ao seu destinatário, a equidade deve ser vista como o remédio justo que mitiga os efeitos negativos da lei dentro desses contextos excepcionais, reformatando



    image


  20. “O recurso à equidade é, pois, um recurso ao juiz contra a lei; apela-se ao seu senso de equidade quando a lei, aplicada rigorosamente, em conformidade com a regra de justiça, ou quando o precedente, seguido à letra, conduzem a consequências iníquas” (PERELMAN, Chaïm. Op. cit., p. 163).


  21. É por essa razão que a equidade também é definida no direito romano como “interpretação benigna da lei”, conceito esse que, muitas vezes, acarreta leituras exageradas e inflacionadas acerca dos juízos de equidade. Aqui, portanto, entendemos que essa definição deve ser evitada. Vide sobre o ponto Riley: “… aeaų itas in Roman Law is taken to mean a benign interpretation of law” (RILEY, Lawrence Joseph. The history, the nature and use of epikeia in moral theology. Estados Unidos da América: The Catholic University of America Press, 1948. p. 16).


  22. RILEY, Lawrence Joseph. The history, the nature and use of epikeia in moral theology. Estados Unidos da América: The Catholic University of America Press, 1948. p. 31.


  23. “Il giudice, pertanto, che aplica la lettera della legge è acribodikaios (ακριβοδικαίος), vale a dire, non è giudice retto. Giudice retto è solo colui che non transforma la legge in strumento di punizione fine a se stesso” (DONATI, Alberto. Op. cit., p. 132). Vide, ainda, AQUINO, Tomás de. Commentary on Aristotle’s Nicomachean Ethics. Estados Unidos da América: Dumb Ox Books, 1993. p. 345.


    o seu teor para, uma vez computadas todas as variáveis, elevá-la ao seu sentido normativo mais pleno24.


    Um sentido de equidade diametralmente oposto àquele defendido pela tradição aristotélica, mas que encontra perfeitamente ressonância na figura do Juiz acima qualificado como acribodikaios, é aquele sustentado como correto por Kant em sua Metafísica dos costumes25. Para ele, sendo evidente que o direito corresponde a fenômeno marcado pela faculdade de coagir alguém a atender determinada pretensão, de acordo com uma lei universal da liberdade, a equidade não deve, propriamente, ter espaço de aplicação dentro do direito26. Exatamente por isso, Kant discorre sobre a equidade (Billigkeit) dentro do tópico que ele qualifica como sendo “direito equívoco” (ius aequivocum), o qual, não sendo propriamente um direito, já que desprovido de capacidade de coagir alguém a algo, seria, na verdade, marcado pela ambiguidade, indicando, assim, uma espécie de pretensão jurídica “duvidosa” em relação à qual inexistiria juiz competente para lhe dar guarida e reconhecimento27. Portanto, em todos os casos que envolvessem a invocação de equidade, faltariam condições objetivas para um juiz determinar o que seria devido ao suposto lesionado que estivesse em busca de proteção jurídica, uma vez que a sua pretensão não estaria expressamente prevista na lei ou no contrato. Assim, as eventuais reclamações pautadas em equidade – “uma divindade muda que não pode ser ouvida”28, segundo Kant – somente poderiam ser apresentadas perante o “tribunal da consciência” (Gewissensgericht), mas jamais perante o direito civil (bürgerliche Recht). Um dos exemplos paradigmáticos dados por Kant para provar seu argumento é esclarecedor e, ao mesmo tempo, chocante, principalmente se fosse, hoje, defendido por alguém como a medida jurídica razoável a ser adotada nesses casos. Para o filósofo de Königsberg, um empregado que tivesse assinado contrato de trabalho com previsão de remuneração a ser paga anualmente, e esta, ao final do período de um ano de trabalho, tivesse sido corroída por força da inflação no seu valor real, não poderia reclamar da injustiça cometida perante nenhum tribunal, pois o pacto firmado nada teria estipulado quanto à atualização monetária29.


    Como se vê, portanto, para o filósofo, que é certamente uma das principais fontes de inspiração na formação do pensamento jurídico contemporâneo e que, sem dúvida, pode


    image

  24. “... the radical justice of equity (aequitas, epieikeia) which departs from the common rule in its common (usual) meaning in order to uphold the rule in its true sense all things considered” (FINNIS, John. Aquinas. Estados Unidos da América: Oxford University Press, 2004. p. 216).


  25. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Alemanha: Suhrkamp, 1977.


  26. Ibidem, p. 338.


  27. KANT, Immanuel. Op. cit., p. 341.


  28. “... eine stumme Gottheit, die nicht gehöret werden kann” (ibidem, p. 342).


  29. Ibidem, p. 342.


    ser visto como um dos pais fundadores do formalismo e do normativismo no direito, a equidade não passa de um equívoco, uma pretensão ambígua que deve ser rechaçada por qualquer tribunal, de modo que ao Judiciário caberia apenas identificar qual o direito positivo vigente, garantindo a sua aplicação incondicional e categórica, independentemente de qualquer contextualização ou ponderação.


    É precisamente essa postura que pode ser identificada em alguns julgados recentes em matéria tributária, nos quais a pandemia da Covid-19 e a decretação de calamidade pública foram invocadas como razão necessária para a flexibilização de determinados institutos jurídico-tributários, como, por exemplo, a moratória tributária, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o cumprimento de determinadas obrigações acessórias e a possibilidade de compensação antes do trânsito em julgado.


    Nesses julgados30, que inconscientemente seguem a compreensão kantiana de equidade, os argumentos jurídicos utilizados pelos decisores se ordenam principalmente em torno de quatro fundamentos básicos, quais sejam:


    1. o texto da lei tributária em vigor já impede categoricamente a pretensão jurídica do contribuinte, razão pela qual nada pode ser reclamado perante o tribunal, pois – para bem ou para mal – esse é direito positivo vigente;

    2. a lei tributária específica não contém regulação especial nem regra de exceção para o caso concreto da pandemia da Covid-19, de modo que nada pode ser feito por parte do Poder Judiciário, sob pena de estar ele usurpando a função do Poder Legislativo e violando o princípio da separação dos poderes;

    3. caso sejam ponderados os efeitos e as consequências anormais da decretação da calamidade pública na vida empresarial do contribuinte, afastando-se desse caso excepcional determinados requisitos da lei tributária, estar-se-á criando espécie de privilégio a um indivíduo; e

    4. caso seja concedido “privilégio” a um contribuinte, estar-se-á abrindo a porta para todos também pleitearem a seu favor idêntica vantagem arbitrária, o que gerará um efeito multiplicador no ajuizamento em massa de outras ações judiciais, provocando, por sua vez, abalo sistêmico e caos institucional generalizado.


      Sem ter qualquer intenção de desrespeitar os julgadores que proferem tais decisões nem defender que todas as pretensões dessa natureza devam ser automaticamente acolhidas, cabe aqui analisar e demonstrar em que medida tal tipo de argumentação assume o pensamento kantiano acerca da obediência categórica da lei e do desprezo que se deve ter em relação a juízos de equidade. E para iniciar tal análise, cabe aqui resgatar alguns


      image


  30. Com fins meramente ilustrativos, cabe mencionar os seguintes precedentes: TJSP, AI 2070690-25.2020.8.26.0000, Des. Aroldo Viotti, 20.04.2020, TJSP, SL 2066138-17.2020.8.26.0000, Des. Geraldo Franco, 08.04.2020, TRF4, AI 50011786-06.2020.4.04.0000/PR, Des. Fed. Roger Raupp Rios, 25.03.2020; TRF4, AI 5012948-36.2020.4.04.0000/RS, Des. Fed. Rômulo Pizzolati, 26.03.2020.


    elementos do paradigma teórico – de matriz kantiana e, posteriormente, positivista – que serviu de base para a estruturação do direito tributário brasileiro quando da sua fundação

    – enquanto pretensa ciência jurídica – e quando dos seus primeiros passos, principalmente no que se refere aos seus pressupostos formalistas e legalistas, os quais aparentemente estão sendo revigorados, com força, neste período de crise pandêmica.


    1. O PARADIGMA FORMALISTA E LEGALISTA DO DIREITO TRIBUTÁRIO E A INAFASTABILIDADE DE JUÍZOS EQUITATIVOS EM CASOS EXTREMOS

      Desde os bancos da faculdade, os estudantes que recebem as primeiras lições de direito tributário aprendem que essa área jurídica somente pode ser compreendida e praticada se forem seguidas, com máximo rigor, as noções de legalidade estrita, tipicidade fechada, interpretação restritiva, desconsideração das consequências econômicas da tributação etc. Assim, de certo modo, está implantado no DNA de todo tributarista (ao menos no Brasil) um tipo de pensamento naturalmente inclinado ao formalismo e ao normativismo31, pressupondo que o direito tributário somente será dotado de alguma objetividade e controlabilidade se a resolução dos conflitos surgidos nesse campo jurídico depender exclusivamente daquilo que puder ser extraído do texto expresso da lei tributária em vigor. Por isso, assume-se muitas vezes como evidente que toda e qualquer deliberação judicial envolvendo matéria tributária deve ser inflexível à ponderação dos efeitos políticos, sociais e econômicos que a incidência e a cobrança de tributos poderão gerar, seja em termos gerais, seja em termos particulares.


      Mesmo que nenhum paradigma teórico seja desenvolvido e fixado por apenas uma pessoa, não seria equivocado apontar um nome como sendo aquele principal responsável pela formulação dessa propedêutica que se mostra tão influente no pensamento jurídico- tributário brasileiro. Sem risco de exagerar, Alfredo Augusto Becker pode ser considerado aquele jurista que veio a costurar tão profundamente no campo tributário os pressupostos do formalismo e do normativismo. O seu Teoria Geral do Direito Tributário32 pode ser lido como um esforço para se constituir uma ciência pura do direito tributário pautada precisamente em torno do ideário do formalismo kantiano e do positivismo kelseniano. Para Becker, na metade do século passado, os profissionais da área tributária estariam sofrendo de uma patologia intelectual, o que justificaria o diagnóstico de estarmos vivendo em um “manicômio jurídico tributário”33. Por isso, a “terapêutica” que poderia modificar essa “atitude mental”34 exigiria uma brusca mudança de postura por parte do aplicador do


      image

  31. Sobre o ponto, vide o nosso FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin , 2016. p. 193-285.


  32. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998.


  33. Ibidem, p. 6.


  34. Ibidem, p. 53.


    direito tributário, o qual deveria assumir uma perspectiva puramente “científica” diante do fenômeno jurídico, sendo “científico” aqui definido por meio da compreensão exclusiva dos elementos estruturais da norma tributária produzida conforme o seu procedimento formal de feitura. Portanto, de acordo com a visão que, em grande medida, fundou a dogmática tributária brasileira, inexistiria qualquer elemento de objetividade ou racionalidade que pudesse ser anterior ao direito positivo vigente35, na medida em que o intérprete da lei tributária deveria dedicar-se, exclusivamente, ao “estudo da estrutura lógica e da atuação dinâmica da regra jurídica”, atividade essa que poderia ser resumida em duas etapas, quais sejam: “a) em analisar o fenômeno da criação do instrumento (regra jurídica)...;” e “b) em analisar a consistência do instrumento (regra jurídica) e o fenômeno de sua atuação”36.


    De outro lado, esse processo ideal de purificação do direito tributário37 exigiria que fossem sumariamente excluídos do campo de análise do “jurista” todos os aspectos da realidade que não estivessem presentes, formalmente, na lei tributária, impondo, assim, fosse tratado como invisível ou como irrelevante tudo aquilo que Becker considerava “pré-jurídico” e, portanto, ilegítimo de ser invocado ou reconhecido dentro do campo de deliberação científica do profissional do direito tributário. E nessa seara de cognição, encontraríamos os elementos da ciência das finanças, os fundamentos de política fiscal que poderia ter sido adotada pelo legislador, os efeitos sociais e econômicos da tributação etc.38. Tais elementos, para Becker, seriam invariavelmente oscilantes e contingentes, de modo que jamais poderiam ser controlados nem adequadamente conhecidos por nenhum operador do direito. Portanto, de acordo com essa matriz de pensamento que tanta influência exerce ainda hoje em nossa prática tributária, especulações teóricas que se escorem em tais considerações econômicas, políticas e axiológicas levariam, invariavelmente, o aplicador do direito a desenvolver tão somente raciocínios pseudojurídicos, os quais acabariam por gerar uma “conclusão invertebrada e de borracha que se molda e adapta ao caso concreto segundo o critério pessoal (arbítrio) do intérprete do direito positivo (regra jurídica)”39. E essa tentativa de fechamento completo a qualquer tipo de influência externa àquilo que já estaria presente no texto legislado carrega uma bandeira que nos apresenta uma promessa, sem dúvida alguma, valorosa, qual seja: a necessária desconsideração de todos esses aspectos “pseudojurídicos” é o preço que temos que pagar para termos segurança, estabilidade e um mínimo de tratamento igualitário de todos os indivíduos perante a lei. Portanto, para garantirmos alguma normalidade jurídica e alguma previsibilidade nas


    image

  35. “O Direito converte-se em ciência somente depois de elaborado...” (ibidem, p. 53).


36 Ibidem, p. 16-21.


  1. “... o crítico deve, antes de tudo, compreender a obra e depois livrá-la dos erros a fim de purificá-la e, com isso, a tarefa de purificação da

    ciência jurídica” (ibidem, p. 20).


  2. “O maior equívoco no Direito tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e conceitos pré-jurídicos (econômicos,

    financeiros, políticos, sociais, etc.)” (ibidem, p. 40).


  3. Ibidem, p. 40.


    expectativas daqueles que desejam viver em uma sociedade bem ordenada (i.e., plenamente financiada com recursos públicos suficientes), será necessário descartarmos todos esses elementos das nossas deliberações tributárias, de modo que os contribuintes que tenham pretensões que não estejam já captadas pelo texto do direito positivo não merecerão ser efetivamente ouvidos.


    Como se vê, portanto, é precisamente dentro dessa moldura epistêmica que se fundamenta o estilo de argumentação que vem sendo utilizado por muitos órgãos julgadores nas disputas tributárias em que a crise da Covid-19 é invocada como fator de convencimento. Nesses casos, busca-se demonstrar estar-se diante de situação extrema dentro do já excepcional cenário pandêmico, na qual determinada empresa está sendo mais gravemente afetada pelas decretações de calamidade pública do que outras (e.g., em risco de causar imediatamente demissões em massa, solicitar recuperação judicial ou decretar falência etc.), motivo pelo qual necessita de um auxílio emergencial a ser concedido pelo Judiciário, não pautado no que está no texto da Lei, mas sim naquilo que, tendo inegável guarida nos princípios constitucionais mais amplos, deve ser reconhecido como sendo a normatividade mais plena e razoável do direito que a todos deve proteger na sua máxima extensão possível.


    Portanto, os quatro tipos de argumentos que antes foram elencados como sendo os principais fundamentos de rejeição de pedidos desse estilo por parte do Poder Judiciário40 acabam não só revigorando, sem ressalvas, o paradigma tributário do formalismo e do normativismo, como também acabam excluindo por completo qualquer participação que os juízos de equidade possam exercer no campo do direito tributário.

    Em certo sentido, essa rejeição categórica à equidade é compreensível e poderia ser justificada pelo fato de essa ferramenta jurídica de uso extraordinário ter recebido regulação legislativa bastante tímida no campo do direito tributário brasileiro, o que se vê pela única vez que recebeu referência no Código Tributário Nacional, dentre os instrumentos de integração da legislação tributária, sendo, pois, tratada apenas no seu art. 108, in verbis:


    “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar

    a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: [...]


    image

  4. Podemos, analiticamente, denominar de (i) argumento legalista aquele da aplicação incondicional da lei tributária; (ii) argumento institucionalista o da separação de poderes que impede a criação de hipóteses de exceção não positivadas pelo Legislativo, mesmo diante de casos extremos; (iii) argumento isonômico o que pretende impedir que alguns contribuintes recebam “privilégios” judiciais, em prejuízo de outros em mesma situação; e (iv) argumento consequencialista ad terrorem aquele segundo o qual, se um caso extremo for protegido, todos poderão invariavelmente pleitear o mesmo, causando, por efeito cumulativo, bloqueio em todos os sistemas de proteção. O último argumento aqui referido, de pronto, já se identifica como falacioso por incorrer em discurso ad terrorem, o qual projeta consequência terrível, mas que não é nem pode ser efetivamente comprovada, até porque as contingências futuras, no atual contexto de pandemia global, são imprevisíveis e incomensuráveis. Além disso, se pensado em termos morais, soa inadequado rejeitar a proteção mínima a alguém em extrema necessidade hoje (mesmo que seja uma empresa), ao argumento de que outros poderão sofrer do mesmo mal amanhã.


    IV – a equidade.

    [...] § 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de

    tributo devido”.


    No entanto, essa constatação – que não espanta precisamente por causa da influência do modelo formalista e normativista que iniciou esta crítica – não poderia levar ao tipo de conclusão que aparentemente vem sendo adotada nos casos judiciais aqui já mencionados. E são variados os motivos para tanto.


    Primeiramente, não se poderia deixar de mencionar – caso seguíssemos apenas a lógica do formalismo normativista que inspira a intuição básica dos tributaristas – que o CTN jamais afastou desse campo do direito a possibilidade de uso da equidade. Na verdade, o CTN expressamente permitiu – em leitura a contrario sensu – que essa técnica excepcional pudesse ser utilizada em todos os casos tributários, desde que, ao final, não se pretendesse simplesmente deixar de pagar determinado tributo considerado exagerado, tendo em vista o previsto na lei. De acordo com essa interpretação, a equidade mostrar-se-ia perfeitamente compatível com pleitos extraordinários provocados pela pandemia da Covid-19, envolvendo suspensão do crédito tributário, trocas de garantias em execuções fiscais, liberação de depósitos judiciais do contribuinte antes do trânsito em julgado, prorrogação de prazo para cumprimento de obrigações acessórias e reconhecimento do direito excepcional de ter ressarcimento antecipado de indébitos já reconhecidos pelo Poder Judiciário em decisões vinculantes e de eficácia erga omnes.


    Nesse ponto, porém, ainda seria necessário superarmos a parte do art. 108 que prevê que a equidade somente poderia ser utilizada na “ausência de disposição expressa”, o que poderia ser lido como proibição total do uso de juízo equitativo nos casos em que, de antemão, já houvesse regulação expressa em dispositivo legal da matéria jurídica disputada. Esse excerto do art. 108, sem dúvida, é problemático, pois, se compreendido dessa forma, estará incorrendo em evidente oxímoro, uma contradição em termos, na medida em que, conceitualmente, como se viu no tópico anterior, a equidade é precisamente o tipo de raciocínio do qual se deve valer o juiz nos casos em que haja, sim, texto expresso de lei (e, portanto, não se trata de ausência de disposição legal vigente), mas este não possa ser aplicado em um caso excepcional, exatamente por causa da irrazoabilidade ou desproporção dos seus termos diante desse cenário extremo de anormalidade. Como se vê, portanto, essa leitura do caput do art. 108 simplesmente não compreende o significado do termo “equidade”. Com efeito, uma leitura que preserve algum sentido plausível para o referido art. 108 será aquela que reconheça que somente não se permitirá a invocação de equidade naquelas hipóteses em que haja disposição legal expressa proibindo o seu uso, tal como foi já realizado pelo próprio § 2º do mesmo artigo41.


    image


  5. Outro exemplo que ilustra esse ponto – mas fora do direito tributário – pode ser encontrado no atual art. 85 e parágrafos do CPC de 2015,


    Mesmo que assim não fosse, e tivesse o CTN realmente proibido categoricamente o uso de equidade em matéria tributária, deveríamos reconhecer que tal proibição acabaria sendo inócua naqueles casos efetivamente extremados, exagerados e manifestamente agressivos ao senso comum. Isso porque a equidade representa instituto jurídico perene e constitutivo do próprio fenômeno jurídico, sendo impossível afastá-la, por completo, da prática do direito. Assim, não importando a força com que o legislador se dedicasse a enterrá-la ou o grau de descrença que se pudesse ter em relação a determinado órgão de aplicação do direito, a equidade acabaria, em algum momento, retornando como forma de apaziguamento de determinado conflito particular dotado de contornos extraordinários, para o qual a aplicação da lei positiva será iníqua.


    Na verdade, essa constatação apenas mostra que não há um antagonismo real entre o respeito à forma da lei e a necessidade de aplicação excepcional de juízos de equidade. Conforme bem destaca Perelman, a equidade, sendo espécie de “muleta da justiça”, funciona como “complemento indispensável da justiça formal [fornecida pelo texto da lei], todas as vezes que a aplicação desta se mostra impossível”42. E precisamente para ilustrar como os juízos de equidade são simplesmente inafastáveis da prática jurídica, por maior que seja a nossa tendência formalista e legalista na aplicação do direito ou por mais rigorosa que tenha sido a intenção do legislador na aplicação da lei, Perelman relata curioso caso ocorrido perante os tribunais ingleses do início do século XIX, quando se viram diante de lei penal que estipulava pena de morte para aqueles que tivessem cometido o crime de “grand larceny43. Nesses casos, de acordo com aquele tipo legal, estaria caracterizado o crime sempre que alguém tivesse praticado roubo de qualquer valor igual ou superior a 40 xelins. Ocorre que os julgadores ingleses, diante das situações extremas que tal condenação poderia gerar em casos de absoluta iniquidade, passaram a avaliar os objetos que haviam sido roubados no montante de 39 xelins, evitando, por ficção, a incidência da lei penal. Assim, se alguém roubasse uma galinha, ela seria avaliada pela Corte em 39 xelins; se alguém roubasse uma bicicleta, ela seria avaliada pela Corte em 39 xelins; e assim por diante em todos casos considerados de exceção. Ocorre que, em determinada ocasião, um indivíduo foi processado pelo roubo de 10 libras (equivalente a 200 xelins), de modo que, nesse caso particular, o tribunal inglês avaliou o montante roubado também em 39 xelins(!), afastando, por meio de juízo de equidade, a aplicação daquela condenação que seria irrazoável e incompatível com o senso de justiça compartilhado por aqueles julgadores, mesmo que isso correspondesse a afastar o texto positivo da lei vigente daquela situação de exceção.



    image


    o qual, em comparação com o texto do art. 20 do antigo CPC, veio a afastar a possibilidade de juízos de equidade por parte do Juiz nas fixações de honorários de sucumbência nas condenações contra a Fazenda Pública.


  6. PERELMAN, Chaïm. Op. cit., p. 36.


  7. Ibidem, p. 618.


    É, pois, a dimensão inafastável da equidade que impõe ao aplicador do direito compreender que a lei, produzida, em regra, durante períodos de estabilidade para regular aqueles contextos considerados normais e previsíveis, não representa o instrumento jurídico razoável a prevalecer em todos os casos anormais que possam surgir em momentos futuros de absoluta excepcionalidade. Portanto, o antes denominado argumento legalista não chega a enfrentar o problema em pauta, mas apenas rejeita, como um todo, a presença da equidade no universo jurídico-tributário, presumindo – em equívoco – que o direito que deve regular as relações sociais em períodos de normalidade é idêntico àquele a ser aplicado em cenários de grave instabilidade.

    Por isso, aquele juiz (antes denominado acribodikaios) que, diante de situações de exceção, simplesmente transcreve em sua decisão o texto impresso no código, reproduzindo a literalidade da lei como suposta conclusão evidente para sua deliberação judicial, comete uma espécie de desonestidade intelectual, não agindo com transparência argumentativa. Isso porque compreende ele o caso excepcional e fora do comum como se fosse de perfeita normalidade, como se o conteúdo normativo geral e abstrato da lei, projetado para resolver a maioria dos casos – i.e., manifestados em cenários de estabilidade jurídica, política e social

    –, pudesse ser invocado como a medida adequada para todas as situações particulares captadas pela linguagem universal da lei, como se fosse um remédio único para todo tipo de mal-estar. E tal atitude acaba fechando-se para qualquer contra-argumento que vá além da compreensão literal de textos, tratando o seu interlocutor, nesse debate jurídico, como se ele não tivesse conhecimento do que está escrito na lei ou, ainda, como se não tivesse capacidade cognitiva para ler o teor daquilo que foi posto e legislado. Portanto, tal atitude menospreza a deliberação acerca dos argumentos extratextuais que são pertinentes diante de casos extremos e excepcionais, pois despreza as saliências concretas e contingentes que contextos de exceção apresentam, tratando-as como invisíveis ou, ainda pior, como se todas as infinitas situações extraordinárias que poderiam ocorrer já tivessem sido consideradas e resolvidas, no passado, pelo legislador, quando da escolha das palavras que dariam forma à lei. Essa obtusa atitude jurisdicional age como se a forma da lei fosse argumento non plus ultra para qualquer tipo de contexto futuro de sua aplicação. Nesses casos em que há pedido para apreciação equitativa por parte do Julgador, o mínimo que se pode exigir dele, caso pretenda resolver tal disputa mediante simples invocação do texto de lei, é a demonstração das razões que afastariam a caracterização de um cenário extraordinário, indicando por que, em sua visão, está-se diante de absoluta normalidade institucional.

    Além disso, quanto ao argumento chamado aqui de institucional, em que se invoca a separação de poderes para impedir qualquer flexibilização no texto da lei, também deve-se reconhecer que há uma falha na compreensão acerca do funcionamento da equidade, na medida em que é da sua exata natureza permitir que o juiz atue sobre o texto da lei vigente, de modo a “... evitar consequências iníquas”, permitindo que ele dê “nova interpretação à lei,


    a modificar as condições de sua aplicação”44. Portanto, o rejeitar uma pretensão que se comprova emergencial diante de contexto extremo apenas com base na invocação de que cabe ao Poder Legislativo definir o conteúdo específico do direito tributário representa mais uma vez tentativa de negar sentido à função própria da equidade45.


    Com efeito, o Judiciário, ao fechar hermeticamente as suas portas diante de qualquer pretensão particular que demonstre, por meio de provas concretas46, que os efeitos da pandemia da Covid-19 serão mortais e irreparáveis naquele caso concreto, acabará, ao final, por sua omissão, criando uma espécie de ato legislativo, ou seja, uma norma geral e abstrata que anuncia a todos (daqueles que estão sofrendo restrições mais amenas em suas liberdades até aqueles que estão sendo agressivamente afetados pela calamidade pública) que se encontram à própria sorte no que se refere às suas pretensões individuais de sobrevivência e que o seu perecimento (individual ou empresarial) é mais uma triste fatalidade desta crise, a qual deverá ser coletivamente assumida, tal como ocorre em qualquer desastre natural.


    No entanto, essa “lei do descaso” acaba, no final das contas, criando situações concretas de injustiça que se mostrarão irreparáveis. E essa atitude jurisdicional, por sua vez, mesmo que tenha tido a intenção de garantir igualdade de tratamento de todos perante a lei, provocará, no plano do individual e concreto, tratamento anti-isonômico entre aqueles afetados de modo mais singelo pela calamidade pública e aqueles que estão sendo intensamente lesados por ela. Não obstante esteja a pandemia da Covid-19 atingindo a todos, não se pode dizer nem presumir que a integralidade dos contribuintes brasileiros foi, de fato, afetada na mesma intensidade e extensão, até porque muitos setores considerados essenciais continuam em funcionamento, de modo que as suas atividades, mesmo que não estejam em patamar de plena regularidade, encontram-se, sim, dentro de padrões de aceitável normalidade. Além disso, também será exagero pressupor que todas as empresas estão na iminência de imediata falência a contar do dia em que publicado o Decreto de Calamidade Pública47. Muitas atividades empresariais (possivelmente a maioria) estão


    image

  8. PERELMAN, Chaïm. Op. cit., p. 166.


  9. O argumento institucional veio a ser analisado por Perelman, com certa ironia, nos seguintes termos: “Nessa concepção, o juiz não se atém a aplicar a lei, mas vale-se dela para estear seu sentimento de equidade, que escutará acima de tudo quando a lei é obscura ou incompleta. (...) Poucas pessoas contestarão a legitimidade do ponto de vista que transcende o direito positivo, mas grande número de juristas, alegando a separação de poderes, vedarão ao juiz invocá-la, salvo em casos excepcionais, e exigirão que se deixe ao legislador o cuidado de votar leis impregnadas do sentimento de justiça” (ibidem, p. 73).


  10. Novamente Perelman ressalta com precisão que o “... o recurso à equidade só é permitido quando a lei parece manca”, de modo que “esse fato não se presume...”, mas exige demonstração concreta por parte daquele que recorre a esse tipo de súplica perante o Juiz (ibidem, p. 163). Em parte, esse entendimento acabou sendo adotado no AI 5003596-11.2020.4.02.0000/RJ (TRF2, Des. Fed. Marcus Abraham, 17.04.2020), quando o Relator afirma que “tal atuação deve se dar de forma excepcional, caso a caso, e mesmo assim quando ficar efetivamente demonstrado o abalo financeiro, com risco concreto à subsistência da empresa, à manutenção de empregos e à própria continuidade da prestação do serviço e/ou fornecimento de bens, devendo o interessado comprovar tratar-se de micro ou pequena empresa, que não está demitindo funcionários e que possui histórico de cumprimento dos deveres tributários, não sendo devedor contumaz...”.


  11. Entendemos, portanto, que as pretensões tributárias aqui sendo analisadas não poderão ser levadas e discutidas perante o Poder Judiciário por meio de ações judiciais coletivas, ingressadas por entidades que representam setores econômicos inteiros ou grupos ilimitados de contribuintes. Esse tipo de instrumento processual – dada a abrangência dos efeitos gerais que pretende produzir – mostra-


    conseguindo se adaptar, dentro dos limites do possível, e conseguirão sobreviver ao cenário econômico catastrófico que se aproxima. Isso, porém, jamais poderia levar o Poder Judiciário a concluir categoricamente – e com certa indiferença às particularidades de cada caso – que todos estarão em situações suportáveis, de modo que os efeitos gerados pela medida estatal sanitária tomada para combater a calamidade pública (de evidente relevância) deve ser deixada sem qualquer alteração de percurso, correndo o seu fluxo natural, independentemente das suas consequências mais agressivas em determinados casos individuais.

    Por isso, rebatendo o antes denominado argumento isonômico, podemos novamente recorrer às lições de Perelman, segundo o qual a equidade representa também um instrumento jurídico de efetivação da isonomia, pois ela “tende a diminuir a desigualdade quando o estabelecimento de uma igualdade perfeita, de uma justiça formal, é tornado impossível pelo fato de se levar em conta, simultaneamente, duas ou várias características essenciais que vêm entrar em choque em certos casos de aplicação”48.


    1. A RELEVÂNCIA ATUAL DOS JUÍZOS DE EQUIDADE ENQUANTO POSTULADO NORMATIVO DA RAZOABILIDADE

    Aos que possam entender que seja antiquada ou ultrapassada a tentativa de invocação de juízos de equidade nos dias atuais, uma vez que a matriz teórica aqui citada não apenas remonta à Antiguidade, mas mostra-se distinta do formalismo normativista que fundou as bases do direito tributário, imperativo demonstrar que esse instrumento de aplicação do direito está perfeitamente alinhado com uma das mais avançadas e complexas teorias da norma jurídica desenvolvidas no direito contemporâneo, a qual é aceita, sem maiores ressalvas, tanto por parte expressiva da doutrina, como por parte dos tribunais, sendo, inclusive, adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, vejamos.


    Conforme já visto, as leis que compõem o ordenamento jurídico, em grande parte, são produzidas considerando um quadro de normalidade social49, de modo que a reconstrução do sentido das normas jurídicas que são extraídas dos dispositivos legais vigentes estabelecem diretrizes para a identificação dos direitos e das obrigações que deverão ser respeitados em um cenário de estabilidade institucional, sendo esse critério normativo ordinário aquele a prevalecer na regulação das atividades dos agentes que compõem a


    image


    se simplesmente incompatível com os juízos de equidade que aqui se entende sejam necessários, pois, nesse rito, será impossív el demonstrar os elementos casuísticos extremados que fundamentam a necessidade de tratamento excepcional diante da lei. Por isso, nesse particular, mostra-se correta e prudente a decisão adotada no AI 5012384-57.2020.4.04.0000/RS (TRF4, Des. Fed. Roger Raupp Rios, 20.04.2020).


  12. Ibidem, p. 37.


  13. Ressalvadas, por certo, as leis especiais que chegam a ser editadas em regime emergencial precisamente para disciplinar situações extraordinárias, como são exemplos as Medidas Provisórias ns. 926, 927 e 928/2020, publicadas para contribuir para o cenário pandêmico da Covid-19.


    sociedade como um todo. Portanto, as regras jurídicas que podem ser reconstruídas a partir do conteúdo de significação presente nos textos das leis projetam uma normatividade imediata que impõe obediência a todos os seus destinatários nos contextos que possam ser considerados habituais e de normalidade, exigindo, assim, cumprimento dos seus comandos, dispensando, nesses casos, maiores digressões ou reflexões argumentativas. Ocorre que, a partir do momento em que a realidade apresenta cenário excepcional de ruptura nos padrões de normalidade social, causado por um ou mais eventos extraordinários que interfiram diretamente no cotidiano dos membros da sociedade, comprometendo gravemente ou até impossibilitando o cumprimento imediato do conteúdo literal que se extrai das leis, a forma de reconstrução de sentido das normas jurídicas a serem aplicadas deverá se adaptar a esse contexto diferenciado, de modo a exigir a participação de outros instrumentos normativos que poderão alterar os parâmetros de aplicabilidade e de eficácia do direito vigente.


    É precisamente neste ponto que se mostram preciosas as contribuições doutrinárias desenvolvidas por Ávila em seu já clássico Teoria dos princípios50. Destaca o autor que, para haver uma compreensão plena e adequada do funcionamento das normas jurídicas, é necessário diferenciar dois níveis normativos que dão sustentação ao ordenamento jurídico, quais sejam, as normas jurídicas de primeiro grau (compostas por regras e princípios) e as de segunda ordem, também denominadas de metanormas. Estas últimas – que abrangem a razoabilidade, a proporcionalidade, a vedação do excesso, a eficiência, entre outras – também podem ser denominadas de postulados normativos, os quais se situam num plano distinto das normas jurídicas de primeiro grau, na medida em que não funcionam propriamente como o conteúdo substancial dos argumentos jurídicos que poderão ser invocados pelo aplicador do direito diante de um caso, mas assumem uma função metodológica que participa da própria estruturação racional que guia a forma correta e adequada de se utilizar das regras e dos princípios51.

    Portanto, em um cenário de quebra da normalidade social, a formulação do sentido e a aplicação contingente das normas jurídicas de primeiro grau deverá passar pelo filtro estruturante dos chamados postulados normativos, de modo a garantir que regras e princípios adquiram o seu sentido normativo pleno diante dos cenários de excepcionalidade. E nesse ponto, merece ganhar destaque precisamente o chamado “postulado da razoabilidade”, o qual, diante da fluidez e a maleabilidade do seu conceito, deve receber, segundo Ávila, três distintas dimensões, quais sejam: (a) razoabilidade- equidade; (b) razoabilidade-congruência; e (c) razoabilidade-equivalência52.


    image


  14. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.


51 Ibidem, p. 121-4.


  1. ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 139-46.


    No que se refere à discussão travada neste estudo, mostra-se como pertinente o postulado da razoabilidade-equidade, na medida em que essa seria a norma de segundo grau que precisamente seria definida como uma “diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral”53.

    Como se vê, portanto, o postulado normativo da razoabilidade como equidade permite a harmonização da norma geral ao caso individual, naqueles contextos em que se está diante de situação concreta excepcional ou anormal, em relação à qual a generalidade da norma jurídica não é adequada para ser aplicada naqueles casos, não por um defeito de inconstitucionalidade no processo de positivação daquela regra, mas simplesmente porque a excepcionalidade ou a anormalidade do caso concreto impedem seja este regulado por essa norma-padrão, a qual somente pode valer para os casos normais, ou seja, para as situações medianas que provavelmente foram aquelas imaginadas de antemão pelo legislador54. Assim, em casos excepcionais, o caráter, a priori, absoluto da regra jurídica deve ser reavaliado após a análise das circunstâncias peculiares do caso, sendo irrazoável o ato estatal que, atentando-se exclusivamente à generalidade da hipótese de incidência prevista na regra, desprezar as circunstâncias anormais daquele cenário concreto. Em outras palavras, não obedece aos deveres estruturantes da razoabilidade a determinação que força o cumprimento de regra jurídica extraída do sentido literal das leis, caso essa seja imposta à revelia das particularidades da situação concreta. Dessa forma, o postulado normativo da razoabilidade enquanto equidade, mesmo que não resolva todas as questões referentes ao controle da legitimidade das normas tributárias, representa, sim, instrumento jurídico de máxima relevância no contexto do Estado Constitucional de Direito, em que não basta mais, na determinação da resposta correta a ser dada aos conflitos jurídicos em concreto, a mera verificação da validade formal dos atos normativos gerais e abstratos produzidos pelo poder legislativo.


    Veja-se, pois, que temos aqui uma reordenação conceitual da ideia de equidade, a qual preserva e se compatibiliza perfeitamente com o seu sentido aristotélico original antes explorado neste artigo, ou seja, a noção de que a generalidade e abstração da norma jurídica deve ser corrigida pela equidade por meio da consideração prudencial das circunstâncias do caso concreto, quando estivermos diante de cenários extremos de anormalidade.


    Portanto, percebe-se com clareza como o instrumento da equidade ainda se mostra relevante ao operador do direito contemporâneo, principalmente diante da pandemia do


    image


  2. Ibidem, p. 139.


  3. Não se pode esquecer que o legislador padroniza regras de conduta por meio de raciocínio estimativo do comportamento médio a ser esperado da maioria dos indivíduos.


    Covid-19, a qual apresentou evidente cenário de excepcionalidade no Brasil (e no mundo), abalando e comprometendo todas as estruturas do Estado, diante das medidas estatais de restrições impostas para barrar o avanço da doença e os próprios efeitos do vírus na população. Precisamente por isso, diante dessa crise pandêmica, alguns setores econômicos foram mais agressivamente afetados que outros, tendo as suas atividades completamente interrompidas, comprometendo o fluxo de novas receitas em seus negócios, não obstante a continuidade em muitos dos seus compromissos financeiros, que continuam a vencer e gerar deveres de desembolso. Diante desse cenário abrupto de rompimento institucional, alguns contribuintes se encontram diante de máxima excepcionalidade, estando em risco de encerramento completo do seu empreendimento negocial, após poucos meses da decretação de calamidade pública que fez cessar suas atividades econômicas. E isso, por óbvio, os coloca em posição de ausência de qualquer real capacidade contributiva para cumprimento das obrigações tributárias vencidas e a vencer, por motivos completamente alheios a sua vontade e fora do seu controle, tendo em vista que o cumprimento dessas obrigações está diretamente relacionado à sua livre aptidão de geração de novas riquezas. É dentro desse contexto de excepcionalidade que afeta determinados contribuintes (mais do que outros) que se mostra relevante o uso do postulado normativo da razoabilidade como equidade na correta interpretação e aplicação das regras tributárias que estão em vigor no direito brasileiro.


    CONCLUSÃO

    Neste trabalho, não se pretendeu defender que caberá ao Poder Judiciário, diante dos conflitos inéditos gerados pela pandemia da Covid-19, atuar como órgão criador de políticas públicas e fiscais, determinando quais deverão ser as diretrizes a serem adotadas pelo Estado no combate a essa crise sem precedentes que se instaurou no País e no mundo. Também não se sustentou, aqui, que o Judiciário deverá, nesse contexto extraordinário, intrometer-se nas funções do Poder Legislativo nem que deva conceder “privilégios” que romperão com o tratamento igualitário de todos perante a lei.


    Em síntese, de nenhum modo se desejou demonstrar que todos os prejuízos individuais e interesses privados frustrados deverão ser retificados e atendidos pelo Judiciário, como se esse órgão tivesse condão mágico para remediar todas as graves consequências – muitas delas fatais – que certamente surgirão no cenário pandêmico que está diante de todos.


    No entanto, isso de nenhum modo significa reconhecer que o Judiciário esteja autorizado a fechar suas portas diante de todas as pretensões tributárias que apresentem caso individual de extrema necessidade e que demonstre que aquele contribuinte esteja em situação crítica e de risco de ver as suas atividades encerradas diante dessa crise, que será não apenas sanitária, mas também de natureza econômica. Mesmo sendo um truísmo que um desastre de calamidade pública cause danos a todos por ele afetados, de nenhum modo


    se poderia presumir que todos os afetados serão lesados com a mesma gravidade e extensão, de modo que certamente surgirão, nesses contextos, tratamentos anti- isonômicos de alguns diante do padrão universal da lei positiva.


    Necessita ser reconhecido que, muitas vezes, as disputas tributárias são recebidas como possuindo menor urgência ou uma gravidade de segunda ordem (diferentemente, por exemplo, de questões envolvendo matéria ambiental, trabalhista, penal e consumerista), o que, em certo sentido, torna-se ainda mais evidente nesse momento de pandemia. Normalmente, a alegação é de que os conflitos tributários sempre tocam em questões meramente patrimoniais, que poderão ser sempre recompostas no futuro, ou que envolvem interesses de pessoas jurídicas, as quais não possuem sentimento, não sofrem e que, se perecerem, poderão ser reerguidas mais adiante com outra roupagem. Mesmo que o direito tributário lide, prioritariamente, com interesses econômicos, não se pode de nenhum modo esquecer que, por trás dessas relações jurídicas, sempre existem fatores humanos a serem respeitados e protegidos. Ora, nenhuma empresa pode ser vista como uma pura entidade artificial, uma casca vazia e estéril, desprovida de elementos humanos e sociais. Evidentemente, todo e qualquer empreendimento econômico – mesmo que tenha o intuito imediato de gerar novas riquezas para os seus titulares – sempre será um foco de agregação de interesses de seres humanos, todos de carne e osso, os quais também são dignos de proteção pelo direito. Portanto, mesmo que seja inegável que qualquer empreendimento econômico deva configurar as suas obrigações tributárias também com base nos princípios constitucionais da Solidariedade e da Justiça Social, tais exigências não podem ser interpretadas a ponto de impor um dever de martírio da empresa, como se ela estivesse obrigada a responder com encargos que possam levar ao seu sacrifício terminal em nome do interesse da coletividade.


    Exatamente por isso também deve o Estado dar mínima garantia de preservação dos meios de sobrevivência dessa entidade jurídica, que, ao final, não é outra coisa senão instrumento de subsistência de todos os seres humanos que dependem dela direta ou indiretamente, sendo, pois, juridicamente legítimo o uso de todos os esforços extraordinários, principalmente em um momento de crise extrema, para sobreviver e para garantir a manutenção de vida digna a todos aqueles indivíduos humanos que estão envolvidos nesse empreendimento econômico.


    Nesse contexto pandêmico, na exata medida em que o Judiciário deverá agir para minimamente preservar o salário de trabalhadores nos rompimentos extraordinários de contratos de trabalho ou impedir violações extremas na continuidade de pagamento dos vencimentos dos servidores públicos que possam vir a ser cortados, no mesmo sentido deverá esse órgão mobilizar seus esforços para, de modo casuístico, tomar as medidas necessárias para a preservação de empresas que estão em risco de encerrar suas atividades diante da decretação de calamidade pública pelo Estado.


    E tais deliberações a serem realizadas pelo Poder Judiciário jamais poderão ser realizadas tão somente pela invocação daquilo que esteja expressado no texto da lei positiva, uma vez que, como aqui se pretendeu demonstrar, a letra da lei vale para os casos de normalidade e estabilidade institucional. Em casos de ruptura institucional ou de enorme crise social e econômica55, caberá ao juiz, por meio de juízos de equidade ou por meio do chamado postulado da razoabilidade, se valer da sua capacidade prudencial para avaliar quais casos são efetivamente extremos e gravíssimos em um contexto pandêmico geral que, por certo, já se apresenta como bastante grave para todos.


    Para aqueles mais céticos que acreditam que a lei positiva deva regular todos os conflitos – seja em contexto de normalidade, seja em casos extremos de crise global – e que rejeitam qualquer função relevante para a equidade no direito contemporâneo, cabe alertá-los de que esse instrumento deliberativo é intrínseco e constitutivo do fenômeno do direito, de modo que invariavelmente retornará à prática jurídica, quando menos se espera, naqueles momentos em que for mais necessário.


    Permita-se aqui a liberdade poética para uma analogia: a equidade pode ser entendida como a Lua, a qual, da perspectiva da Terra, passa grande parte do dia escondida, evadindo- se assim do nosso olhar, de modo que seguimos, com normalidade, as nossas vidas como se ela sequer existisse ou como se fosse uma lenda dos antigos. No entanto, de modo inafastável, retorna ela com regularidade, fazendo-se presente sempre quando chegam as trevas da noite, e o seu retorno periódico não se dá apenas para iluminar a escuridão, mas também para nos guiar até o retorno do Sol no dia seguinte.


    Diante de tudo isso e retornando ao relato histórico que introduziu este texto, temos a esperança de que os aplicadores do direito no campo tributário não agirão como os capitães da revolução portuguesa, ficando parados no sinal vermelho do semáforo, como se estivéssemos diante de cenário de normalidade política, econômica e social.


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2004.


              . Commentary on Aristotle’s Nicomachean Ethics. Estados Unidos da América: Dumb Ox Books, 1993.

    ARISTÓTELES. The complete works of Aristotle. Edição de Jonathan Barnes. Estados Unidos da América: Princeton University Press, 1995. v. 1 e 2.


    image


  4. Novamente, cabe aqui fazer menção a Perelman, o qual indica a necessidade do uso de equidade pelo Juiz precisamente em cenários de grave crise econômica: “Apelar-se-á igualmente à equidade nas épocas de conturbação econômica e monetária, em que as condições que existiram no momento da fixação das regras se modificaram de tal ponto que se percebe uma diferença grande demais entre as regras anteriormente adotadas e aquelas que se teriam admitido atualmente” (op. cit., p. 40).


ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


          . Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998.


DONATI, Alberto. Giusnaturalismo e Giuspositivismo nella Interpretazione della Norma Giuridica. In: Studi in Onore di Cesare Massimo Bianca. Itália: Giuffrè, 2006. t. 1.


FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016.


          . Metaética e fundamentação do direito. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2016.


FINNIS, John. Collected essays: reason in action. Oxford University Press: Oxford, 2011. v. 1.


          . Aquinas. Estados Unidos da América: Oxford University Press, 2004.


          . Natural law and the ethics of discourse. Ratio Juris v. 12, n. 4, 1999, p. 354-73. Oxford: Blackwell Publishers, 1999.

HOLZHEU, Elena. Thomas von Aquin: Summa Theologica – Sind ‘lex aeterna’ und ‘lex naturalis’ identisch?. Alemanha: GRIN Verlagsprogramm, 2009.


KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Alemanha: Suhrkamp, 1977.


LAMAS, Felix Adolfo. La experiencia jurídica. Argentina: Instituto de Estudios Filosóficos Santo Tomás de Aquino, 1991.

PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


RILEY, Lawrence Joseph. The history, the nature and use of epikeia in moral theology. Estados Unidos da América: The Catholic University of America Press, 1948.