O PRAGMATISMO JURÍDICO COMO MÉTODO ARGUMENTATIVO DE JUSTIFICAÇÃO DA TOMADA DE DECISÃO PELO APLICADOR DA NORMA GERAL ANTIELISIVA

LEGAL PRAGMATISM AS AN ARGUMENTATIVE METHOD OF JUSTIFICATION OF THE DECISION MAKING BY THE APPLICATOR OF THE GENERAL ANTIELISIVE LAW


Fábio Andrade Martins

Bacharel em Engenharia Elétrica, Direito e Ciências Contábeis. Máster Internacional em Administración Tributaria y Hacienda Pública por el Instituto de Estudios Fiscales del Ministerio de Hacienda de España IEF. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET. Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo. E-mail: fabioandrade_84@yahoo.com.br


Recebido em: 19-12-2019

Aprovado em: 06-03-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-6


RESUMO


Este artigo objetiva utilizar a metodologia do pragmatismo jurídico na justificação da tomada de decisão pelo aplicador da norma geral antielisiva, constante do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, mormente após a introdução do art. 20 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Para este desiderato, realizou-se pesquisa bibliográfica no sentido de empreender uma relação entre o método jurídico- filosófico proposto pelo pragmatismo e o sentido e alcance do art. 20 da LINDB e do art. 116 do CTN.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO TRIBUTÁRIO, ELISÃO, PRAGMATISMO JURÍDICO


ABSTRACT


This article aims to use the methodology of legal pragmatism in justifying decision making by the applicator of the anti-elision rule, contained in the paragraph of article 116 of the National Tax Code, especially after the introduction of article 20 in the Law of Introduction to the Rules of Brazilian Law. For this purpose, a


bibliographic research was conducted in order to undertake a relationship between the legal-philosophical method proposed by Pragmatism and the meaning and scope of art. 20 of the LINDB and art. 116 from CTN.

KEYWORDS: TAX LAW, ELISION, LEGAL PRAGMATISM


  1. INTRODUÇÃO

    A Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, introduziu a chamada norma geral antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro por meio da inclusão de um parágrafo único no art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN), cujo enunciado é o seguinte:


    “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei”.


    A legitimidade e o alcance pretendidos pela norma são assuntos de extensa discussão em âmbito doutrinário. Alguns autores, como Gilberto de Ulhôa Canto1 e Antônio Roberto de Sampaio Dória2, com substrato no princípio da liberdade econômica, defendem uma grande e ampla liberdade contratual para os contribuintes, que ostentariam uma liberdade ilimitada de planejarem suas atividades com o único propósito de pagar menos tributos. No lado oposto, há tributaristas como Amilcar de Araújo Falcão3 e Dino Jarach4 que propugnam pela ilicitude generalizada da elisão fiscal, considerando-a como espécie de abuso de formas jurídicas. Por último, encontram-se aqueles que substituem as duas posições acima pelo entendimento da juridicidade do planejamento fiscal como forma de economizar tributos, desde que não haja abuso de direito. Somente a elisão abusiva ou o planejamento inconsistente seriam considerados ilícitos. São partidários deste entendimento os seguintes autores: Marco Aurélio Greco5 e Hermes Marcelo Huck6.


    Para Ricardo Lobo Torres7, a primeira posição projetou para o campo fiscal a interpretação formalista e conceptualista, que parte da crença fundacionalista de que os conceitos

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    1. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. Revista Forense n. 267. São Paulo, 1977, p. 25-30.


    2. DÓRIA, Antônio Roberto de Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Bushatsky, 1977.


    3. FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987.


    4. JARACH, Dino. Hermenêutica no Direito Tributário. In: MORAES, Bernardo Ribeiro et al. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: EDU/Saraiva, 1975. p. 83-102.


    5. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 71 e s.


    6. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão. Notas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 141 e s.


    7. TORRES, Ricardo Lobo. A chamada “interpretação econômica do Direito Tributário”, a Lei Complementar 104 e os limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 235-239.


      jurídicos expressam a realidade social, não cabendo ao aplicador da norma se preocupar com os dados empíricos. Neste modelo, os atos praticados pelos particulares somente poderiam ser segregados em duas espécies: em conformidade, ou não, com o Direito Civil. Os adeptos desta tese propugnam pelo máximo de segurança jurídica e, desta forma, todos os atos realizados em conformidade com o Direito Privado também o seriam para o Direito Tributário.


      De acordo com Gilberto Ulhôa Canto8, o pressuposto da elisão fiscal é a licitude e a legitimidade. Desta forma, a realidade econômica seria uma conjectura lógica dos tributos, visto que estaria juridicizada na norma tributária, com fundamento no princípio da legalidade. Não seria possível, portanto, questionar a realidade econômica subjacente à hipótese de incidência.

      Para Antônio Roberto Sampaio Dória9, duas seriam as espécies de evasão fiscal: lato sensu e stricto sensu. Consistiria a primeira espécie de “toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de obrigação tributária”. A segunda, denominada também de elisão ou evasão lícita, estaria caracterizada quando “o agente visa certo resultado econômico mas, para elidir ou minorar a obrigação fiscal que lhe está legalmente correlata, busca, por instrumentos sempre lícitos, outra forma de exteriorização daquele resultado dentro do feixe de alternativas válidas que a lei lhe ofereça, prevendo não raro, para fenômenos econômicos substancialmente análogos, regimes tributários diferentes, desde que diferentes as roupagens jurídicas que os revestem”. Para esse autor, somente a evasão ilícita estaria no espectro de competência da autoridade tributária para a sua invalidação.


      A segunda projetou-se para o campo da fiscalidade por meio da “consideração econômica do fato gerador”, despreocupando-se com os conceitos e categorias jurídicas. A última, por sua vez, com base na “virada kantiana”, e ao utilizar teses pós-positivistas para a superação do impasse gerado pela teoria da interpretação do Direito Tributário, substituiu as duas outras ao atrelar a interpretação jurídica aos princípios éticos e jurídicos vinculados à liberdade, segurança e justiça.


      Neste ponto, constata-se que a racionalidade da teoria da dedução/indução como tradicional modo de inferência para aplicação do Direito não é capaz de dar significado à decisão jurídica derivada da norma geral antielisiva. No entanto, após a introdução do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que positivou os ideais do pragmatismo jurídico na interpretação e operação das normas brasileiras de direito


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    8. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Elisão e evasão fiscal. Caderno de Pesquisas Tributárias n. 13. São Paulo: Resenha Tributária, 1988.


    9. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1977. p. 45-46.


      público, passa o agente público a ser obrigado a decidir conforme as consequências previstas do seu ato.


      Essa norma impôs ao aplicador do direito, em um determinado contexto, a necessidade de antever as possíveis consequências fáticas de sua decisão e o dever de considerá-las na escolha da alternativa que lhe pareça a mais adequada e necessária ao caso concreto. É dispositivo jurídico limitador da indeterminação das decisões estatais e da utilização de princípios e valores abstratos como seus únicos fundamentadores.

      Contrária ao modelo formal de criação do discurso e à utilização de conceitos abstratos a priori, a forma de raciocínio da abdução, utilizada pelo pragmatismo de Peirce10 como pressuposto para uma teoria antiessencialista e antifundacionista, surge como fecundo instrumento para trabalhar essas questões jurídico--filosóficas, em contraposição ao modelo cartesiano de pensamento. O modelo tradicional de subsunção do fato à norma não é capaz de resolver esses novos desafios que a realidade social ostenta, surgindo a necessidade de se buscar outras soluções com base em uma teoria crítica.


      Assim é que a teoria da abdução aparece como método para melhor adequar as decisões e práticas administrativas ao novo paradigma jurídico. Pela sua origem, está adstrita a uma lógica de descoberta, questionamento e criação, ao invés de somente evidenciar o contexto da justificação da decisão jurídica. A justificação, para a teoria de Peirce, está condicionada à explanação de todas as consequências observáveis oriundas de uma determinada experiência.


      O excesso de formalismo gerado pelo positivismo e a demasiada importância que dá ao ato de autoridade, decorrente da fiel interpretação do precedente da norma ao fato verificado, pode desencadear resultados não desejados e não condizentes com a realidade experimentada. Nesse modelo, a decisão jurídica decorre autoritariamente da norma jurídica ou de uma subordinação dos fatos à lógica dedutiva. Desconsideram-se as singularidades de cada evento pela impossibilidade de o direito positivo conseguir prever todas as ocorrências fenomênicas que a realidade carrega.


      Além disso, o conhecimento obtido por métodos científicos possui maior condição de predizer os efeitos de determinada ação, permitindo um melhor dimensionamento para a sua aplicação. Desta forma, a admissão, pelo pragmatismo, do conhecimento advindo de outras áreas do conhecimento passa a melhor informar a autoridade tributária sobre os efeitos desejados e decorrentes de determinada ação adotada.


    10. NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. A lógica da abdução de Peirce aplicada ao Direito: um método para investigação das consequências. In: ARAÚJO, Clarice von Oertzen; e ALVES, Pedro Spíndola Bezerra (orgs.). Reflexões sobre o pragmatismo filosófico e jurídico: escritos do professor George Browne. Curitiba: CRV, 2019. p. 357-380.


      Fruto de metodológica pesquisa bibliográfica e secundária, este trabalho objetiva analisar a contribuição que a metodologia proposta pelo pragmatismo jurídico pode oferecer para a contextualização da justificação e para a busca da melhor consequência decorrente da interpretação da norma geral antielisiva.


      Para tanto, dedica-se a segunda seção a um escorço inicial sobre a metodologia empirista proposta pelo pragmatismo e sua relação com o Direito. Após, oferta-se, na terceira seção, um enfoque sobre a norma geral antielisiva constante do Código Tributário Nacional, juntamente com as contribuições dadas pela doutrina para sua interpretação. Por fim, na quarta seção, examina-se a utilização do método jurídico-filosófico do pragmatismo no sentido e alcance das decisões derivadas do parágrafo único do art. 116 do CTN.


  2. PRAGMATISMO E DIREITO

    O pragmatismo surgiu nos Estados Unidos nos anos 70 do século XIX, a partir de um grupo de pensadores11 ligados à Universidade Harvard que formaram o “Clube Metafísico”, ironicamente denominado como forma de criticar a metafísica tradicional e seu pensamento abstrato desconectado da prática12. Seu maior expoente, Charles Sanders Peirce, desenvolveu um ensaio sobre sua teoria intitulado “Como tornar claras as nossas ideias”13, no qual buscou introduzir uma nova metodologia científica para solucionar de forma mais contextual e realista os desafios experimentados na prática.


    O método utilizado pelo autor afastou-se do imperialismo logicista ao apoiar-se no método abdutivo, assim cunhado pelo próprio Peirce, no qual são formadas predições das consequências experimentadas sobre um determinado fato. Desta forma, a abdução passa a ser o início de qualquer pesquisa científica, motivada por uma dúvida real. Ou seja, é uma forma de inferência utilizada para explicar um problema, por meio da criação de hipóteses cujas consequências possam ser verificadas indutivamente14:


    “A abdução é, desse modo, uma inferência provável, e, portanto, falibilista; e está relacionada com uma adivinhação – a formulação de uma hipótese a partir de um insight criativo. Este, no entanto, não se confunde com a concepção cartesiana de uma iluminação interior ou intuição para alcançar a verdade. O insight, a que a abdução se refere, é o de cunho pragmatista, pois o estímulo para adivinhar, criar


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    1. Charles Sanders Peirce, William James, Chauncey Wright, Nicolas St. John Green, John Fiske, Oliver Wendell Holmes Jr., dentre outros.


    2. PROGREBINSCHI, Thamy. Pragmatismo: teoria social e política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005. p. 11-12.


    3. DEWEY, John. O desenvolvimento do pragmatismo americano. Tradução de Cassiano Terra Rodrigues. Revista Eletrônica de Filosofia v. 5, n. 2. São Paulo: Cognitio-Estudos: dez. 2008. p. 119-132.


    4. NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Um método para a investigação de consequências: a lógica pragmática da abdução de C. S. Peirce aplicada ao Direito. Paraíba: Ideia, 2013. p. 121.


      hipóteses, advém da provocação que a experiência ocasiona. É um raciocínio do

      consequente para o antecedente”.


      Do ponto de vista sociopolítico, os estudos e concepções do pragmatismo passaram a difundir-se e corporificar-se nos hábitos e crenças da tradição americana, contribuindo para a mudança da mentalidade estadunidense no pós-guerra civil e, consequentemente, na reformulação do seu sistema jurídico, que passou a ser visto de um prisma sociológico (realismo jurídico), em vez de puramente lógico. Nesta fase, o jurista Oliver Wendell Holmes Jr. colaborou muito para a inserção da filosofia pragmática no sistema jurídico americano, que, até então, era influenciado pelos debates ocorridos em torno do positivismo e do jusnaturalismo.


      Assim, o pragmatismo aparece como proposta para o Direito no contexto da descoberta e da justificação estudadas nas teorias da argumentação jurídica e na teoria geral do Direito. Geralmente, o contexto da justificação é reconhecido como ramo próprio do conhecimento jurídico, enquanto o contexto da descoberta é menosprezado15. Constitui-se em uma tentativa de superação do paradigma positivista pela rediscussão da metodologia lógico- positivista e de seu consequente formalismo no campo da aplicação do Direito. São suas características:


      1. Antifundacionalismo: refuta uma verdade anteriormente dada por princípios e conceitos abstratos, previamente construídos e imunes às transformações sociais. O pragmatismo jurídico nega uma vinculação necessária com a dogmática e rejeita qualquer critério ou fundação última, estática e definitiva para qualquer teoria ou argumento16.

      2. Contextualismo: assunção de uma teoria norteada por questões práticas. A interpretação e a aplicação da norma são orientadas pela prática social, de modo a enfatizar o papel da experiência humana, com suas crenças, tradições e ideais, no resultado de qualquer investigação científica ou filosófica17.

      3. Instrumentalismo: investiga os efeitos que a decisão pode gerar na realidade, e a forma como o Direito se reflete no cotidiano, apontando para o seu viés político.

      4. Consequencialismo: considera as consequências de determinada decisão como seu fator preponderante, ao invés de princípios e valores abstratos. Enseja a crescente correspondência entre a norma e a realidade, afastando promessas


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    5. ABIMBOLA, Kola. Abductive reasoning in law: taxonomy and inference to the best explanation. Cardoso Law Review v. 22, 2001. p. 1682- 1689.


    6. ARGUELHES, Diego Werneck; e LEAL, Fernando. Pragmatismo como [meta] teoria normativa da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 176.


    7. Ibidem, p. 177.


      legislativas utópicas que desconsideram a realidade econômica e social em que são aplicadas, o que leva a uma atitude empirista e experimentalista18:

      “Do ponto de vista metodológico, os pragmatistas entendem que as ideias têm a natureza de hipóteses, respostas provisórias para cada evento e cada circunstância que se apresentem sob a forma de problemas a serem resolvidos. A sobrevivência do indivíduo, seu êxito ou fracasso, seus acertos ou erros, não dependem de um conhecimento autônomo a priori, mas, sobretudo, da possibilidade de ajustar a sua inteligência ao desafio das situações problemáticas com que se defronta, procurando antever as possíveis consequências resultantes das alternativas comportamentais que vier a adotar. Por conseguinte, a ênfase que o Pragmatismo atribui às consequências que se possa deduzir de uma determinada situação e dos efeitos que possam produzir no mundo real constitui o núcleo da sua proposta filosófico-metodológica”.

      e) Interdisciplinaridade: as consequências de determinada decisão devem ser analisadas da perspectiva das diversas áreas do conhecimento humano, de forma a melhor possibilitar o dimensionamento da ação adotada. Evita-se, com isso, um processo mecanicista de aplicação das normas jurídicas, em que as questões de imprecisão semântica são um problema para o silogismo utilizado nas tomadas de decisões, já que demandam elementos de interpretação localizados fora dos enunciados legais.


      Desta forma, o pragmatismo jurídico atribui mais importância às ideias (típicas do pragmatismo filosófico clássico) relacionadas às consequências e resultados práticos na orientação do pensamento humano. Os aplicadores do Direito não são estimulados a tomar decisões ad hoc, sem qualquer compromisso com o contexto e com as consequências dos seus atos, sejam elas imediatas ou sistêmicas. O pragmatismo jurídico encoraja que o debate jurídico ocorra próximo às discussões e aos problemas empíricos, devendo-se apenas utilizar as abstrações e conceitos que promovam argumentações com relevância prática para o contexto e que estejam empiricamente fundadas. Para Holmes, segundo Susan Haack19:


      “Os juízes frequentemente apresentam suas conclusões como se as tivessem deduzido de princípios e precedentes jurídicos, argumenta Holmes; mas é ingênuo imaginar que isso significa que eles de fato chegam a suas decisões por meio de inferências puramente lógicas. Muito frequentemente, na verdade, eles estão adaptando silenciosamente o direito existente a novas circunstâncias, e seus


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    8. ARAÚJO, Clarice von Oertzen de; e ALVES, Pedro Spíndola Bezerra (orgs.). Reflexões sobre o pragmatismo filosófico e jurídico. Curitiba: CRV, 2019. p. 43.


    9. HAACK, Susan. O universo pluralista do Direito: em direção a um pragmatismo jurídico neo-clássico. Direito, Estado e Sociedade n. 33, São Paulo, jul./dez. 2008, p. 180.


      argumentos são somente ‘o vestido de gala que o recém-chegado coloca para parecer

      apresentável conforme os requisitos convencionais’”.


      Constata-se, portanto, que o pragmatismo jurídico consiste em um método argumentativo de justificação da tomada de decisão pelo aplicador do Direito. Essa preocupação de contextualizar e de buscar a melhor consequência decorrente da interpretação da norma jurídica são diretrizes agora positivadas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).


      No dia 26 de abril de 2018, foi publicada a Lei Federal n. 13.655, que promoveu profundas mudanças na LINDB (Decreto n. 4.657/1942). Uma importante inovação foi a introdução do art. 20, o qual atribui ao órgão julgador, seja ele administrativo, controlador ou judicial, o dever de observar as consequências pragmáticas da sua decisão:


      “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

      Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.


      Com isso, fica agora patente a necessidade de o julgador, em um determinado contexto, considerar as consequências reais que a sua decisão poderá ocasionar e evidenciar o raciocínio coerente e íntegro utilizado na constatação das suas percepções, de forma a justificar, dentre as opções possíveis, aquelas que lhe pareceram as mais necessárias e adequadas ao caso20. O pragmatismo jurídico passa, então, a ter status de norma jurídica e a conferir à atividade decisória um caráter preditivo sobre as consequências apresentadas no contexto, sobre as quais se espera tenha havido o efetivo contraditório.


  3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA GERAL ANTIELISIVA

    A Lei Complementar n. 104 inseriu o parágrafo único do art. 116 do CTN, classificado como uma norma geral antielisiva21, e que permanece a suscitar acaloradas discussões acerca do seu sentido e alcance.


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    1. POSNER, Richard A. Law, pragmatism, and democracy. Massachusetts: Harvard, 2003.


    2. Em sentido contrário: MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o princípio da legalidade – análise crítica do parágrafo único do art. 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001.

      p. 115. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Fraude à lei, abuso do direito e abuso da personalidade jurídica em direito tributário – denominações distintas para o instituto da evasão fiscal. In: YAMASHITA, Douglas (coord.). Planejamento tributário à luz da jurisprudência. São Paulo: Lex Editora, 2007. p. 360. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O princípio da legalidade tributária na Constituição Federal de 1988. In: MOREIRA FILHO, Aristóteles; e LÔBO, Marcelo Jatobá (coord.). Questões controvertidas em matéria tributária: uma homenagem ao Professor Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 223. GUTIERREZ, Miguel Delga do. Elisão e simulação fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 66. São Paulo: Dialética, mar. 2001. p. 94. TROIANELLI, Gabriel Lacerda. O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional como limitador do poder da administração. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 101.


      Para parte da doutrina, o parágrafo único do art. 116 atuaria como um limitador do planejamento tributário abusivo, ao ser capaz de criar normas individuais e concretas, próprias do Direito Tributário, para desconsiderar atos jurídicos com a finalidade de alterar as suas consequências e os seus efeitos tributários, somente, mesmo que válidos perante o Direito Privado. Para esses autores22, a norma em comento seria um instrumento de combate à elusão fiscal.


      Cabe consignar, por oportuno, que existem atos praticados pelos particulares que, ainda que objetivem a elisão, redução ou postergação do pagamento de tributos, não estão contidos no conceito de planejamento tributário. Trata-se das opções fiscais23, verdadeiras “alternativas criadas pelo ordenamento, propositalmente formuladas e colocadas à disposição do contribuinte para que delas se utilizem, conforme a sua conveniência24”.


      Portanto, desde que o contribuinte não simule ou dissimule o suporte fático subjacente à sua escolha, a opção fiscal é ato legítimo e, desta forma, não pode ser caracterizada como abuso de direito ou fraude à lei.


      Para Paulo Caliendo, pode-se diferenciar a elusão fiscal da evasão fiscal pelos seguintes critérios25:


      “a) Modo de descumprimento: a evasão se constitui no descumprimento direto da

      norma tributária, enquanto a elusão é o descumprimento indireto da norma.

      1. Natureza dos atos negociais: a evasão é decorrente da prática de atos vedados pelo ordenamento (ex.: deixar de emitir nota fiscal); enquanto a elusão é justamente a prática de atos permitidos pelo ordenamento que conduzem a resultados ilícitos.

      2. Momento da conduta: a evasão é o descumprimento do dever tributário após a ocorrência do fato gerador, enquanto a elusão é o descumprimento independente do momento cronológico do fato gerador, podendo ser praticada antes mesmo de sua ocorrência.

      3. Natureza da violação: a evasão ocorre pela ofensa ao comando normativo (fazer ou não fazer algo), enquanto a elusão é o manejo de formas que oculta o verdadeiro conteúdo da operação.

      4. Quanto à causa negocial: na evasão a causa do negócio jurídico é ilícita, enquanto na elusão a ausência de causa deve ser depreendida da verificação da cadeia negocial envolvida. Vistos individualmente, cada negócio ou ato jurídico contém


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    3. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 1998. TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário: elisão abusiva e evasão fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.


    4. GARCIA NOVOA, César. La cláusula antielisiva en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2004. p. 109.


    5. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 113.


    6. CALIEDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 241.


      uma presunção de licitude, na forma e conteúdo; somente a análise ordenada dos

      atos e de sua coerência negocial é que permite verificar a inexistência da causa”.


      Assim, depreende-se que, na elusão fiscal, a licitude do ato realizado é aparentemente lícita. Desta forma, está sujeita à correção pela autoridade tributária, haja vista ofender indiretamente o ordenamento jurídico26. Para Heleno Tôrres27, os negócios jurídicos sem causa, apesar de possuírem uma aparente legalidade, não devem ser aceitos pelo ordenamento jurídico, pois trata-se de ilícitos atípicos28.


      Não é coerente o entendimento de que o parágrafo único do art. 116 trataria das hipóteses em que o sujeito passivo praticasse atos ilícitos com a finalidade de reduzir a carga tributária, já que a possibilidade da constituição do crédito tributário por intermédio do lançamento de ofício, nestas hipóteses, já consta positivado no art. 149, VII, do CTN. Assim, nos casos em que constatada a prática de atos simulatórios ou dissimulatórios, a autoridade tributária poderá constituir o crédito tributário deles decorrente, sem a necessidade da sua desconsideração.


      Ricardo Lobo Torres29 afirma que a regra em comento é autêntica norma antielisiva, recepcionadora da solução francesa. Segundo ele, o dispositivo nada tem a ver com simulação:


      “O direito brasileiro, diante de vários modelos estrangeiros de melhor qualidade,

      preferiu recepcionar a solução francesa.

      Quando o artigo 116, parágrafo único, do CTN diz que ‘a administração pode desconsiderar atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador tributário’ está se referindo à dissimulação do fato gerador abstrato e não à dissimulação do fato gerador concreto. O ato ou negócio praticado (fato gerador concreto) é dissimulador da verdadeira compreensão do fato gerador abstrato, o que, sem dúvida, é uma das características da elisão abusiva, na qual há desencontro entre forma e substância e entre intentio juris e intentio facti.

      No direito alemão a elisão se chama ‘Steuerumgehung’, que literalmente significa contornar, ladear, circular, envolver ou dar a volta em torno da lei do imposto. Tipke explica que para se caracterizar a elisão: ‘Uma lei tributária deve ser contornada. O art. 42 do Código Tributário fala do contorno da lei tributária.’


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    7. ROSEMBUJ, Túlio. El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributario. 2. ed. Madrid: Marcial Po ns, 1999. p. 94-97.


    8. TÔRRES, Helena Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 195.


    9. ATIENZA, Manuel; e MANERO, Juan Ruiz. Argumentación y ilícitos atípicos. Revista de Ciencias Sociales – Facultad de Derecho y Ciencias Sociales Universidad de Valparaiso n. 45. Valparaiso: Edeval, 2000. p. 346.


    10. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 126.


      A cláusula geral antielisiva do art. 116, parágrafo único, do CTN, nada tem que ver com a simulação porque atua no plano abstrato da definição do fato gerador e dos elementos constitutivos da obrigação tributária (sujeito passivo, tempo, base de cálculo, alíquota etc.), impedindo que seja dissimulada a sua ocorrência mediante interpretação abusiva do texto da lei tributária. Opera, portanto, no plano da mens legis, evitando que se distorça o sentido da lei para dissimular a ocorrência do fato gerador apropriado”.


      Além disso, resta claro na “Exposições de Motivos” do Projeto de Lei Complementar n. 77 que o dispositivo legal se referia expressamente à necessidade de introdução de regra antielisiva como forma de combater o abuso de forma no Direito:

      “VI – A inclusão do parágrafo único do art. 116 faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma [...]”.


      Desta forma, o objeto da norma antielisiva seria, na verdade, a identificação do desvio da obrigação tributária perpetrado pela prática da elusão fiscal, ou seja, a situação na qual o particular se esquivaria da obrigação tributária pela não realização do fato típico nela descrito. Este fato seria substituído pela prática de outro equivalente, que gerasse o mesmo resultado econômico pretendido pelo sujeito passivo e fosse considerado pela norma tributária como apto a desencadear a obrigação tributária.


      Portanto, o campo de incidência da norma contida no parágrafo único do art. 116 seriam os atos e negócios jurídicos realizados em estrita observância ao princípio da legalidade, ou seja, lícitos do ponto de vista do Direito Privado, que, no entanto, não correspondessem ao real interesse das partes, cujo propósito exclusivo ou principal seria evitar a incidência tributária normalmente aplicável. A legalidade, neste caso, seria utilizada em detrimento do interesse público exteriorizado na norma tributária, tornando, assim, o ato ou negócio jurídico ilegítimo perante o Direito Tributário, pelo desvio de sua finalidade.


      Parte-se do pressuposto de que os atos realizados pelos contribuintes devem possuir uma motivação econômica que não seja, unicamente, a de pagar menos tributos, sob pena de sua desconsideração para fins tributários. Compartilha desse entendimento o catedrático Túlio Rosembuj, para quem se caracterizará a elusão fiscal quando a economia tributária for o único propósito da conduta praticada pelo particular, o que a conduziria à imperfeição e ineficiência: “es el género de todos los comportamientos o acciones dirigidas a crear situaciones de ventaja patrimonial para los particulares, sentadas en la imperfección de los


      actos, hechos o negocios que se preconstituyen, con el único propósito y móvil de la finalidad fiscal”30.

      Aplica-se a teoria do propósito negocial (business purpose) e da substância sobre a forma para que se identifique o interesse real e subjacente ao ato ou negócio jurídico realizado, a fim de que a norma tributária incida sobre a substância, e não sobre a forma. No choque entre o contexto e a forma utilizada, deve preponderar o primeiro.


      Entende-se que a utilização de planejamentos tributários abusivos, com ausência de propósitos negociais, não se coaduna com o dever fundamental de pagar tributos31, princípio fundamental de base não individualista e derivado do princípio da solidariedade, tampouco com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que os contribuintes com maior capacidade econômica para contratar agentes especializados em engenharia tributária seriam beneficiados por uma tributação proporcionalmente menor que a daqueles carentes de tamanho poderio financeiro, influenciando negativamente a livre concorrência do mercado e contribuindo para o enfraquecimento da isonomia fiscal. Segundo Marco Aurélio Greco32:


      “Ou seja, mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva”.


      Desta forma, constata-se a exigência de que os atos negociais praticados devem guardar correspondência com o alcance e finalidade das normas tributárias, concebidas para dar organicidade ao ordenamento jurídico-tributário, enquanto instrumento de repartição equânime dos custos da vida social.


      No entanto, a utilização de conceitos indeterminados e princípios abstratos não podem ser a única causa de decidir da autoridade tributária. Os princípios da capacidade contributiva, solidariedade e do dever fundamental de pagar tributos não podem amparar uma discricionariedade do aplicador da norma antielisiva.


      A inserção de juízos de valor como parte integrante da inferência lógica utilizada na estrutura argumentativa do silogismo não pode ser aplicada de forma apriorística, sem a análise de elementos angariados no contexto em que inserido o caso concreto.


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    11. ROSEMBUJ, Túlio. Op. cit., p. 103.


    12. ESCRIBANO, Francisco. La configuración jurídica del deber de contribuir – perfiles constitucionales. Madrid: Civitas, 1988. p. 357.


    13. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 325.


      Apesar de o tema abranger diversos conceitos indeterminados, tendo como exemplos o propósito negocial, a substância sobre a forma, o fundamento econômico e o abuso de forma jurídica, não se permite que sejam utilizados como pré--juízos ou pré-compreensões pelas autoridades tributárias em relação aos planejamentos tributários, sob o risco de a decisão estar fundamentada nos métodos da tenacidade ou autoridade, nos quais não são captados os verdadeiros juízos de valor, tampouco as motivações reais da decisão adotada.


      A utilização desses métodos não científicos resvala no abismo epistemológico entre a existência e o pensamento33, no qual não é oportunizada a compreensão do processo pelo qual a decisão jurídica foi tomada, já que a premissa menor (ato ou negócio jurídico dissimulado) aparece de forma não problemática. Neste ponto, a proposta do raciocínio abdutivo tem muito a contribuir para a justificação da tomada de decisão pelo aplicador34 da norma geral antielisiva.


  4. APLICAÇÃO DA METODOLOGIA PRAGMATISTA NA APLICAÇÃO DO ART. 116, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN

    Ao aplicar a norma antielisiva, caso a autoridade tributária fundamente sua decisão na análise das consequências práticas e sistêmicas35 dela decorrentes e nas alternativas de que dispunha no momento do julgamento, abre-se a oportunidade para que sejam contrapostos os critérios científicos utilizados na sua fundamentação.


    Considerando que a valoração das consequências possui uma dimensão descritiva, para cada alternativa considerada pelo aplicador da norma devem estar especificadas, nas razões da decisão, as respectivas consequências. Desta forma, os juízos de fato que relacionaram a decisão às consequências poderão ser objetivamente refutados, caso se comprove que as consequências associadas à decisão são destoantes daquelas imaginadas pela autoridade tributária.


    Além disso, poder-se-á contestar a consistência dos juízos de valor utilizados na ordenação das consequências e sua comparabilidade com as normas e práticas aceitas como devidas pelos integrantes de uma determinada comunidade científico-jurídica.


    Assim, propõe-se que, nas tomadas de decisões relacionadas à invalidação de atos ou negócios jurídicos, fundamentadas no parágrafo único do art. 116 do CTN, seja utilizada a


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    1. NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Um método para a investigação de consequências: a lógica pragmática da abdução de C. S.

      Peirce aplicada ao Direito. Paraíba: Ideia, 2013. p. 121.


    2. Não obstante os critérios aqui dispostos poderem ser aplicados indistintamente tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Judiciário (DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1977. p. 70-71. XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 72-73), o estudo circunscreve-se ao ato de desconsideração praticado pela autoridade administrativa, sob o manto do parágrafo único do art. 116 do CTN.


    3. ARGUELHES, Diego Werneck; e LEAL, Fernando. Pragmatismo como [meta] teoria normativa da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 186.


      lógica abdutiva de Peirce como forma de instigar um agir voltado à elaboração de uma decisão mais bem justificada, já que sempre estará permeada pelos preconceitos humanos, sejam de ordem psicológica, social, jurídica ou econômica, bem como pelo contexto em que inserido o julgador.


      Assim, o raciocínio lógico abdutivo apresenta-se como eficiente instrumento que possibilita aos sujeitos passivos a investigação do caminho utilizado pela autoridade tributária na decisão que invalidar determinado ato ou negócio jurídico para fins tributários. Atribui, portanto, maior segurança jurídica na aplicação da norma antielisiva.


      A decisão a ser tomada pela autoridade tributária não “surgirá” da sua mente. Ela será eleita com base nos critérios de preferência de uma das diversas alternativas de decisão reveladas para o caso.


      Muitos são os critérios que podem ser utilizados para a identificação do estado ideal de coisas a ser atingido. Para a seleção de um desses critérios, aspira-se a um processo de tomada de decisão racional, no qual determinada alternativa é eleita porque, comparativamente às outras hipóteses, é apta a gerar, na maior medida possível, um estado de coisas desejado e que seja condizente com as inclinações pessoais e juízos de valor utilizados no julgamento.


      No entanto, as decisões não devem estar pautadas, unicamente, nas consequências específicas para o caso concreto, mas, sim, nas consequências desejadas por toda a Administração Tributária, sob pena de ser utilizada uma racionalidade dogmática, ao invés de pragmática. Requer-se, por conseguinte, a adoção de critérios valorativos que promovam os ideais caros a uma determinada instituição tributante, e não somente ao agente decisor, tais como segurança jurídica, confiança institucional etc.


      Para tanto, propõe-se que as decisões fundamentadas no parágrafo único do art. 116 do CTN passem a observar as etapas abaixo, como forma de atendimento a um modelo de decisão mais contextualizado e pragmático.


      Primeiramente, deve a autoridade tributária analisar, com sutileza e de forma não dogmática, os precedentes administrativos e judiciais36 relacionados com o ato ou negócio jurídico sub examine, com a finalidade de iluminar o contexto em que estiver inserido e poder identificar as suas semelhanças, diferenças e especificidades.


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    4. O art. 15 da Lei n. 13.105/2015 dispõe que, “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, deve ocorrer a aplicação supletiva e subsidiária das disposições desse novo Código de Processo Civil”. O Código de Processo Civil é a principal fonte de direito processual no ordenamento jurídico brasileiro. Consiste em uma “lei geral do processo” ou “lei processual residual por excelência” (NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luis; e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 62-63). Deve ser aplicada aos processos como um todo, e não apenas sobre o processo civil (NERY JR., Nelson; e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 245; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 55. THEODORO JR., Humberto. Primeiras lições sobre o novo Direito Processual Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2016. p. 25; DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 19 . ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 84-85).


      Além disso, o aplicador da norma deve investigar a repercussão que sua decisão poderá gerar sobre os julgamentos a serem proferidos pela instituição da qual faça parte. Desta forma, a autoridade tributária deve confrontar-se com o futuro e prever os reflexos da sua decisão sobre a vigência do conjunto de decisões já tomadas para os casos similares37. A deferência aos entendimentos e precedentes vindos do passado está, no pragmatismo jurídico, a serviço da contribuição do decisor sobre a segurança e previsibilidade no Estado de Direito.


      Após esse primeiro passo, deve o agente do Fisco reconstruir o evento praticado pelo particular por meio da investigação das percepções dos fenômenos observáveis pelas evidências, fatos e elementos registrados por perspectivas variadas, de forma a, por exemplo, identificar a real intenção do sujeito passivo pelo fato ou negócio jurídico celebrado. O intuito, nesta etapa, é recriar o incidente dentro de um enredo como um agrupamento de considerações jurídicas e extrajurídicas.


      Na terceira fase do procedimento de tomada de decisão, a autoridade tributária deve individualizar as alternativas disponíveis pelos pares constituídos pelas decisões cabíveis e suas respectivas consequências. Isso porque qualquer juízo consequencialista contém uma dimensão descritiva, na qual, para cada alternativa de decisão disponível, deverá estar positivamente especificada a sua consequência.


      Após isso, as alternativas, compostas pelos pares decisão/consequência, devem ser ordenadas por um critério valorativo que estabeleça as relações de preferência pelo estado de coisas desejado, sejam elas determinísticas ou probabilísticas. Ou seja, as alternativas são hierarquizadas por uma escala de preferências sobre as consequências previstas. Vale ressaltar que as alternativas de decisão não são dadas ao decisor. Ao contrário, elas têm que ser, uma após a outra, descobertas e, às vezes, produzidas pela própria autoridade tributária, com base em seu conhecimento prévio, sistematizado e formalizado sobre a área do conhecimento relacionada, seja ela contábil, econômica, tributária, societária etc.


      Por fim, deve o tomador da decisão, considerando a ordenação acima, indicar qual foi a consequência preferida, ou seja, aquela que realiza em maior grau a prioridade atribuída ao juízo de adequação de uma determinada decisão.


      A partir dessa conclusão, deve a autoridade tributária indicar a alternativa da decisão mais adequada para a solução do caso concreto, sempre exercendo o autocriticismo sobre as respostas intuitivas formadas para o evento recriado. Esse processo de busca das alternativas deve perdurar até que seja encontrado um par de decisão/consequência satisfatório, que alcance ou supere os objetivos e interesses do aplicador da norma antielisiva.


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    5. SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford Law Review n. 39, 1987. p. 571-605.


    Com esse processo, a consequência passa a determinar o raciocínio utilizado pela autoridade tributária para, dentro de um contexto de descoberta e através da norma geral antielisiva, ser capaz de revelar a premissa menor pela recriação do evento praticado pelo particular. Vale dizer, a consequência passa a determinar o raciocínio da descoberta utilizado pela autoridade tributária, atribuindo, portanto, maior segurança jurídica na aplicação da norma antielisiva.


  5. CONCLUSÃO

    Conclui-se deste artigo que o pragmatismo jurídico confere, principalmente após a introdução do art. 20 na LINDB, maior segurança jurídica na aplicação da norma geral antielisiva pelas autoridades tributárias. A partir do método abdutivo, passa a ser possível aos administrados tomar conhecimento do processo de tomada da decisão que invalidou, para fins tributários, o ato ou negócio jurídico realizado.


    Refuta-se a utilização de conceitos indeterminados e princípios abstratos, tais quais o “propósito negocial” e o “princípio da capacidade contributiva”, por exemplo, como únicos elementos fundamentadores das decisões administrativas. Agora, a autoridade tributária deve analisar todo o contexto e as consequências práticas da sua decisão para, abdutivamente, identificar o real interesse subjacente à forma jurídica utilizada pelos administrados.


    Com isso, possibilita-se um contraditório mais eficiente e consentâneo com os princípios constitucionais, já que será possível captar os verdadeiros juízos de valor e as reais motivações utilizadas na justificação da alternativa eleita pelo decisor como a mais adequada para o caso concreto.


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