AS CONSEQUÊNCIAS DAS RESTRIÇÕES À DEDUTIBILIDADE DE DESPESAS COM ROYALTIES INCORRIDAS POR EMPRESAS BRASILEIRAS: DESINCENTIVO AO INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA

THE CONSEQUENCES OF LIMITING THE DEDUCTION OF EXPENSES WITH TECHNICAL SERVICES AND ROYALTIES INCURRED BY BRAZILIAN COMPANIES: DISCOURAGING THE INVESTMENT IN TECHNOLOGY


Helena Trentini

Doutoranda em Direito Tributário e Financeiro pela Universidade de São Paulo. Advogada em São Paulo. E-mail: helenatrentini@gmail.com


Recebido em: 30-04-2020

Aprovado em: 04-07-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-7


RESUMO


Esse artigo objetiva analisar as consequências da manutenção do regime brasileiro que impõe restrições à dedutibilidade de despesas com serviços técnicos e royalties incorridas por empresas brasileiras e pagas a não residentes. Para isso, analisaremos as regras brasileiras de preços de transferência para a tributação de serviços não técnicos e as regras que estabelecem os limites de dedutibilidade de royalties e serviços técnicos, aplicáveis às remessas realizadas por residentes brasileiros para pagamentos desses serviços e royalties a não residentes. A partir disso, concluiremos que tais consequências podem ser negativas para a economia brasileira e que uma possível alternativa para reduzir essas consequências negativas seria harmonizar essas regras com o sistema de tributação internacional de preços de transferência baseado no princípio “arm’s length”.

PALAVRAS-CHAVE: LIMITES DE DEDUTIBILIDADE, SERVIÇOS TÉCNICOS, ROYALTIES, PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA.

ABSTRACT


This article aims to analyze the consequences of the deductibility’s limitation by Law of expenses with

technical services and royalties incurred by Brazilian companies and paid to a non-resident. For this purpose,


we review the Brazilian transfer pricing rules, and the rules that prescribe the deductibility’s limits for technical services and royalties applicable to outbound payments. Thereby, we will conclude these consequences could be harmful to the Brazilian economy and the necessity of their harmonization with the international system of transfer pricing, based on the “arm’s length” principle.

KEYWORDS: DEDUCTION LIMITS, TECHNICAL SERVICES, ROYALTIES, TRANSFER PRICING


INTRODUÇÃO

O Plano de Ação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) para conter medidas de erosão da base tributária e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifting – “BEPS”) teve como principal pilar a necessidade de combater os chamados “planejamentos tributários agressivos”. Lançada em 2015, a primeira Ação foi dedicada ao exame dos desafios da tributação da economia digital.


Dentre os desafios analisados pela OCDE, a este estudo interessam os que envolvem a tributação de intangíveis. A economia digital conta com alto grau de mobilidade, por basear o seu negócio essencialmente na disponibilização de uma solução tecnológica a usuários, cujos ativos valiosos são, na maioria das vezes, bens intangíveis.


Em razão dessa característica, a Ação 1 do BEPS identificou medidas que podem ser adotadas por essas empresas para eliminar ou reduzir a sua carga tributária em países fonte. Dentre essas medidas, é importante mencionar: (i) a de maximizar deduções de pagamentos realizados para outras empresas do mesmo grupo na forma de juros, royalties e pagamentos por serviços; e (ii) a de utilizar reduções de alíquota de imposto de renda retido na fonte em razão de acordos para evitar dupla tributação na remessa a não residentes a título de pagamento de juros ou royalties1.


O Brasil adota medidas restritivas desde a década de 1950 para evitar essa maximização de deduções por empresas brasileiras relativas a pagamentos a título de royalties e serviços. Cumula com essa medida a tributação na fonte de remessas para pagamentos desses serviços ou royalties, por meio do imposto sobre a renda e também da CIDE-Royalties, que lhe possibilita majorar a tributação a residentes em países com os quais celebrou acordos para evitar a dupla tributação.


Essas duas medidas, adotadas cumulativamente pelo Brasil, podem aparentar ser suficientes para reduzir as chances de erosão da base tributária e transferência de lucros na economia digital. No entanto, essa política fiscal traz consequências à economia do País, que devem ser examinadas.


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1 OCDE. Addressing the tax challenges of the digital economy, Action 1 – 2015 Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, p. 80-81. Disponível em: https://www.oecd.org/ctp/addressing-the-tax-challenges-of-the-digital- economy-action-1-2015-final- report- 9789264241046-en.htm. Acesso em: 30 jun. 2019.


No cenário internacional atual, em que se busca atingir um consenso aparentemente inatingível sobre a tributação da economia digital, propomos a análise da abordagem brasileira sobre as medidas de proteção da sua base tributária nos casos de operações envolvendo importação de intangíveis, quais sejam: (i) as regras de preços de transferência para a tributação de serviços não técnicos; e (ii) os limites de dedutibilidade de royalties e serviços técnicos. Este estudo se restringe às remessas de residentes brasileiros a título de pagamentos de royalties e serviços para não residentes.


Para isso, este artigo é dividido em duas partes principais. No primeiro item, trataremos das dificuldades enfrentadas pelos países na precificação de intangíveis (subitem 1); estudaremos as regras de preços de transferência brasileiras e sua aplicação limitada na importação de serviços (subitem 2); e analisaremos a política de restrição de dedutibilidade dos pagamentos realizados por empresas brasileiras a título de royalties (subitem 3).


No segundo item, discutiremos as consequências econômicas da adoção desse regime pelo Brasil e a importância de sua harmonização com o sistema internacional.


Concluiremos este trabalho demonstrando que a adoção dessa política rigorosa de restrição da dedutibilidade desses pagamentos pode trazer consequências prejudiciais ao País, não obstante parecer proteger a base tributária nacional.


  1. A POLÍTICA FISCAL DE TRIBUTAÇÃO DE INTANGÍVEIS

    1. As dificuldades de atribuição de valor aos intangíveis


      A Lei das Sociedades por Ações conceituou os intangíveis como “os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido” (art. 179, inciso VI, da Lei n. 6.404, de 15.12.1976 – “Lei n. 6.404/1976”).


      Os intangíveis são ativos não monetários identificáveis, sem substância física. São os ativos dos quais as empresas dependem para a sua atividade, consistentes em conhecimento científico ou técnico, licenças, propriedade intelectual, conhecimento mercadológico, nome, reputação, marcas registradas etc. São exemplos os softwares, patentes, direitos autorais2.


      Os intangíveis, na maioria dos casos, estão entre os ativos mais valiosos da atividade de uma multinacional. Por serem intimamente relacionados com a criação de valor e, consequentemente, com a obtenção de receitas e tributação das operações empresariais, é de extrema relevância considerá-los na determinação dos preços de transferência em


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      1. COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (CPC). CPC 04 (R1) – Ativo Intangível. Brasília, dez. 2010, p. 6. Disponível em: http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/187_CPC_04_R1_rev%2013.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.


        operações transfronteiriças. Os intangíveis podem fazer parte de uma transação com mercadorias ou serviços ou ser objeto de operações de transferências entre partes relacionadas3.


        Em que pese haver intangíveis que podem ser mensurados pelos métodos tradicionais de preços de transferência, o nosso estudo é focado naqueles intangíveis cujo alto valor pode dificultar a localização de transações independentes comparáveis. Essa falta de identificação dificulta a aplicação dos métodos baseados em Preços Independentes Comparáveis ou margens fixas (custo ou preço de revenda).


    2. As regras brasileiras de preços de transferência


      O controle de preços de transferência foi introduzido no Brasil pela Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996 (“Lei n. 9.430/1996”). Em que pese constar da sua Exposição de Motivos que as regras eram propostas em conformidade com aquelas adotadas pelos países integrantes da OCDE4, a realidade é que, na prática, especialmente no tocante à tributação de intangíveis, o regime brasileiro se distanciou dos Guidelines de Preços de Transferência da OCDE.


      A legislação brasileira propôs a adoção de dois métodos que também constam dos Guidelines da OCDE, que são os métodos de comparações de preços e preços de revenda. A diferenciação se dá na falta de adoção, pela legislação brasileira, dos métodos que envolvem o cálculo da margem líquida (Profit Split e Transactional Net Margin Method – “TNMM”) e a possibilidade de cálculo do preço arm’s length por outros critérios, como no formulary apportionment. A tabela abaixo demonstra as semelhanças e disparidadesdos métodos propostos em cada um dos modelos:


      Tabela 1 – Comparativo dos métodos de preços de transferência adotados pelo Brasil e propostos pela OCDE


      Metodologia

      Métodos

      Tangívei s

      Intangív eis

      Serviços

      Comparação de preços

      Preços Independentes Comparados (CUP)

      Brasil/ OCDE

      Brasil/ OCDE

      Brasil/ OCDE


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      1. MONSENEGO, Jerome. Introduction to transfer pricing. Amsterdam: Kluwer Law International, 2015. p. 66-67.


      2. “12. As normas contidas nos arts. 18 a 24 representam significativo avanço da legislação nacional face ao ingente processo de globalização experimentado pelas economias contemporâneas. No caso específico, em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados ‘Preços de Transferência’, de forma a evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferências de recursos para o Exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no Exterior” (Projeto de Lei n. 2.448, de 1996, p. 113. Disponível em: https://www.camara.leg.br/ proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1132081&filename=Dossie+-PL+2448/1996. Acesso em: 20 jun. 2019).



        Preço revenda


        de

        Preço de Renda menos Margem de Lucro (RPM)


        Brasil/ OCDE


        Brasil


        Brasil/ OCDE

        Custo Produção

        de

        Custo mais Margem de Lucro (CPM)

        Brasil/ OCDE


        Brasil

        Brasil/ OCDE


        Cálculo margem líquida


        da

        Método de Divisão de Lucros


        OCDE


        OCDE


        OCDE

        Método da Margem Líquida Operacional


        OCDE


        OCDE


        OCDE

        Outros critérios



        OCDE


        OCDE


        OCDE


        A preocupação do legislador brasileiro em positivar as metodologias de cálculo e as margens fixas de lucro, na visão de Gregorio, demonstra: (i) “o receio de se trabalhar com a flexibilização exigida na disciplina internacional para se garantir a realização do arm’s length”; (ii) a intenção de evitar que os Auditores Fiscais tivessem que lidar com rotinas procedimentais de controle de preços de transferência; e (iii) conferir relevância ao princípio da praticabilidade5.


        Não se questiona o fato de o modelo brasileiro privilegiar a praticabilidade, por meio da adoção de margens fixas para os métodos RPM e CPM. Essa política só se consuma na prática, pois a legislação permite que o próprio contribuinte escolha o método que lhe for mais favorável, sem a aplicação da regra “most-appropriate-method rule6, com limitação do resultado apenas aos valores de aquisição declarados7. A referida regra não é aplicável para os casos de operações com commodities, com preços cotados em bolsas de mercadorias e futuros, para os quais é obrigatória a aplicação de método CUP8.


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      3. GREGORIO, Ricardo Marozzi. Preços de transferência: arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 27.


      4. Lei n. 9.430/1996: art. 18: “§ 4º Na hipótese de utilização de mais de um método, será considerado dedutível o maior valor apurado, observado o disposto no parágrafo subsequente”; e art. 19: “§ 5º Na hipótese de utilização de mais de um método, será considerado o menor dos valores apurados, observado o disposto no parágrafo subsequente”.


      5. Lei n. 9.430/1996: art. 18: “§ 5º Se os valores apurados segundo os métodos mencionados neste artigo forem superiores ao de aquisição, constante dos respectivos documentos, a dedutibilidade fica limitada ao montante deste último”; e art. 19: “§ 6º Se o valor apurado segundo os métodos mencionados no § 3º for inferior aos preços de venda constantes dos documentos de exportação, prevalecerá o montante da receita reconhecida conforme os referidos documentos”.


      6. Lei n. 9.430/1996: art. 18: “§ 16. Na hipótese de importação de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, deverá ser utilizado o Método do Preço sob Cotação na Importação – PCI definido no art. 18-A”; e art.


        Diferentemente dos demais países, por expressa determinação legal, as regras de preços de transferência não são aplicáveis aos casos de remessas para pagamentos a títulos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada. Esses pagamentos continuaram sujeitos aos limites de dedutibilidade específicos, que serão abordados em item específico neste artigo9. Não há exclusão de aplicação das regras de preços de transferência para os casos em que empresas brasileiras exportem esse tipo de serviço e recebam pagamentos a esses títulos.


        No entanto, as regras de preços de transferência na importação são aplicáveis para os pagamentos remetidos a título de importação de outros intangíveis que não se enquadram no conceito de royalties, assistência técnica, científica e administrativa. Nesse sentido, como mencionado, a Lei n. 6.404/1976 estabelece que se enquadram como intangíveis “os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido”. Esses pagamentos estão submetidos aos mesmos métodos tradicionais de preços de transferência.

        A adoção do sistema de margens fixas traz vantagens para o sistema brasileiro, por (i) reduzir a possibilidade de divergências entre fisco e contribuinte no cálculo do preço arm’s length; (ii) mitigar a ausência de comparáveis para o cálculo dos preços de transferência; e

        (iii) reduzir a complexidade do sistema. Esses problemas foram enfrentados por países como África do Sul, China e Índia na adoção dos Guidelines da OCDE10.


        A política brasileira de preços de transferência “tem como foco objetivos domésticos, relacionados ao enfoque na praticabilidade e na simplicidade aplicativa”, conforme notou Rocha11. No entanto, esse sistema, por privilegiar demasiadamente a praticabilidade, pode acarretar: (i) dupla tributação, já que o sistema para obtenção de margens alternativas não permite que o contribuinte acesse a Autoridade Fiscal para negociar sua margem de lucro; e (ii) tributação desigual de empresas multinacionais, já que as margens são fixas, independentemente da sua rentabilidade e estruturas de custo12.


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        19: “§ 9º Na hipótese de exportação de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, deverá ser utilizado o Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX, definido no art. 19-A”.


      7. Lei n. 9.430/1996: art. 18: “§ 9º O disposto neste artigo não se aplica aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa

        ou assemelhada, os quais permanecem subordinados às condições de dedutibilidade constantes da legislação vigente”.


      8. UNITED NATIONS. United Nations practical manual on transfer pricing for developing countries. New York, 29 May 2013. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/uploads/2014/08/2013_4TP_Newsletter.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.


      9. ROCHA, Sérgio André. Política fiscal internacional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 172.


      10. UNITED NATIONS. United Nations practical manual on transfer pricing for developing countries. p. 540, D.1.7.2. (UN 2017). Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/uploads/2017/04/Manual-TP-2017.pdf. Acesso em 25 jun. 2019.


        Em resumo, temos que a legislação brasileira adota apenas os métodos de preços de transferência tradicionais, que não parecem adequados para intangíveis ou para serviços em geral.


        Bifano, ao tratar das dificuldades na valoração de intangíveis por cada um dos métodos adotados no direito brasileiro, comenta que os métodos (i) comparativos exigem operações anteriores nas mesmas condições das operações que se pretende comparar, quais sejam, uso, expectativa de rentabilidade, participação no mercado etc., o que dificulta a comparação dos intangíveis, que nem sempre são utilizados de formas semelhantes; (ii) que envolvem a necessidade de informações sobre custo de aquisição, calculado sobre uma margem fixa, exigem a revelação de segredos comerciais, o que pode dificultar a aplicação; e (iii) que dependem do preço de revenda também são de difícil aplicação, já que os intangíveis são geralmente adquiridos para uso, e não para revenda13.


        Além disso, tais regras não são aplicáveis para os casos de operações de importação que envolvam royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada. Para essas operações, há legislação anterior, da década de 1950, que estabelece limites máximos de dedutibilidade. Nos casos de exportações, devem--se aplicar tais regras, ainda que nenhum dos métodos satisfaça as necessidades.

    3. O regime jurídico da dedutibilidade de pagamentos ao exterior a título de royalties e assistência técnica, científica, administrativa e assemelhadas


      A Lei n. 4.506, de 30 de novembro de 1964 (“Lei n. 4.506/1964”), no seu art. 22, estabelece que são classificados como royalties os rendimentos de qualquer espécie que decorram do uso, fruição ou exploração de direitos. O referido artigo elenca exemplos de hipóteses que caracterizariam esses rendimentos, como é caso de rendimentos decorrentes do uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria ou comércio.


      O Brasil inaugurou a sua política fiscal de limitar a dedutibilidade das despesas incorridas com royalties em 1958, com a publicação da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958 (“Lei n. 3.470/1958”). O art. 74 dessa lei determinava que somente seria dedutível a soma das quantias devidas a título de “royalties” pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido. Havia previsão para que o Ministério da Fazenda revisse periodicamente os percentuais de dedução admitidos14.



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      1. BIFANO, Elídie Palma. Apuração de preços de transferência em intangíveis, contratos de prestação de serviços, intragrupo e cost sharing agreements. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (org.). Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2009. p. 28-47, p. 36. v. 3.


      2. “Art. 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do imposto de renda, somente poderão


        Nesse sentido, em 30 de dezembro de 1958, foi editada a Portaria MF n. 336, que estabeleceu coeficientes percentuais máximos para a dedução de royalties, pela exploração de marcas e patentes, de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, amortização, considerados os tipos de produção, segundo o grau de essencialidade. A título de exemplo, estabeleceu-se o percentual máximo de dedução de 1% para pagamento de royalties pelo uso de marcas de indústria e comércio e de 5% para pagamento de royalties pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação, despesas de assistência técnica, científica, administrativa da indústria de comunicação, combustíveis, transportes etc.15


        A regra da limitação da dedutibilidade foi reeditada no art. 12 da Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962 (“Lei n. 4.131/1962”)16, e alterada pela Lei n. 4.390, de 29 de setembro de 1964 (“Lei n. 4.390/1964”), para incluir a obrigatoriedade de registro do contrato junto aos órgãos competentes.


        Posteriormente, o art. 52, da Lei n. 4.506/1964, tratou da dedutibilidade das despesas pagas a domiciliados no exterior, sem estabelecer prazo máximo de 5 anos, de que tratava o § 3º do art. 12 da Lei n. 4.131/196217.


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        ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de ‘royalties’ pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento ) da receita bruta do produto fabricado ou vendido. § 1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata este artigo, considerados os tipos de produção ou ativida des, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade. § 2º Poderão ser também deduzidas do lucro real, observadas as disposições deste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização do valor das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica. § 3º A comprovação das despesas a que se refere este artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acordo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei n. 7.903, de 27 de agosto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços” (Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-3470-28-novembro-1958-354878- publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 20 jun. 2019.


      3. Disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/transferencia/arquivos/legislacao-transferencia-de-tecnologia/portaria436.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.


      4. “Art. 12. As somas das quantias devidas a título de ‘royalties’ pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas, nas declarações de renda , para o efeito do art. 37 do Decreto n. 47.373 de 07/12/1959, até o limite máximo de cinco por cento (5%) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.

        § 1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente, mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções a que se refere este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.

        § 2º As deduções de que este artigo trata, serão admitidas quando comprovadas as despesas de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, desde que efetivamente prestados tais serviços, bem como mediante o contrato de cessão ou licença de uso de marcas e de patentes de invenção, regularmente registrado no País, de acordo com as prescrições do Código de Proprieda de Industrial.

        § 3º As despesas de assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes, somente poderão ser deduzidas nos cinco primeiros anos do funcionamento da empresa ou da introdução de processo especial de produção, quando demonstrada sua necessidade, podendo este prazo ser prorrogado até mais cinco anos, por autorização do Conselho da Superintendência do Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4131.htm. Acesso em: 2 jul. 2019).

      5. “Art. 52. As importâncias pagas a pessoas jurídicas ou naturais domiciliadas no exterior a título de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, quer fixas quer como percentagens da receita ou do lucro, somente poderão ser deduzidas como despesas operacionais quando satisfizerem aos seguintes requisitos: a) constarem de contrato por escrito registrado na Superintendência da Moeda e do Crédito; b) corresponderem a serviços efetivamente prestados à empresa através de técnicos, desenhos ou instruções enviados ao país, estudos técnicos realizados no exterior por conta da emprêsa; c) o montante anual dos pagamentos não exceder ao limite fixado por ato do Ministro da Fazenda, de conformidade com a legislação específica. [...]” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4506.htm. Acesso em: 2 jul. 2019.)


        Não obstante essa limitação legal da dedutibilidade aplicável para todos os casos de pagamentos de royalties, devem ser observados, cumulativamente, outros requisitos da legislação. A regra geral, estabelecida no art. 71 da Lei n. 4.506/1964, é que a dedução das despesas com royalties para apuração do lucro real é admitida “quando necessárias para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz o rendimento”. Tal dedução depende da averbação do contrato no Banco Central do Brasil (“Bacen”), nos termos do art. 363, incisos IV e V, alíneas “a”, do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018 (“RIR/2018”).


        Todavia, há quatro hipóteses de vedações à dedutibilidade específicas na legislação.


        A primeira delas é a vedação à dedutibilidade das importâncias pagas a residentes no exterior submetidas a tratamento de jurisdição com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado. Essa vedação consta do art. 26 da Lei n. 12.248, de 11 de junho de 2010 (“Lei n. 12.248/2010”) e é aplicável caso não sejam comprovadas a capacidade operacional do residente no exterior para realizar a operação, o pagamento do preço, a utilização dos bens, direitos ou serviços, entre outros requisitos elencados na legislação.


        A segunda está indicada no item 1 da alínea “e” do parágrafo único do art. 71 da Lei n. 4.506/1964. São indedutíveis os royalties pagos pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de marcas de indústria ou de comércio pela filial no Brasil de empresa com sede no exterior, em benefício da sua matriz.


        A terceira, objeto do item 2 da alínea “e” do parágrafo único do art. 71 da Lei n. 4.506/1964, é a vedação da dedutibilidade em relação a pagamentos de royalties pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de marcas de indústria ou de comércio para pessoa domiciliada no exterior que mantenha controle do capital da empresa, direta ou indiretamente, com direito a voto, conforme se verifica do art. 50 da Lei

        n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991 (“Lei n. 8.383/1991”). Essa vedação não é aplicável em relação às despesas decorrentes de contratos averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) e registrados no Bacen, nos termos do art. 363, parágrafo único, do RIR/2018.

        A quarta hipótese é a vedação à dedutibilidade dos royalties pagos a sócios ou dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes. Tal vedação encontra-se na alínea “d” do parágrafo único do art. 71 da Lei n. 4.506/1964. A interpretação dada ao dispositivo pelo antigo Conselho de Contribuintes18 era de que essa vedação seria aplicável apenas a sócios pessoas físicas. No entanto, em Acórdãos mais recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), adotou--se a posição sustentada pela autoridade fiscal de que a restrição se aplica tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas. Essa posição está em


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      6. Acórdão CSRF n. 01-04.629 (1ª Turma, da CSRF, do MF – Processo Administrativo n. 10580.003202/96-16, julgado em 12.8.2003).


        conformidade com a redação do art. 363, inciso I, do RIR/2018, que inclui na vedação as pessoas jurídicas19.


        Em que pese o entendimento de aplicação da vedação tanto para pessoas jurídicas como físicas, o CARF decidiu não a aplicar para os casos de pagamento de royalties a empresa não residente pertencente a um mesmo grupo econômico, desde que sem relacionamento societário. Nessa ocasião, o relator entendeu que, à “mingua da existência de uma relação societária entre o contribuinte e a detentora dos direitos destes softwares não se poderia, seriamente, exigir que a cessão destes direitos fosse feita de forma gratuita (...) mesmo que tal cessão se dê entre empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico”. Nesse sentido, concluiu que “vedar a dedução de royalties pagos entre empresas de determinado ‘grupo econômico’ representaria uma ingerência indevida na gestão coorporativa empresarial”20.

        Em resumo, são vedadas as deduções das importâncias pagas a título de royalties (i) pagos a sócios, pessoas físicas ou jurídicas, ou a dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes; (ii) pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de marcas de indústria ou de comércio, quando pagos: (a) pela filial à matriz não residente; e (b) pela sociedade brasileira a pessoa não residente que mantenha, direta ou indiretamente, controle do seu capital com direito a voto, desde que não sejam averbados no INPI e registrados no Bacen; (iii) pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de marcas de indústria e comércio pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior: (a) que não sejam objeto de contrato registrado no Bacen; ou (b) cujos montantes excedam os limites estabelecidos21.


        Da análise da legislação doméstica, verifica-se claramente a existência de política fiscal que visa proteger, em demasia, a base tributária brasileira. Os limitadores relevantes de dedutibilidade de royalties parecem ter sido estabelecidos pressupondo que as empresas brasileiras estariam utilizando esses pagamentos ao exterior para obter vantagens fiscais no Brasil. Conforme Bulhões Pedreira, essa restrição “visou coibir a prática que havia se generalizado, naquela época, de sociedades brasileiras controladas por capitais estrangeiros remeterem para os sócios controladores no exterior parte dos lucros sob a forma de royalties ou assistência técnica”22.


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      7. Acórdãos ns. 1302-003.088 (3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Primeira Seção de Julgamento do CARF – Processo Administrativo n. 10600.720120/2015-14, julgado em 18.9.2018) e 9101-003.874 (1ª Turma, da CSRF, do CARF – Processo Administrativo n. 19515.722545/2013-21, julgado em 6.11.2018).


      8. Acórdão n. 1302-002.695 (3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Primeira Seção de Julgamento do CARF – Processo Administrativo n. 19515.721301/2015-93, julgado em 9.4.2018).


      9. Art. 363 do Regulamento do RIR/2018.


      10. BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Imposto sobre a Renda – Pessoas Jurídicas. Rio de Janeiro: ADCOAS JUSTEC, 1979. v. 1. p. 208.


        Schoueri lembra que essa restrição à dedutibilidade de royalties remonta ao período anterior a 1995, no qual vigia o regime da bitributação econômica pelo imposto de renda. Naquele regime, havia sentido na criação de mecanismos legais para evitar que os contribuintes burlassem a dupla incidência, mediante pagamentos desproporcionais23.

        No entanto, essa limitação não á mais justificável no sistema atual também por (i) gerar desigualdade entre importadores de bens tangíveis (sujeitos às regras de preços de transferência) e importadores de intangíveis (sujeitos a limites de dedutibilidade arbitrários dos pagamentos realizados a título de royalties; e (ii) não haver na Ordem Econômica justificativa ao caráter indutor da norma de desestimular a aquisição de tecnologia por empresas brasileiras24.


        Ao proceder com a limitação de dedutibilidade de royalties, aumenta-se o custo que deve ser incorrido para as empresas brasileiras importarem intangíveis e serviços para incrementar a sua atividade. Tais bens “poderiam incrementar a produtividade da indústria nacional e sua inserção em cadeias globais de valor”, nas palavras de Tavares25. No entanto, com a limitação, há claro desincentivo ao investimento em tecnologia pelas empresas brasileiras, o que torna a norma inconstitucional. Assim, essa política brasileira não parece ser adequada ao contexto econômico em que o Brasil se insere.


  2. CONSEQUÊNCIAS DA ADOÇÃO DESSAS REGRAS PELO BRASIL

    Conforme demonstrado por Ainsworth, há elementos do sistema brasileiro que funcionam mais como incentivos às exportações e ao investimento estrangeiro direto no País do que como regras efetivas de preços de transferência. Antes de adotar essa política fiscal, países em desenvolvimento devem analisar a disposição do mercado doméstico em pagar altos preços por produtos estrangeiros e considerar os preços de insumos no mercado interno, já que os preços dos produtos importados flutuariam devido a fatores comerciais internos26.


    Essa política adotada pelo Brasil parece estar em desacordo com os objetivos de incentivo da indústria nacional, conforme já mencionado no item 2.


    O Brasil tem sofrido as consequências da desindustrialização, que implicam o retardamento de seu desenvolvimento. Morceiro demonstrou, em estudo empírico, que a desindustrialização do Brasil ocorre no setor manufatureiro, que envolve “setores



    1. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2013. p. 373-374.


    2. Idem.


    3. TAVARES, Romero J. S. Política tributária internacional: OCDE, BEPS e Brasil. Revista Brasileira de Comércio Exterior v. 127, ano XXX, abr./maio/jun. 2016, p. 43.


    4. AINSWORTH, Richard T. U.N. Transfer Pricing Guidelines: Brazil’s Contribution to Chapter 10. Tax Notes International – Article 1 of 1 in Featured Perspectives. Dez. 2013. Disponível em: https://www.taxnotes.com/tax-notes-international/transfer-pricing/un-transfer- pricing-guidelines-brazils-contribution-chapter-10/2013/12/02/691056. Acesso em: 25 jun. 2019.


      intensivos em tecnologia e em conhecimento – casos da automobilística e outros equipamentos de transporte, farmacêutica, material elétrico, informática e eletrônica”. Conclui-se que esses setores “não seguiram uma trajetória de industrialização robusta durante o período de 1981 a 2015”, o que seria esperado por conta do aumento da renda per capita intermediária no Brasil, sendo mais graves os casos dos setores mais tecnológicos, que “deveriam estar crescendo para atingir o pico no PIB em níveis elevados per capita27.


      Nesse cenário, o Brasil deve adotar políticas tributárias que não acarretem desincentivos à indústria nacional, especialmente aquelas que envolvam tecnologias e ciência, pois são os setores (i) cuja demanda doméstica tende a crescer no futuro; (ii) que tenderão a empregar mão de obra qualificada; e (iii) que contribuem ainda mais para o desenvolvimento tecnológico do País28.


      Além disso, nesse mesmo trabalho, ficou claro que o Brasil não se insere nas cadeias de alto valor agregado. Países desenvolvidos como a Alemanha importam insumos, reduzindo o adensamento produtivo, e exportam produtos acabados, aumentando as exportações e o acúmulo de saldos comerciais. Por outro lado, o Brasil importa insumos e componentes comercializáveis para produzir produtos orientados ao mercado nacional, sem que tenham sido encontradas correlações positivas entre as importações de insumos e as exportações. As exportações das classes industriais não foram suficientes nem para cobrir a importação de insumos inseridos no processo produtivo. Além disso, verificou-se que os setores manufatureiros brasileiros fazem pouca pesquisa e desenvolvimento no Brasil29.


      Desde 1981, “houve um retrocesso do desenvolvimento industrial brasileiro”, uma vez que “parcela do relevante desenvolvimento tecnológico dos setores de média-alta e alta tecnologia vaza para o exterior na forma de importações de insumos e componentes intensivos em P&D”. Enquanto o setor de tecnologia na China impulsionou a sua industrialização, no Brasil representou apenas 0,44% do seu PIB30.


      Nesse mesmo sentido, Dias e Tavares colaboram com a conclusão de que a política do Brasil, isolada do resto do mundo, além de propor uma carga tributária alta, impede a sua inserção em cadeias de alto valor agregado, sem que as empresas sejam submetidas a dupla tributação. Isso estaria limitando o acesso dos consumidores brasileiros a mercadorias e



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    5. MORCEIRO, Paulo César. A indústria brasileira no limiar do século XXI: uma análise da sua evolução estrutural, comercial e tecnológica. 2018. 198 f. Tese (Doutorado em Ciências – Economia do Desenvolvimento) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 130-136.


    6. Idem.


    7. Idem.


    8. MORCEIRO, Paulo César. Op. cit.


      serviços disponíveis no exterior, e limitando o uso da capacidade industrial brasileira, que poderia crescer como exportadora de bens intermediários e finais31.


      Com base nessa conclusão, o Brasil deve estudar medidas alternativas de proteção da sua base tributária que não levem a desincentivos em setores tão relevantes como o da tecnologia. Há alternativas em discussões no cenário internacional para combater a erosão da base tributária no cenário atual da economia digital. A título de exemplo, países como Índia e Israel têm buscado ampliar suas regras de nexo internadas, por meio da inserção do conceito de “presença econômica significativa”, aplicadas a não residentes no país de fonte32. Da mesma forma, a União Europeia também tem estudado a adoção de medidas unilaterais para coibir a erosão da base tributária pelas empresas que atuam na economia digital.


      Essas alternativas merecem estudos mais aprofundados de possíveis impactos no cenário brasileiro. Não obstante, o que não se pode é continuar admitindo que o Brasil mantenha o seu sistema de proteção da base tributária nacional adotado na década de 1950, que demonstra estar trazendo consequências prejudiciais à economia.


  3. A NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DA POLÍTICA FISCAL BRASILEIRA ÀS REGRAS INTERNACIONAIS

As regras de preços de transferência objetivam o compartilhamento da base tributária de um grupo de empresas. Atingir esse objetivo é ainda mais difícil quando os países adotam medidas unilaterais e descoordenadas. As disparidades entre as regras de preços de transferências dos diferentes países podem ocasionar situações de dupla tributação ou não tributação, bem como dificultar que os países possam garantir que estão tributando a base tributária correta das atividades33.


A dificuldade advinda da criação de regras de preços de transferência deriva da necessidade de se estabelecer de onde deriva o valor de uma transação entre partes relacionadas. Esse valor pode advir de ativos intangíveis, ativos tangíveis, serviços ou mesmo de outros itens da atividade empresarial.


Não se nega que as regras de preços de transferência da OCDE são, de fato, complexas e de difícil aplicação, especialmente por países em desenvolvimento, por contarem com orçamentos mais limitados para sua administração tributária.


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  1. TAVARES, Romero; e DIAS, Aline. What Will a Post-BEPS Latin America Look Like? Tax Notes International – Article 3 of 9 in Latin American Perspectives. Ago. 2016. Disponível em: https://www.taxnotes.com/tax-notes-international/base-erosion-and-profit-shifting- beps/what-will-post-beps-latin-america-look/2016/08/15/18568366. Acesso em: 25 jun. 2019.


  2. ROCHA, Sergio André; e CASTRO, Diana Rodrigues Prado de. Plano de Ação 1 do BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE. In: PISCITELLI, Tathiane (org.). Tributação da economia digital. São Paulo: RT, 2018. p. 15-38, p. 30.


  3. MONSENEGO, Jerome. Op. cit., p. 7-8.


    Os países membros da OCDE, desde pelo menos 1998, têm defendido que a tributação da economia digital deve ser baseada em regras claras, consistentes e previsíveis, em um ambiente de alta cooperação internacional34. No entanto, a busca por um sistema mais prático não pode ignorar a necessidade de coordenação do sistema internacional e a necessidade de submeter empresas multinacionais a uma carga tributária compatível com a sua atividade.


    A dificuldade de valorar os intangíveis foi objeto da Ação 8 do BEPS. Objetivou-se estabelecer medidas especiais para garantir o alinhamento dos preços de transferência com a criação de valor e evitar a erosão da base tributária por meio da transferência de intangíveis entre os membros do grupo multinacional. Devido à complexidade da matéria, no âmbito do Projeto BEPS, a OCDE decidiu introduzir um capítulo específico para tratar dos intangíveis no TP Guidelines. Nesse capítulo, a OCDE adotou um conceito abrangente de intangíveis, que está em linha com o conceito adotado pela legislação brasileira.

    Em que pesem as críticas ao princípio arm’s length, especialmente relacionadas à dificuldade de aplicação na prática, conforme se verifica dos Guidelines da OCDE, a posição dos países membros é de que a avaliação dos preços de transferência deve continuar sendo guiada por eles. Isso porque refletem as realidades econômicas das entidades controladas e adotam as margens de referência dos setores da economia35. No entanto, a manutenção dessas regras, não obstante tais complexidades, demonstra que ainda não há consenso sobre a adoção de regras menos complexas para atingir uma tributação coerente.

    O formulary apportionment tem sido rechaçado como alternativa, pois, ao se basear na utilização de uma única fórmula predeterminada de alocação de custos para todos os contribuintes, ignora as dificuldades de diferentes países acordarem uma fórmula única que não acarrete dupla tributação, que não seja arbitrária e respeite as condições de mercado36.

    É notório que países que adotam tais Guidelines têm encontrado dificuldade nas análises de preços de transferência em vários campos, inclusive em relação àqueles que envolvem intangíveis. A OCDE, ciente dessa dificuldade e de que os métodos sugeridos não são suficientes para abarcar todas as situações, permite a utilização de “outros métodos”, que satisfaçam o princípio arm’s length37. Com isso, incentiva-se a adoção de abordagens alternativas.


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  4. OCDE. A borderless world: realising the potential of electronic commerce, as presented to ministers at the OECD Ministerial Conference.

    8 Oct. 1998. p. 7. Disponível em: http://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=sg/ec(98)14/final&doclanguage=en. Acesso em: 30 jun. 2019.


  5. OCDE. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Jul. 2017, parágrafo 2.9, p. 38.


36 OCDE. Op. cit., 2017, p. 40-41.


  1. Idem, p. 99.


    A título de exemplo, a legislação alemã parece abrir espaço para a utilização de métodos “apropriados” não definidos na legislação, quando os métodos comuns se mostrarem ineficientes para atingir o preço “arm’s length”. Nesse sentido, na Polônia, em 2018, foi proposto projeto de lei para permitir a utilização de outros métodos, não definidos na legislação, para fins de ajustes de preços de transferência38.


    O Brasil sempre adotou um método alternativo, com margens fixas e limites de dedutibilidade de despesas de royalties fixos. Em que pesem os benefícios dessa política em termos de praticabilidade, o Brasil não pode se fechar à prática de regime internacional e adotar padrões fixos sem se atentar a eventuais distorções que tais padrões podem causar no sistema internacional e doméstico.


    Aqui não se ignora que, no que se refere aos preços de transferência, o Brasil se comprometeu a adotar efetivamente o Procedimento Amigável (MAP) em relação a casos de dupla tributação que envolvam os Estados com os quais assinou Acordos para Evitar a Dupla Tributação, no âmbito da Ação 14 do BEPS (Making Dispute Resolution Mechanisms More Effective).


    Conforme se verifica dos dados publicados pela OCDE, o Brasil declarou dispor de mecanismos efetivos para analisar casos de MAP39 e possuir 8 casos iniciados em 2017, do total de 19 casos em andamento40, o que demonstra maior procura dos contribuintes após as alterações da legislação no âmbito da Ação 14. Em que pesem os merecidos aplausos à Administração Tributária no tocante à realização efetiva do MAP, a sua aplicação é restrita aos casos em que o contribuinte verificar situações de dupla tributação. Não há MAP para os casos de dupla não tributação.


    No entanto, a simplicidade dos métodos baseados em margens fixas, cumulada com a dificuldade enfrentada pelos contribuintes de satisfazer os requisitos documentais para aplicação de outros métodos, colocam o contribuinte em situações de distorções concorrenciais. Além disso, nos casos de remessas ao exterior a título de pagamento de royalties, a legislação sequer permite a aplicação das regras de preços de transferência e estabelece um percentual máximo de dedutibilidade praticamente fixo.


    Em ambos os casos, a legislação acaba, aleatoriamente, por beneficiar alguns contribuintes e prejudicar outros. Assim, haverá casos em que as regras de preços de transferência


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  2. RIEDL, Andreas; e PROTAS, Oskar. Simple solutions for complex transfer pricing cases: a possible comeback of rules of thumb?. IBFD,

    26 International Transfer Pricing Journal v. 4. Jun. 2019. Disponível em: https://research.ibfd.org/#/doc?url=/document/itpj_2019_04_int_3. Acesso em: 25 jun. 2019.


  3. OCDE. Brazil dispute resolution profile. Last updated: 13 February 2019. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/dispute/brazil- dispute-resolution-profile.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.


  4. OCDE. Mutual agreement procedure statistics per jurisdiction for 2017. Disponível em: https://www.oe cd.org/tax/dispute/mutual-agreement-procedure-statistics-2017-per-jurisdiction-all.htm. Acesso em: 30 jun. 2019.


    brasileiras acarretarão dupla tributação, e outros em que acarretarão dupla não tributação internacional. Isso se verificará sempre que as margens fixas não se mostrarem suficientes para captar o preço de mercado adequado.

    Diante da rigidez do sistema brasileiro, os demais países que adotam o TP Guidelines não poderão tributar determinado lucro que for imputado à subsidiária brasileira, e o Brasil também não terá mecanismos na sua legislação para captá-los. Isso cria uma inconsistência no sistema internacional que pode afetar o mercado.


    Assim, a despeito de o sistema se mostrar prático, há situações que não são resolvidas pela criação de meros percentuais fixos, como propõem as regras atuais. Portanto, diante do cenário atual de cooperação internacional, bem como da pública intenção do Brasil de se tornar membro da OCDE, o Brasil não pode se fechar e continuar olhando apenas para a aplicação interna das regras de preços de transferência e dos limites fixos de dedutibilidade de royalties sem se voltar às necessidades de corrigir as questões refletidas no direito internacional tributário.


    É essencial que os governos dos países elaborem as suas políticas fiscais visando reduzir os efeitos da concorrência fiscal danosa, não obstante ser defensável um certo nível de concorrência fiscal (positiva) que promova a atividade econômica e os fluxos de capitais41. Em que pese a política brasileira ter a vantagem de garantir uma tributação mínima no País, ainda que possa ser insuficiente em alguns casos42, ela pode estar acarretando efeitos danosos para a economia brasileira.


    CONCLUSÕES

    A política fiscal brasileira relativa à restrição da dedutibilidade de intangíveis ainda vigente remonta à década de 1950, quando eram necessárias políticas fiscais de proteção da base tributária nacional para evitar medidas contra a bitributação econômica pelo imposto sobre a renda. Essa política foi implementada sob a concepção de que os pagamentos a título de royalties por empresas brasileiras visavam a remessa de lucros ao exterior, sem a devida tributação. Essas medidas se mostraram mais restritivas que as sugeridas no âmbito das Ações do BEPS e servem para coibir algumas medidas de transferência de lucros comumente usadas pelas empresas que atuam na economia digital.


    Todavia, a manutenção dessa política atualmente tem contribuído para a desindustrialização do Brasil e impedido a sua inserção nas cadeias de valor agregado. Isso tem prejudicado o desenvolvimento tecnológico da indústria nacional, em clara ofensa à


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  5. SILVEIRA, Rodrigo Maito. Tributação e concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2011. (IBDT: Série Doutrina Tributária, 4.) p. 442.


  6. HERZFELD, Mindy. U.N. News Analysis: Brazil – Outlier or Leader on Transfer Pricing? Tax Notes International – Article 2 of 9 in Latin American Perspectives. 15 ago. 2016. Disponível em: https://www.taxnotes.com/tax-notes-international/transfer-pricing/un-transfer- pricing-guidelines-brazils-contribution-chapter-10/2013/12/02/691056. Acesso em: 25 jun. 2019.


Ordem Econômica brasileira. O abandono do regime de limitação da dedutibilidade dos royalties e sua substituição pelo regime brasileiro atual de preços de transferência não se mostra suficiente para enfrentar tais questões. Esse regime, baseado principalmente nos métodos tradicionais da OCDE, não possui métodos adequados para a precificação de ativos intangíveis.


É urgente a adoção de um sistema de preços de transferência pelo Brasil com métodos adequados para precificação de intangíveis, para incentivar o investimento em tecnologia no Brasil e possibilitar a sua inserção nas cadeias de valor agregado.

Não obstante as dificuldades enfrentadas pelos países que adotam os Guidelines da OCDE, nota-se uma tendência desses países em adotar métodos ainda mais abertos para a precificação de intangíveis. É importante que essas medidas sejam coordenadas internacionalmente, sobretudo em um ambiente com alto grau de cooperação internacional, como o atual, especialmente diante da realidade das trocas automáticas de informações das Declarações País a País.


No caso brasileiro, a solução de permitir uma abordagem mais flexível poderia vir a ser aplicada juntamente com a possibilidade de manter um percentual fixo de dedutibilidade como safe harbor, medida essa já aceita pelos Guidelines da OCDE.


A eventual arrecadação que será reduzida com a adoção dessa medida poderia ser compensada por meio de políticas de tributação da economia digital. Um exemplo é a política adotada pela Índia. No entanto, isso demanda estudos sobre as suas implicações.


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