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CARIDADE E PROGRESSIVIDADE: UM ENSAIO DE FILOSOFIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

CHARITY AND PROGRESSIVITY: A PHILOSOPHICAL INQUIRY ABOUT TAXATION


Henrique Napoleão Alves


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-doutoramento em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Ex-pesquisador visitante da Universidade do Texas. Professor universitário, advogado, consultor e parecerista. Contato: https://linktr.ee/hnalves e alves.hn@gmail.com


Recebido em: 14-02-2020

Aprovado em: 13-07-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-8


RESUMO


O filósofo Peter Singer propõe uma abordagem que combina um dever moral individual e a atuação de organizações humanitárias para enfrentar o problema da miséria global. Sua abordagem foi objeto de críticas por outro filósofo, Andrew Kuper. Embora o debate entre os autores não trate de forma expressa da questão tributária, suas ideias e desdobramentos lançam novas luzes à reflexão sobre qual é a função dos tributos, e se os tributos são justificáveis. É disso que cuida este artigo, cuja metodologia o enquadra como exercício de Filosofia do Direito Tributário (aplicação da reflexão filosófica ao fenômeno da tributação), e suas principais fontes são reflexões e argumentos desenvolvidos em textos. Essas fontes foram examinadas, sistematizadas e criticadas com o intuito de identificar os argumentos e posições mais consistentes. Esse esforço de teorização se justifica não apenas pela importância social da tributação (e, como decorrência, pela importância de refletir sobre se e como a tributação se justifica), mas também porque não foram encontrados trabalhos que tenham promovido o diálogo de fontes e teorias aqui presente.

PALAVRAS-CHAVE: FILOSOFIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO, ÉTICA PRÁTICA, PETER SINGER, ANDREW KUPER, TRIBUTAÇÃO


ABSTRACT


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  1. Este artigo representa as opiniões do autor em caráter individual.


    The philosopher Peter Singer adopts an approach to the problem of extreme poverty that combines individual moral duty and the work of humanitarian organizations. Such approach was criticized by another philosopher, Andrew Kuper. Although the debate between Singer and Kuper does not expressly address taxation, their ideas and developments do cast new light on the reflection about the role of taxation and whether or how taxes can be justified. This essay demonstrates how this is so. It consists of an exercise in Philosophy of Law applied to taxation. Its main sources are reflections and arguments developed in textual sources that were examined, systematized and criticized so as to identify the most consistent arguments and positions. Its justification lies on the social importance of taxation (and, ergo, the importance of examining whether and how taxation can be justified), and also in the lack of other academic endeavors with a similar approach or with a comparable dialogue of sources and theories.

    KEYWORDS: PHILOSOPHY OF TAX LAW; PRACTICAL ETHICS; PETER SINGER; ANDREW KUPER; TAXATION


    1. INTRODUÇÃO

      Imagine que você caminha perto de um curso d’água quando percebe que há uma criança se afogando. Rapidamente você também percebe que, caso entre na água para salvar a criança, arruinará sua roupa nova. Essa consideração não tem nenhuma importância para a sua ação, porque você sabe que esse infortúnio é totalmente irrelevante em relação ao resultado de salvar a vida de uma criança. O filósofo Peter Singer usa esse exemplo hipotético para dele abstrair um princípio moral: se você concorda que salvar a vida de uma criança é o mais importante, diz Singer, então você concorda com o seguinte princípio: “se está em nosso poder evitar que aconteça algo de mau, sem com isso sacrificar nada que tenha importância moral comparável, nós devemos, moralmente, fazê-lo”2.


      A partir daí, Singer lembra que organizações que prestam ajuda humanitária literalmente salvam vidas – por exemplo, através do fornecimento de alimentos e remédios para crianças doentes e famintas –, e que você pode contribuir para essas organizações doando parte da sua renda, seguindo com isso o mesmo princípio: o sacrifício de não usar aquela parte da renda não significa nada perto do resultado de salvar vidas que ocorrerá caso você realize a doação3.


      É sobre essas bases que Singer constrói sua “solução” para a miséria global: esse grave

      problema, para o autor, pode ser resolvido por meio do fortalecimento das organizações


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  2. SINGER, Peter. Fome, riqueza e moralidade (extraído de Philosophy and Public Affairs). In:               . Vida ética. Trad. Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002a. p. 140. [Título original: Writings on an ethical life]


  3. Idem. A solução de Singer para a pobreza no mundo (extraído de The New York Times Magazine). In:       . Vida ética. Trad. Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002b. p. 153-154. [Título original: Writings on an ethical life]


    humanitárias através de doações. Na teoria singeriana, esse raciocínio é um exemplo de

    “ética prática”, i.e., de aplicação de fundamentos da filosofia ética a problemas concretos.


    Neste artigo, revisito essa ética prática. Ao fazê-lo, procuro compreender como o debate sobre a “solução Singer” lança luz a respeito de um campo que aparentemente estaria distante do tema do enfrentamento da miséria, mas que, em realidade, não poderia estar mais perto: o campo tributário. Como será demonstrado, a “solução Singer” permite aos tributaristas e demais interessados no fenômeno tributário compreender de maneira diferente qual é e qual deveria ser a função da tributação, bem como se, e como, a tributação pode ser justificada.


    O ponto de partida dessa empreitada foi o de descrever a posição de Singer referindo-me tanto quanto pude às próprias palavras do autor e adotando bastante cuidado nos momentos de parafraseá-lo com o intuito de evitar a fabricação, em qualquer nível, de espantalhos. Estabelecida a caracterização de como Singer reflete sobre a miséria e sobre sua possível solução, busco expor, seguindo os mesmos princípios de cuidado, as críticas feitas a Singer por Andrew Kuper, assim como a tréplica posterior; e, a partir daí, o que esses insumos oferecem para a questão tributária.


    Em virtude disso, este artigo enquadra-se como um exercício de Filosofia do Direito Tributário, aqui entendida como a aplicação da reflexão filosófica ao fenômeno da tributação. Uma das experiências filosóficas por excelência é a que envolve tomar um fenômeno ou conceito que nos seja comum, parte da paisagem não questionada das nossas vivências, e colocá-lo em perspectiva4. Aqui, o raciocínio articulado em distintos momentos coloca em perspectiva a própria ideia de caridade, bem como a tributação, sua existência, seus parâmetros de avaliação.


    Do ponto de vista metodológico, além de caracterizar-se como um exercício de Filosofia do Direito Tributário, como já mencionado, este trabalho valeu-se fundamentalmente de pesquisa teórica e bibliográfica. Neste sentido, as principais fontes foram reflexões e argumentos desenvolvidos em textos (particularmente livros e artigos afeitos aos temas enfrentados). Essas fontes foram examinadas, sistematizadas e criticadas com o intuito de identificar os argumentos e posições mais consistentes. A pesquisa bibliográfica não configura nenhum tipo de revisão sistemática ou exaustiva de literatura, devendo ser considerada em sua dimensão qualitativa, i.e., em sua capacidade de permitir o desenvolvimento de um raciocínio mais complexo e justificado sobre determinadas questões, como devem ser avaliados os exercícios em filosofia.


    Esse esforço de teorização se justifica não apenas pela importância social da tributação (e, por decorrência, pela importância de refletir sobre se e como a tributação se justifica), mas


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  4. Cf., neste sentido: HOYNINGEN-HUENE, Paul. Why is football so fascinating?. In: RICHARDS, Ted (ed.). Soccer and philosophy: beautiful thoughts on the beautiful game. Chicago: Open Court, 2010.


    também porque não foram encontrados trabalhos que tenham promovido o diálogo de fontes e teorias aqui presente. Espero, assim, que o artigo contribua para a literatura existente sobre se e como a tributação se justifica.


    1. A “SOLUÇÃO SINGER” PARA A MISÉRIA DO MUNDO

      Em 1971, um desastre na região da Bengala Oriental (Índia) provocou incontáveis mortes por falta de comida, de abrigo e de atendimento médico: a pobreza crônica da região, um ciclone e uma guerra civil reduziram nove milhões de seres humanos à condição de refugiados e indigentes. Partindo dessa tragédia, o filósofo Peter Singer propôs uma ética prática para findar a miséria do mundo, em um artigo publicado na revista Philosophy and Public Affairs, em 1972, intitulado “Fome, riqueza e moralidade”5.


      Segundo Singer, grande parte desse sofrimento poderia ter sido evitada por uma série de decisões que, infelizmente, não foram tomadas. No nível individual, com raras exceções, as pessoas não reagiram à situação de forma muito significativa, i.e., não doaram grandes somas para os fundos de socorro; não escreveram a seus representantes no Senado para exigir um aumento da assistência governamental; não fizeram manifestações de rua, greves de fome ou qualquer outra ação que pudesse ter como resultado proporcionar aos refugiados os meios de satisfazer suas necessidades básicas6. No nível governamental, nenhum governo ofereceu a ajuda maciça que permitiria aos refugiados sobreviver por mais do que alguns dias. Mesmo os países que mais doaram pouco fizeram: a Grã-Bretanha, por exemplo, doou apenas 14,75 milhões de libras esterlinas, um valor trinta vezes menor do que o seu orçamento para desenvolver um transporte supersônico em parceria com a França; e a ajuda dada pela Austrália não somou duodécimo do que foi investido na construção de um novo teatro lírico na cidade de Sydney7. À época, eram necessários 464 milhões de libras esterlinas para manter os refugiados vivos durante um ano. O montante de doações não chegou nem a 20% desse valor, o que colocou a Índia na difícil posição de decidir entre deixar os refugiados morrerem de fome ou redirecionar fundos de seu próprio programa de desenvolvimento – o que significaria que mais indianos passariam fome num futuro próximo8.

      A situação de Bengala era “apenas a mais recente e mais aguda de uma série de grandes emergências em várias partes do mundo, oriundas de causas naturais e também de causas artificiais”, e foi escolhida por Singer dentre várias outras situações similares porque era a “preocupação do momento” naqueles tempos, amplamente noticiada, e, por isso, “[n]em


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  5. Cf. SINGER, 1972, p. 229-243. Há uma versão em português do texto publicada pela Editora Ediouro: SINGER, 2002a, p. 138-152. Deste momento em diante, farei menção apenas à versão em português.


  6. Ibidem, p. 138.


7 Ibidem, p. 138-139.


  1. Ibidem, loc. cit.


    indivíduos nem governos podem alegar ignorância do que está acontecendo ali”9. A ciência do problema tem, segundo Singer, implicações morais no plano das ações individuais: como o sofrimento e a morte em decorrência de falta de comida, de abrigo e de atendimento médico são intrinsecamente ruins – o que Singer assume como ponto de partida consensual

    –, “se está em nosso poder evitar que aconteça algo de mau, sem com isso sacrificar nada

    que tenha importância moral comparável, nós devemos, moralmente, fazê-lo”10.


    Dando maior concretude ao princípio, Singer formula uma situação hipotética à qual ele se aplica: caminhando próximo a um espelho d’água, percebo que nele há uma criança se afogando. Se eu decidir entrar na água para salvar a criança, arruinarei minha roupa nova, mas isso se torna irrelevante em relação ao resultado de evitar a morte de uma criança, o que é, em si, algo ruim11.


    Essa parece ser a postura que qualquer pessoa adotaria em tal situação, o que torna o princípio moral colocado como algo inconteste, mas, segundo Singer, trata-se de mera aparência, já que as pessoas, na verdade, não agem de acordo com esse princípio, e, caso agissem, fariam do mundo um lugar radicalmente diferente do que ele é. Isso porque o princípio, tal qual colocado, na verdade não leva em conta a proximidade ou a distância, nem distingue “entre casos nos quais eu sou a única pessoa potencialmente capacitada a fazer alguma coisa e casos nos quais eu sou apenas uma pessoa entre milhões que estão na mesma posição”12.


    De fato, o dever de evitar que algo ruim aconteça, sem sacrificar algo de importância moral comparável, não especifica se a pessoa ajudada “é o filho de um vizinho que vive a dez minutos de mim ou um bengalês cujo nome jamais saberei e que vive a dez mil quilômetros de distância”13. Num mundo integrado e no qual organizações internacionais de combate à forme “podem encaminhar nossa ajuda para um refugiado em Bengala, com praticamente o mesmo grau de eficiência que teriam para ajudar algum morador de nosso próprio quarteirão”, a distância jamais poderia ser uma justificativa para a inobservância desse dever moral14.


    Ademais, se de um lado há uma diferença psicológica entre a situação na qual sou o único capaz de agir e aquela em que sou apenas uma entre muitas pessoas capazes de agir, já que, na segunda situação, “sinto-me menos culpado por não ter feito nada se puder apontar


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  2. Ibidem, p. 139.


10 SINGER, 2002a, p. 140.


11 Ibidem, p. 140-141.


  1. Ibidem, p. 141.


  2. Ibidem, loc. cit.


14 Ibidem, p. 141-142.


outros em posição equivalente que também não fizeram nada”, por outro lado essa diferença psicológica não deveria causar consequências morais; retomando o exemplo da criança afogada, não pareceria crível deixar de ajudá-la se houvesse outras pessoas, à mesma distância da criança, que também a tivessem visto e decidido ignorá-la15.


Algumas décadas depois, o mesmo Peter Singer retomou o tema num texto publicado no jornal New York Times, eloquentemente intitulado “A solução de Singer para a pobreza do mundo”16. Nele, o autor busca ser ainda mais contundente na crítica à impossibilidade de que a existência de outras pessoas em igual situação de ajudar que se recusam a fazê-lo possa ter quaisquer implicações morais no dever de cada um de ajudar: essa seria, nas palavras de Singer, “uma ética do tipo Maria-vai-com-as-outras” – “o tipo de ética que levou muitos alemães a fazerem vista grossa enquanto as atrocidades nazistas estavam sendo cometidas”17.


No mesmo texto, o autor soma ao exemplo hipotético do menino que se afoga uma imagem mais conhecida pelos brasileiros: a do filme Central do Brasil, premiada coprodução franco- brasileira de 1998, protagonizado por Fernanda Montenegro, no papel de Dora, uma professora primária aposentada que escreve cartas para analfabetos, na estação, como forma de complementar sua renda. No filme, surge para Dora a oportunidade de ganhar a considerável quantia de mil dólares, desde que ela convença um menino de rua de nove anos a acompanhá-la até um determinado endereço, onde ele seria supostamente levado à adoção por estrangeiros ricos. Dora assim o faz, e, com o dinheiro, compra uma televisão “e refestela-se em casa para desfrutar sua nova aquisição”. É quando sua vizinha “estraga-lhe o prazer, dizendo que o garoto já passou da idade de ser adotado – ele vai ser assassinado, e seus órgãos serão vendidos para transplante”18.


Não é certo se Dora já sabia desde o início que era aquele o destino do menino, mas, diante da fala da vizinha, transtornada, ela decide enfrentar todos os riscos para salvá-lo. Singer argumenta que, caso Dora “tivesse dito à vizinha que este mundo era mesmo cruel, que outras pessoas também tinham suas belas televisões, e que, se para ela, o único jeito de comprar uma tevê nova era vender o garoto”, que “não passava de um menino de rua”, ela teria “se transformado num monstro” aos olhos do público do filme nas salas de cinema dos países ricos do mundo, e que, no entanto, aquele mesmo público, ao destinar boa parte de sua renda para coisas que não são essenciais para a preservação de suas vidas e saúde – “coisas que lhes são menos necessárias do que é, para Dora, uma nova televisão”, como “[f]requentar bons restaurantes, comprar roupas novas porque as antigas saíram de moda,

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  1. Ibidem, p. 142.


  2. Cf. SINGER, 1999. Assim como no caso de “Fome, riqueza e moralidade”, há também uma versão em português do texto publicada pela Editora Ediouro (SINGER, Peter, 2002b) e é ela que será mencionada.


17 Ibidem, p. 155-156.


18 SINGER, 2002b, p. 153.


passar férias em balneários litorâneos” –, condena à morte muitos que sobreviveriam caso

esse dinheiro fosse destinado a “certas agências beneficentes”19.


Singer procurou formular e enfrentar possíveis objeções ou pontos fracos, a começar pelo argumento de que sua proposta representaria uma revisão excessivamente drástica do nosso esquema moral, e que isso não pode não ser nem factível, nem desejável.


Apesar de reconhecer que, de forma geral, a maioria de nós “reserva sua condenação moral para os que violaram alguma norma da moral, como a norma contra apossar-se da propriedade alheia”, mas não condena “os que sucumbem ao supérfluo, em vez de fazer doações para o auxílio aos famintos”20, porque tradicionalmente entende doações como atos de liberalidade e caridade dignos de agradecimento, e não como cumprimento de obrigações morais21, Singer sustenta que suas conclusões, ainda que possam parecer contrárias aos padrões morais contemporâneos do Ocidente, estão longe de representarem uma ruptura revolucionária com os códigos morais e, de fato, “não teriam parecido tão extraordinárias em outros tempos e lugares” – até porque coincidem com o pensamento de autores do passado que não são considerados radicais, como Tomás de Aquino22.


Uma outra possível objeção enfrentada por Singer é aquela que apregoa que, se todos com condições doassem cinco libras para um fundo de apoio aos bengaleses, haveria dinheiro bastante para providenciar comida, abrigo e atendimento médico para os refugiados, e, sendo assim, o leitor não teria o dever de doar mais do que cinco libras23. Segundo Singer, essa objeção não é aceitável porque, em suma, parte de uma premissa hipotética que é muito distante da realidade, e chega a uma conclusão que não está formulada hipoteticamente. Diante das incertezas empíricas quanto à sua premissa, e considerando o fato de que é preferível o efeito de todos doarem mais do que deveriam do que o efeito contrário das doações não atingirem o patamar necessário, Singer conclui que, realmente, “nem a distância que nos separa de um mal evitável, nem o número de outras pessoas igualmente posicionadas em relação àquele mal diminuem nossa obrigação de atenuá-lo ou impedi-lo”: “se está em nosso poder evitar a ocorrência de algo muito mau, sem com isso sacrificar alguma outra coisa moralmente relevante, nós devemos, moralmente, fazê-lo”24.


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19 Ibidem, p. 153-154.


20 SINGER, 2002a, p. 145.


  1. SINGER, 2002a, p. 143. Um exemplo disso afeto ao Brasil hodierno seria o dos agradecimentos recebidos em mensagem eletrônica quando

    realizamos doações à Unicef por meio de telefonema para o conhecido programa de angariação de fundos “Criança Esperança”.


  2. AQUINO, Tomás de. Summa Theologica, II-II, questão 66, artigo 7. In: D’ENTREVES, A. P. (org.). Selected political writings. Trad. J. G.

Dawson. Oxford, Clarendon Press, 1948. p. 171. Apud SINGER, 2002a, p. 148.


23 SINGER, 2002a, p. 142.


24 Ibidem, p. 142-144.


Outra possível objeção enfrentada por Singer é aquela que sustenta que aliviar o sofrimento é uma tarefa que deve ser de responsabilidade do Estado, e que, portanto, não deveriam ser feitas doações a instituições de caridade do setor privado, já que isso incentivaria o governo a fugir das suas próprias responsabilidades25. Singer a contesta afirmando que, como o pressuposto de que “quanto mais gente fizer doações aos fundos de ajuda da iniciativa privada, menos provável será que o governo assuma plena responsabilidade por esse auxílio” parece ser infundado, quem deixa de fazer doações estaria deixando de “impedir uma certa dose de sofrimento, sem contudo conseguir apontar nenhuma consequência benéfica tangível de sua recusa”26; e que, ademais, parece mais plausível a visão oposta, i.e., a de que o Estado estaria mais propenso a não prestar ajuda diante do desinteresse dos cidadãos em contribuir para programas de auxílio aos famintos27. Além disso, a responsabilidade de aliviar a miséria não seria uma responsabilidade exclusiva do governo, mas de todos nós, e, enfim, nenhuma ação política eficaz adviria da postura das pessoas de se absterem de atuar individualmente, confiando apenas ao governo essa missão28.


Julgando que não haveria objeções relevantes ao seu posicionamento, Singer concluiu que a questão de aliviar o sofrimento de seres humanos se coloca a qualquer pessoa que tenha mais dinheiro que o necessário para o sustento de si e de seus dependentes, bem como a quem esteja na posição de empreender qualquer ação política29. É uma tarefa e tanto. Para qualquer um, “não parecerá fácil realizar em sua atitude e estilo de vida uma mudança de tamanha envergadura quanto a envolvida [...] em fazer tudo o que teríamos obrigação de estar fazendo”, mas, agindo assim, o sacrifício de “alguns dos benefícios da sociedade de consumo” será recompensado “pela satisfação de levar um estilo de vida no qual a teoria e a prática, se ainda não estão em harmonia, pelo menos estão se aproximando”30.


  1. O DEBATE KUPER – SINGER

    Em 2002, a revista Ethics & International Affairs publicou um debate entre Peter Singer e o filósofo político e empresário do microcrédito Andrew Kuper, desdobrado numa série de três textos: uma primeira crítica de Kuper a Singer, uma réplica de Singer e uma tréplica final de Kuper31.


    25 Ibidem, p. 148-149.


    26 SINGER, 2002a, p. 148-149.


    1. Ibidem, p. 149.


    2. Ibidem, loc. cit.


    29 Ibidem, p. 151-152.


    1. Ibidem, p. 152.


    2. Idem. Poverty, facts and political philosophies – response to “More than charity”. Ethics & International Affairs v. 16, n. 2, 2002c. p. 121-


    No primeiro texto, sugestivamente intitulado “More than charity”, ou “Para além da caridade”, Kuper destacou que as pessoas não se relacionam entre si apenas de forma direta, como na simples relação binária entre pessoas ricas ou relativamente ricas, doadoras, e pessoas pobres, pacientes da caridade. Em sociedades tão complexas como as atuais, as relações são, sobretudo, mediadas por instituições. Por isso, as causas da pobreza são principalmente estruturais, e, sendo assim, possíveis soluções passam a exigir ações que transcendem a conduta individual32.


    Para Kuper, apesar de bem-intencionada, a proposta de Singer incorreria em diferentes equívocos e seria mais “provável que [ela] prejudique gravemente os pobres” ao invés de ajudá-los33, precisamente porque sublima toda a complexidade das inter-relações humanas nas sociedades hodiernas ao tirar conclusões gerais de um problema hipotético de decisão moral individual hermeticamente fechado34.


    Para ilustrar, Kuper recorre a um exemplo ligado ao seu país de origem, a África do Sul, que vive uma epidemia gravíssima de AIDS. Simples doações para uma ONG com o intuito de mitigar a miséria na África do Sul, diz Kuper, podem não fazer bem algum – como no caso da presença de algum fator externo suficientemente forte no sentido contrário –; e podem mesmo fazer mal, como no caso do Zimbábue, em que as doações podem, na verdade, aumentar o poder de uma elite cleptocrática35. Mas esses não seriam os maiores problemas das doações; na verdade, o maior problema é que, dado o nível de complexidade das nossas sociedades, é provável que alguém faça mais pelos sul-africanos ao comprar mobília ou roupas lá produzidas, ou ao viajar para a África do Sul, do que propriamente ao realizar doações36, o que contraria frontalmente a tese de Singer, já que ele defende, como visto, que gastos supérfluos como comprar mobília, roupas ou realizar viagens internacionais devem ser suprimidos, e a renda poupada deve ser destinada a instituições como a Oxfam ou a Unicef para aplacar a pobreza do mundo.


    Além do exemplo da África do Sul, Kuper37 afirma que as falhas dos esforços de socorro nas últimas décadas são um forte indicador de que é preciso adotar uma abordagem estrutural do problema. Doações de alimentos, por exemplo, prejudicaram sobremaneira os agricultores dos países subdesenvolvidos e seus dependentes38, e o financiamento de


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    107-120, 2002a; KUPER, Andrew. Facts, theories and hard choices – reply to Peter Singer. Ethics & International Affairs v. 16, n. 2, p. 125- 126, 2002b.


    32 KUPER, 2002a, p. 111-113.


    33 Ibidem, p. 110.


    34 Ibidem, p. 112-113.


    35 A expressão remonta à cleptocracia, palavra de origem grega que significa “Estado governado por ladrões”.


    36 Ibidem, p. 111-112.


    37 Ibidem, p. 113-114.


    1. Ibidem, loc. cit.


      campos de refugiados em Ruanda talvez seja a melhor imagem de como doações podem provocar danos ao invés de efetivamente ajudar pessoas pobres: à parte de esses campos terem se tornado bases de recrutamento de milícias e grandes incubadoras de cólera e outras doenças, as expectativas de ajuda internacional incentivaram as pessoas a não retornarem para suas casas, mesmo quando era seguro fazê-lo; com isso, ao invés de ajudar, as doações foram responsáveis por intensificar e prolongar os conflitos39.


      Isso não quer dizer que doações em si são sempre prejudiciais, mas apenas que elas não devem ser tomadas necessariamente como a única ou a mais eficaz forma de ação40.


      Dentro da proposta de Singer, doar a ONGs e esperar delas as ações necessárias não significa abrir mão do papel do Estado; pelo contrário, a hipótese mais plausível seria a de que o Estado estaria mais propenso a combater a pobreza se seus cidadãos estivessem engajados em destinar sua renda excedente à Oxfam ou à Unicef41. Para Kuper, esse argumento não está correto; no caso dos Estados Unidos, por exemplo, a ausência de tributação e intervenção estatal para ajudar os necessitados é comumente justificada sob o argumento de que doações voluntárias e demais atos de caridade no seio da sociedade civil são preferíveis42.

      O ponto fulcral que pode ser depreendido do texto de Kuper é que não adianta apenas identificar um dever moral de agir para acabar com a pobreza no mundo; é preciso refletir detidamente sobre qual a melhor maneira de agir, levando em conta não só condutas individuais, mas os fatores estruturais das causas e das possíveis soluções para o problema. Até mesmo os capitalistas mais fortemente adeptos do laissez-faire neoliberal “defendem que suas ações” – consumismo e fomento à concentração de renda43 – “são as melhores para os pobres”44. O que está em jogo “não é o quanto nós devemos sacrificar” – se uma parcela maior ou menor da renda que transcende o custo das necessidades básicas –, “mas se e quais usos de recursos e tipos de instituições fazem uma diferença positiva, e como o fazem”45.


      Neste sentido, Kuper afirma ser preciso superar uma ética prática quase--calvinista, individualista, a-histórica, descontextualizada e não institucional, calcada em doações e análises que ignoram as causas estruturais da pobreza, para uma filosofia política que se


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    2. Ibidem, p. 113.


    40 KUPER, 2002a, p. 120.


    41 SINGER, 2002a, p. 149.


    42 KUPER, 2002a, p. 118.


    1. “[...] o agente neoliberal radical que é sincero é profundamente moral no seu caráter e conduta, porque acredita piamente que muito

      consumo e diferenciações massivas de renda são as formas mais efetivas de aliviar os sofrimentos dos pobres” (KUPER, 2002a, p. 118).


    2. Ibidem, p. 113.


    3. Ibidem, p. 113.


    assente em três pilares: numa economia política capaz de traçar “a dinâmica causal da economia global” e indicar até que ponto essa dinâmica pode ser controlada; numa teoria da justiça que dê princípios a partir dos quais seja possível valorar fins morais e as formas de alcançá-los; e numa sociologia política que permita identificar o papel que os indivíduos e as instituições devem desempenhar na busca por esses fins46. Sem isso, ou com apenas o que Singer oferece, sequer seria possível, segundo Kuper, contestar a estreita concepção neoliberal de favorecimento dos pobres por meio de crescimento econômico com concentração de renda, o que é particularmente grave diante do nível de hegemonia que o discurso neoliberal atingiu47.


    Kuper, no entanto, não desenvolve reflexões mais detidas acerca de cada um dos três pilares propostos para uma filosofia política de combate à pobreza, mas defende que abordagens a partir de uma filosofia política como a desenvolvida por Rawls teriam grandes vantagens comparativas em face das ideias de Singer48: (i) ao ter em mente certos fins ideais, é possível avaliar as ações e mudanças institucionais que mais se afastam ou se aproximam desses fins; (ii) o enfoque no sistema social faz com que seja considerado o contexto das ações individuais e a posição delas em potenciais ações coordenadas, coletivas; (iii) uma abordagem voltada a questões estruturais faz com que sejam enfatizadas as consequências indiretas e de longo prazo que nossas ações podem causar na capacidade do sistema social de prover aos necessitados, em contraposição a intervenções ad hoc; (iv) ao contrário das ideias de Singer, que não permitem distinguir entre distribuições assimétricas justas e injustas, uma teoria da justiça semelhante aos moldes rawlsonianos dá fundamentos para a defesa de que, ao revés de uma igualdade simples e acrítica, deve-se reconhecer que algumas desigualdades podem ser justificadas – desde que melhorem as condições dos mais necessitados ou de todos nós; (v) uma análise sistêmica tem a vantagem de constantemente direcionar a nossa atenção para uma economia política que trate do funcionamento da dinâmica econômica e dos limites realistas aos ideais de justiça; (vi) um enfrentamento da questão que não subestime sua complexidade “nos lembra de evitar uma tendência singeriana de tratar indivíduos ativos de países em desenvolvimento quase totalmente como [meros] destinatários ou pacientes” da moralidade alheia49; (vii) uma visão como essa permite identificar corretamente quais são os verdadeiros sujeitos individuais e coletivos envolvidos, transcendendo o sujeito da ação singeriana, que se resume a “indivíduos ricos isolados”, para sujeitos ralwsonianos, i.e., todos


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    46 Ibidem, p. 113-116.


    47 KUPER, 2002a, p. 118.


    1. Que, segundo Kuper, se opõe a Rawls e a reflexões em termos de uma teoria da justiça propositiva de reformas estruturais porq ue consideraria tal atitude irresponsável diante da urgência do socorro aos mais necessitados, já que mudanças institucionais são mais demoradas (KUPER, 2002a, p. 115).


    2. “As pessoas pobres não são nem impotentes nem ignorantes em relação aos importantes problemas [que enfrentam] e oportunidades de ação; eles precisam ser tratados como sujeitos, [como pessoas] capazes de ação independente assim como de esforços coletivos” (KUPER, 2002a, p. 116).


    os indivíduos organizados em grupos cooperativos e sociedades, e é esse o verdadeiro ponto de partida para uma sociologia política adequada50.


    Em conclusão, Kuper dá mais concretude às suas críticas através de algumas “sugestões limitadas” de como nós podemos empregar recursos e energia da melhor forma para solucionar o problema da pobreza numa “complexa divisão do trabalho”: (i) ao invés de abrir mão de bens de consumo e viagens de turismo, deveríamos adquirir esses bens de “produtores éticos”; (ii) os “bem-estabelecidos princípios do ecoturismo” deveriam ser levados para o “coração dos grandes negócios de extração de recursos naturais” através de concessões de exploração desses recursos que vinculem as grandes empresas a obrigações de prover “necessidades médicas e sociais decorrentes da AIDS” nas regiões em que desejem atuar; (iii) ao invés de atuar apenas para angariar fundos para ONGs junto ao governo ou a indivíduos, “as pessoas podem fazer lobby por tributos sobre fluxos de capital que deem à ONU e órgãos similares uma base mínima e independente de receitas”; (iv) apoiar uma “das instâncias paradigmáticas de intervenção efetiva”, qual seja, a da concessão de microcrédito e tecnologia para dar acesso a mais oportunidades de “trabalho, comércio, ação coletiva e aquisição de habilidades”51.


    Em sua réplica, Singer diz ser surpreendente que Kuper tenha afirmado que uma “transferência substancial de recursos” de ricos ou relativamente ricos para a Unicef ou a Oxfam prejudicaria os pobres, pois, segundo dados do U.S. Committee for Unicef de 2001, uma simples doação de 17 dólares seria capaz de garantir a imunização de uma criança contra seis doenças causadoras de mortalidade e mutilação infantis (sarampo, poliomielite, difteria, coqueluche, tétano e tuberculose), e que uma doação de 25 dólares garantiria “mais de 400 pacotes de sais de reidratação oral para ajudar a salvar as vidas de crianças que sofrem de desidratação diarreica”52. Ademais, a assertiva de Kuper desconheceria outras iniciativas de tais instituições que dificilmente poderiam ser tidas como ações que “prejudicam gravemente os pobres”, como os projetos financiados pela Oxfam que dão a moradores de aldeias na Etiópia equipamento e capacitação para perfuração de poços para obtenção de água potável, economizando até quatro horas de trabalho por dia para as mulheres etíopes (tempo que elas normalmente gastavam, em média, para conseguir água)53.


    Além disso, (i) Kuper afirma que doações poderiam ter seus efeitos benéficos anulados por um fator externo e, se por um lado falhas do governo em tratar da epidemia de AIDS prejudicam as ações de organizações internacionais, essas falhas não anulam todos os


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    50 KUPER, 2002a, p. 115-116.


    51 KUPER, 2002a, p. 119-120.


    52 SINGER, 2002c, p. 121.


    1. Ibidem, loc. cit.


      benefícios que essas ações poderiam trazer; (ii) Kuper alega que doações podem favorecer governos corruptos locais, como seria o caso do Zimbábue, sem, contudo, demonstrar a relação de causalidade entre um e outro, o que leva Singer a afirmar que, caso Kuper consiga demonstrar que doações favorecem as “elites cleptocráticas” do Zimbábue, ele concordaria com a cessação de doações54.


      Singer diz ainda que, caso sejam apresentadas evidências de que há mais benefícios quando pessoas ricas ou relativamente ricas compram mercadorias de “produtores éticos” (ethical manufacturers) dos países pobres ou gastam parte de sua renda na indústria do turismo desses países (em resorts que façam uso ético da força de trabalho – ethical labor practices), ele não terá problemas em recomendar que as pessoas destinem sua renda desse modo ao invés de realizar doações para organizações como Unicef ou Oxfam, e que isso em nada mudaria seu posicionamento ético55.


      Singer menciona, ademais, alguns pontos em que não haveria desacordo algum entre ele e Kuper, apesar de o último ter dado “um ar de discordância” às suas colocações: Kuper alega, e.g., que deveríamos ajudar “um grande número de pessoas imersas em sistemas sociais ao invés de indivíduos isolados”, e Singer diz que jamais afirmou o contrário; Kuper também sustenta que mitigar a pobreza de forma eficaz é algo que depende de uma “ampla cooperação” entre vários agentes, e isso seria exatamente o que a Oxfam e a Unicef já fazem; por fim, Kuper defende que, por vezes, o socorro ou ajuda aos pobres pode ter consequências negativas indesejáveis, e que, por isso, é preciso sempre atuar “com cuidado”, e, ademais, numa outra passagem Kuper baseia-se em Rawls para dizer que algumas desigualdades podem ser justificadas se melhoram a sorte dos mais necessitados – Singer não nega nenhuma dessas colocações56. Contudo, enquanto Singer rechaça o neoliberalismo apenas em razão das evidências, Kuper parece rechaçá-lo com base “em algum tipo de filosofia política” que dê garantias de imunidade ao pensamento neoliberal independentemente do exame dos fatos, de modo semelhante à forma como os crentes defendem sua fé57.


      Ao final, Singer conclui que, dada a escassez dos argumentos de Kuper, insuficientes para fundamentar sua assertiva de que doações não ajudam, mas prejudicam os pobres, seu posicionamento infelizmente só serve aos propósitos do status quo, marcado pela inércia da maioria das pessoas, e que Kuper, ao contrário de criticar pessoas que, como ele, se


    2. Ibidem, p. 122.


    55 SINGER, 2002c, p. 123.


    56 Ibidem, p. 123-124.


    preocupam com a pobreza global, deveria concentrar seus esforços para os “obstáculos reais” à mitigação da pobreza58.


    Em sua tréplica, Kuper alega que Singer preferiu caricaturar as divergências entre eles como uma questão de fundamentação fática versus “fé” em uma filosofia política ao invés de enfrentar a essência do seu posicionamento, qual seja, a de que doações de caridade podem até, por vezes, ajudar, mas não devem ser tomadas como uma solução geral para a pobreza mundial, sendo, na verdade, “muito perigosas” se “apresentadas de tal forma”, em detrimento de outras estratégias mais competentes no enfrentamento da questão (como o “turismo ético” ou o “comércio justo” de bens supérfluos)59. Neste sentido, 17 dólares não impedem as 11 milhões de mortes de crianças anuais. Do contrário, o Banco Mundial ou as Nações Unidas poderiam resolver o problema com uma quantia relativamente pequena de 187 milhões de dólares60.


    Kuper reconhece, porém, a pertinência do argumento de Singer quanto à questão dos pobres que vivem em áreas remotas, inacessíveis a medidas como aquelas relacionadas ao “comércio justo” (fair trading), mas ainda assim ressalva que, apesar disso, “Singer não questiona por que essas pessoas do meio rural estão excluídas da economia; ele apenas toma isso como um fato”, e, ademais, desconhece que “construir estradas e redes de transporte é paradigmaticamente uma decisão política”; que ONGs como a Oxfam têm um “papel importante” em iniciativas ligadas ao fair trading, mas não têm “a capacidade permanente de construir estradas, gerar crescimento em larga-escala e regular mercados”, além de “sofrer problemas intrínsecos de prestação de contas [accountability]”61.


    Para Kuper haveria, na verdade, uma falha lógica no argumento de Singer, porque ele parte da assertiva de que X (doar) pode ser melhor que Y (fair trade) se presente o fator Z (inacessibilidade, falta de transporte adequado) para concluir que X (doar) é geralmente melhor que Y (fair trade)62. Na realidade, a resposta sobre qual seria a ação mais eficaz, doar ou fomentar o fair trading, dependeria menos de “intenções nobres”, de “afirmações brutas dos fatos” ou de “falsas esperanças”, mas de teorias “mais profundas” e “análises empíricas”63.


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    58 Ibidem, p. 124.


    59 KUPER, 2002b, p. 125.


    60 KUPER, 2002b, p. 125.


    1. Ibidem, p. 126.


    2. Ibidem, p. 126.


    3. Ibidem, p. 126.


    Em conclusão, Kuper rebate a crítica final da réplica de Singer64, i.e., de por que ele gasta energia em criticar alguém que, como ele, quer mudanças no mundo:

    “[S]ua linguagem individualista de egoísmo versus sacrifício e sua recusa obtusa a explorar seriamente outras alternativas além da caridade enfraquecem nossa defesa realista por mudança. Seria bem melhor se [Singer] focasse em como criar instituições políticas e econômicas que incluíssem os pobres nos benefícios correntes da cooperação social”65.


  2. TRIBUTAÇÃO E O DEBATE SINGER-KUPER

    Singer está certo ao dizer que arruinar uma roupa para entrar num espelho d’água e salvar uma criança ou abrir mão de uma televisão nova para evitar que um menino de rua seja assassinado (caso de Dora, personagem do filme Central do Brasil) são condutas moralmente exigíveis e eficazes em relação ao fim de evitar sofrimento humano. O passo seguinte de seu raciocínio é que não está tão claro. Doar tanto quanto possível para instituições de socorro humanitário pode não ser o melhor uso dos recursos e das ações das pessoas caso elas queiram alcançar o fim de mitigar a miséria.


    No debate com Kuper, Singer teve o mérito de sustentar que a atuação de organizações sérias de socorro humanitário pode ser efetiva e diversa, indo de ministrar remédios e alimentos em caráter emergencial até ações de fomento à geração de emprego e renda em regiões pobres; e também teve o mérito de apontar que as medidas assistenciais mais urgentes têm o seu lugar. No Brasil, um ditado popular já foi bastante empregado para criticar medidas assistencialistas e ilustra bem essa (falsa) dicotomia: “Não dê o peixe. Ensine a pescar”. É uma dicotomia falsa porque, ainda no campo das metáforas, há aqueles que estão fracos demais para pescar e que, portanto, precisam primeiro comer o peixe dado para ter forças de chegar à beira do rio.


    Por outro lado, Kuper está certo ao assinalar como a complexidade das sociedades atuais se manifesta no campo das consequências de nossas ações. A ida ao restaurante, que para Singer seria um gasto supérfluo e imoral, pode contribuir para que alguém não caia em carestia porque tem um emprego, e ter alguém longe da carestia porque trabalha num restaurante é preferível a ter alguém a depender exclusivamente da caridade alheia. Kuper também está certo ao apontar que a miséria tem raízes estruturais, e que ações individuais ou de organizações com alcance limitado não serão capazes de atacar essas raízes. Na linguagem moral de Singer, o dever dos primeiros de dar parte de sua renda para instituições que vão ajudar os segundos é um dever cujo descumprimento ensejaria, no melhor dos cenários, um pesar ou dor na consciência individual e um eventual


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    64 SINGER, 2002c, p. 124.


    65 KUPER, 2002b, p. 126.


    constrangimento social. A passagem dessa linguagem moral para o contexto jurídico, com a institucionalização que isso pode acarretar, tem a vantagem óbvia de reforçar a eficácia das obrigações de solidariedade. Ou seja, as contribuições ao fundo necessário para financiar as ações de combate à miséria deixam o espaço da moral individual para serem consideradas obrigações jurídicas acordadas por toda a coletividade.


    A teoria proposta por Singer tem o mérito de mostrar, de uma maneira própria, algo que é um truísmo sobre nós mesmos: a solidariedade é um valor importante para as nossas sociedades e para o nosso agir individual. Singer também tem o mérito de preocupar-se com os efeitos práticos da ação humana, reconhecendo a importância das consequências e a importância das abordagens teórico-empíricas no dimensionamento dessas consequências. Há, contudo, limites em sua abordagem, vale repetir, principalmente no que tange ao salto da concordância com o princípio moral da situação hipotética da criança se afogando rumo à prescrição de doar para organizações de socorro como sendo a melhor ação no combate à miséria. De qualquer maneira, a combinação dos méritos e dos limites da “solução Singer” lança novas e importantes luzes ao debate sobre qual é a função da tributação, e se ela pode ser justificada – tema do próximo tópico.

    1. Tributos e o combate estável e em escala à miséria


      Os textos de Singer indicam claramente a baixa eficácia da linguagem moral, como quando ele reconhece que poucas pessoas destinam parte de sua renda para instituições de ajuda humanitária; nos escritos de Kuper, há um ponto de particular importância que é aquele referente à sugestão, dada por ele, da instituição de tributos sobre o fluxo de capitais cuja receita financiaria, e.g., as Nações Unidas. O que está por trás dessa proposta é justamente o reconhecimento da baixa eficácia da abordagem moral e o problema da garantia de financiamento permanente de atividades em prol do bem comum. O reforço institucional de eficácia permite que os Estados tenham poder de atuação e estabilidade na manutenção das ações em níveis que nenhuma organização humanitária conseguiria alcançar. Para ilustrar esse argumento, forneço dois exemplos de ações do Estado brasileiro identificadas com o valor da solidariedade preconizado pela “solução Singer” cuja escala é de imensas proporções:


      1. O principal programa de assistência social brasileiro é o Programa Bolsa-Família (PBF). O PBF consiste em transferências condicionadas de renda para famílias muito pobres. Em 2014, atendia 13,8 milhões de famílias no País66. Entre os efeitos do PBF identificados por técnicos do IPEA estão: combate à miséria; dinamização de regiões deprimidas; redução das desigualdades regionais; acesso às instituições bancárias e comerciais, ao crédito e ao consumo planejado; melhoria da qualidade de vida; aumento do grau de empoderamento


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        1. CAMPELLO, T.; e NERI, M. C. Apresentação. In:              . Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania: sumário executivo. Brasília: Ipea, 2014. p. 9.


          feminino (prioridade às mulheres, titulares de 93% dos cartões); redução da prevalência de baixo peso ao nascer e da mortalidade infantil; atendimento básico de saúde fortalecido, com aumento das taxas de amamentação e vacinação e redução da hospitalização de crianças; aumento dos percentuais de meninos e meninas na escola; alunos acompanhados pelo PBF sem mais desvantagens de evasão e aprovação em relação aos demais; expressivo efeito multiplicador no PIB e na renda familiar total67.


      2. Em 1988, metade da população brasileira não tinha nenhuma cobertura de saúde. A criação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema de saúde público e universal, transformou essa realidade – uma transformação significativa, mas parcial68. Mesmo com todos os seus problemas, o SUS garantiu cobertura a praticamente toda a população brasileira – mais de duzentas milhões de pessoas. O desempenho do SUS é apontado como positivo em diferentes aspectos: ao SUS estão associados, v.g., aumento da renda familiar per capita média; diminuição significativa da pobreza e da desigualdade social; ampliação da saúde em termos de serviços e recursos humanos; redução de disparidades regionais no acesso aos serviços de saúde; expansão significativa do acesso aos cuidados de saúde primários; e melhorias significativas em resultados de saúde como expectativa de vida e mortalidade infantil69.

      A atuação das organizações de socorro humanitário, no desenho singeriano, não prescinde de doações voluntárias para ser financiada. Partindo do pressuposto de que o enfrentamento institucional das causas estruturais da miséria pode ser mais efetivo do que as prescrições morais individuais (e sua articulação com organizações de socorro humanitário) defendidas por Singer, um dos pontos que se impõe é o de como esse enfrentamento institucional será financiado. Como as prescrições institucionais são


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      1. CAMPELLO, T. Uma década derrubando mitos e superando expectativas. In: CAMPELLO, T.; e NERI, M. C. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania: sumário executivo. Brasília: Ipea, 2014. p. 13-14; PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; e BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, T.; e NERI, M. C. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania: sumário executivo. Brasília: Ipea, 2014. p.15-16.


      2. De fato, o SUS tem os seus problemas. Estes não mudam a fundamentação do argumento acima, mas ainda assim merecem ser mencionados. Na síntese feita por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fundação pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Economia brasileiro, há um déficit na oferta de serviços em diversas regiões do País, refletido, inter alia, nas intermináveis “filas de espera” para diagnóstico, tratamento e atendimento especializado (e também na superlotação de hospitais e congêneres, outro reflexo evidente do problema do déficit). Os mesmos técnicos indicam que na raiz do problema encontra-se a falta de recursos financeiros suficientes e estáveis para os serviços públicos de saúde – falta que tende a piorar com o “Novo Regime Fiscal” adotado pelo Estado brasileiro a partir da Proposta de Emenda Constitucional n. 241 (PEC 241). Cf. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; VIEIRA, Fabiola Sulpino; e BENEVIDES, Rodrigo Pucci de Sá e. Os impactos do Novo Regime Fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Nota Técnica n. 28, set. 2016. A PEC 241 converteu-se na aprovada Emenda Constitucional n. 95, de 2016, que incluiu na Constituição Brasileira dispositivos que limitam as despesas do Estado. O Relator Especial das Nações Unidas para a Extrema Pobreza e Direitos Humanos, Philip Alston, afirmou que essa alteração constitucional é uma medida “radical” e “sem compaixão” conducente a “impactos severos sobre os brasileiros mais vulneráveis”. Para Alston, a medida prejudica gravemente o sistema de proteção social estabelecido pelo Estado brasileiro para reconhecer direitos sociais, dentre eles o direito à saúde. NAÇÕES UNIDAS. Brasil: teto de 20 anos para o gasto público violará direitos humanos, alerta relator da ONU. Nações Unidas Brasil, 9 de dezembro de 2016.


      3. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Brazil’s march towards universal coverage. Bulletin of the World Health Organization v. 88, n. 9, Sept. 2010, p. 646 (pontuando, ademais, que cerca de 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS); UNITED NATIONS RESEARCH INSTITUTE FOR SOCIAL DEVELOPMENT; VIANA, Ana Luiza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico da; e YI, Ilcheong. Universalizing health care in Brazil: opportunities and challenges. Working Paper 2015-8, April 2015 (sobre o desempenho macroeconômico e social positivo do SUS).


        dotadas de eficácia reforçada, o financiamento estável das ações institucionais em escala pode ser feito por meio de tributos que, por sua compulsoriedade, não dependerão da vontade dos doadores de se “sacrificarem” ou não. Há aqui, portanto, um ponto sobre qual é a função da tributação, ou, pelo menos, sobre qual é uma de suas funções: dados (i) o consenso moral e jurídico de que a miséria deve ser enfrentada e (ii) as dificuldades fáticas de financiamento baseado somente na liberalidade de uns e de outros, (iii) os tributos servem, ou melhor, os tributos podem servir como base mais estável de financiamento das atuações mais eficazes contra a miséria.

        Refletir sobre a “solução Singer” também nos permite lançar luz sobre como os tributos podem ser justificados: mesmo se entendidos como sacrifícios dos contribuintes, desde que os tributos sirvam para financiar ações que diminuam o sofrimento humano (como são ações estruturais de combate à miséria), os tributos trarão para si uma justificação moral análoga à justificação moral consequencialista contida nos pressupostos da “solução Singer”: se eu, contribuinte, posso realizar um pequeno sacrifício cujo resultado será moralmente mais importante, devo fazê-lo.


        A substituição de um modelo baseado na vontade livre dos doadores para um modelo baseado na obrigação jurídico-tributária não representaria o sacrifício de algo moralmente relevante? Esse questionamento traz implícita a noção de que há liberdade e respeito à propriedade no modelo da doação, da caridade individualmente escolhida, enquanto não haveria o mesmo na imposição estatal do pagamento de tributos. Numa formulação radical dessa ideia, Robert Nozick chegou até mesmo a comparar “a tributação dos ganhos com o trabalho” à “imposição de trabalhos forçados”70. Se essa noção estivesse correta, então a transição de um modelo de caridade para um modelo tributário implicaria algum sacrifício da liberdade ou da propriedade dos que serão os contribuintes do segundo modelo, e isso será até algum ponto relevante do ponto de vista moral, porquanto a liberdade é, claro, um valor moral – e dos mais importantes. Outra é a questão sobre se o peso moral desse sacrifício pode ser ou não justificado tendo em vista as consequências da atuação que seria financiada pelos tributos.


        A ideia de que tributos são moralmente antagônicos à liberdade ou à propriedade é, no entanto, bastante criticável de diferentes formas. Em primeiro lugar, é possível realizar uma diferenciação entre dívidas com causa e dívidas sem causa. Se os contribuintes, no modelo tributário, forem somente aqueles que possuem capacidade de pagar tributos, então a renda ou riqueza que lhes permite pagá-los veio de algum lugar: sem a existência de uma sociedade organizada, essa renda ou riqueza não existiria. Considerando essa forma de compreender o fenômeno tributário, o pagamento de tributos pode ser justificado como uma maneira de devolver à sociedade os benefícios que o contribuinte dela tirou; os


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      4. NOZICK, Robert. Anarchy, state and utopia. Oxford: Blackwell, 1974. p. 170-172.


        benefícios que criaram as condições para que ele lograsse ter essa renda ou riqueza. “Nenhum homem é uma ilha.” A obrigação de pagar tributos, nesses termos, pode muito bem ser vista como o pagamento de uma dívida com causa – e a imposição do pagamento de uma dívida que tem causa não é uma violação da liberdade individual. Essa forma de enfrentar a questão tem a vantagem de comportar situações em que a propriedade é, sim, violada: aquelas em que o contribuinte ou responsável tributário foi onerado sem que tivesse capacidade de sê-lo, como acontece, e.g., quando os tributos afetam o chamado mínimo existencial.


        Em segundo lugar, todos os direitos são custeados pela sociedade organizada e dela dependem. Isso inclui direitos relativos à liberdade e à propriedade. Num famoso adágio, Oliver Wendell Holmes Jr. afirmou que os tributos são o preço que devemos pagar para viver numa sociedade organizada (“Taxes are what we pay for civilized society”)71. Retomo sua reflexão para destacar quão inter-relacionados estão os tributos e a cidadania. Não há sociedade sem indivíduos que estabeleçam, entre si, direitos e deveres. Não há sociedade sem responsabilidades intersubjetivas. E para que essas responsabilidades não sejam apenas um dado da imaginação ou das palavras anunciadas; para que essas responsabilidades sejam, em mínima medida, um dado da realidade social (sem o qual não há, vale repetir, sociedade); então é preciso haver instituições capazes de conferir a elas alguma eficácia social. Os tributos são precisamente os recursos que “viabiliz[a]m, materialmente, a edificação de[ssas] instituições”72.

        Nesse sentido, o dever jurídico de pagar tributos já foi interpretado como um dever fundamental, assim compreendido como categoria que expressa diretamente “valores e interesses comunitários”; como dever, portanto, dotado de “especial significado para a comunidade”; como “pressuposto geral da existência e funcionamento do estado e do consequente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto”; como pressuposto para a “proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos”; e também como expressão “da autorresponsabilidade dos cidadãos” pelo sustento da vida social organizada73.


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      5. A frase consta do voto dissidente dado por Holmes Jr. como juiz no caso Compañía General de Tabacos de Filipinas v. Collector of Internal Revenue (1927). Cf. COMPAÑÍA General de Tabacos de Filipinas v. Collector of Internal Revenue. In: WIKIPEDIA, the free encyclopedia. Florida: Wikimedia Foundation, 2018. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Compania_General_De_Tabacos_De_Filipinas_v._Collector_of_Internal_Revenue. Acesso em: 19 set. 2018.


      6. TAVARES, Francisco Mata Machado. A dimensão política da crise fiscal dos estados contemporâneos: um estudo sobre o potencial da democracia deliberativa para a coibição das concorrências tributárias danosas. 2008. 193 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2008. p. 15. No mesmo sentido: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012, p. 118.


      7. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012. p. 37-38, 64, 59, 679.


        Assim entendido, o tributo não é inimigo dos direitos, mas pressuposto para que esses direitos existam. “Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos”, asseverou Nabais, “constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal”74. Em sua dissertação sobre a crise fiscal dos Estados contemporâneos, Francisco Mata Machado Tavares descreveu uma manifestação realizada por alguns donos de postos de gasolina que consistiu, em resumo, na venda de combustível, durante poucas horas, por preço reduzido (subtraído do preço o valor relativo aos tributos incidentes sobre a cadeia produtiva). A manifestação, denominada “Dia Livre de Impostos”, é tomada por Tavares como ponto de partida para uma reflexão sobre como seria uma sociedade totalmente livre de tributos. A venda a preços consideravelmente mais baixos (a carga tributária incidente sobre combustíveis no Brasil é significativa) atraiu muitos condutores. Filas quilométricas se formaram. Houve tensão e risco de tumulto. Com isso, controladores de tráfego e policiais foram enviados aos locais. Tavares conjectura um cenário em que todos os postos de gasolina e todos os setores da economia estão livres de tributos: como, nele, haverá vias públicas, controladores de tráfego, policiais? Mais ainda: escolas a educar os cidadãos, tribunais a garantir o cumprimento dos contratos celebrados em liberdade de mercado, bancos centrais a regular a emissão de moedas e seu curso, além de todas as demais instituições e braços da administração da vida social organizada, como existiriam e como seriam mantidos? “Uma vez universalizada a prática dos postos de gasolina que se decidiram por afastar da vida econômica quaisquer tributos”, especula Tavares, “não se encontra um mundo repleto de mercadorias a preços mais baixos, mas um quadro” comparável ao bellum omnium contra omnes imaginado por Thomas Hobbes75.

        No Direito brasileiro, tributo é “prestação pecuniária compulsória”, tal qual afirma o art. 3º do Código Tributário Nacional. A ideia de dever, de obrigação imposta, está na etimologia do tributo mais comumente conhecido e na história do tributo nas diferentes sociedades e sistemas jurídicos. Nenhuma novidade nisso. Mas, confundir compulsoriedade com negação da liberdade é incorrer numa formulação simplista e errônea. Todos os direitos têm custos, todos os direitos demandam uma articulação institucional capaz de lhes garantir um mínimo de eficácia. Isso vale também para os chamados direitos de liberdade, dentre eles o próprio direito de propriedade. Pode parecer intuitivo para alguns entender o tributo como violação à propriedade privada, na medida em que o tributo representa a imposição de uma obrigação de pagar, mas sem tributos não pode ser mantida a articulação institucional que dá alguma eficácia ao direito de propriedade. O direito de propriedade depende de ações e de instituições – as polícias; os tribunais; os registros públicos; os órgãos responsáveis por controlar e emitir moeda etc. – cujo custo é de algum modo compartilhado



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      8. Ibidem, p. 679.


      9. TAVARES, op. cit., p. 14-15.


        pela sociedade76. Todas essas são formas de repetir e de compreender o que já foi aqui afirmado: o tributo não é inimigo automático dos direitos, mas pressuposto para que esses direitos existam.


        Isso não deve significar, por outro lado, que os tributos são automaticamente legítimos em todos os contextos e situações. Nem um extremo, nem outro: os tributos não são nem automaticamente ilegítimos por afrontarem a liberdade, nem são automaticamente legítimos por potencialmente servirem como meio de garanti-la. Tavares percebeu corretamente que “a propriedade e a livre iniciativa, tão essenciais e determinantes ao capitalismo, não são simples fatos sociais ou, ainda menos, fenômenos da natureza”, mas direitos que, “por sua vez, na modernidade, dizem respeito ao Estado e são definidos e negociados politicamente”77. Assim como os direitos, os tributos também são definidos e negociados politicamente e podem assumir muitas formas: umas mais, outras menos próximas dos ideais de justiça e humanidade.


        Talvez a maior lição do debate entre Kuper e Singer se estabeleça em reconhecer que há valor moral no princípio estabelecido por Singer a partir do seu experimento teórico, qual seja, o de que “se está em nosso poder evitar que aconteça algo de mau, sem com isso sacrificar nada que tenha importância moral comparável, nós devemos, moralmente, fazê- lo”78; e de ver, com reserva, a ideia das doações para organizações humanitárias como a maneira mais eficaz de realizar esse valor. Partindo dessa premissa, mesmo que a cobrança compulsória de tributos voltados para garantir a reprodução material de uma sociedade organizada e que não deixa nenhum de seus membros abandonados à miséria fosse entendida como interferência na liberdade individual – ponto já criticado que admito apenas para fins de argumentação –, ainda assim haveria justificação para essa “interferência” com base no próprio princípio enunciado por Singer: o sacrifício de algo em prol de um resultado moralmente mais importante. Por fim, nunca é demais lembrar que também os miseráveis merecem ser livres, e que não há liberdade na miséria.

    2. Tributos e o combate estrutural da miséria


      Dezoito anos após a sua morte, o bispo católico de vertente franciscana Dom Hélder Câmara (1909-1999) foi declarado pela Lei n. 13.581, de 26 de dezembro de 2017, o Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos. Dom Hélder notabilizou-se por sua atuação em prol de uma Igreja mais simples e voltada aos valores da paz e do combate à pobreza. É o brasileiro com maior número de indicações ao Prêmio Nobel da Paz: foi indicado em quatro



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      1. No mesmo sentido: NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Revista Direito Mackenzie a. 3, n. 2, p. 9-30, São Paulo, 2000, p. 20; HOLMES, Stephen; e SUNSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: Norton & Company, 2000. p. 15, 20-24; TAVARES, op. cit., p. 14-16.


      2. TAVARES, op. cit., p. 16-17.


      78 SINGER, 2002a, p. 140.


      diferentes oportunidades por suas ações contra a ditadura e as torturas no Brasil. Uma de suas mais célebres frases lembra bem o problema da caridade que não questiona as causas estruturais da miséria: “Quando dou comida aos pobres chamam-me de santo. Quando pergunto por que eles são pobres chamam-me de comunista”79. Uma abordagem institucional ao problema da miséria pode e deve vir acompanhada pela reflexão e pelo enfrentamento eficaz e sustentável, em larga escala, das causas estruturais dos grandes problemas sociais, i.e., dos porquês indagados por Dom Helder Câmara80.


      A Constituição brasileira de 1988 traz um número riquíssimo de normas que, em maior ou menor grau de concretude, normatizam um plano de engenharia social que combina uma economia capitalista a um Estado com a missão de proteger as pessoas da exclusão gerada pelas dinâmicas de mercado, numa perspectiva que transcende o simples assistencialismo ou garantia de medidas de emergência81. De fato, no modelo de economia de mercado adotado em diferentes partes do mundo e também no Brasil, vários aspectos da vida social são precificados. Isso faz com que aqueles que podem pagar pelo preço, por exemplo, de um serviço de saúde de qualidade ou de uma casa confortável tenham um acesso diferenciado à saúde, à moradia, à vida digna. A precificação da vida social também gera exclusão daqueles que não podem pagar o preço fixado pelo mercado. Quando a Constituição garante o direito à saúde ou o direito à moradia, e.g., ela prevê uma salvaguarda de inclusão daqueles que o mercado tenha excluído. Essa salvaguarda é, além de promessa, não um favor, mas um direito que impõe ao Estado e à coletividade o dever de sua realização. Naturalmente, permanece o desafio de realizar direitos.


      A passagem de uma ética prática limitada ao “sacrifício” dos doadores para a alternativa ou abordagem institucional tem as vantagens de superar limites graves da percepção de Singer e de dar mais concretude aos corretos insights de Kuper sobre o papel das instituições no enfrentamento da miséria. Ao tratar de uma alternativa institucional, refiro-me essencialmente aos Estados. Isso não quer dizer que eu ignore a possibilidade de outras institucionalidades ou o chamado pluralismo jurídico, nem que eu desconsidere as limitações existentes das possibilidades de atuação estatal. É que, mesmo com o surgimento de organizações internacionais multilaterais e com o poderio crescente das corporações transnacionais e a relativização do poder e do papel dos Estados nacionais de



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      1. ROCHA, Zildo. Helder, o dom: uma vida que marcou os rumos da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 53.


      2. “[N]ós deveríamos parar de pensar sobre a pobreza mundial em termos de ajudar os pobres. Os pobres de fato precisam de ajuda, claro. Mas eles precisam de ajuda apenas em decorrência das injustiças terríveis que nós infligimos neles. Nós não deveríamos, portanto, pensar sobre os nossos esforços individuais ou sobre possíveis iniciativas institucionalizadas de erradicação da pobreza [...] como ajuda aos pobres, mas como maneiras de protegê-los dos efeitos das regras globais cuja injustiça nos beneficia [...].” POGGE, Thomas. World poverty and human rights. 2. ed. Cambridge: Polity, 2008. p. 30.


      3. Por maior ou menor grau de concretude, refiro-me à densificação normativa, ao nível de abstração maior ou menor dos preceitos constitucionais. Um exemplo: ao mesmo tempo que a Constituição traz deveres oponíveis ao Estado, que estão sob uma forma mais aberta, como o dever de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I), ela também desce, por vezes, a deveres mais específicos, como quando elenca entre os objetivos da assistência social a “habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária” (art. 203, inciso IV).


        forma geral, os Estados continuam sendo, pela própria natureza de sua constituição histórica e por suas dimensões, aparatos institucionais de enorme capacidade de interferência sustentável na dinâmica social. Nem toda a ajuda humanitária do mundo parece ser capaz de substituir o Estado como instituição conducente a níveis de desenvolvimento social.


        Que nada disso se confunda, de outra sorte, com uma apologia idealista à figura do Estado jurídico como “ponto de cumeada” do Espírito na história ou fé estatista semelhante, como acontece em círculos hegelianos conservadores e distantes da realidade histórica. Trata-se apenas do entendimento de que a normatividade institucionalizada pode funcionar como importante técnica estruturante de otimização da dinâmica social, e que o Estado figura como instituição capaz de se aproximar do ideal de enfrentamento das causas estruturais da miséria e das desigualdades sociais em geral. O fato de nem sempre isso ocorrer não pode significar que devamos jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia, como nos lembra um provérbio germânico muito eloquente (“das Kind mit dem Bade ausschütten”).


        O debate Singer-Kuper contribui para sedimentar o truísmo de que as ações que miram nas causas estruturais da miséria podem ser mais eficazes e definitivas do que as ações que diminuem, em caráter de urgência, os efeitos mais drásticos desse problema. Os tributos adquirem especial relevância nesse contexto: além de serem meio de pagamento por serviços públicos e governamentais (que, como visto nos exemplos do SUS e do PBF, podem ter um impacto muito importante), os tributos também são “o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva”82. É principalmente por meio deles que se determina “de que modo o produto social é dividido entre os diversos indivíduos, tanto sob a forma de propriedade privada quanto sob a forma de benefícios fornecidos pela ação pública”83.


        Vejamos um exemplo concreto disso. O Gini é um indicador que mede desigualdade muito utilizado em estudos sobre renda. Quanto mais próximo de zero, menos desigual é o país (“zero” seria o extremo em que todos auferem a mesma renda, e “um” o outro extremo, em que a renda é concentrada em sua totalidade). Levando em conta um estudo que mostra o índice Gini antes e depois dos tributos em diferentes países84, com dados de 2014, percebemos que, sem o efeito distributivo de seus respectivos sistemas tributários, vários países desenvolvidos – como Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia, Espanha, Estados


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      4. NAGEL, Thomas; e MURPHY, Liam. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 5. [Título original: The myth of ownership]


      5. Ibidem, p. 101.


      6. ROST, Lisa Charlotte. Equality, before & after taxes. Chartable, Apr. 5, 2018. Disponível em: https://blog.datawrapper.de/weekly-chart- gini/. Acesso em: 9 jan. 2020.


        Unidos, França, Irlanda, Itália, Portugal e Reino Unido – seriam virtualmente tão ou mais desiguais que o Brasil, cujo índice Gini em 2014 era de 0,51585.


        Naturalmente, efeitos distributivos só serão observados se a tributação for distributiva ou progressiva (e espera-se não sejam cancelados, e sim fortalecidos, pelos gastos subsequentes). Se assim for, e se a tributação funcionar como mecanismo estrutural de mitigação da miséria, sua imposição ganhará o grande e merecido mérito moral que associamos às ações humanas que aliviam o sofrimento alheio. É esse o ideal, e “todo ideal é um juiz”: o tributo próximo desse ideal receberá a legitimação ou fundamentação moral condizente; o tributo que se afasta desse ideal atrairá para si a repugnância moral própria das ações humanas que provocam sofrimento.


        As imperfeições humanas, as imperfeições dos indivíduos e de suas instituições, nos fazem pensar na imposição tributária como possível reforço de eficácia de um dever de solidariedade, mas é certo que as mesmas imperfeições acometerão a cobrança e a aplicação dos tributos nas sociedades reais. É por isso que este artigo ou ensaio de Filosofia do Direito Tributário não se intitula “Da caridade à progressividade”, mas “Caridade e progressividade”:


        1. Os limites práticos de eficácia, de estabilidade e de escala da abordagem de Singer, uma abordagem baseada na moral individual e nas ações de organizações humanitárias, apresentam ao debate tributário um reforço da ideia da função e da justificação do tributo como meio de enfrentamento estrutural da miséria (e, consequentemente, um parâmetro de avaliação dos tributos – o quão próximos ou distantes estariam dessa função e dessa justificação).


        2. Os limites práticos da abordagem estatal ao problema da miséria, cujas manifestações mais dramáticas incluem pessoas em situação de miséria e desassistidas por falhas concretas e mesmo pessoas empurradas para a miséria pelo mesmo Estado que deveria garantir-lhes seus direitos fundamentais; esses limites práticos revelam a importância da abordagem de Singer, da atuação de pessoas comuns na medida de suas capacidades, na articulação dessas pessoas com aparatos institucionais mais ou menos independentes.


  3. OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS

O exposto nos tópicos anteriores permite atender de forma fundamentada aos objetivos gerais deste artigo: retomar a abordagem de Singer sobre a miséria e refletir sobre sua relevância para a função e para a justificação do tributo. A partir do que foi examinado e



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  1. WORLD BANK. Brazil – GINI index (World Bank estimate). Index Mundi, s.d. Disponível em: https://www.indexmundi.com/facts/brazil/indicator/SI.POV.GINI. Acesso em: 9 jan. 2020.


debatido neste ensaio de Filosofia do Direito, apresento, nos parágrafos seguintes, pontos de síntese e conclusão:


  1. Singer está correto ao dizer que arruinar uma roupa para entrar num espelho d’água e salvar uma criança é uma conduta moralmente exigível e eficaz em relação ao fim de evitar sofrimento humano. Sua teoria tem o mérito de mostrar, à sua maneira, um truísmo importante sobre nós mesmos: o de que o valor da solidariedade nos é caro, individual e coletivamente. Singer também tem o mérito de preocupar-se com os efeitos práticos da ação humana, reconhecendo a importância das consequências e a importância das abordagens teórico-empíricas no dimensionamento dessas consequências. Dada a complexidade das sociedades atuais e como ela incide sobre nossas ações, doações podem não ser o melhor uso dos recursos e das ações das pessoas caso elas queiram alcançar o fim de mitigar a miséria, e ações individuais ou de organizações com alcance limitado não serão capazes de atacar as raízes estruturais do problema.


  2. Outra dificuldade da proposta de Singer reside no limite de eficácia do dever moral de doar para instituições humanitárias. É possível que muitos concordem com a argumentação de Singer e, ainda assim, não ajam de acordo. Uma forma de enfrentar essa limitação reside na passagem da abordagem moral individual para o contexto jurídico, convertendo em obrigação jurídica, acordada por toda a coletividade, o dever de financiar as ações de combate à miséria. Esse reforço institucional de eficácia permite que os Estados tenham poder de atuação e estabilidade na manutenção das ações em níveis que nenhuma organização humanitária conseguiria alcançar. Nesses termos, os tributos podem servir para garantir bases mais estáveis de financiamento das atuações mais efetivas de combate à miséria. Além disso, por determinarem de que modo o produto social é dividido entre os diversos indivíduos, os tributos podem servir para mitigar a miséria de forma estrutural, com a passagem da caridade à progressividade. Por outro lado, como, na prática, os Estados falham, suas falhas revelam a importância, de outra sorte, da abordagem de Singer, da atuação de pessoas comuns na medida de suas capacidades, na articulação dessas pessoas com aparatos institucionais mais ou menos independentes.


  3. Pode parecer, para alguns, que a substituição de um modelo baseado na vontade livre dos doadores para um modelo baseado na obrigação jurídico-tributária significa sacrificar a liberdade, valor de grande importância moral para indivíduos e sociedades. Porém, tributos não são necessariamente antagônicos à liberdade. No contexto em que são corretamente cobrados e aplicados, seus pagadores são pessoas que se beneficiaram da vida numa sociedade organizada que lhe permitiu acumular renda e riqueza, e a continuidade dessa organização e das liberdades por meio dela exercidas depende dos tributos. Por trás da liberdade de contratar um serviço por determinado preço e de seu efetivo exercício, por exemplo, existem as instituições da sociedade organizada que emitem e regulam moedas, que regulam e garantem o cumprimento dos contratos etc. Isso não


deve significar, por outro lado, que os tributos são automaticamente legítimos em todos os contextos e situações. Os tributos não são nem automaticamente ilegítimos por afrontarem a liberdade, nem são automaticamente legítimos por potencialmente servirem como meio de garanti-la. Na prática, são definidos e negociados politicamente e podem assumir muitas formas, umas mais, outras menos próximas dos ideais de justiça e humanidade.


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