INCOERÊNCIA ENTRE FUNDAMENTOS USADOS NO JULGAMENTO DE QUESTÕES DIVERSAS E A INTEGRIDADE DA JURISPRUDÊNCIA TRIBUTÁRIA

INCOHERENCE BETWEEN GROUND USED IN DIFFERENT JUDICIAL DECISIONS AND THE INTEGRITY OF TAX CASE LAW


Hugo de Brito Machado Segundo


Mestre e Doutor em Direito. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, de cujo Programa de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) foi Coordenador (2012/2016), e do Centro Universitário Christus (Unichristus). Membro do ICET Instituto Cearense de Estudos Tributários, do IBDT Instituto Brasileiro de Direito Tributário e da WCSA World Complexity Science Academy. Advogado. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria


Raquel Cavalcanti Ramos Machado


Mestra em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Doutora em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Membro do ICET Instituto Cearense de Estudos Tributários. Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Chefe do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFC. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-26


RESUMO


Diante da crescente atenção dada pelos pesquisadores da área jurídica à fundamentação das decisões como limite à atuação dos julgadores, mostra-se relevante examinar a necessidade de se usarem, em tais fundamentos, razões compatíveis com premissas usadas no enfrentamento de casos diversos. Entretanto, pesquisa jurisprudencial, pautada por método hipotético dedutivo, revela que não raro os Tribunais Superiores incorrem em incoerência nas premissas usadas para a solução de casos diferentes. Quando a contradição se dá para, nos dois casos, favorecer uma mesma parte com o uso de fundamentos conflitantes, isso talvez revele coerência não com a ordem jurídica, mas com a necessidade de atender aos interesses da citada parte, um indicativo da importância da coerência da jurisprudência na contenção do arbítrio do julgador. Esse é o sentido do art. 926 do CPC/2015, à luz do qual as hipóteses de cabimento de recursos destinados à superação de divergências jurisprudenciais devem ser revisitadas.


PALAVRAS-CHAVE: FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS, COERÊNCIA, INTEGRIDADE, EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA


ABSTRACT


Recently in Brazil, legal researchers start to devote more attention to the justification of judicial decisions, as a limit to judicial rulings. It is relevant, in this scenario, to address the necessity of using, on such justifications, reasons compatible with premises used to decide different cases. However, researching judicial decisions, in Brazilian superior Courts, it is possible to see that not infrequently they incur in incoherence, using contradictory premises to solve different cases. When the contradiction in both cases leads to decisions in favor of the same litigator, this may reveal coherence not with the legal or-der, but with the interests of that litigator. This indicates how important the coherence of case law is to restrain the discretion of judges. This is how the Article 926 of Brazilian Civil Procedure Code is supposed to be understood, and, because of this, the comprehension regarding the use of some judicial ap-peals addressed to solve contradictions between different judicial decisions should be revisited.

KEYWORDS: CASE LAW; COHERENCE; JUSTIFICATION OF JUDICIAL DECISIONS


INTRODUÇÃO

Tem ganhado destaque, entre os que se ocupam da função jurisdicional do Estado e da atuação dos poderes públicos em geral, o estudo da fundamentação das decisões. Mesmo antes do Código de Processo Civil promulgado em 20151, que certamente traz reflexos dessa preocupação, já era possível assistir a um aumento na quantidade de trabalhos e de pesquisas em torno do tema2.


Trata-se, talvez, de um reflexo natural do protagonismo assumido pelo Poder Judiciário nos últimos anos, especialmente decorrente do reconhecimento da normatividade de princípios jurídicos e, com isso, de uma maior interferência do Judiciário nas ações dos demais Poderes, notadamente do Legislativo. Talvez o Judiciário não esteja a exercer esse poder da forma como se esperava, tendo havido então uma maior preocupação com um dos principais limites à aparente liberdade do julgador, a saber, o dever de fundamentar suas decisões.



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  1. BRASIL. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.


  2. Veja-se, a propósito, GUERRA, Marcelo Lima. Notas sobre o dever constitucional de fundamentar as decisões judiciais (CF, art. 93, IX). In: FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. p. 517-541.


    Em suma, se nos anos 1990 e 2000 se viam muitos trabalhos, artigos, dissertações e teses em torno dos princípios e sua aplicação, dos direitos fundamentais como instrumentos de contenção do poder legislativo, do controle de constitucionalidade e de seu exercício etc., na década seguinte se tentou controlar um efeito colateral de tais construções, passando- se a exigir do Judiciário que, ao exercer todo esse poder que se lhe reconheceu, o faça de forma atrelada às normas que está supostamente aplicando. Daí se estarem popularizando, nos últimos anos, discussões em torno da fundamentação das decisões judiciais.


    Há inúmeros aspectos, vertentes e desdobramentos possíveis ao tema da fundamentação das decisões. Neste trabalho, aborda-se apenas um deles, a saber, a necessidade de os fundamentos utilizados pelos julgadores serem coerentes uns com os outros, de modo a que se dê cumprimento ao art. 926 do Código de Processo Civil, segundo o qual “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.


    Para a hipótese de duas questões análogas serem julgadas de maneira divergente, há bastante literatura jurídica já produzida, sobretudo em torno dos instrumentos processuais destinados à superação da discrepância, a exemplo do recurso especial e dos embargos de divergência, mas não se pode dizer o mesmo de julgados que apreciam questões bastante diferentes, mas usam, em sua fundamentação, razões contraditórias umas com as outras. Não há contradição interna em cada decisão, tampouco na jurisprudência firmada em torno de cada assunto visto isoladamente, revelando-se a discrepância, em verdade, apenas quando contrastadas as teses usadas para fundamentar a solução dada a ambas as questões, algo que não é raro no enfrentamento de temas nos quais se faz presente o interesse arrecadatório da Fazenda Pública.


    Colhem-se, para essa análise, alguns exemplos concretos, hauridos da jurisprudência tributária do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com ênfase para um deles, no qual a discrepância entre os fundamentos parece ainda mais expressiva. Diante da necessidade de que a jurisprudência seja íntegra e coerente, e tendo em conta o próprio significado do dever de fundamentar um julgado, procede-se, de forma hipotético- dedutiva e falibilista, ao exame dos prejuízos decorrentes da verificação de tais contradições, e de suas possíveis causas, indicando-se, ao final, mecanismos eventualmente hábeis à sua superação.


    1. O EXPERIMENTO DE UHLMANN E AS REVELAÇÕES DE MOTIVAÇÕES INCOERENTES

      Uhlmann e Geoffrey Cohen realizaram experimento destinado a testar a influência de preconceitos, muitas vezes implícitos (implicit bias), nas decisões tomadas de maneira aparentemente racional, com ênfase para aquelas relacionadas às chamadas “questões de


      gênero”3. O experimento consistiu em solicitar a um grupo de pessoas que selecionasse, dentre candidatos que lhes seriam apresentados, um para ocupar o posto de chefe de polícia em determinada cidade. Foram então indicados aos “selecionadores” – que eram as cobaias do experimento, mas não sabiam disso – os currículos de dois candidatos: um “candidato A”, com diversos títulos acadêmicos, mas sem qualquer experiência como policial nas ruas, e outro, aqui chamado “candidato B”, com perfil inverso: larga experiência nas ruas como policial, mas sem formação acadêmica. Foi informado aos selecionadores, ainda, que o candidato “A” seria do sexo feminino, enquanto o candidato “B”, do sexo masculino.


      Foi selecionado, então, pelos membros do grupo convidado a participar do experimento, o candidato “B”. Quando se lhes pediu uma fundamentação para a escolha, disseram que o elemento decisivo teria sido a experiência nas ruas, essencial a um chefe de polícia e ausente no candidato “A”, cuja formação acadêmica mais completa não seria tão importante à função.


      Repetindo-se o experimento com outro grupo, ao qual se apresentam os mesmos candidatos, fez-se pequena alteração nos seus “currículos”. O candidato “A”, com larga formação acadêmica, foi apresentado como sendo do sexo masculino, enquanto o candidato “B”, com experiência nas ruas, seria do sexo feminino. Os selecionadores, então, escolheram o candidato “A”. Indagados pelas razões da escolha, indicaram a pouca relevância de se ter experiência nas ruas para o cargo de chefia, função para a qual a formação acadêmica seria mais importante.


      A frequência com que tais resultados eram obtidos, com grupos de “selecionadores” diferentes, mostrou duas coisas. A primeira: que os fundamentos apresentados, incoerentes quando contrastados, não eram as verdadeiras motivações de suas decisões. A coerência, em todos os grupos examinados, dava-se a partir de outro critério: o sexo do candidato. Mas nenhum deles admitiu isso expressamente, e talvez mesmo não tivesse consciência disso, sendo esse um “preconceito implícito”4: para eles, o que verdadeiramente importava, para ser chefe, era ser homem.


      Exame sistemático de um corpo de decisões cujos fundamentos são incoerentes, portanto, pode revelar, além da própria incoerência, os verdadeiros motivos que estão a pautar as escolhas dos julgadores, dos quais eles próprios podem não ter consciência. Isso é bastante


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  3. UHLMANN, Eric Luis; e COHEN, Geoffrey L. Constructedcriteriaredefiningmerit to justifydiscrimination. Psychological Science v. 16,

    n. 6, 2005, p. 474-480. Disponível em: https://ed.stanford.edu/sites/default/files/uhlmann_et_2005.pdf. Acesso em: 31 maio 2019.


  4. Para o estudo da influência dos preconceitos implícitos nas decisões, embora sob outro enfoque, veja-se: MARMELSTEIN, George. O racismo invisível: uma introdução à discriminação por preconceito implícito. In: MATIAS, João Luís Nogueira (org.). Direitos fundamentais na contemporaneidade: entre as esferas públicas e privadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 119-132.


    revelador, como se verá a seguir, no exame da jurisprudência das questões que envolvem a Fazenda Pública.


    Neste trabalho, parte-se da hipótese, ou da conjectura, de que a incoerência, revelada em diversos julgamentos envolvendo a Fazenda Pública, é reveladora da menor imparcialidade detida pelo Poder Judiciário quando do julgamento de conflitos em que uma das partes é aquela que o remunera. Ainda que inconscientemente, o membro do Judiciário não consegue tratar a Fazenda com a mesma imparcialidade com que trata um banco, nas relações de consumo, ou um empregador, nas relações de emprego, a reforçar a importância de instituições como a separação de poderes e o dever de motivação das decisões judiciais.


    Pretende-se, a seguir, fazer um exame falibilista da jurisprudência. Daí a remissão, na introdução, ao método hipotético-dedutivo. Em outras palavras, almeja-se, partindo-se da premissa popperiana5 de que a ciência se constrói a partir de conjecturas e refutações, submeter essa premissa a teste, contrastando decisões judiciais que enfrentam situações diferentes, nas quais o emprego de uma mesma tese (v.g., o importante para ser chefe é a experiência nas ruas) pode ora favorecer uma parte, ora favorecer outra, a fim de que se verifique se há, ou não, coerência, e o que eventual incoerência é capaz de revelar.


    1. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E A EXIGÊNCIA DE COERÊNCIA E INTEGRIDADE

      Ao proferir uma decisão, a autoridade judiciária – e não apenas ela, naturalmente – deve indicar os fundamentos de sua conclusão, de fato e de direito. Isso significa, em poucas palavras, que ela precisa indicar as razões ou as justificativas para a sua crença de que os fatos ocorreram da maneira descrita na decisão, e de que as normas vigentes são aquelas também referidas na decisão como incidentes sobre os referidos fatos, com o conteúdo e o alcance capaz de conduzir, à luz dos citados fatos, à conclusão a que se chegou no dispositivo do julgado. Isso é indispensável para que se realize o cotejo entre a decisão e a ordem jurídica que ela diz estar aplicando, bem como com as afirmações de fato que nela foram consideradas verdadeiras, de modo a que se possam apontar seus equívocos ou, se for o caso, aceitar o seu conteúdo, com incremento de sua legitimação e, por conseguinte, do órgão que a proferiu6.


      Como explicado na introdução, não é propósito deste texto verticalizar o estudo da fundamentação das decisões em seus mais variados aspectos, ligados à teoria da argumentação. Tampouco se almeja aprofundar considerações epistemológicas



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  5. POPPER, Karl. A vida é aprendizagem – epistemologia evolutiva e sociedade aberta. Tradução de Paula Taipas. São Paulo: Edições 70, 2001. p. 17.


  6. Confira-se, a propósito das funções ou finalidades da fundamentação das decisões, PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. Tradução de Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 210.


    relacionadas à cognição dos fatos, e das normas, que poderiam ser feitas à luz do raciocínio falibilista subjacente a essa – e a qualquer outra – cognição. O que se pretende é explorar um ponto muito específico, e talvez ainda pouco abordado, que se liga ao dever do julgador de vincular-se à ordem jurídica vigente, e à consequência, daí decorrente, de o corpo de decisões proferidas pelo Poder Judiciário ser íntegro e coerente.


    Com efeito, seja qual for a teoria de argumentação usada, sabe-se que o julgador, pelo menos no Brasil, há de julgar os casos que lhe são submetidos a partir do ordenamento jurídico vigente. E esse ordenamento tem entre suas características a unidade. Assim, em princípio, a ordem jurídica aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça, e pelos demais Tribunais do País, é a mesma. Da mesma forma, o conjunto de normas vigentes que orienta as decisões ligadas ao “caso A” é o mesmo que deve orientar o deslinde do “caso B”, ainda que esses casos não sejam símiles. Normas diferentes do mesmo ordenamento podem ser invocáveis para um e para outro, mas terão elas sido extraídas – ou reconstruídas a partir – do mesmo sistema7. Do contrário, não se poderia dizer que os juízes, na solução das questões que se lhes põem, estão aplicando um mesmo conjunto de normas, mas sim que se estão deixando levar, tão somente, por suas preferências subjetivas8.


    Pode-se mesmo dizer que a coerência do aplicador do Direito é um requisito ao próprio reconhecimento do Direito, enquanto realidade institucional (Searle9). Do contrário, é o arbítrio do julgador, e não as normas preestabelecidas (direito enquanto realidade institucional) o “critério de julgamento” utilizado10.


    A coerência está, ainda, diretamente ligada à unidade e à integridade de um sistema, sendo até tautológico dizer-se “sistema uno e coerente”. Afinal, por coerente, não custa lembrar, entende-se o que “apresenta ligação estreita entre diversas partes”, sendo a coerência a “ligação entre os diversos elementos de um todo”11. Invariavelmente os dicionários associam à palavra a ideia de “ligação ou harmonia entre situações, acontecimentos ou ideias”12, ou


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  7. É precisamente por isso que MacCormick assevera que aos princípios cabe o papel de conferir coerência ao Direito (MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 186), pois eles conferem a ratio pela qual os fundamentos usados para o tratamento de uma questão impõem determinado tratamento a outra questão diferente. Se o homicídio fosse punível, mas a instigação ao suicídio não, por exemplo, embora sejam situações diferentes, haveria incoerência, pois se estaria maculando um princípio mais geral, segundo o qual a vida deve ser protegida. É o que, por outros termos, Karl Engisch designa de uma plenitude axiológica do ordenamento jurídico, a qual será alcançada se, com amparo em valores, se derem a casos análogos soluções semelhantes, calcadas na mesma ratio: ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado.

    8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 281.


  8. RAZ, Joseph. Ethics in the public domain. Essays in the morality of law and politics. Oxford: Clarendon Press, 1996. No mesmosentido: RAZ, Joseph. The relevance of coherence. Boston University Law Review v. 72, n. 2, Mar. 1992, p. 273-321.


  9. SEARLE, John. Libertad y neurobiologia. Tradução de Miguel Candel. Barcelona: Paidós, 2005. p. 103.


  10. Veja-se, a propósito, EHRENBERG, Kenneth. Pattern languages and institutional facts: functions and coherences in the law. In. ARASZKIEWICZ, Michal; e SAVELKA, Jaromir (ed.). Coherence: insights from philosophy, jurisprudence and artificial intelligence. New York: Springer, 2013. p. 161.


  11. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Verbo, 2001. v. 1. p. 857.


  12. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O novo Aurélio. Dicionário da Língua Portuguesa do Século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova


    “acordo entre as partes de um todo”13. Se esse sistema persegue fins, a coerência passa a ser vista como a “congruência ou harmonia de uma coisa com o fim a que se destina”14, sendo uma premissa ou um instrumento necessário a que ele mantenha sua integridade15, algo que se reflete nas considerações de teóricos do Direito quanto ao papel dos princípios ou dos valores na costura da unidade e da coerência do sistema jurídico, conforme será visto mais adiante.


    Coerência e integridade relacionam-se, mas não se confundem, sobretudo quando dizem respeito à jurisprudência, que será coerente quando umas decisões não entrarem em conflito com outras, mas terá integridade quando todas elas guardarem relação de vinculação e respeito à ordem jurídica que dizem estar a aplicar. Daí por que uma decisão pode ser coerente e, ainda assim, não ser íntegra. E tudo se relaciona com o dever de fundamentar não apenas por implicar forma de controle da vinculação do julgador à ordem que deve aplicar em seus julgados, mas porque, para não aplicar fundamentos utilizados em outras situações, incorrendo em aparente incoerência, o julgador deve explicar os motivos pelos quais o que era aplicável a um caso não é ao outro16. Novamente, trata-se do dever de fundamentar a decisão17.


    Essa é a razão, bastante óbvia, pela qual o art. 926 do CPC/2015 estabelece que a jurisprudência deve ser, além de estável, íntegra e coerente. Afinal, ela se deve amparar em uma ordem jurídica que deve ter essas mesmas características, amparo que se mostra inexistente se ela, a jurisprudência, não as ostentar por igual.


    Não obstante, é muito comum, em uma análise mais ampla da jurisprudência construída pelos tribunais brasileiros em determinada área, perceber-se a existência de decisões contraditórias. Existe, como dito na introdução, já alguma literatura, além de instrumentos processuais específicos, para remediar essa contradição, quando interna ao próprio julgado. Diz-se que decisões com fundamentos contraditórios entre si, a rigor, não estão fundamentadas, e o recurso cabível para corrigir o vício é o de embargos de declaração. Algo semelhante ocorre quando a contradição se estabelece entre decisões de órgãos


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    Fronteira, 1999. p. 496.


  13. BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1964. v. 2. p. 755.


  14. HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; e FRANCO, Francisco Manoel de Melo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 753.


  15. Veja-se, a propósito: TRINDADE, André Karam. O controle das decisões judiciais e a revolução hermenêntica no direito processual civil brasileiro. In. STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; e LEITE, George Salomão (coord.). Hermenêutica e jurisprudência no novo Código de Processo Civil: coerência e integridade. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 26.


  16. Por isso, Scott Hershovitz observa que “a court with no concern for integrity of its own decision making would not need to distinguish or overrule its precedents. It could simply ignore them”. HERSHOVITZ, Scott (ed.). Exploring law’s empire: the jurisprudence of Ronald Dworkin. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 104.


  17. A coerência incrementa a aceitabilidade das decisões judiciais pelo público, e pelas partes, tendo ainda a vantagem de contri buir para construir consenso em torno de temas controversos. Cf. AMAYA, Amalia. The tapestry of reason: an inquiry into the nature of coherence and its role in legal argument. Oxford: Hart Publishing, 2015. p. 542.


    fracionários de um mesmo tribunal superior, a respeito da mesma questão de direito: cabem embargos de divergência. Ou mesmo quando a contradição se dá entre decisões de tribunais diferentes, mas ainda a respeito da mesma questão de direito: cabe recurso especial, amparado no art. 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal.


    Mas subsiste a questão de saber como lidar com decisões que enfrentam questões diferentes, mas que, ao fazê-lo, usam fundamentos mutuamente excludentes. Exemplos assim são igualmente comuns, e talvez revelem falhas de igual gravidade na indicação dos motivos que levaram os julgadores às respectivas conclusões. No item seguinte, colhe-se, de forma meramente exemplificativa – pois há vários outros casos que poderiam ser citados –, situação em que isso ocorre.


    1. A COFINS E O PIS INCIDENTES NA IMPORTAÇÃO E SUA NATUREZA CAMBIANTE

      O caso colhido como exemplo a ser mais detidamente examinado, como revelador da falta de coerência jurisprudencial, diz respeito ao tratamento dado às contribuições PIS e COFINS incidentes na importação.


      Com a aprovação da EC n. 42/2003 e da Lei n. 10.865/200418, foram instituídas novas hipóteses nas quais as contribuições PIS e COFINS seriam devidas, a saber, na importação de bens e serviços do exterior (CF/1988, art. 195, inciso IV19).


      Veja-se que as citadas contribuições passaram a ter como fato gerador, de maneira expressa, a importação, passando a ser denominadas, no vocabulário da prática tributária, de “PIS-Importação” e “Cofins-Importação”.


      Quando instituídas as aludidas exações, os contribuintes que importavam produtos da Argentina, do Uruguai ou do Paraguai questionaram a validade de sua incidência sobre as operações que realizavam, com amparo nos arts. 2º e 3º do anexo do Decreto n. 550/199220 (Tratado de Assunção – Mercosul), os quais dispõem:


      “Artigo 2. Os países signatários acordam eliminar, o mais tardar em 31 de dezembro

      de 1994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco.



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  18. BRASIL. Lei n. 10.865 de 30 de abril de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formaçã o do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil – edição extra, Brasília, DF, 30 abr. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/L10.865compilado.htm. Acesso em: 12 dez. 2019.


  19. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.


  20. BRASIL. Decreto n. 550 de 27 de maio de 1992. Dispõe sobre a execução do Acordo de Alcance Parcial de Complementação Econômica n. 18, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 mai. 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D0550.htm. Acesso em: 12 dez. 2019.


    No que se refere às Listas de Exceções apresentadas pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai, o prazo para sua eliminação se estenderá até 31 de dezembro de 1995, nos termos no Artigo 8 do presente Acordo.

    Artigo 3. Para os efeitos do disposto no Artigo anterior, se entenderá:

    1. por ‘gravames’, os direitos aduaneiros e quaisquer outras medidas de efeito equivalente, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial ou de qualquer natureza, que incidam sobre o comércio exterior. Não estão compreendidas no mencionado conceito taxas e medidas análogas quando respondam ao custo aproximado dos serviços prestados, e

    2. por ‘restrições’, qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambial

      ou de qualquer natureza, mediante a qual um país signatário impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco. Não estão compreendidas no mencionado conceito as medidas adotadas em virtude das situações previstas no Artigo 50 do Tratado de Montevidéu 1980”.

      Observe-se que o tratado determina a eliminação de quaisquer medidas de efeito equivalente ao aduaneiro, sejam elas de caráter fiscal ou de qualquer outra natureza. Diante disso, e tendo em conta que PIS-Importação e COFINS-Importação configuram medidas de caráter tributário incidentes na importação, sendo no todo equivalentes a um tributo “aduaneiro”, os que importavam bens e serviços de países signatários do Mercosul tinham bons argumentos para questionar a cobrança de tais contribuições.


      A Fazenda Nacional, porém, opôs-se à pretensão dos ditos importadores de produtos do Mercosul, sustentando que a COFINS e o PIS incidentes na importação seriam em verdade o mesmo tributo já incidente nas operações internas. PIS-Importação e COFINS- Importação, apesar do nome, não seriam tributos incidentes “na importação”, mas tributos que onerariam normalmente também os produtos e operações internos. Assim como o IPI e o ICMS, impostos que oneram produtos nacionais e também importados, sendo cobrados destes últimos quando da importação, PIS e COFINS poderiam incidir nas importações, pois já incidiam nas operações internas. O importante era que o gravame fosse o mesmo. Afinal, a finalidade de sua incidência na importação seria apenas dar igual tratamento ao produto nacional e ao importado, equalizando-os, com prestígio ao art. 7º daquele mesmo Tratado de Assunção, que dispõe: “Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional”.


      A “equalização” do ônus entre produtos nacionais e importados, aliás, constou expressamente da exposição de motivos da Medida Provisória n. 164/200421, que originou a Lei n. 10.865/200422, diploma que institui as “contribuições-importação”:


      “As contribuições ora instituídas dão tratamento isonômico entre a tributação dos bens produzidos e serviços prestados no País, que sofrem a incidência da Contribuição para o PIS-PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), e os bens e serviços importados de residentes ou domiciliados no exterior, que passam a ser tributados às mesmas alíquotas dessas contribuições”.


      Quanto ao uso da medida provisória enquanto espécie de ato normativo, afirmou-se o seguinte, na mesma exposição de motivos da MP n. 164/200423:


      “[...] justifica-se a edição de Medida Provisória diante da relevância e urgência em equalizar, mediante tratamento tributário isonômico, principalmente após a instituição da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativa e da EC 42, de 2003, a tributação dos bens e serviços produzidos no País com os importados de residentes e domiciliados no exterior, sob pena de prejudicar a produção nacional, favorecendo as importações pela vantagem comparativa proporcionada pela não incidência hoje existente, prejudicando o nível de emprego e a geração de renda no País”.


      Por todas essas razões, o Superior Tribunal de Justiça negou razão aos contribuintes que importavam produtos de países signatários do Mercosul. Considerou que PIS e COFINS incidentes na importação seriam, em suma, as mesmas contribuições já incidentes internamente, que apenas seriam cobradas também de produtos importados, quando de seu ingresso no País, sem qualquer oneração adicional, com o mero propósito de equalização da carga. Afinal, a distinção entre produtos importados e nacionais, para fins tributários, pode ser feita apenas pelo imposto de importação, que o tratado já afasta, não


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  21. BRASIL. Medida Provisória n. 164, de 29 de janeiro de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Mpv/164.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.


  22. Idem. Lei n. 10.865 de 30 de abril de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil – edição extra, Brasília, DF, 30 abr. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/L10.865compilado.htm. Acesso em: 12 dez. 2019.


  23. Idem. Medida Provisória n. 164, de 29 de janeiro de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Mpv/164.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.


    sendo as contribuições em comento a ele equiparáveis. Julgando o REsp n. 1.002.069/CE24, por exemplo, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça consignou que o


    “art. 7º do Tratado de Assunção, à semelhança do que ocorre no Tratado do GATT, determina que, ‘em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional’”.


    Assim, com “base no referido tratado, é válida a cobrança da Cofins e da contribuição ao PIS sobre o desembaraço de mercadoria importada de país integrante do Mercosul, quando não estiver o produto nacional também desonerado dessas contribuições”25.


    Sem discutir, aqui, o acerto da referida decisão, em si mesma considerada, o relevante é notar que, para ela, o Mercosul não traria uma desoneração geral e indiscriminada do PIS e da COFINS incidentes na importação oriunda de países signatários. Ao revés, o aludido Tratado implicaria apenas a necessidade de produtos nacionais e importados de países signatários terem o mesmo tratamento quanto aos tributos incidentes internamente. Se os nacionais pagam COFINS, os importados também devem pagar, e vice-versa, pelas mesmas alíquotas e nos mesmos termos.


    Nesse contexto, editou-se, em 2010, legislação destinada a conceder tratamento diferenciado, no que tange ao PIS e à COFINS incidentes em operações internas com frango e milho. Estabelece a Lei n. 12.350/201026 que todas as operações com milho (destinado à alimentação de frangos) e com os próprios frangos não se submetem à incidência das citadas contribuições, que passam a ser objeto de uma “suspensão”, a qual, por força do princípio da não cumulatividade, equivale a um diferimento do tributo, que passa a efetivamente onerar apenas a última operação realizada com tais produtos, quando da venda do frango ao consumidor final.



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  24. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que afirmou válida a incidência de PIS e COFINS importação em operações oriundas de países signatários do Mercosul. Recurso Especial n. 1.002.069/CE. Importadora Celi Ltda. e Fazenda Nacional. Relator: Ministro Castro Meira. 22 de abril de 2008. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1002069&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDIC O&p=true. Acesso em: 19 dez. 2019.


  25. Ibidem.


  26. BRASIL. Lei n. 12.350 de 20 de dezembro de 2010. Dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014; promove desoneração tributária de subvenções governamentais destinadas ao fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas; altera as Leis ns. 11.774, de 17 de setembro de 2008, 10.182, de 12 de fevereiro de 2001, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 7.713, de 22 de dezembro de 1988, 9.959, de 27 de janeiro de 2000, 10.887, de 18 de junho de 2004, 12.058, de 13 de outubro de 2009, 10.865, de 30 de abril de 2004, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 12.024, de 27 de agosto de 2009, 9.504, de 30 de setembro de 1997, 10.996, de 15 de dezembro de 2004, 11.977, de 7 de julho de 2009, e 12.249, de 11 de junho de 2010, os Decretos-Leis ns. 37, de 18 de novembro de 1966, e 1.455, de 7 de abril de 1976; revoga dispositivos das Leis ns. 11.196, de 21 de novembro de 2005, 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 dez. 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Lei/L12350.htm. Acesso em: 22 dez. 2019.


    Assim, em virtude da suspensão, o milho adquirido – no Brasil – por produtores de frango passou a não mais ser onerado por PIS e COFINS. É o que consta do art. 54 da apontada lei:


    “Art. 54. Fica suspenso o pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins

    incidente sobre a receita bruta da venda, no mercado interno, de:

    I – insumos de origem vegetal, classificados nas posições 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, e nas posições 12.01, 23.04 e 23.06 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), quando efetuada por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, vendidos:

    [...]

    b) para pessoas jurídicas que produzam preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05, classificadas no código 2309.90 da NCM; e”.


    As vendas de frango vivo efetuadas de produtores a revendedores, por igual, são submetidas à suspensão, nos seguintes termos:


    “Art. 54. Fica suspenso o pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins

    incidente sobre a receita bruta da venda, no mercado interno, de: [...]

    III – animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05 da NCM, quando efetuada por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, vendidos para pessoas jurídicas que produzam mercadorias classificadas nos códigos 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07 e

    0210.1 da NCM; [...]

    Parágrafo único. A suspensão de que trata este artigo:

    1. – não alcança a receita bruta auferida nas vendas a varejo;

    2. – aplicar-se-á nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita

    Federal do Brasil”.


    Como se percebe, a sistemática da suspensão é concluída, apenas, no âmbito daquele contribuinte que efetua vendas a varejo, para consumo final, única hipótese em que expressamente não se aplica, a teor do parágrafo único do art. 54 da Lei n. 12.350/2010, acima transcrito. Este – o último elo da cadeia – tem de recolher normalmente a COFINS e o PIS. A “suspensão”, como dito, funciona como uma espécie de diferimento do tributo, que passa a ser integralmente devido apenas pelo elo final da cadeia produtiva. Em apertada síntese: no que tange à produção de frangos, o PIS e a COFINS não oneram a cadeia produtiva, desde a compra do milho que serve de ração, até a venda do frango aos comerciantes varejistas.


    Diante desse contexto, e tendo em conta o que decidira o STJ quando dos questionamentos feitos por importadores de produtos oriundos de países signatários do Mercosul, os


    produtores de frango que eventualmente compram de fornecedores situados em outros países o milho que lhes serve de ração passaram a pleitear o mesmo tratamento – a suspensão – também para o PIS e a COFINS incidentes na importação.


    Observe-se que a COFINS e o PIS internamente são objeto de suspensão em toda a cadeia, com exceção da venda a varejo para consumidor final, e o STJ havia decidido que a incidência de tais contribuições nas importações oriundas do Mercosul era devida porque seria preciso dar ao produto nacional e ao importado, no que tange ao ônus representado pelas contribuições, o mesmo tratamento. Assim, nada mais natural que aplicar à COFINS e ao PIS incidentes na importação de frango ou de milho o mesmo tratamento dado na compra de frango ou milho no mercado interno: a suspensão.


    A Receita Federal, contudo, negou a aplicação de referida suspensão às operações oriundas do exterior, inclusive daquelas provenientes de países signatários do Mercosul. Isso levou à judicialização do problema, provocando o Superior Tribunal de Justiça a sobre ele se posicionar. Entendeu a Corte, porém, nessa oportunidade, que COFINS e PIS incidentes na importação seriam tributo diverso daqueles de mesmo nome incidentes em operações internas. Seriam tributos aduaneiros, tal como o imposto de importação, e por isso mesmo não se lhes aplicaria a regra segundo a qual o tratamento entre produtos nacionais e importados deveria ser o mesmo. Pelo contrário, os importados, precisamente por se tratar de um ônus aduaneiro, não poderiam se beneficiar do mesmo tratamento diferenciado dado ao produto nacional.


    Com efeito, a mesma Segunda Turma do STJ, apreciando o REsp n. 1.437.172/RS27, decidiu que


    “o PIS-Importação e a Cofins-Importação são tributos distintos do PIS e da Cofins denominados convencionais, pois, enquanto estes têm por fato gerador o faturamento, aqueles são originados de substrato inteiramente diverso, isto é, a importação de bens ou o ‘pagamento, crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviço prestado’ (art. 3º, I e II, da Lei 10.865/2004)”.


    Como se vê, para negar aos importadores a aplicação da disposição do Mercosul que veda a cobrança de tributos que tem por fato gerador a importação, o STJ afirmou que a COFINS e o PIS incidentes na importação teriam, na verdade, a mesma natureza das contribuições incidentes internamente, e que o relevante seria que o ônus sobre o produto interno e o


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  27. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou aplicação do benefício previsto na Lei 12.350 aos produtos importados oriundos de países signatários do Mercosul. Recurso Especial n. 1.437.172/RS. Cooperativa Agroindustrial Alfa e Fazenda Nacional. Relator: Ministro Mauro Campbell. Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin. 15 de novembro de 2015. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1437172&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO &p=true. Acesso em: 19 dez 2019.


    importado fosse sempre o mesmo. Agora, quando se está diante de situação na qual esse ônus não é equivalente, a mesma Turma afirma que PIS e COFINS incidentes na importação não têm a mesma natureza das contribuições de mesmo nome incidentes internamente. E, não fosse suficiente essa contradição, decidiu a Turma, ainda, que por razões de política fiscal as contribuições incidentes internamente podem ser objeto de benefícios ou diferenciações que não seriam aplicáveis às que oneram as importações. Em suas palavras,


    “a suspensão da incidência do PIS e da Cofins convencionais, prevista no art. 9º da Lei 10.925/2004, representa medida de política fiscal específica, destinada a beneficiar exclusivamente um segmento restrito de empresas que procedam à venda de determinados produtos, sob as condições nele previstas”.


    Como as contribuições seriam (agora) essencialmente diversas, não haveria como


    “ampliar a concessão do benefício relativo ao PIS e à Cofins convencionais, disciplinados pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, para abranger, à margem do texto da lei, a contribuição ao PIS-Importação e à Cofins-Importação, tributos inteiramente diversos, disciplinados na Lei 10.865/2004”.


    Quanto ao art. 7o do Tratado de Assunção e à tese, dele decorrente, da obrigação de tratamento equivalente, que motivou a ideia segundo a qual tais contribuições poderiam ser cobradas mesmo em operações que deveriam ser desoneradas de tributos aduaneiros, entendeu a Corte que “somente poderia ser pleiteada se houvesse demonstração de que idênticos tributos estivessem recebendo tratamento desigual”28. Dessa vez, o PIS e a COFINS devidos por produtores brasileiros, e aqueles devidos por importadores, passaram a ser tributos diferentes, dada a natureza “aduaneira” do que incide na importação. Ocorre que, por essa natureza “aduaneira”, ele não poderia ser cobrado em nenhuma operação oriunda do Mercosul, o que todavia foi afastado no precedente anterior, que reconheceu à exação a natureza de tributos “internos”.


    Não se pretende, neste trabalho, criticar o entendimento firmado pelo STJ no REsp n. 1.002.069/CE, ou no REsp n. 1.437.172/RS, isoladamente. O ponto é justamente contrastá-los. Parecem cuidar de situações diversas, mas neles, em seus fundamentos, se fizeram afirmações opostas, contrariando a ideia de integridade e de coerência da jurisprudência.



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  28. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou aplicação do benefício previsto na Lei 12.350 aos produtos importados oriundos de países signatários do Mercosul. Recurso Especial n. 1.437.172/RS. Cooperativa Agroindustrial Alfa e Fazenda Nacional. Relator: Ministro Mauro Campbell. Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin. 15 de novembro de 2015. Disponível em:

    http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1437172&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO &p=true. Acesso em: 19 dez. 2019.


    A confirmar o que se examinou nos itens anteriores deste trabalho, tais decisões, a afirmarem ora que COFINS e PIS são tributos destinados a dar o mesmo tratamento a produtos nacionais e importados, sendo por isso exigíveis mesmo de importações que deveriam ser desoneradas, ora que são tributos diversos e que discriminações entre os ônus representados por uns e outros são legítimas, parecem não estar se reportando à mesma ordem jurídica. Afinal, não é possível que, em uma mesma ordem jurídica, os mesmos tributos sejam e não sejam tributos aduaneiros, ao mesmo tempo.


    1. POSSÍVEIS CAUSAS DA FALTA DE COERÊNCIA JURISPRUDENCIAL

      O exemplo referido de forma mais detida no item anterior é apenas um dos vários que poderiam ser aqui indicados, o que não se faz apenas por questões de espaço, e para que não se desvie o foco do trabalho, que não é a análise dos detalhes deste ou daquele caso, mas da falta de coerência entre fundamentos usados para o deslinde de casos diversos.


      Emerge, de forma evidente, a sensação de que há um problema grave na fundamentação de um desses dois julgados. Não podem estar fazendo remissão à mesma ordem jurídica, às mesmas contribuições incidentes na importação, no caso, se em uma situação concluem que são “tributo interno” e, por isso, não se submetem à desoneração do Mercosul, mas a mero “tratamento equivalente com os nacionais”, e, na outra, que são “tributo incidente na importação” e, por isso, não se submetem ao apontado “tratamento equivalente com nacionais”.


      O mesmo ocorre quando a jurisprudência afirma, por exemplo, que o imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), mesmo quando pago de forma reconhecidamente indevida, não pode ser devolvido ao comerciante que efetuou esse pagamento, seu sujeito passivo à luz da ordem jurídica, pois quem teria suportado o ônus econômico seria “na verdade” o comprador das mercadorias, e, quando quem pleiteia essa mesma restituição é o tal comprador das mercadorias, se lhe nega a restituição por entender-se que ele não teria relação com o Fisco29.


      Ou, então, quando se decide que o contribuinte que efetua o depósito judicial de um tributo, para fins de suspensão de sua exigibilidade, deve continuar inserindo o valor correspondente em seu balanço, inclusive considerando os rendimentos do tal depósito


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  29. Entende o STJ que o contribuinte “de fato” não tem legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito nem para discutir aspectos outros da relação tributária. A jurisprudência avaliza a falta de coerência da Fazenda, bem captada por Hugo de Brito Machado nos seguintes termos: “[...] a Fazenda Pública sempre se recusa a fazer a restituição de tributos. Quando o pedido de restituição é feito por quem efetuou o pagamento, a Fazenda diz que ocorreu a repercussão e invoca o art. 166 do Código Tributário Nacional para fundamentar sua contestação. E quando o pedido é feito por quem afirma haver suportado o ônus, a Fazenda alega a ilegitimidade processual, em face da inexistência de relação jurídica tributária entre ela e o requerente, que apenas teria pago o preço da mercadoria, ou do serviço”. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 3. p. 357. Para essas e outras incoerências, veja-se: MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do tributo indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011.


    para fins de imposto de renda, pois o dinheiro “não refoge ao seu âmbito patrimonial”30; mas, ao mesmo tempo, quando uma lei concede vantagens a quem desiste do litígio com o Fisco para pagar o tributo à vista, não se reconhece a esse mesmo contribuinte o direito de fazer isso utilizando o depósito e levantando para si a diferença decorrente dos descontos (nos juros) concedidos31, por dizer-se que os tais juros “não pertencem aos contribuintes depositantes”32.


    Há, como dito, vários exemplos, a confirmar a hipótese lançada no início deste texto. Tal como no “experimento de Uhlmann”, “fundamentos” colhidos na ordem jurídica positiva são meros pretextos para se decidir em favor da Fazenda Pública, o que a incoerência gritante nos fundamentos revela com contundência constrangedora. Cite-se mais um, que é o do tratamento dado a matriz e filiais, quando assim se divide uma mesma pessoa jurídica. Como se sabe, matriz e filiais são meras divisões internas de uma mesma sociedade. Não têm personalidade jurídica própria, sendo em verdade partes de uma mesma e única pessoa jurídica. Amparado nessas premissas, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, corretamente, que os bens de uma filial respondem pelos débitos de outras filiais ou da matriz, e vice-versa. Constou da ementa:


    “1. No âmbito do direito privado, cujos princípios gerais, à luz do art. 109 do CTN, são informadores para a definição dos institutos de direito tributário, a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina


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  30. Veja-se, a propósito, o que se decidiu no REsp n. 1.231.972/RS, sob a relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou ao contribuinte o direito de levantar os juros de depósitos judiciais dispensados por lei concessiva de parcelamento. Recurso Especial n. 1.231.972/RS. Lins Ferrão e Companhia Ltda. e Fazenda Nacional. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 8 de maio de 2012. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1145103&num_registro=201100067691&da ta=20120515&formato=PDF. Acesso em: 19 dez. 2019. Ou, ainda a título exemplificativo, o que se decidiu quando da apreciação do REsp n. 769.483/RJ, quando se afirmou que “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que os valores depositados judicialmente com a finalidade de suspender a exigibilidade do crédito tributário, em conformidade com o art. 151, II, do CTN, não refogem ao âmbito patrimonial do contribuinte, inclusive no que diz respeito ao acréscimo obtido com correção monetária e jur os, constituindo-se assim em fato gerador do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que afirmou que os juros dos depósitos judiciais pertencem aos contribuintes e devem se sujeitar ao imposto de renda e à CSLL. Recurso Especial n. 769.483/RJ. Sul América Investimentos e Participações S/A e Fazenda Nacional. Relator: Ministro Humberto Martins. 20 de novembro de 2008. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=783181&num_registro=200501185098&dat a=20080602&formato=PDF. Acesso em: 19 dez. 2019.


  31. Como poderia fazer se o depósito não existisse, o débito estivesse em aberto e o pagamento tivesse sido feito à vista.


  32. No acórdão constou: “A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.251.513, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento segundo o qual ‘a remissão de juros de mora insertos dentro da composição do crédito tributário não enseja o resgate de juros remuneratórios incidentes sobre o depósito judicial feito para suspender a exigibilidade desse mesmo crédito tributário. O pleito não encontra guarida no art. 10, parágrafo único, da Lei n. 11.941/2009. Em outras palavras: ‘os eventuais juros compensatórios derivados de supostas aplicações do dinheiro depositado a título de depósito na forma do inciso II do artigo 151 do CTN não pertencem aos contribuintes-depositantes’ (REsp 392.879/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13.8.2002). Agravo regimental improvido”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão de decisão que negou ao contribuinte o direito de levantar os juros dos depósitos judiciais. Agravo interno no Recurso Especial 1.510.228/CE. Relator: Ministro Humberto Martins. 17 de março de 2015. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1391380&num_registro=201500057905&d ata=20150324&formato=PDF. Acesso em: 19 dez. 2019.


    majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades.

      1. A discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas, à luz de regra de direito processual prevista no art. 591 do Código de Processo Civil, segundo a qual ‘o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei’.

      2. O princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo normativo preceitua que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes nas relações jurídico-tributárias travadas com a Administração Fiscal, é um instituto de direito material, ligado à questão do nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente considerado e não tem relação com a responsabilidade patrimonial dos devedores prevista em um regramento de direito processual, ou com os limites da responsabilidade dos bens da empresa e dos sócios definidos no direito empresarial.

      3. A obrigação de que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ tem especial relevância para a atividade fiscalizatória da administração tributária, não afastando a unidade patrimonial da empresa, cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada do CNPJ da matriz.

      4. Nessa toada, limitar a satisfação do crédito público, notadamente do crédito tributário, a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da situação caracterizada como fato gerador é adotar interpretação absurda e odiosa. Absurda porque não se concilia, por exemplo, com a cobrança dos créditos em uma situação de falência, onde todos os bens da pessoa jurídica (todos os estabelecimentos) são arrecadados para pagamento de todos os credores, ou com a possibilidade de responsabilidade contratual subsidiária dos sócios pelas obrigações da sociedade como um todo (v.g. arts. 1.023, 1.024, 1.039, 1.045, 1.052, 1.088 do CC/2002), ou com a administração de todos os estabelecimentos da sociedade pelos mesmos órgãos de deliberação, direção, gerência e fiscalização. Odiosa porque, por princípio, o credor privado não pode ter mais privilégios que o credor público, salvo exceções legalmente expressas e justificáveis.

      5. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/0833”.


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  33. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no qual se reconhece que matriz e filial são partes da mesma pessoa jurídica e respondem indistintamente por todos os débitos desta. Recurso Especial 1.355.812/RS. Relator: Ministro Mauro Campbell. 22 de maio de 2013. Disponível em:


    A Corte deixou bastante claro que a pessoa jurídica é uma só, sendo sua divisão em estabelecimentos (matriz e filiais) relevante apenas para fins de fiscalização. Com efeito, na fiscalização de estoques, por exemplo, para o efeito de verificação do cumprimento de obrigações relacionadas ao ICMS ou ao IPI, cada estabelecimento é considerado uma unidade autônoma. Mas isso não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, tanto que todos os seus bens respondem por todas as suas dívidas.


    Paradoxalmente, porém, o Superior Tribunal de Justiça deu tratamento diverso a questão na qual uma pessoa jurídica havia ingressado com ação de restituição do indébito tributário, pleiteando a devolução de tributos pagos indevidamente. Percebendo que alguns pagamentos haviam sido supostamente feitos pela filial, e outros pela matriz, a Corte entendeu que esta não poderia pleitear a devolução dos tributos pagos por aquela, como se fossem pessoas jurídicas inteiramente diversas e autônomas. Consignou o Tribunal, simplesmente, e fazendo alusão ao caráter “pacífico” desse entendimento, que:


    “1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de tributo cujo fato gerador operou-se de forma individualizada tanto na matriz quanto na filial, não se outorga àquela legitimidade para demandar, isoladamente, em juízo, em nome das filiais. Isso porque, para fins fiscais, ambos os estabelecimentos são considerados entes autônomos.

    2. Precedentes: AgRg no AREsp 73.337/MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011; EDcl no AgRg no REsp 1.075.805/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05/03/2009, DJe 31/03/2009; AgRg no REsp 642.928/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 06/03/2007, DJ 02/04/2007, p. 233.

    Agravo regimental improvido”34.


    Ressalta evidente a incoerência deste julgado com o anteriormente citado, proferido no REsp n. 1.355.812-RS. Sendo a pessoa jurídica uma só, para fins patrimoniais, isso acontece quando da consideração não apenas de suas dívidas, mas também de seus créditos, visto que o patrimônio – que é uno – é composto por ambos. É equivocado pretender que cada filial constitua advogado e ingresse com ação autônoma, ou figure como “litisconsorte” com a matriz, na recuperação dos tributos pagos indevidamente pela pessoa jurídica, que, pelas precisas razões declinadas no julgamento do REsp n. 1.355.812-RS, é uma só.


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    https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1237241&num_registro=201202490963&d ata=20130531&formato=PDF. Acesso em: 19 dez. 2018.


  34. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão que nega legitimidade à matriz para discutir tributos pagos pela filial. Agravo interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.283.387/RS. Relator: Ministro Humberto Martins. 10 de abril de 2012. Disponí vel em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1135553&num_registro=201102212043&da ta=20120419&formato=PDF. Acesso em: 19 dez 2018.


    E isso para não referir uma contradição patente do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional a exigência do ICMS sobre o serviço de transporte de passageiros (ADI n. 1.600/DF35), limitando os efeitos da decisão apenas ao transporte aéreo por conta tão somente do pedido feito pelo autor da ação, mas, depois, diante de pedido análogo feito, em outra ação, por entidade representante de empresas de transporte terrestre de passageiros, proferiu decisão em sentido diametralmente oposto, afirmando a validade da exigência (ADI n. 2.669/DF36). Decidiu assim apesar de os fundamentos do primeiro julgado serem aplicáveis – como a própria Corte explicitou na ocasião – ao transporte de pessoas por qualquer modalidade, aérea, terrestre ou aquaviária.


    Como dito, os exemplos de falta de coerência – se contrastados julgados diferentes, cuja fundamentação se contradiz mutuamente – são vários. Não é o caso de alongar este texto enumerando-os mais. A questão que se coloca, diante deles, é a de que minam a legitimidade do Poder Judiciário, pois comprometem a aceitação dos fundamentos usados nas decisões correspondentes. Se um dos papéis da fundamentação é o de mostrar que os julgados apoiaram-se na ordem jurídica vigente, fundamentos discrepantes uns dos outros fazem crer que pelo menos um deles não se ampara no referido sistema de normas. Isso se torna mais acentuado quando a discrepância ocorre no âmbito de um mesmo órgão julgador. Transparece a impressão de que o fundamento é um pretexto usado para amparar uma decisão que foi tomada verdadeiramente a partir de outros motivos, de outras causas, as quais não puderam ser colocadas no papel (ou, mais recentemente, na tela do computador).


    Vera Karam de Chueiri e Joanna Maria de Araújo Sampaio37 observam, a propósito, que não só a aparente validade de uma decisão, mas a sua coerência com outras decisões (a que elas chamam “normas particulares”), são instrumentos necessários a que elementos inerentes ao “arcabouço experiencial e cultural” do intérprete não comprometam sua imparcialidade e o levem a proferir decisões equivocadas. É exatamente o que a falta de coerência de tais julgados parece revelar. Por isso mesmo, Karl Larenz inicia seu “Metodologia da Ciência do Direito” advertindo para o fato de que, para uma decisão ser aceita, é preciso, além do


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  35. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão que afirmou inconstitucional a incidência de ICMS sobre transporte aéreo de passageiros. ADI 1.600/DF. Relator: Ministro Sydney Sanches. Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim. 26 de novembro de 2001. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266694. Acesso em: 19 dez. 2019.


  36. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão que afirmou constitucional a incidência de ICMS sobre transporte terrestre de passageiros. ADI 2.669/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. 20 de maio de 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8649396. Acesso em: 19 dez. 2019.


  37. CHUEIRI, Vera Karam de; e SAMPAIO, Joanna Maria de Araújo. Coerência, integridade e decisões judiciais. Nomos – Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC n. 2012/1, p. 177-197, p. 186.


    atendimento de outros requisitos38, que seja compatível com outras decisões e com os princípios que dão unidade à ordem jurídica39.


    Quando ambas as decisões, embora com fundamentos incoerentes entre si, são favoráveis à Fazenda Pública, a incoerência pode ser reveladora das dificuldades inerentes à longa e difícil tarefa de fazer efetivo do Direito em face justamente de quem, de um prisma histórico, surgiu para essa finalidade; assunto que, todavia, não comportaria a devida verticalização aqui40.


    1. HÁ COMO EQUACIONAR O PROBLEMA?

    Aparentemente não há, na ordem jurídica nacional, instrumento específico para que se apontem tais incoerências e se pugne pela sua correção, pelo menos se mantida a jurisprudência atual firmada em torno dos embargos de divergência e do recurso especial.


    Com efeito, entendem os tribunais brasileiros, no que tange à admissibilidade desses dois recursos, que se faz necessária a presença de divergência quanto à mesma questão de direito, assim entendida a aplicação de solução jurídica diversa para situação fática análoga ou semelhante41. Dentro de uma ótica “defensiva”, de reduzir, a todo custo, ainda que através de interpretações completamente irrazoáveis, o número de processos nas Cortes Superiores, dá-se à norma processual relativa ao cabimento de recursos sempre a



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  38. O atendimento de outros requisitos além da coerência não pode ser esquecido, sendo ela tão necessária quanto insuficiente para justificar uma decisão, ou uma afirmação qualquer, mesmo em setores não jurídicos. No plano da epistemologia, ou mesmo da lógica, a coerência é um dos pressupostos para a correta justificação do discurso, mas não o único. Isso porque não se adota, aqui – e não se considera correto fazê-lo sobretudo no que tange à jurisprudência – uma visão coerentista de correção e verdade. A coerência, como o consenso, são consequências, e não causas constitutivas, da veracidade ou da correção de uma proposição. Veja-se, a propósito: RAZ, Joseph. Ethics in the public domain. Essays in the morality of law and politics. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 279; KRESS, Ken. Why no judge should be a dworkinian coherentist. Texas Law Review v. 77, p. 1375-1428, p. 1376. É por isso que, além da coerência, exige-se a integridade, conceitos que estão relacionados muito proximamente, mas não se confundem. Como esclarece Lenio Streck, “um tribunal pode decidir coerentemente, só que de forma equivocada; portanto, coerência necessariamente não quer dizer acerto; por isso a integridade é a garantia para a interrupção de uma coerência equivocada”. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – a exigência de coerência e integridade no novo Código de Processo Civil? In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; e LEITE, George Salomão (coord.). Hermenêutica e jurisprudência no novo Código de Processo Civil: coerência e integridade. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 177.


  39. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 3.


  40. Veja-se, a propósito: MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Autonomia versus efetividade. O devido processo legal tributário na jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu e o enfrentamento de questões análogas pelos Tribunais Brasileiros. In: SIQUEIRA, Natércia Sampaio; e XEREZ, Rafael Marcílio (org.). Desafios à concretização dos direitos fundamentais na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. v. 1. p. 59-80.


  41. Chega-se mesmo a negar o cabimento de embargos de divergência diante de duas decisões que divergem quanto à admissão ou não do recurso em questões semelhantes, apenas porque em uma se adentrou no mérito e em outra não, quando a divergência a rigor está, nesse caso, na decisão divergente de conhecer ou não conhecer diante dos mesmos pressupostos fáticos. E isso mesmo diante do novo CPC, que estabelece a possibilidade de a divergência ser sobre matéria processual ou substancial. Tudo porque um inciso que afastava expressamente esse entendimento restritivo fora revogado (Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão que deixou de conhecer embargos de divergência. Agravo interno nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 850.001/SP. Relator: Ministro Jorge Mussi.

    20 de novembro de 2017. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1657032&num_registro=201600185164&d ata=20171204&formato=PDF. Acesso em: 19 dez. 2019). O que dizer, então, de divergência entre julgados que tratam de questões diversas, ainda que lhes deem solução fundada em razões incoerentes entre si.


    interpretação mais restritiva possível (ou, em muitos casos, até mais restritiva do que seria possível).


    Entretanto, fossem adequadamente compreendidas as normas referentes ao cabimento destes dois recursos – dos embargos de divergência e do recurso especial –, ver-se-ia que elas amparariam, sim, o manejo de tais instrumentos diante de discrepância evidente em fundamentações de acórdãos diversos, ainda que na solução de questões bem distintas, desde que as razões que levaram à invocação de um fundamento, em uma dessas questões, impusessem conclusão diversa no outro. É o que se observa nos exemplos apontados, alusivos à incidência do PIS e da COFINS nas importações oriundas do Mercosul, ou à titularidade dos juros acrescidos aos depósitos judiciais feitos para suspender a exigibilidade do crédito tributário. Merece registro, a respeito, a posição de Juraci Mourão Lopes Filho, para quem o uso dos precedentes não deve ser feito com base em um “assemelhamento entre os fatos das causas”, o que seria um resquício do normativismo dominante, a remeter ao conceito de precedente como norma a ser aplicada por raciocínio subsuntivo. Em suas palavras, o precedente deve ser abordado de uma perspectiva hermenêutica, razão pela qual “a comparação entre os casos não pode se limitar apenas a um desses fatores. Deve se dar em padrões amplos, em que se consideram o Direito, as consequências sociais e jurídicas, o contexto político, social, econômico, a teoria dominante etc.”42.


    Assim deve ser entendida, em tais situações, a remissão contida no art. 1.043, inciso I, do CPC a “acórdão que divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal”, não sendo necessário que a divergência se dê entre os dispositivos dos julgados, podendo verificar-se também em suas incoerentes fundamentações. O mesmo pode ser dito do termo “divergir”, constante do art. 105, inciso III, alínea “c”, da CF/198843, para fins de cabimento de recurso especial, que poderia ser fundado, ainda, na negativa de vigência ao próprio art. 926 do CPC/2015.


    Em tese, seria cabível, ainda, diante de uma decisão fundamentada de maneira assim contraditória e incoerente – ainda que a incoerência se observe diante da fundamentação usada para questões diversas – recurso extraordinário, para que o Supremo Tribunal Federal analisasse a violação aos dispositivos constitucionais que garantem o devido processo legal, e a fundamentação de decisões judiciais. Nesse caso, porém, como se sabe, dentro da mesma ótica ligada à adoção de uma jurisprudência “defensiva”, a Corte diria que se trata de “ofensa reflexa”, e não conheceria do pleito.


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  42. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 426


  43. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.


    Enfim, remédios processuais existem, mas não se pode ingenuamente esperar que eles surtam efeito precisamente a partir da iniciativa de quem criou o problema e talvez não esteja preocupado em resolvê-lo. Em verdade, as Cortes Superiores precisam se conscientizar do fato de que a legitimidade de sua atuação decorre de sua vinculação à ordem jurídica, e esta é quebrada quando se mantém uma jurisprudência incoerente, que sugere ser meramente ornamental e insincera a invocação de razões que conduzem às conclusões firmadas. O Direito é uma realidade institucional44, vale dizer, uma realidade que somente existe porque constituída à luz de um consenso intersubjetivo, formado entre seres pensantes, a respeito de sua existência. Tal como as regras de um jogo, elas desaparecem se não houver a crença de que todos os partícipes do pacto – e especialmente os encarregados de fazê-lo valer – as estão levando a sério. Se os jogadores de um time de futebol começarem a correr com a bola nas mãos, sem que o árbitro diga nada, ou caso este passe a marcar pênalti quando a bola ainda estiver no meio de campo, ou apitar lateral enquanto as duas equipes disputam a posse de bola no centro do gramado, os jogadores terminarão por abandonar o campo, inconformados com o fato de que já será uma partida de futebol o evento do qual participam. Não é por outro motivo, aliás, que Dworkin45 afirma ser a justificativa da coerção eventualmente imposta pelo Estado – através do Direito em geral, e do Poder Judiciário em particular – o fato de o Direito ser visto como a “voz da comunidade”, a qual é uma só, e não aquela decorrente das preferências do julgador encarregado de deslindar cada caso no qual sua aplicação é controvertida. Se os fundamentos das decisões judiciais passarem a ser vistos como meros pretextos para se fazer arbitrariamente o que bem se entende, o próprio Direito, cedo ou tarde, passará por toda a sociedade a ser visto da mesma forma.


    CONCLUSÃO

    Observa-se que as decisões judiciais eventualmente refletem diferentes graus ou níveis de incoerência. Entretanto, diversamente do que ocorre quando a contradição é interna à decisão, ou quando se dá entre decisões diferentes que examinam questão semelhante, não há grande atenção à discrepância que se verifica entre decisões diferentes que examinam questões também distintas, mas cujos fundamentos são mutuamente excludentes, porque contraditórios. Entretanto, tais contradições retiram a coerência e a integridade que se exige da jurisprudência, o que, além de impactar frontalmente o disposto no art. 926 do CPC, faz com que pelo menos uma das decisões postas em contraste seja vista como não amparada na ordem jurídica, que, sendo una, não pode justificar o uso de premissas mutuamente excludentes para o deslinde de situações que, embora diferentes, deveriam ser solucionadas a partir dos mesmos pontos de partida.



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  44. SEARLE, John. Op. cit., p. 103.


  45. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


Do ponto de vista jurídico positivo, à luz da ordem jurídica brasileira, já existem instrumentos processuais para dirimir tais contradições, a exemplo do recurso especial fundado na divergência jurisprudencial e dos embargos de divergência. Basta que os tribunais modifiquem a jurisprudência irrazoavelmente restritiva firmada em torno de suas hipóteses de cabimento, compatibilizando-as com o art. 926 do CPC e com a exigência de fundamentação que decorre do princípio do Estado de Direito e da legalidade, e que está expressamente prevista no texto constitucional, a qual é incompatível com a manutenção de uma jurisprudência incoerente nas remissões que faz à ordem jurídica – que é a mesma

– na qual supostamente se ampara.


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