INCENTIVOS FISCAIS DE ICMS E SELETIVIDADE AMBIENTAL

ICMS’ TAX INCENTIVES AND ENVIROMENT SELECTIVITY


Lázaro Reis Pinheiro Silva


Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Procurador do Estado de Goiás em Brasília. Brasília/DF. E-mail: reispslazaro@gmail.com


Lucas Bevilacqua


Doutor e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Prof. Coord. do Observatório da Macrolitigância Fiscal/IDP e Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Brasília/DF. E-mail: lucas.bevilacqua@gmail.com



Recebido em: 04-03-2020

Aprovado em: 11-06-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-11



RESUMO


O presente artigo tem por propósito examinar a aplicação do princípio constitucional da seletividade (art. 155,

§ 2º, inciso III) no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sob uma perspectiva ambiental. Para tanto, parte de uma análise da extrafiscalidade do ICMS e da neutralidade concorrencial para, em seguida, analisar as distintas perspectivas do critério da essencialidade. Ao final empreende estudo de caso do Convênio

n. 100/1997, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.553/DF, com vistas a apresentar algumas balizas teóricas, a fim de contribuir para ao debate de tema tão relevante para a política tributária dos Estados e do Distrito Federal.

PALAVRAS-CHAVE: PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE, SELETIVIDADE, CRITÉRIO DA ESSENCIALIDADE, ICMS


ABSTRACT


This article intends to analyse the application of the constitutional principle of selectivity (art. 155, paragraph 2, item III) in ICMS from an environmental sight. In this order, first its analysis extrafiscality in ICMS and competitive neutrality, and then analyzes the different perspectives of the essentiality. In conclusion, it proceeds na analisy of Convênio n. 100/1997, object of Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.553 / DF, in purpose to show some theoretical guidelines, in order to contribute to the debate on a topic so relevant to the tax policy of the States and the Federal District.

KEYWORDS: NEUTRALITY PRINCIPLE, SELETIVITY, ESSENCIALITY, ICMS


INTRODUÇÃO

A exaustiva disciplina constitucional do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS – já seria suficiente para suscitar especial atenção de tantos quantos pretendam conhecer o sistema tributário nacional1. Não bastasse tal aspecto de exaustividade do tratamento jurídico-constitucional, cuidando-se de imposto cuja competência encontra-se pulverizada entre os Estados e o Distrito Federal, ganha destaque por ser frequentemente utilizado não apenas com o escopo de obtenção de receitas tributárias por tais entes, mas também como instrumento de indução econômica, através da concessão de incentivos e benefícios fiscais.


É precisamente quando se examina os incentivos e benefícios fiscais de ICMS que ganha relevância um dos mais destacados caracteres deste imposto, a saber, a neutralidade. Isto porque, conquanto seja identificada como uma grande virtude dos impostos sobre o valor agregado e cujo modelo serviu de inspiração ao antigo ICM e, posteriormente, ao atual ICMS, é também sob a perspectiva da neutralidade que melhor se costuma examinar uma série de distorções no tratamento jurídico do imposto, como a por vezes inadequada observância da não cumulatividade, ou mesmo a concessão desregrada de incentivos fiscais pelos Estados e Distrito Federal, que conquanto tenha estimulado o ambiente econômico de diversas regiões do país, também acabou por revelar efeitos deletérios nas contas públicas de diversas unidades da Federação.


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  1. “No que diz respeito a outros impostos, o legislador constituinte limitou-se à designação genérica da materialidade das suas hipóteses de incidência e, em raros casos, à previsão de mais uma ou duas regras pertinentes. Em matéria de ICM, a disciplina foi quase exaustiva, quase-esgotante. A conclusão prática que se extrai desta observação está em que a liberdade do legislador infraconstitucional, nessa matéria (ICM), é imensamente menor do que a liberdade (já limitada) de que dispõe o legislador ordinário, na disciplina de todos os demais tributos. [...] Por essa circunstância, pelo fato do legislador constituinte ter assumido praticamente a fixação de todas as diretrizes, princípios e regras concernentes a este imposto, erige-se esta matéria em tema preferencialmente constitucional. Impõe-se assim uma primeira certeza: a de que, à margem da Constituição não se conhece o ICM.” (ATALIBA, Geraldo; e GIARDINO, Cleber. Pressupostos do estudo jurídico do ICM. Revista de Direito Tributário ano 5, n. 15/16, jan./jun. 1981, p. 112-113)


    Não obstante, também a seletividade em função da essencialidade propicia uma importante perspectiva de estudo dos incentivos e benefícios fiscais de ICMS. Através do art. 155, § 2º, inciso III, o texto constitucional veicula o preceito de que o ICMS “poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”, o que, como se verá, tanto permite a modulação da incidência do imposto com vistas ao atendimento da justiça fiscal como, ao mesmo tempo, comporta a utilização da exação como instrumento de indução econômica, a viabilizar o estímulo ou desestímulo de tais ou quais operações econômicas.


    Prevista inicialmente para o imposto sobre produtos industrializados – IPI –, de competência da União, a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços no ICMS, ademais de pouco estudada à luz das demais características que marcam o regime jurídico-constitucional do imposto dos Estados e do Distrito Federal – como é o caso da neutralidade –, vem servindo de esteio a pretensões de aplicação indiscriminada por muitos contribuintes, que ao reclamar a atenuação da incidência tributária sobre determinadas operações perante o Poder Judiciário2, deixam de tomar em consideração as distintas finalidades às quais o caráter seletivo pode se voltar.

    No que respeita à compreensão dos incentivos fiscais de ICMS à luz da seletividade em função da essencialidade, o Convênio n. 100/1997 bem ilustra as dificuldades que podem se apresentar aos que estão incumbidos de elaborar as políticas tributárias e, inegavelmente, àqueles que se debruçam sobre o tema, com vistas à solução de problemas tributários. Trata-se de ajuste que, em linhas gerais, autoriza os entes signatários a concederem redução de base de cálculo do ICMS nas operações com insumos agropecuários diversos, dentre eles diversas classes de defensivos agrícolas que, se por um lado viabilizam a produção de gêneros agrícolas e, com isso, o fomento da atividade agroindustrial, também podem ter efeitos prejudiciais no campo da saúde pública, da segurança alimentar e da manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.


    É certo que a discussão sobre a concessão de incentivos fiscais revela inegável importância, na medida em que sua concessão indiscriminada leva à guerra fiscal, cujo principal efeito é a erosão das bases tributárias e o comprometimento futuro das finanças públicas3, a produzir reflexos na prestação de serviços públicos e na transferência do ônus do custeio das atividades estatais a ramos empresariais dotadas de menor mobilidade4, ou seja, de demanda inelástica5. Não obstante, ao acercar-se do tema a partir do caráter seletivo


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  2. BUISSA, Leonardo; e BEVILACQUA, Lucas. Seletividade, justiça fiscal e neutralidade concorrencial: o ICMS sobre energia elétrica nos tribunais superiores. Interesse Público – IP ano 19, n. 104. Belo Horizonte, jul./ago. 2017, p. 128.


  3. SCAFF, Fernando Facury. Tributação, livre-concorrência e incentivos fiscais. In: NUSDEO, Fábio (org.). O direito econômico na atualidade. 1. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 313.


  4. ABRAHAM, Marcus; SANTOS, Carlos Alberto C.; e FRANCO, Fernando Raposo. As renúncias fiscais: um panorama introdutório. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico ano 5, n. 9. Belo Horizonte, mar./ago. 2016, p. 20.


  5. FREITAS, Leonardo Buissa. Tributação sobre o consumo, indução econômica e seletividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 215.


    previsto no art. 155, § 2º, inciso III da CF, o que se busca é uma reflexão menos detida nos aspectos econômicos relacionados aos estímulos tributários e, por outro lado, mais afeita ao tema dos distintos fins constitucionais que podem nortear a política de incentivos fiscais e que, não raro, se põem em conflito, a ensejar perplexidades e significativa dificuldade na identificação de soluções.


    Em suma, tendo como pano de fundo a concessão de isenções e incentivos fiscais autorizada pelo Convênio n. 100/1997, busca-se compreender as distintas perspectivas em que a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços pode ser tomada, de modo a atender fins constitucionais diferentes ou até mesmo conflitantes. Sem pretensão de exaurir a controvérsia, que é objeto de discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.553/DF perante o Supremo Tribunal Federal – o que demandaria análise abrangente de aspectos econômicos e de saúde pública envolvidos –, tenciona-se ao menos apresentar algumas balizas teóricas, a fim de contribuir para ao debate de tema tão relevante para a política tributária dos Estados e do Distrito Federal.


    1. EXTRAFISCALIDADE NO ICMS E NEUTRALIDADE CONCORRENCIAL

      O caput do art. 174 da CF prescreve que, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento [...]”. Por outro lado, consta do art. 21, inciso IX, dentre as competências atribuídas à União, a tarefa de “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.


      Ante a completa omissão da União no desempenho de seu mister constitucional de elaborar planos de desenvolvimento econômico, os Estados, o Distrito Federal e o Municípios lançaram-se à busca de investimentos com vistas ao desenvolvimento industrial de seus territórios6, fenômeno que ficou conhecido como “guerra fiscal”.


      Nesta desenfreada competição federativa pela busca de investimentos privados em seus territórios, utilizam-se os entes políticos dos mais diversos atrativos: (i) fiscais: isenção de impostos (ICMS, IPVA, ITCM-D, IPTU, ITBI) para novas empresas, isenção de impostos para MPEs, diferimento de tributos etc.; (ii) financeiros: aquisição de ativos fixos; formação ou recomposição de capital de trabalho, financiamento de impostos, participação acionária, financiamento para pesquisa e desenvolvimento (P&D) etc.; (iii) infraestrutura: permuta, doação, concessão de uso de bem público ou venda subsidiada de terrenos e galpões industriais, implantação e administração de distritos industriais, execução de obras


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  6. BEVILACQUA, Lucas. Concessão unilateral de incentivos fiscais de ICMS – proposta de súmula vinculante e modulação dos efeitos temporais da decisão. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás ano 28, n. 30. Belo Horizonte, jan./dez. 2015.


    públicas; e (iv) outros estímulos: simplificação de registro empresarial, compras governamentais, assistência técnica nos projetos e capacitação profissional7.

    Dentre os instrumentos de incentivo compreendidos na política tributária, destaca-se a concessão de estímulos ou incentivos fiscais. Cuida-se dum conjunto de medidas tais como isenções8, reduções de alíquota ou de base de cálculo, concessão de créditos presumidos e descontos por pagamento antecipado, cujo efeito precípuo é o de atenuação do ônus tributário sobre determinados sujeitos ou atividades econômicas, com vista a estimular a adoção de tais ou quais condutas.


    Como leciona Roque Antonio Carrazza9, é necessário, contudo, diferenciar os incentivos fiscais dos chamados benefícios fiscais. É que enquanto os incentivos permitem à pessoa política competente estimular os contribuintes a adotarem determinados comportamentos com vistas à consecução de uma finalidade merecedora de tutela pela ordem jurídica constitucional, donde emana seu caráter ordinatório, os benefícios seriam verdadeiros favores fiscais, sem contrapartida a ser realizada pelo destinatário, razão pela qual necessitam estar fortemente lastreados no princípio da igualdade, pena de se converterem em indesejáveis privilégios.


    De todo modo, certo é que a utilização excepcional de estímulos fiscais terá espaço quando se pretender a consecução de outros valores prestigiados pela ordem constitucional além da mera arrecadação de recursos, o que insere o tema dos incentivos fiscais no escaninho da extrafiscalidade. A ideia de extrafiscalidade contrapõe-se à de fiscalidade, a significar que, em razão de sua arquitetura normativa, um determinado tributo esteja voltado não apenas ao abastecimento dos cofres públicos, mas sua instituição e cobrança também estejam direcionadas ao alcance de objetivos outros, valendo ressaltar ainda que inexiste entidade tributária que se possa dizer puramente fiscal ou extrafiscal, mas apenas tributos em que uma ou outra característica revela-se prevalente10.


    No que respeita ao ICMS, foco das presentes reflexões, observa-se no cenário nacional que a prática de incentivos fiscais pelos Estados com o objetivo de promover desenvolvimento regional é uma constante na história da Federação brasileira. Em uma tentativa de


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  7. BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais de ICMS e desenvolvimento regional. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2013, p. 55-56.


  8. Entendemos isenção como fenômeno jurídico através do qual se concede uma exoneração tributária. Opera-se por meio da veiculação de normas jurídicas que produzem recortes em um ou mais critérios da norma padrão de incidência, impedem assim que ela produza os efeitos que lhe são próprios, a despeito de a conduta verificada no mundo dos fatos possa ser perfeitamente enquadrada à hipótese normativa. Invocamos, neste ponto, o conceito adotado por Regina Helena Costa, que assim se manifesta: “Singelamente, entendemos constituir a isenção espécie de exoneração tributária, estabelecida em lei e, assim, impeditiva da produção de efeitos da norma consistente na hipótese de incidência. Portanto, existindo norma isentiva, impedido estará o exercício da competência tributária. Em consequência, não poderá surgir a obrigação principal, pelo que temos por equivocadas as ideias segundo as quais isenção consiste na ‘dispensa legal do pagamento do tributo’ ou, mesmo, que represente modalidade de ‘exclusão do crédito tributário’, já que este supõe a existência do vínculo obrigacional.” (COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 303)


  9. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 1.054, nota de rodapé.


  10. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 237.


    controlar eventuais excessos, o constituinte originário estabeleceu no art. 155, § 2º, XII, g, que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, papel que, em nossa ordem jurídica, é desempenhado pela Lei Complementar n. 24/197511.


    É bem verdade, sendo incumbência do Poder Público o papel de agente normativo e regulador, forçoso concluir que os Estados-membros também se encontram legitimados para implementar suas próprias iniciativas desenvolvimentistas, de modo que a política de desenvolvimento regional há de ser compreendida como modalidade de política pública com assento constitucional, constatada pela consulta de vários dispositivos da Constituição Federal, como desempenho, pelo Estado, de sua função de fomento à indústria infante com vistas ao desenvolvimento dos Estados periféricos12.


    A renúncia de receita é, portanto, um instrumento legal utilizado para induzir o comportamento dos contribuintes, seja para estimulá-los, seja para desestimulá-los a praticar determinadas condutas. Neste cenário, fala-se em papel interventor do Estado, o qual, através da extrafiscalidade, pode influenciar no domínio econômico de um país13.


    Referida ferramenta deve ser utilizada com parcimônia e planejamento, sob pena de comprometimento do equilíbrio fiscal e de erosão das bases tributárias dos entes federativos. Também devem ser considerados aspectos como a transparência na concessão dos incentivos, a isonomia no aspecto concorrencial, a efetividade desse tipo de política pública e a revisão periódica das desonerações14.


    Ocorre que, no que respeita ao ICMS, sua característica de imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços e o fato de encontrar-se inserido na competência dos Estados e do Distrito Federal reclamam cautela adicional, a fim de que não se venha a afastar o objetivo de neutralidade.


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  11. Cumpre anotar que a LC n. 24/1975 abrange dois tipos de incentivos (fiscais e financeiros), enquanto a Constituição de 1988 cuida exclusivamente dos incentivos fiscais, de modo que a disposição acerca dos incentivos de natureza financeira não foi recepcionada. De acordo com Ives Gandra da Silva Martins, a concessão de incentivos financeiros encontra-se no âmbito da autonomia dos Estados, sendo- lhes legítima a concessão de fomento financeiro como mecanismo de atração de investimentos para seus territórios (MARTINS, Ives Gandra da Silva. O ICMS e o regime jurídico de incentivos financeiros outorgados pelos Estados e o Comunicado CAT nº 36/04 de São Paulo – distinção entre incentivos financeiros e fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário n. 112. São Paulo: Dialética, p. 137).


  12. BEVILACQUA, Lucas. Concessão unilateral de incentivos fiscais de ICMS – proposta de súmula vinculante e modulação dos efeitos temporais da decisão. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás ano 28, n. 30. Belo Horizonte, jan./dez. 2015. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=239482. Acesso em: 3 maio 2019.


  13. Assim concluímos em outra oportunidade: “[...] impende fixar que os incentivos fiscais se apresentam como normas tributárias com função indutora, estimulando ou desestimulando condutas por parte do agente econômico. Releva notar que, nos incentivos fiscais, demonstra ser somente aparente a contradição entre neutralidade e indução. Isso porque, apesar de ser um claro exemplo de norma tributária de eficácia indutora ao atrair, por exemplo, investimentos para determinada região do país, objetivando diminuir as desigualdades regionais, os incentivos devem também respeitar os lindes estabelecidos pela neutralidade tributária, notadamente a neutralidade na sua acepção moderna, vale dizer, com viés concorrencial.” (FREITAS, Leonardo Buissa; BEVILACQUA, Lucas; e FREITAS, Gabriel Buissa Ribeiro de. Neutralidade concorrencial e a indução econômica na tributação sobre o consumo. Revista de Direito Constitucional & Econômico – I(1), jan./jun. 2019, p. 112)


  14. BUISSA, Leonardo; BEVILACQUA, Lucas; e MORAIS, Pedro Henrique. Incentivos fiscais de ICMS e renúncia de receita com o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Revista Fórum Direito Financeiro e Econômico – RFDFE ano 6, n. 11. Belo Horizonte, mar./ago. 2017, p. 142.


    A neutralidade na tributação não implica a negação da interferência do tributo na economia, ou seja, não há de conduzir à ilusória assertiva de que possa existir tributo completamente neutro. A compreensão mais adequada, segundo Luís Eduardo Schoueri15, é a de “neutralidade da tributação em relação à livre concorrência, visando garantir um ambiente de igualdade de condições competitivas, reflexo da neutralidade concorrencial do Estado”, ou seja, de que a tributação possa servir de instrumento de incentivo, no contexto dos planos de desenvolvimento implementados pelo Poder Público, desde que não venha a ser a fonte de desequilíbrios concorrenciais.


    Daí é que se abre ao intérprete a necessidade de buscar no texto constitucional os diferentes fins cuja consecução pode servir de fundamento legítimo à política de incentivos fiscais, sem perder de vista que referida ferramenta somente se mostra legítima até o ponto em que não venha a arranhar a livre concorrência, e, consequentemente, a solapar as bases da mesma ordem econômica que se pretende tutelar.


    1. O ICMS SELETIVO E AS DISTINTAS PERSPECTIVAS DO CRITÉRIO DA ESSENCIALIDADE

      Tomamos por premissa a afirmação de que o ICMS é imposto sobre o consumo, de modo que sua incidência não grava o produto em si, mas sim a renda despendida para a sua obtenção. Assim, ao menos a princípio, vislumbra-se que quanto maior o consumo, maior a renda disponível, de modo a permitir-se a compreensão de que a capacidade para contribuir é revelada não pelo agente econômico que vende o bem ou presta o serviço, mas sim pelo consumidor de bens e serviços, uma vez que é ele quem vai consumir a renda antes auferida.


      É bem verdade que fatores concorrenciais podem influenciar a composição dos preços, fazendo com que muitas vezes se opte por não repassar integralmente o montante do tributo aos adquirentes das mercadorias e serviços. Não obstante, no que respeita ao ICMS, a transferência do encargo econômico do imposto é constitucionalmente pressuposta pela imposição do princípio da não cumulatividade, autorizando a afirmação de que a repercussão do imposto é não apenas econômica, mas, sobretudo, jurídica16.


      Com efeito, prescreve o inciso I do art. 155, § 2º, da CF que o ICMS “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. Assim, o texto constitucional autoriza a presunção de que


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  15. SCHOUERI, Luís Eduardo. Livre concorrência e tributação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007b, vol. 11, p. 254.


  16. DERZI, Misabel. Notas de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 729.


    o encargo econômico do imposto não seja suportado pelo agente econômico, mas por aquele que adquire as mercadorias e serviços.

    Lado outro, também o princípio da seletividade em função da essencialidade está a indicar que, presumidamente, o encargo econômico do ICMS há de recair sobre aqueles que adquirem mercadorias e serviços enquanto destinatários finais. Segundo o art. 155, § 2º, III, da CF, o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”17.

    A seletividade em função da essencialidade surgiu em nossa ordem constitucional inicialmente apenas quanto ao IPI, com o advento da Emenda Constitucional n. 18/1965. O imposto estadual incidente “sobre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores”, então conhecido como ICM, possuía uma alíquota uniforme, e, portanto, não se lhe estendia o mesmo caráter seletivo conferido ao imposto da União, o que somente veio a ocorrer com a Constituição de 1988.

    Enquanto o IPI é imposto marcadamente extrafiscal – o que se infere do próprio texto constitucional que franqueia ao Poder Executivo, atendidas as condições e limites da lei, alterar-lhe a alíquota –, o ICMS é imposto de sustentação financeira dos Estados e do Distrito Federal e, dadas as firmes limitações à tarefa conformadora do legislador estadual e distrital, tendentes à manutenção da maior uniformidade possível em seus regramentos, somente em caráter mais restrito pode direcionar-se à extrafiscalidade. Nem por isso, todavia, é possível afirmar a inviabilidade do emprego do ICMS como instrumento de estímulos ou incentivos fiscais, mas apenas que a utilização de tais práticas exonerativas deve atentar à peculiar compostura constitucional do imposto.


    Dentre os diferentes aspectos constitucionais que marcam o imposto, a seletividade em função da essencialidade parece ser o filtro através do qual devem ser testados os fins constitucionais fundamentadores das políticas de incentivo. Para tanto, faz-se necessário compreendê-la em suas diferentes perspectivas.

    Num primeiro momento, nota-se que a seletividade em função da essencialidade visa alcançar objetivos de justiça fiscal, minorando os efeitos regressivos próprios à imposição sobre o consumo, já que as camadas menos favorecidas da população, que têm parcelas mais significativas da renda comprometidas com a aquisição de mercadorias e serviços indispensáveis à manutenção de um padrão mínimo de dignidade, acabam suportando uma carga tributária proporcionalmente mais elevada, considerando-se o peso relativo dos impostos no orçamento familiar. Assim, abandonando a uniformidade de alíquotas característica do antigo ICM, a Constituição de 1988 passou a prever que referido imposto poderá ser seletivo, a significar que, na maior medida possível, sua incidência não venha a


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  17. BUISSA, Leonardo; e BEVILACQUA, Lucas. Seletividade, justiça fiscal e neutralidade concorrencial: o ICMS sobre energia elétrica nos tribunais superiores. Interesse Público – IP ano 19, n. 104. Belo Horizonte, jul./ago. 2017, p. 122-123.


    atingir a parcela de riqueza correspondente ao mínimo vital ou mínimo existencial dos indivíduos18.

    Sob esta ótica, é possível vislumbrar na seletividade em função da essencialidade uma conexão com a ideia de fiscalidade, ou seja, com a justa repartição do ônus tributário entre os indivíduos, conforme a sua capacidade econômica. Assim, conquanto não seja possível graduar o imposto conforme a capacidade contributiva propriamente, ao menos se permite considerar a ideia de capacidade contributiva como limite da tributação, mediante a tutela do mínimo vital, o que permite identificá-la como um instrumento de praticabilidade tributária19.


    Ocorre que, ademais da vocação eminentemente fiscal, a seletividade em função da essencialidade também serve como módulo para a utilização do ICMS com finalidade extrafiscal. Isto porque a própria ideia de mercadoria ou serviço essencial, em sua indeterminação, pode ser tomada sob diferentes perspectivas, conforme se esteja a focalizar a justiça fiscal, ou, ao contrário, a consecução de outras finalidades constitucionais, como aquelas relacionadas à ordem econômica.

    É de se notar que, em seus clássicos estudos acerca da essencialidade como critério de tributação, Henry Tilbery já admite que tal ideia pode ser tomada em diferentes sentidos. Assim, após deixar assentado que a noção de essencialidade está atrelada a “padrão mínimo de vida não devendo ninguém ficar abaixo de tal padrão” o que naturalmente remete à realização da justiça fiscal, por meio da distribuição do encargo tributário em consideração à presumida capacidade contributiva dos indivíduos adquirentes de mercadorias e serviços

    – ou mesmo à ausência dela, quando a tributação importaria em menoscabo do mínimo vital – o autor pontua que a essencialidade também pode servir ao direcionamento dos investimentos privados20.


    Também o mestre Ruy Barbosa Nogueira reconhece à seletividade em função da essencialidade tanto uma função de atenuação da carga tributária incidente sobre a aquisição de mercadorias e serviços sobre a população de menor renda, quanto uma função


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  18. A ideia de mínima vital encontra feliz tratamento na doutrina de Ricardo Lobo Torres, cuja leitura é sempre recomendada a tantos quantos pretendam estudá-lo, sobretudo em sua aplicação no campo da tributação: “Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O mínimo existe ncial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.” (TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo vol. 177. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1989, p. 29)


  19. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 241-242.


  20. Neste sentido as clássicas lições do autor: “[...] Em um país, que se encontra em fase avançadíssima de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a imposição seletiva sobre o consumo em função da essencialidade é um instrumento para frenar o consumo de produtos indesejáveis ou menos necessários a liberar forças para investimentos merecedores de apoio. Ao mesmo tempo, constitui instrumentalidade para nivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificadas zonas e alcançar a meta da redistribuição de rendas e maior aproximação da Justiça Fiscal.” (TILBERY, Henry. O conceito de “essencialidade” como critério de tributação. In: NOGUEIRA, Ruy Barbosa (org.). Estudos tributários. São Paulo: Resenha Tributária, 1974, p. 346)


    ordinatória da produção e do consumo. Nesta perspectiva, permite entrever a possibilidade de que sobredita função ordinatória seja compatibilizada com a acentuada “função social” do instituto21.


    É certo que para muitos autores a seletividade em função da essencialidade seria marcadamente extrafiscal, a estimular ou desestimular a produção de mercadorias e serviços conforme sua indispensabilidade ou superfluidade. Assim aponta Roque Carrazza22, para quem o ICMS “pode e deve ser utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes à sociedade e, em contranota, onerando outras que não atendam tão de perto ao interesse nacional”.


    Contudo, partilhamos do entendimento de Luís Eduardo Schoueri23, para quem a seletividade em função da essencialidade pode servir tanto a reclamos de justiça fiscal como a outras finalidades constitucionais. Neste sentido, poder-se-ia falar em essencialidade não apenas sob uma perspectiva individual, mas também em essencialidade sob a perspectiva das necessidades coletivas, tendo como referencial os objetivos e valores constitucionais, de modo que “essencial será o bem que se aproxime da concretização daqueles”.


    Partindo desta perspectiva, é possível compreender que a seletividade em função da essencialidade pode estar voltada a minorar a incidência tributária sobre mercadorias indispensáveis ao consumo humano, pautando-se na perspectiva individual da essencialidade, caso em que a finalidade subjacente será naturalmente a de realização da justiça fiscal. Aliás, dados os caracteres de neutralidade, uniformidade e predominante fiscalidade do ICMS, tal perspectiva parece ser a regra no referido imposto, de modo a poder se afirmar que o emprego da seletividade em função de uma essencialidade coletiva


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  21. “Seletividade do IPI – princípio específico aplicável ao imposto sobre produtos industrializados é o da seletividade em função da essencialidade dos produtos (§ 3º do art. 21 da CF). Como já vimos, embora a legislação tenha mudado o antigo nome “Imposto de Consumo” para o atual Imposto sobre Produtos Industrializados, ele é, e continua a ser, imposto sobre o consumo. [...] Como já vimos no histórico dos índices de tributação, a despesa, gasto ou consumo é, sobre certos aspectos, indício de riqueza, mas a tributação indiscriminada pode acarretar a injustiça social ao sobrecarregar os contribuintes de menor capacidade contributiva. Este tipo de imposto atinge a renda gasta e não a economizada. Os que menos ganham, proporcionalmente ao seu ganho mais gastam em artigos de consumo do que os de maior capacidade econômica. Atualmente o imposto sobre a renda corrige até certo ponto essa situação, cobrando imposto progressivo sobre o rendimento líquido. De outro lado, o imposto de consumo pode ser utilizado com acentuada função social e ordinatória da produção e do consumo.” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Princípio da seletividade do tributo em função da essencialidade do produto. Revista dos Tribunais ano 79, vol. 651 – Fascículo 1 – Cível, jan. 1990, p. 10)


  22. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 538.


  23. “Surge, entretanto, para a seletividade, questão semelhante à já proposta para a progressividade: poderá o legislador ordinário introduzir norma tributária indutora, adotando, então, alíquotas para o imposto que não se graduem segundo o parâmetro da necessidade? Caso se entenda inflexível o conceito de “essencialidade” proposto pela doutrina, então deve-se responder pela negativa, já que cuidou o próprio constituinte de apresentar as balizas pelas quais se guiará a seletividade. [...] Daí justificar-se, por conta das normas tributárias indutoras, que se reformule o conceito de ‘essencialidade’, que deve ter duas perspectivas: o ponto de vista individual dos contribuintes e as necessidades coletivas. Sob a última perspectiva, tal conceito deve ser entendido a partir dos objetivos e valores constitucionais: o essencial será o bem que se aproxime da concretização daqueles. Assim, tanto será essencial o produto consumido pelas camadas menos favorecidas da população, dado o objetivo fundamental da República de ‘erradicar a pobreza e a marginalização’ (artigo 3º, III, da Constituição Federal), como aquele que corresponda aos auspícios da Ordem Econômica, diante do objetivo de ‘garantir o desenvolvimento nacional’ (artigo 3º, II).” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 300-301)


    reclamará uma convivência entre a justiça fiscal e os valores constitucionais perseguidos através da indução econômica24.

    Não obstante, é certo que o ICMS comporta alguma dose de extrafiscalidade, o que pode ser atribuído não a um afastamento da seletividade em função da essencialidade, mas à sua consideração sob a decantada perspectiva das necessidades coletivas.


    Assim, à luz dos valores basilares da ordem econômica, a perspectiva coletiva da essencialidade legitima a concessão de incentivos fiscais a uma dada atividade econômica, visando finalidades como a geração de empregos (art. 170, inciso VIII, da CF) ou a redução das desigualdades regionais (art. 170, inciso VII, da CF).


    Também legitima a tributação mais branda sobre mercadorias cujo processo produtivo seja menos poluente, que embora guardem idêntico grau de essencialidade sob a perspectiva individual, seguramente diferenciam-se à luz da perspectiva coletiva, de defesa do meio ambiente e tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos (art. 170, inciso VI)25-26.


    Por outro lado, a partir da perspectiva de essencialidade coletiva é possível identificar a possibilidade de se tributar com mais intensidade alimentos comprovadamente prejudiciais à saúde, como é o caso das bebidas açucaradas, através da consecução de finalidades ligadas à ordem social e, mais especificamente, à saúde pública (art. 196 da CF)27.

    É bem verdade que o emprego da seletividade em função da essencialidade encontra limites na própria ideia de neutralidade, ínsita ao ICMS, como temos afirmado, o que por si só já exige grandes desafios do intérprete, a fim de se aferir em que medida o atendimento



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  24. No delimitado espectro de análise deste trabalho não se pretende aprofundar no tema da compatibilização entre o atendimento da justiça fiscal e a implementação de finalidades indutoras através da seletividade. Não obstante, registre -se que a questão comporta candentes discussões, valendo destacar o trabalho desenvolvido por Leonardo Buissa Freitas: “Com efeito, uma relevante questão a ser solucionada é se a tributação sobre o consumo atende tanto à função fiscal quanto à função indutora. Nessa seara, importa perscrutar, como mencionado no parágrafo anterior, se seletividade é instrumento fiscal ou extrafiscal, se está no campo da justiça fiscal ou na quadra da justiça social, de cunho eminentemente distributivo ou redistributivo. Inicialmente, cumpre realizar um corte entre a justiça fiscal e a justiça social, não por uma imposição de sequência temporal, mas sim por uma precedência sistemática, uma vez que o Estado deve criar normas tributárias com finalidade fiscal, com respeito à capacidade contributiva e, garantida a justiça fiscal, pode intervir na economia por indução, considerados os interesses econômicos e sociais envolvidos.” (FREITAS, Leonardo Buissa. Op. cit., p. 222)


  25. Cf. CASTELLO, Melissa Guimarães. A seletividade do ICMS e os parâmetros delineados pelo direito ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental vol. 14, n. 81. Belo Horizonte: Fórum, maio/jun. 2015, p. 38-45.


  26. Cuida-se aqui do fenômeno da “ambientalização dos impostos”, referido por José Casalta Nabais, e que consiste num esforço de compatibilização da finalidade fiscal ou arrecadatória dos impostos, com certa finalidade indutora, voltada à diminuição dos impactos ambientais decorrentes das atividades econômicas: “Uma ‘ambientalização’ dos impostos clássicos que não põe em causa a sua natureza de impostos fiscais, convertendo-os, por essa via, em impostos de natureza extrafiscal ao serviço da protecção do meio ambiente. O que acontece é que, ao modelar tais impostos o legislador tem em conta os objectivos ambientais. No que, a seu modo, mais não faz do que harmonizar os objectivos da política fiscal, de obtenção de receitas, com os objectivos das outras políticas que ao Estado cabe prosseguir, entre as quais presentemente se conta pela sua importância e verdadeiro carácter estrutural a política de defesa do meio ambiente.” (NABAIS, Casalta. Tributos com fins ambientais. Lisboa: ICJP, 2008, p. 22. Disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/722-1115.pdf. Acesso em: 05 jul. 2020)


  27. A este respeito, vale registrar a existência do PL n. 10.075/2018, em trâmite na Câmara dos Deputados, através do qual se pretende a elevação das alíquotas do IPI sobre bebidas não alcoólicas adoçadas com açúcar. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 30 jun. 2019.


    do caráter seletivo converte-se em causa de desequilíbrios concorrenciais. Não obstante, problema tão ou mais complexo se revela quando, ao pretender-se utilizar o ICMS com finalidade extrafiscal, mediante a concessão de incentivos fiscais, emerge um conflito entre a finalidade constitucional subjacente à norma indutora e outras finalidades constitucionais que, supostamente, não tenham sido por ela prestigiadas.


    1. O CONVÊNIO ICMS N. 100/1997 E OS DISTINTOS FINS CONSTITUCIONAIS EM CONFLITO: ENTRE O FOMENTO À ATIVIDADE AGROPECUÁRIA E A TUTELA DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE PÚBLICA

    O problema do conflito entre as finalidades constitucionais subjacentes à norma indutora e outros valores constitucionais é o que parece estar presente nas discussões em torno do Convênio ICMS n. 100/1997. Referido convênio prevê a redução de base de cálculo do ICMS nas operações com diversos insumos agropecuários, o que inclui diversos defensivos agrícolas28.


    Da análise do convênio, percebe-se facilmente que o mesmo tem por finalidade subjacente o fomento à atividade agropecuária, o que sem dúvida alguma se mostra compatível com os princípios da ordem econômica como a valorização do trabalho humano, por meio da geração de emprego e renda, bem como à redução das desigualdades regionais, fomentando-se atividade econômica que faz parte da base econômica nacional. Ocorre que, ao tomar-se a concessão de incentivos fiscais às operações com defensivos agrícolas como inseticidas, fungicidas, formicidas, vem a lume a questão de saber em que medida referidos incentivos são compatíveis com outras finalidades constitucionais não contempladas na norma, notadamente a de defesa do meio ambiente (arts. 170, VI e 225, da CF) e de tutela da saúde pública, através de políticas de redução do risco de doença e de outros agravos (art. 196 da CF).


    Referido convênio teve sua constitucionalidade questionada através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.553/DF, que se encontra em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Naqueles autos, o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL – aponta que o Convênio ICMS n. 100/1997 e o Decreto n. 7.660/2011, que também concede isenção do IPI a diversos defensivos agrícolas, violariam o art. 225 da CF, que assegura o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o art. 196, que assegura o direito fundamental à saúde, e, por fim, implicariam descumprimento do princípio da seletividade em função da essencialidade.


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  28. “Cláusula primeira. Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos: I – inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores), vacinas, soros e medicamentos, produzidos para uso na agricultura e na pecuária, inclusive inoculantes, vedada a sua aplicação quando dada ao produto destinação diversa; Cláusula terceira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder às operações internas com os produtos relacionados nas cláusulas anteriores, redução da base de cálculo ou isenção do ICMS, observadas as respectivas condições para fruição do benefício.”


    Em favor da declaração de inconstitucionalidade, argumenta-se com a existência de evidências científicas que associariam a utilização de defensivos agrícolas e o aumento do risco de desenvolvimento de doenças graves, bem como o potencial poluidor do seu emprego nas lavouras. Tal posicionamento é adotado na manifestação emitida pela Procuradoria Geral da República (PGR), a apontar que, à vista de tais circunstâncias, os atos normativos impugnados percorreriam o caminho inverso das prescrições constitucionais emanadas dos arts. 225 e 196 da CF, fomentando as operações com mercadorias que deveriam ter sua utilização desestimulada.


    Por outro lado, a defender a constitucionalidade do Convênio n. 100/1997 emergem as manifestações da Advocacia Geral da União, da Consultoria Geral da União e dos diversos amici curie, que, dentre outros argumentos, sustentam que a concessão dos incentivos fiscais não teria como efeito o estímulo à utilização indiscriminada dos defensivos agrícolas, mas apenas resultaria numa redução de custos de produção e, com isso, numa redução do preço dos alimentos ao consumidor.


    Em suma, a lógica por trás dos fundamentos suscitados é a de que a utilização dos agrotóxicos já é regulada pela Lei n. 7.802/1989, de modo que, desde que adequada às prescrições legais e regulamentares vigentes, cuidar-se-ia de prática lícita, inexistindo elementos a permitir a conclusão de que, como decorrência das normas impugnadas adviria uma má utilização dos defensivos agrícolas. Demais disso, argumenta-se com a inexistência de alternativas aos defensivos agrícolas, a fim de que se possa assegurar a manutenção do volume de produção de alimentos suficiente ao atendimento da demanda de consumo.


    É evidente que a questão posta na ADI n. 5.553/DF é sensível e permeada de diversos aspectos técnicos a serem considerados, não apenas jurídicos, mas sobretudo de saúde pública, de modo que uma análise detida do tema da segurança na utilização de agrotóxicos não é o objetivo do presente trabalho. Em verdade, o que se busca apontar é como o exame da seletividade em função da essencialidade ganha substancial complexidade quando o que se busca não é apenas classificar mercadorias e serviços conforme o grau de essencialidade a um padrão mínimo de existência – perspectiva fiscal ou individual da essencialidade –, mas sim sopesar valores constitucionais em conflito, igualmente aptos a ensejar o emprego do ICMS com finalidade extrafiscal.


    Assim, a solução da controvérsia não se restringe ao debate acerca da essencialidade dos insumos agropecuários, tomada em sua perspectiva individual, reclamando o emprego dos mecanismos disponíveis para o controle das normas tributárias indutoras em geral, ou seja, para o controle da extrafiscalidade, cotejando-se os diferentes fins constitucionais em conflito, para que seja possível aferir a compatibilidade da norma indutora com a perspectiva coletiva da essencialidade. Em suma, identificada a existência de uma finalidade distinta da mera arrecadação, a norma tributária submeter-se-á a um teste de


    sua fundamentação, a fim de se verificar se a indução econômica por ela pretendida encontra efetiva ressonância na ordem constitucional29.


    É bem verdade que sobeja significativa margem de liberdade ao legislador estadual e distrital para a conformação da política tributária, de modo que, ao menos ao princípio, afigura-se inviável o controle jurisdicional das exonerações tributárias, mormente quando concedidas com esteio em fins constitucionais diversos da repartição igualitária da carga tributária30. Não obstante, não se trata de uma liberdade ilimitada, de modo que, ao fim e ao cabo, ainda que venha a afigurar-se inicialmente como uma medida legítima, a norma tributária extrafiscal não está imune ao teste de proporcionalidade, o que permitirá, ademais, confrontá-la com os demais valores e finalidades constitucionais eventualmente conflitantes.


    Embora exista significativa divergência entre os autores acerca do fundamento constitucional da proporcionalidade31, é certo que a mesma se afigura uma importante ferramenta para a contenção do excesso de poder legislativo, consistindo em um postulado normativo aplicativo, apto a propiciar uma estrutura de aplicação de outras normas, como leciona Humberto Ávila32. Por meio de uma estrutura trifásica, submete-se o ato normativo ao atendimento de três requisitos, consistentes na (i) adequação, na (ii) necessidade ou exigibilidade e na (iii) proporcionalidade em sentido estrito33.


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  29. BONFIM, Diego. Extrafiscalidade: identificação, fundamentação, limitação e controle. São Paulo: Noeses, 2015, p. 329.


  30. Neste sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal: “Agravo regimental em mandado de segurança. Tributário. Contribuição social do salário-educação. Alegada omissão quanto à edição do regulamento a que se refere o art. 1º, § 1º, IV, da Lei nº 9.766/98. Definição de organizações de fins culturais a serem contempladas pela isenção do recolhimento da exação. Ilegitimid ade passiva do Presidente da República. Decreto nº 6.003/06. Redirecionamento da incumbência a órgão integrante do Poder Executivo. Inexistência de prova cabal. Discricionariedade. [...] 3. Consoante a jurisprudência da Corte, a concessão de isenção tributária configura ato discricionário. Por meio dela, o Poder Público, embasado no juízo de conveniência e oportunidade – o que inclui a verificação do momento adequado para a concretização da benesse –, busca efetivar políticas fiscais e econômicas. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, afirmar que determinada situação está abrangida por uma norma de isenção tributária se assim ela não determinou. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 2% (art. 1.021, § 4º, do CPC). 5. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, haja vista tratar-se de mandado de segurança (art. 25 da Lei 12.016/09).” (MS n. 34342 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.08.2017, processo eletrônico, DJe-186, divulg. 22.08.2017, public. 23.08.2017)


  31. Para Luís Roberto Barroso, o princípio da proporcionalidade “tem seu fundamento nas ideias de devido processo legal substantivo e na de justiça” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 345). A mesma posição é sustentada por Gilmar Ferreira Mendes, para quem a partir do advento da Constituição de 1988 operou-se uma alteração do fundamento do princípio da proporcionalidade, que passou a repousar na cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV), o que acabou por ser confirmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 855, relativa a norma que disciplinava a participação de partidos políticos nas eleições: “Essa decisão parece consolidar o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade como postulado constitucional autônomo, que teria a sua sede material na disposição constitucional sobre o devido processo legal (art. 5º, LIV). Embora aparentemente redutora da fundamentação do princípio da proporcionalidade, essa posição aponta uma compreensão do princípio da proporcionalidade como princípio geral de direito.” (MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 72)


  32. “O dever de proporcionalidade não é um princípio ou norma-princípio. Senão vejamos: sua descrição abstrata não permite uma concretização gradual, pois a sua estrutura trifásica consiste numa única possibilidade de sua aplicação; a aplicação dessa estrutura independe das possibilidades fáticas e normativas, já que o seu conteúdo normativo é neutro relativamente ao contexto fático; sua abstrata explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade de ponderação, pois o seu conteúdo não irá ser modificado no entrechoque com outros princípios. Não bastasse, a proporcionalidade não determina razões às quais a sua aplicação atribuirá um peso, mas apenas uma estrutura formal de aplicação de outros princípios.” (ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo vol. 215. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 169)


  33. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 457.


Nessa linha, para que se tenha uma medida como adequada é preciso que a mesma possa ser considerada apta à consecução dos fins que lhe são subjacentes, reputando-se necessária aquela que, através de um raciocínio comparativo, não encontre alternativas menos restritivas aos direitos envolvidos. Por fim, conquanto adequada e necessária, é ainda indispensável aferir se a medida é proporcional em sentido estrito, ou seja, se as vantagens advindas da adoção do ato com vistas à consecução de uma dada finalidade são capazes de justificar a desvantagens verificadas, ou seja, as restrições a direitos fundamentais eventualmente ocasionadas34.


Valendo-nos desta estrutura trifásica para o exame do Convênio ICMS n. 100/1997, podemos afirmar inicialmente inexistirem dúvidas de que ele é instrumento adequado para atenuar a incidência tributária sobre a aquisição de insumos agropecuários – inclusive os defensivos agrícolas –, e, com isso, estimular o respectivo setor econômico. É inegável que ao permitir a redução do custo de aquisição dos insumos, o incentivo fiscal acaba por contribuir para a composição dos preços das mercadorias a serem produzidas, o que atende a legítimas finalidades albergadas na ordem econômica constitucional35.

Por outro lado, é sob o prisma da necessidade que aparecem as primeiras dúvidas acerca da compatibilidade entre o incentivo fiscal autorizado pelo Convênio ICMS n. 100/1997 quanto aos defensivos agrícolas, e os demais valores constitucionais em conflito, notadamente os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Com efeito, emerge a questão de saber se, considerando-se que o instrumento em referência já confere tratamento tributário favorecido a uma série de insumos agropecuários, seria a redução de base de cálculo das operações com defensivos agrícolas efetivamente necessária ao fomento ao setor agropecuário.


Esta valoração da necessidade, aliás, há de ser juridicamente aferida, ou seja, deve-se tomar em consideração se, dentre as medidas consideradas adequadas à finalidade pretendida, adotou-se aquela que gera menos restrições aos fins contrapostos36. Assim, deve-se questionar se, à vista das restrições que proporciona aos direitos fundamentais à saúde (art.

196 da CF) e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), persiste a indispensabilidade da medida como meio apto à realização do fim colimado.


Quanto a este aspecto, é preciso aferir se o fomento à atividade agropecuária pode ser alcançado através dos incentivos fiscais direcionados aos outros tantos insumos constantes do Convênio ICMS n. 100/1997, sem que se mostre indispensável contemplar


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  1. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 218.


  2. É necessário anotar, como ressalta Diego Bonfim, que as normas tributárias extrafiscais são tidas por adequadas “sempre que, em uma avaliação isolada destas, esteja o intérprete habilitado a argumentar que estas são capazes de, em tese, alcançar os fins pretendidos” (BONFIM, Diego. Op. cit., p. 346).


  3. BONFIM, Diego. Op. cit., p. 348.


também os defensivos agrícolas, na medida em que estes, ao menos potencialmente, estariam relacionados a graves riscos à saúde pública e ao meio ambiente. É dizer, há que se identificar se a finalidade constitucional pode ser alcançada por outros meios que não importem restrições a direitos fundamentais ou aos demais valores constitucionais em jogo.

De todo modo, para além da existência de necessidade ou exigibilidade da medida, caberia ainda aferir a proporcionalidade em sentido estrito. Para tanto, tornar-se-ia necessário aferir se, efetivamente, a adoção da medida tem se revelado um meio apto ao alcance do fim colimado, ou seja, se a concessão do incentivo tem produzido o efeito esperado, de fomentar a atividade agropecuária, mediante a redução de custos de produção, e, com isso, a redução dos preços dos alimentos, bem como que tal efeito mostre-se proporcional às desvantagens que podem decorrer da circunstância de que referidos insumos agropecuários seriam potencialmente lesivos a outras finalidades constitucionais.

Assim, para além da questão de saber se defensivos agrícolas são ou não essenciais sob a perspectiva individual, é na discussão em torno da perspectiva coletiva da essencialidade que melhor se focaliza a controvérsia em torno do Convênio ICMS n. 100/1997. E, diante da existência de distintos fins constitucionais em conflito a reclamar compatibilização, a nebulosa aferição da constitucionalidade do referido ato normativo acaba por encontrar na proporcionalidade o melhor caminho para a sua elucidação.


CONCLUSÃO

É evidente que por meio do presente trabalho não se pretender chegar a conclusões definitivas, perfilhando um ou outro posicionamento quanto à controvérsia em torno da constitucionalidade do inciso I da Cláusula Primeira do Convênio ICMS n. 100/1997. Quando muito, espera-se que as reflexões apresentadas sejam capazes de lançar algumas luzes sobre importante perspectiva metodológica a partir da qual o tema pode ser examinado.


Assim, em linhas conclusivas temos por seguro afirmar que a investigação do tema dos incentivos fiscais de ICMS pode permitir ao intérprete diferentes perspectivas de abordagem, mas que o prisma da seletividade em função da essencialidade é, sem dúvida, aquele mais adequado aos que pretendem ter em consideração não apenas os reflexos econômicos ou concorrenciais das exonerações tributárias, mas, sobretudo, estudá-las a partir das distintas finalidades constitucionais que podem lhes dar conteúdo.


Neste passo, deve-se ter em consideração que, ademais da sua perspectiva individual, ligada à justiça fiscal, a essencialidade das mercadorias e dos serviços deve ser tomada ainda em perspectiva coletiva, mais afeita à extrafiscalidade. Assim, abre-se espaço para que o legislador, valendo-se da seletividade no ICMS, lance mão de normas indutoras, com vistas ao atingimento de outras finalidades constitucionais.


Por fim, na hipótese de conflito entre a finalidade constitucional perseguida por meio da seletividade e outros fins constitucionais, como parece ser o caso do Convênio n. 100/1997, a solução da controvérsia não se contentará com a mera aferição da essencialidade das mercadorias ou serviços aos quais se dirige a norma indutora, tomada sob a perspectiva individual, reclamando ainda a compatibilização entre os diferentes fins constitucionais em conflito, o que poderá ser alcançado mediante o emprego da proporcionalidade.


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