O Dever Fundamental de pagar (legalmente) Tributos: Significado, Alcance e Análise de Precedentes do Carf
The Fundamental Duty to pay (lawfully) Taxes: Significance, Range and Analysis of Carf’s Precedents
Fredy José Gomes de Albuquerque
Conselheiro Titular da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mestrando em Direito Constitucional e Especialista em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza (Unifor). MBA em Gestão de Tributos pela Trevisan. Ex-Conselheiro Titular do Contencioso Administrativo Tributário do Estado do Ceará (Conat). Membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas, da International Association of Tax Judges (IATJ), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA). Advogado licenciado e professor convidado de cursos de Pós-graduação em Direito, Processo e Planejamento Tributários. E-mail: fredymobile@gmail.com.
Recebido em: 2-7-2021 – Aprovado em: 10-3-2022
https://doi.org/10.46801/2595-6280.51.8.2022.1209
Resumo
O dever fundamental de pagar tributos tem sido utilizado como fundamento de algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quando da análise de recursos de contribuintes em processos que impugnam autos de infração derivados de planejamentos tributários agressivos. O presente estudo pretende analisar os limites objetivos da aplicação da teoria aos casos concretos apreciados no âmbito do processo administrativo tributário federal, identificar sua utilização como fundamento jurídico de lançamentos tributários e aplicação de penalidades, além de observar sua correlação com a norma geral antielisiva brasileira e atos e negócios jurídicos realizados para evitar o nascimento de obrigações tributárias, tanto quanto nos demais casos de patologias jurídicas decorrentes de dolo, fraude, simulação ou abuso de direito.
Palavras-chave: dever legal de pagar (legalmente) tributos, limites, Carf, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, PAF, processo administrativo tributário, dolo, fraude, simulação, abuso de direito, planejamento tributário.
Abstract
The fundamental duty to pay taxes has been used as the basis for some decisions of the Administrative Council for Tax Appeals (Carf), when analyzing taxpayers’ appeals in lawsuits challenging tax assessment notices arising from aggressive tax planning. The present study intends to analyze the objective limits of the application of the theory to specific cases considered in the scope of the federal tax administrative process, to identify its use as a legal basis for tax assessments and application of penalties, in addition to observing its correlation with the general Brazilian anti-avoidance rule and legal acts and transactions carried out to avoid the birth of tax obligations, as well as in other cases of legal pathologies resulting from deceit, fraud, simulation or abuse of rights.
Keywords: legal duty to pay (lawfully) taxes, limits, Carf, administrative council of tax appeals, PAF, tax administrative process, deceit, fraud, simulation, abuse of law, tax planning.
1. Introdução
O fenômeno tributário ainda guarda significativa controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto ao seu alcance e controle, não apenas em razão da complexidade do emaranhado de normas jurídicas a que Becker alude como manicômio tributário1, mas por divergências quanto aos alicerces fundamentais que fazem nascer o dever de pagar tributos e exigem submissão à imposição de penalidades.
Historicamente, a visão clássica sobre a tributação procurou justificá-la em decorrência do poder de império do Estado, que o autorizava a extrair dos particulares – outrora súditos, hoje sujeitos passivos – parcela de seu patrimônio para custear as despesas públicas. Coube à Constituição frear o poder estatal de tributar os fatos econômicos através de mecanismos de controle, elevados à categoria constitucional como limites à sanha arrecadatória daquele Estado Leviatã e como forma de preservar alguma parcela de libertarismo fiscal2. As normas e os princípios tributários insertos na Lei Fundamental teriam a finalidade de proteger o cidadão contra a administração tributária, parametrizando e sistematizando as demais normas do sistema para afastar aquelas contrárias aos preceitos albergados pela Constituição Federal3.
Diante do crescimento das necessidades públicas e em face da constatação de que os antigos Estados Patrimoniais – custeados, em grande parte, pelos frutos diretos da exploração de seus vastos patrimônios – deram lugar aos Estados Fiscais – custeados pela própria comunidade, através de tributos –, tem-se que o pensamento doutrinário evoluiu para romper a barreira das escolas clássicas, passando a compreender que o fenômeno da tributação é inerente à existência da própria sociedade e da manutenção adequada do Estado de Direito. As normas constitucionais tributárias não seriam freios ao agir estatal, mas representariam o instrumento de realização de direitos sociais comunitários, fazendo nascer para a administração pública o direito de exigir tributos, a fim de satisfazer as demandas sociais gerais que conectam todas os pessoas, físicas ou jurídicas, em torno da solidariedade4 que as une, ao par de justificar o agir estatal não mais pelo exercício do poder de império, mas pelo dever de atendimento dos justos anseios públicos.
Nesse contexto, surgiu na doutrina a teoria do Dever Fundamental de pagar Impostos5, capitaneada por José Casalta Nabais, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que procurava justificar a tributação como um dever fundamental ao qual o contribuinte está vinculado por força da Constituição Federal, não sendo possível a ele pretender deixar de contribuir com o custeio das causas sociais.
Sob tal argumento, vê-se que alguns precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais têm citado o dever fundamental de pagar tributos como fundamento para desconstituir planejamentos tributários realizados pelos contribuintes no exercício de suas atividades, sob a premissa de que a pretensão de reduzir o pagamento de tributos autorizaria a administração tributária a desconsiderar ou desconstituir tais operações e autuar o sujeito passivo, pela fecha do abuso de direito deles decorrente, mesmo em situações de planejamento tributário lícito, sejam brandos ou agressivos.
Os objetivos deste trabalho consistem em (a) descortinar parte dos mitos criados em torno do desconhecimento da teoria do dever fundamental de pagar tributos, (b) apresentar impressões sobre o seu possível alcance e limites e (c) analisar precedentes do Carf com base em suas premissas, de forma a concluir com uma proposta hermenêutica potencialmente útil ao desenvolvimento do debate acadêmico sobre o tema.
2. Possíveis incompreensões sobre o dever fundamental de pagar tributos
Importa registrar que a maioria das divergências acadêmicas em torno da teoria que pugna pelo dever fundamental de pagar tributos revela muito mais incompreensões interpretativas do que verdadeiras diferenças de pensamentos.
A teoria popularizada pelo professor português José Casalta Nabais decorre da compreensão de que “o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como simples sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado”6.
Note-se que a proposta teórica consiste em admitir que a tributação, diante do agigantamento das relações sociais que exigem ampla atuação estatal, não se justifica como mero ato imperial de poder estatal desproporcional (poder de império como um fim em si mesmo) e nem pode colocar o contribuinte como súdito sacrificado pela submissão ao jus imperium, mas representa uma premissa da adequada convivência comunitária e da própria existência e manutenção de um Estado organizado, longevo e assegurador de direitos sociais comuns.
Muito provavelmente, a denominação dada à teoria tenha causado estranho arrepio à comunidade acadêmica diante do espanto em se admitir que os direitos fundamentais do contribuinte e os limites constitucionais ao poder de tributar possam caminhar juntos com algo denominado dever fundamental de pagar tributos.
É bem verdade que tal teoria, utilizada inadequadamente, pode levar o intérprete apressado a pressupor que, sendo fundamental o dever do contribuinte de pagar tributo, deve o mesmo organizar seus negócios de forma a sujeitar-se à opção tributária mais onerosa. Por exemplo – e aqui vai um mero argumento retórico, para deixar claro o equívoco do pensamento –, havendo duas opções que permitam à pessoa jurídica escolher a tributação mais favorável, como entre a tributação pelo lucro real ou o lucro presumido, o intérprete desavisado entenderia que o dever fundamental de pagar tributo compele o contribuinte a escolher a opção que leve ao maior pagamento da exação. Ora, se pagar é um dever, tudo aquilo que fosse contrário ao pagamento seria ilegal (reitere-se que é um argumento hipotético e equivocado).
Trata-se de equívoco interpretativo, até porque não é isso que a teoria prega. Não se pode conceber um livro pela capa ou uma teoria pelo título!
No Brasil, há grandes professores que defendem o dever de pagar tributos como algo ínsito às sociedades modernas, a exemplo do professores Ricardo Lobo Torres7, Marcus Abraham8, Marco Aurélio Greco9, Marciano Seabra de Godoi10, Sergio André Rocha11, Carlos Alexandre de Azevedo Campos12, Klaus Tipke13, Douglas Yamashita14, dentre outros.
Uma das vozes mais eficientes na contextualização da teoria exsurge das lições do Prof. Sergio André Rocha, o qual reconhece ser o dever fundamental de pagar tributos “provavelmente o mais controverso da literatura tributaria de língua portuguesa”15, mas isso é fruto muito mais de desconhecimento do que de incompreensão. Esclarece as premissas para a adequada concepção do tema:
“Agora, o dever fundamental de pagar impostos não é e não pode ser visto como um instrumento de maximização da tributação. Não pode levar a uma visão de ampliação da incidência pela via hermenêutica, numa espécie de ‘in dubio pro fiscum’. Não faz sentido, dessa maneira, ao julgar a procedência ou improcedência de um auto de infração de Imposto de Renda, por exemplo, alegar-se que o fundamento da incidência é o dever fundamental de contribuir. A fundamentação deve ser a interpretação da legislação do Imposto de Renda, nos marcos do pluralismo metodológico, sem buscar-se ampliar ou reduzir a incidência fiscal, com base em argumentos axiológicos.”16
É dizer: a teoria do dever fundamental de pagar tributos nunca justificou opção pela ilegalidade, excesso, desproporção ou injustiça na cobrança de tributos, assim como não serve de parâmetro nem justifica qualquer tentativa de maximização de arrecadação, nem impõe ao contribuinte o exercício de escolha à tributação mais onerosa.
Repita-se: o livro é bem mais que a capa!
Talvez as críticas da doutrina sejam fruto mesmo da incompreensão das razões até aqui apontadas, mas também decorrem de um excesso de dogmatismo jurídico em torno da análise do fenômeno tributário, encoberto por véus interpretativos que tendem a obstacularizar a evolução da ciência jurídica e limitam o alcance da investigação à observação das normas jurídicas positivadas. Em verdade, os estudos de epistemologia revelam que “O direito se exprime através de normas, mas não se limita a elas, não sendo, também por isso, correto afirmar que o seu estudo se limita a descrevê-las como dogmas.”17
O intérprete que realiza recorte parcial da realidade ou do fenômeno jurídico, descontextualizado do cenário teórico proposto, incorre em equívoco na construção de premissas não fundamentadas, verdadeiras “frases sem texto”, explicitada pela lição de Mantovanni Colares Cavalcante, com críticas deveras relevantes. Segundo o magistrado cearense, “Esse é o perigo da frase sem texto. Ela se torna autônoma, desligada de um possível contexto, ou seja, é um elemento abstrato da linguística, a gerar inúmeras leituras, sem o devido cuidado, atenção, reflexão, que brota da leitura silenciosa de todo o texto. Essa enunciação aforizante secundária (a que destaca uma frase de um texto) resulta numa amplificação soberana. A frase circula sozinha a partir do seu destacamento, torna-se um produto ou, no dizer de Maingueneau, um enunciado autossuficiente.”18
O dever fundamental de pagar tributos, na perspectiva de seus proponentes, não é um “enunciado autossuficiente” nem representa um fim em si mesmo (em direito, nada é!), mas se trata de comando normativo que cria um dever jurídico com aptidão para conectar o direito à liberdade econômica de todos com a responsabilidade coletiva de manutenção dos interesses sociais. Por exemplo, o cidadão que não tem carro não pode se negar a pagar tributos porque não precisa custear estradas ou a remuneração de servidores públicos dos Departamento de Trânsito. As pessoas jurídicas não podem se negar a pagar as contribuições para o custeio da seguridade social sob o argumento de que os gastos com saúde, previdência e assistência social deveriam ser pagos por quem delas se beneficie diretamente. Os moradores de uma cidade não podem pretender deixar de pagar contribuição de iluminação pública por entenderem que a iluminação de sua rua é insuficiente.
Em todas essas hipóteses, o dever de corresponsabilidade social é inerente à coexistência em comunidade, fruto da escolha do legislador constituinte em dar efetividade a direitos sociais conectados e referíveis a todos, surgindo daí a solidariedade19 de pessoas físicas e jurídicas com o desenvolvimento do Estado20. É exatamente isso que defende Carlos Alexandre de Azevedo Campos, em precisa conclusão:
“No Estado Democrático Fiscal, caracterizado pela liberdade econômica do indivíduo, como pela responsabilidade do cidadão solidário, direitos e deveres devem conviver em equilíbrio, em uma relação de implicações recíprocas. Isso significa, de um lado, que o Estado não pode exercer o poder de tributar de forma arbitrária; de outro, que o particular não possui a faculdade libertária de não contribuir ao custeio das tarefas gerais e sociais do Estado. O contribuinte tem o dever fundamental de pagar impostos, que sejam justos e democraticamente instituídos. Surge o dever tributário legítimo e fundamental quando estabelecido na forma e nos limites previstos nas constituições democráticas.”21 (Destacou-se)
Note-se que os defensores da teoria do dever fundamental de pagar tributos não afastam, em nenhuma hipótese, todos os limites e travas do ordenamento jurídico ao exercício do poder de tributar22. O próprio Prof. José Casalta Nabais dedica grande parte de sua obra para advertir que as limitações constitucionais e legais protetivas do contribuinte não são afetadas pelo reconhecimento desse dever coletivo.
Não há dever fundamental de pagar ilegalmente tributo, tanto quanto inexiste dever fundamental do contribuinte de sujeitar-se a excessos ou a qualquer exigência que não esteja objetivamente parametrizada pela licitude.
Exatamente por isso, propõe-se aqui um novo olhar hermenêutico que afaste as amarras interpretativas sobre a teoria, passando a concebê-la não apenas sob a égide do dever fundamental de pagar tributos, mas sob a compreensão do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos.
Essa proposta autoriza admitir que todos estão conectados às demandas sociais exigidas pela solidariedade comunitária ínsita ao Estado Fiscal, exigindo de pessoas físicas e jurídicas o cumprimento do dever colaborativo tributário, porém, reforça que o dever fundamental de pagar tributo nunca nascerá da ilegalidade, em quaisquer de suas modalidades. Outrossim, nas circunstâncias em que, licitamente, o contribuinte realizar ato jurídico que importe em economia tributária válida, sem mácula ou vício previsto no ordenamento jurídico, ou seja, sem patologia de forma, de vontade, de intenção ou ocultação, ter-se-á como inválida a exigência da exação que dele decorra, inexistindo dever fundamental de pagar ilicitamente tributos23. Trata-se da realização do princípio da tributação conforme a lei24, em última instância, o princípio da legalidade, como elemento basilar do ordenamento jurídico, cuja aplicação conjunta torna possível o reconhecimento do dever jurídico em apreço.
Admitindo-se esse novo olhar, há de se indagar o alcance do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, ou seja, em que medida esse dever afeta a exigência tributária, os planejamentos tributários e os casos complexos.
3. Limites à teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos
As incompreensões e resistências de parte da doutrina à aceitação da teoria do dever de pagar (legalmente) tributos advêm da preocupação em municiar o Estado com um “cheque em branco” para justificar a eventual cobrança indevida de exações fiscais.
Com efeito, a complexa e potencialmente conflitante relação de interesses historicamente havida entre fisco e contribuinte admite tal preocupação, ainda que os defensores do tema não propaguem nenhum tipo de excesso ou exclusão de direitos do contribuinte.
Deve-se atentar, porém, que a defesa do dever fundamental de pagar (legalmente) tributo não tem a aptidão de afastar, limitar ou inviabilizar outros princípios e regras que integram a ordem constitucional e validam juridicamente o fenômeno da tributação, sobretudo, as limitações constitucionais ao poder de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte. Em circunstâncias que desafiem o intérprete à derrotabilidade (defeasibility)25 de algum deles, o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos não terá ascendência sobre os demais, sugerindo-se a solução a partir do sobreprincípio da proporcionalidade e da técnica do balanceamento (balancing), a fim de alcançar solução verdadeiramente justa, servindo de freios e contrapesos do próprio ordenamento jurídico. Sobre esse tema, cite-se trabalho em que se analisou a (aparente) colisão de princípios e a solução aos “casos difíceis” dela decorrentes:
“Não obstante, há diversas situações em que a colisão se dá diretamente entre princípios que estão em patamares constitucionais idênticos, devendo o intérprete, nesse caso, valer-se de um sobreprincípio que busque sopesá-los, em proteção do próprio ordenamento jurídico, alcançando um balanceamento possível entre ambos (balancing) e, por meio do critério da ponderação, promover a adequada aplicação daquele que, em sendo privilegiado, faça menos mal ao outro.
[...]
Assim, a concepção da proporcionalidade como princípio norteador dos demais princípios e como garantia constitucional para a proteção de direitos fundamentais permite ao intérprete aplicar adequadamente a legislação infraconstitucional, inclusive em âmbito tributário, para validar ou afastar as normas jurídicas desafiadas por meio da subsunção às exigências da proporcionalidade.” (ALBUQUERQUE, 2020)26
Ao analisar a teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, vê-se que ela possui um limite bastante claro: não há como se confundir o objeto de um dever jurídico geral com a natureza e o alcance das obrigações tributárias propriamente ditas, pois se tratam de categorias jurídicas diversas, com cargas de eficácia diferentes inconfundíveis, de forma que as consequências do reconhecimento de um dever plasmado em uma norma constitucional jamais se confunde com a obrigação decorrente da aplicação de outra norma infraconstitucional, ainda que complementares.
Um dever jurídico geral é um fato jurídico decorrente de um comando normativo que vincula seu destinatário a uma norma jurídica subsidiária da qual resulta o nascimento da obrigação, se e quando materializado o suporte fático nela previsto. Observe-se, por exemplo, o dever geral de proteção ao meio ambiente. Para além de um princípio constitucional, consubstancia uma norma geral que faz nascer um dever jurídico do qual nenhuma pessoa, física ou jurídica, pode afastar seu âmbito de incidência ou pretender negar cumprimento, porém, prescinde de norma subsidiária que preveja o nascimento objetivo de relações jurídicas próprias, que façam nascer direitos subjetivos ou que imponham penalidade pelo descumprimento de tal dever.
São exemplos de deveres jurídicos gerais o dever de votar, o dever de abstenção de condutas criminosas, o dever de assegurar direitos sociais, o dever de proteção à infância, ao patrimônio histórico, a defesa da saúde etc. Em todas essas hipóteses, os deveres alcançam diretamente os destinatários, mas demandam a criação de norma subsidiária que faça nascer o vínculo obrigacional que a eles subjaz, exsurgindo daí os respectivos direitos subjetivos a cada um referíveis.
Note-se que uma coisa é o dever jurídico inserido na norma; outra é o bem jurídico protegido; outra é o direito reflexo do descumprimento do dever.
Exemplificando para melhor entendimento: consta no texto constitucional o dever jurídico de observância aos direitos sociais, dentre eles, o direito à moradia27. Seria admissível a qualquer cidadão, com base nesse dispositivo, propor ação contra a União, Estados e/ou Municípios para exigir recebimento de imóvel, sem que haja norma subsidiária que objetivamente preveja tal hipótese e lhe assegure o benefício? A resposta há de ser negativa.
A diferenciação entre os alcances das normas jurídicas que estipulam deveres jurídicos e obrigações encontra amparo na doutrina de Eros Grau, inclusive, naquilo que repercute no Direito Tributário, a saber:
“Insisto em que inteiramente diversas destas são as situações em que se colocam sujeitos vinculados por dever (dever legal) ou por obrigação (dever obrigacional). Toda a gente está juridicamente compelida a não turbar a propriedade alheia – aí um dever. Quem quer que contrate com outrem, estando na situação de devedor, está juridicamente compelido a cumprir o objeto da obrigação; quem quer que desenvolva atividade econômica sujeita a tributação está juridicamente compelido a pagar imposto, a partir da formalização do lançamento, consequente à verificação do fato gerador – aqui, nestes dois últimos casos, a obrigação, contratual e tributária. O mesmo, também, ocorre na hipótese de obrigação tributária que tenha por objeto o pagamento de taxa. Nela, o sujeito deve usar um determinado serviço público – mesmo porque os remunerados por taxa são serviços públicos compulsórios – ou desenvolve atividade sujeita a poder de polícia. Caracterizado aquele uso ou o exercício de tal atividade, surge a obrigação de pagamento da taxa. Os sujeitos em questão, em todas essas hipóteses, vinculados por dever ou obrigação, estão juridicamente compelidos ao cumprimento de seus respectivos objetos.”28
Concebida a diferenciação entre dever legal e obrigação, em matéria tributária, o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos prescinde de categorias normativas complementares para irradiar os efeitos jurídicos dele pretendidos. Observe-se o imposto sobre grandes fortunas, previsto no art. 153, VII, da Constitucional Federal, cuja competência tributária ainda não foi exercida pela União. Os destinatários que a norma pretende alcançar, quais sejam, os detentores de grandes fortunas, estão vinculados ao dever fundamental de pagar (legalmente) imposto sobre grandes fortunas, mas tal dever jurídico só materializará efeitos ao par da criação de norma jurídica específica que preveja a hipótese de incidência da qual nascerá a respectiva obrigação tributária.
Não se admite, portanto, que o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos seja um fim em si mesmo, por isso mesmo, não é capaz de modificar os elementos do fato jurídico tributário, não autoriza a desconstituição de atos ou negócios jurídicos, não valida lançamento tributário nem imposição de penalidade, assim como não serve ao socorro ou convalidação de ato administrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina.
Assim como os demais deveres fundamentais, justificam o agir estatal para a criação de normas subsidiárias que, licitamente, façam nascer relações jurídicas que gerem cargas de conteúdo obrigacional as quais autorizam o lançamento de tributos e a cobrança de penalidades.
Não é um fim em si mesmo29 e seu reconhecimento como uma realidade normativa não autoriza o intérprete a pretender extrair efeitos jurídicos irreais, tampouco pode servir de motivação ou justificativa ao exercício do lançamento tributário.
Por isso mesmo, o próprio Prof. José Casalta Nabais ressalta a inaptidão do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos para criar direito subjetivo correlato e que dele seja reflexo, a saber:
“[…] posições subjectivamente imputadas ao indivíduo pela própria constituição, e não posições fundamentalmente objectivas resultantes da consagração constitucional dos poderes e competências estaduais e das condições de validade do seu exercício, condições estas que, muito embora desencadeiem, por via de regra, indirecta e reflexamente efeitos subjectivos na esfera dos indivíduos, traduzidos em vínculos ou limitações desta mesma esfera, não visam de maneira imediata os indivíduos, determinando ou tornando determinável materialmente o seu comportamento projectado numa dimensão essencialmente intersubjectiva. […]
É o que se passa, segundo cremos, com os chamados deveres de tolerância ou de suportar (deveres de pati = Duldungspflichten), cujo traço caracterizador reside em pressuporem uma actividade de intervenção na vida, liberdade, integridade física ou propriedade das pessoas e uma correspondente passividade por parte destas, e entre os quais sobressai o (frequentemente mencionado pela doutrina) dever de suportar expropriações por utilidade pública, consagrado constitucionalmente a propósito do direito ou instituto da propriedade.”30 (Destacou-se)
No mesmo sentido, Canotilho traz importantes luzes para demonstrar que “Os ‘deveres fundamentais’, ou melhor, as normas da constituição que consagram deveres fundamentais, só excepcionalmente têm a natureza e estrutura de ‘direito diretamente aplicável’. [...] a generalidade dos deveres fundamentais pressupõe uma interpositiva legislativa necessária para a criação de esquemas organizatórios, procedimentais e processuais definidores e reguladores do cumprimento de deveres.”31
Assim, o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos está diretamente condicionado à existência e à validade de outras normas jurídicas do ordenamento jurídico que permitam nascer a obrigação tributária. É dizer: o fato jurídico tributário não nasce isoladamente do dever geral a que todos estão vinculados, mas é reflexo da relação obrigacional que, por força de regra jurídica tributária decorrente, vincula o sujeito passivo ao dever de adimplir a obrigação tributária.
Sem lei tributária válida, o Estado não poderá exigir tributos com fundamento apenas no dever fundamental geral, pois faltará o elemento da licitude à exigência, sendo equivocada a pretensão fazendária que parametrize seu agir com base unicamente nesse dever fundamental.
Essa constatação traz proposta conclusiva de alcance da utilização prática da teoria, tanto pela administração tributária quanto por órgãos de julgamento de processos administrativos fiscais, parametrizada pela constatação de que o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos:
a) não fundamenta nem justifica isoladamente o lançamento tributário e não socorre nem convalida ato administrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina;
b) não pode convalidar ato administrativo nulo ou anulável;
c) não faz nascer a obrigação tributária, pois esta depende da existência e validade de norma jurídica diversa, que crie direito subjetivo em favor do Estado para exigir a exação, o cumprimento de obrigações acessórias ou imposição de penalidade por fatos infracionais;
d) cria dever jurídico cujos efeitos práticos estão condicionados à existência de norma jurídica subsidiária que o complemente e determine os contornos obrigacionais da relação jurídica pretendida com o sujeito passivo;
d) não serve de parâmetro de fundamento único para a desconstituição de atos ou negócios jurídicos realizados pelo sujeito passivo.
Registre-se a interessante colaboração de Jeferson Teodorovicz no sentido de assegurar a preservação de equilíbrio entre o agir estatal e a segurança jurídico-tributária, a saber:
“O conceito de segurança jurídico-tributária não difere do conceito geral de segurança jurídica, apenas enfatiza e realça o caráter eminentemente protetor que a segurança assume nesse âmbito normativo, em virtude da existência de normas tributárias que instituem uma perspectiva defensiva dos direitos fundamentais dos contribuintes, porém em equilíbrio com uma moderada atuação estatal no exercício do poder de tributar.
Logo, a segurança jurídica, possuindo status de princípio que fundamenta diversos outros, enquanto princípio geral ou sobreprincípio, reflete-se em todos os meandros do ordenamento jurídico. No que tange ao direito tributário, não poderia ser diferente, como é o caso da legalidade genérica e tributária, da irretroatividade da lei tributária, da anterioridade tributária, da vedação do efeito confiscatório, da tipicidade em matéria tributária, etc. Princípios esses que encontram fundamento na segurança jurídica.”32
É importante registrar que o Poder Judiciário tem se debruçado sobre a análise de situações em que o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos é utilizado como elemento que justifica o agir estatal. O caso paradigmático – e que bem representa os limites ao alcance dessa teoria em circunstâncias concretas – decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o acesso do Fisco a informações bancárias de contribuintes, como se vê do Recurso Extraordinário n. 601.314, de relatoria do Min. Edson Fachin, julgado em 24 de fevereiro de 2016, julgado sob o regime de repercussão geral da qual resultou o tema 225. Na ocasião, a Corte Suprema analisava, entre outras coisas, a alegação de pretensa inconstitucionalidade do art. 6º da LC n. 105/2001, que autoriza o acesso de autoridades fazendárias a dados bancários dos sujeitos passivos que se encontrem em procedimento de fiscalização33, com decisão assim ementada (destacou-se):
“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Direito ao sigilo bancário. Dever de pagar impostos. Requisição de informação da Receita Federal às instituições financeiras. Art. 6º da Lei Complementar 105/01. Mecanismos fiscalizatórios. Apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF. Princípio da irretroatividade da norma tributária. Lei 10.174/01.
[...]
4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.
5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional.
6. Fixação de tese em relação ao item ‘a’ do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: ‘O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal’.
7. Fixação de tese em relação ao item ‘b’ do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: ‘A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, § 1º, do CTN’.”
De notar que o dever jurídico analisado pela Corte Suprema consiste no dever de prestação de informações pessoais do sujeito passivo da relação tributária, sendo essa a matéria subjacente ao mérito da controvérsia jurídica controvertida. Ou seja, não se discutia o dever fundamental de pagar (licitamente) tributos. Naquela ocasião, confirmou-se a validade da norma jurídica secundária, de natureza obrigacional (prestar informações ao Fisco), para que se permita o regular exercício do poder de polícia.
Ou seja, o foco do debate foi definido sob âmbito da fiscalização, não do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, tendo sido declarada a constitucionalidade da norma controvertida, “na medida em que busca impedir que, entre a ocorrência do fato gerador e o efetivo pagamento das obrigações tributárias, essa ideia-força, que dá sustentação ao sistema tributário, seja corroída por práticas como a sonegação, a evasão e a fraude fiscal”, inexistindo óbice constitucional ao fato de se conferir “à Administração Tributária instrumentos eficazes de combate à fuga ilegítima da tributação potencializam a ideia de justiça fiscal e ajudam a impedir que o ônus do custeio do Estado fique desequilibrado, recaindo, essencialmente e de forma absolutamente iníqua, sobre aqueles contribuintes que cumprem de forma regular suas obrigações”34.
Se, por um lado, o dever jurídico encontra-se plasmado na decisão como obter dicitum, a ratio decidendi que justifica o reconhecimento da constitucionalidade da norma em questão reside na constatação de que “o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.
Seria equivocado, data venia, o entendimento de que o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos autoriza o acesso a informações bancárias do contribuinte. O bem jurídico protegido pela decisão foi o dever de submissão ao poder de polícia e o dever de prestação de informações fiscais. Declarou-se a constitucionalidade de norma jurídica subsidiária, permitindo o acesso a informações como forma de instrumentalizar a fiscalização exercida pela administração tributária.
Portanto, é ilógico pretender invocar um dever jurídico geral como justificativa única à pretensão de exigir tributos e aplicar penalidades, não havendo na ordem jurídica constitucional nada que ampare tal pretensão. Sem lei específica, não há obrigação de pagar tributo e o dever geral não gera consequências obrigacionais, principais ou acessórias. Sem os instrumentos normativos subsidiários, o dever jurídico geral não faz nascer direitos subjetivos específicos.
Consideradas tais premissas, resta analisar onde e em que medida o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem aplicado a teoria, como forma de contribuir com a construção de um pensamento propositivo sobre o tema.
4. Análise da aplicação da teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos no âmbito do Carf
A aplicação da teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos é relativamente recente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. O leading case que inaugurou o debate no Egrégio Colegiado ocorreu nos autos do Processo n. 12448.737118/2012-69, do qual resultou o Acórdão n. 1201-001.13635, da 1ª Seção, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, julgado em 26 de novembro de 2014, com a seguinte ementa, naquilo que importa ao tema em análise, com destaques aqui inseridos:
“Norma geral antielisiva. Eficácia.
O art. 116, parágrafo único, do CTN requer, com vistas a sua plena eficácia, que lei ordinária estabeleça os procedimentos a serem observados pelas autoridades tributárias dos diversos entes da federação ao desconsiderarem atos ou negócios jurídicos abusivamente praticados pelos sujeitos passivos. No que concerne à União, há na doutrina nacional aqueles que afirmam ser ineficaz a referida norma geral antielisiva, sob o argumento de que a lei ordinária regulamentadora ainda não foi trazida ao mundo jurídico. Por outro lado, há aqueles que afirmam ser plenamente eficaz a referida norma, sob o argumento de que o Decreto nº 70.235/72, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei ordinária, regulamenta o procedimento fiscal.
Dentre as duas interpretações juridicamente possíveis deve ser adotada aquela que afirma a eficácia imediata da norma geral antielisiva, pois esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a nova ordem constitucional, em especial com o dever fundamental de pagar tributos, com o princípio da capacidade contributiva e com o valor de repúdio a práticas abusivas.
Ato jurídico. Abusividade.
Revela-se abusiva e, portanto, deve ser desconsiderada para fins tributários, a transferência de participação societária feita: (i) a outra pessoa jurídica do mesmo grupo econômico, residente em jurisdição que não tributa a renda na operações com o exterior; (ii) por um valor muitíssimo inferior ao que essa mesma participação foi posteriormente alienada a terceiros, e (iii) sem propósito negocial crível, exceto o de evitar a ocorrência dos fatos geradores do IRPJ e da CSLL incidentes sobre o ganho de capital auferido na alienação daquela participação societária a terceiros.”
Observe-se que o Carf julgava caso em que a controvérsia girava em torno de planejamento tributário pretensamente abusivo, sem propósito negocial, à luz de norma geral considerada antielisiva (parágrafo único do art. 116 do CTN), que fora contestada pelo contribuinte como inaplicável ao caso concreto, pela ausência de lei que estabelecesse as condições objetivas que autorizariam o agir estatal neste sentido36.
Debatia-se, portanto, a utilização de norma antielisiva para desconstituir negócios jurídicos, contudo, não se pretendia justificar a cobrança de exação tributária pelo dever fundamental de cobrar (legalmente) tributos a que o contribuinte estava vinculado. Mais uma vez, tem-se mero obter dicitum, que poderia ou não ter sido citado como complemento da ratio decidendi, tratando-se de mera enunciação aforizante secundária a que alude Maingueneau37, verdadeira frase sem texto que não causa reflexos jurídicos diretos.
Para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões, basta observar o relato do agente autuante que consta do próprio auto de infração inserido no processo (citado no relatório do acórdão), com evidente esforço de demonstrar a alegada simulação da operação e pretensa abusividade do sujeito passivo, a saber (com destaques):
“Constatação fiscal. Após detalhada análise dos documentos fiscais utilizados pela Fiscalização, constatamos a prática de simulação, perpetrada mediante a articulação de operações com o intuito de evitar a ocorrência do fato gerador do IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, com omissão de ganhos de capital na alienação de participação societária, com infração ao artigo 418 do Regulamento do Imposto de Renda Decreto nº 3.000, de 26/03/1999.
O ‘planejamento tributário’ utilizado não se refere a negócios empresariais, a única finalidade foi de, através de diversos atos constitutivos, praticar simulação, perpetrada mediante a articulação de operações com o intuito de evitar a ocorrência do fato gerador do imposto, [...].
Conclusão: 1) Basta criar um fundo investidor no exterior e alienar os bens ativos através deste fundo e ficar livre da tributação; 2) Basta dar roupagem de subscrição de ações com ágio a uma operação de compra e venda de ativos, para que esta não seja alcançada pela incidência do imposto.
Se assim fosse, não haveria tributação dos ganhos de capital nas alienações de participações societárias.
Os criadores desse ‘planejamento’ tiveram tanta certeza da impunidade que não observaram para o fato de que a estratégia utilizada é uma fórmula forjada, fraudulenta, simulada, que não tem poderes para elidir a tributação.
[...]
O que se constatou foi que o grupo econômico, recorrendo às operações de reorganização societária, elaborou formas jurídicas aparentemente válidas que dissimularam o fato gerador do crédito tributário. A conclusão é pela ocorrência de abuso de formas jurídicas em atos que visaram impedir o crédito tributário.
No ordenamento infraconstitucional, destaca-se a previsão do parágrafo único do artigo 116, do Código Tributário Nacional CTN, Lei 5.172/66, segundo o qual a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, bem como, no artigo 149, VII, do mesmo CTN, o lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.”
É bem verdade que o Conselheiro Relator contextualizou a teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos em seu voto, porém, a controvérsia de fundo materializada em suas razões de decidir vinculavam-se à abusividade das formas, de forma que o fundamento jurídico extraído da ratio decidendi do citado leading case consistia no combate às práticas tidas como abusivas e dissimuladas, as quais encontram solução jurídica no art. 149, VII38, que disciplina as consequências de atos praticados com dolo, fraude ou simulação. A decisão paradigma do presente debate, ao citar o dever legal de pagar (legalmente) tributo, controverte-o como fundamento periférico, enquanto o pano de fundo do planejamento tributário ali combatido asseverava a existência de uma ilegalidade, não havendo de se justificar com uma teoria que pressupõe a prática de atos lícitos.
A partir de então, aquele leading case (que é de 2014) foi submetido a julgamento de Recurso Especial na Egrégia Câmara Superior de Recursos Fiscais, conforme Acórdão n. 9101003.447, da 1ª Turma da CSRF, de 6 de março de 2018, onde foi mantida a autuação pelos mesmos argumentos, controvertendo-se, unicamente, a abusividade do planejamento tributário e a aplicação imediata da norma antielisiva, sem maiores considerações sobre o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, conforme se vê da ementa:
“Norma geral antielisiva. Eficácia.
Perfeita a decisão recorrida, ao discorrer que o art. 116, parágrafo único, do CTN requer, com vistas a sua plena eficácia, que lei ordinária estabeleça os procedimentos a serem observados pelas autoridades tributárias dos diversos entes da federação ao desconsiderarem atos ou negócios jurídicos abusivamente praticados pelos sujeitos passivos. Na esfera federal, há na doutrina nacional aqueles que afirmam ser ineficaz a referida norma geral antielisiva, sob o argumento de que a lei ordinária regulamentadora ainda não foi trazida ao mundo jurídico. Por outro lado, há aqueles que afirmam ser plenamente eficaz a referida norma, sob o argumento de que o Decreto nº 70.235/72, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei ordinária, regulamenta o procedimento fiscal. Dentre as duas interpretações juridicamente possíveis deve ser adotada aquela que afirma a eficácia imediata da norma geral antielisiva, pois esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a nova ordem constitucional, em especial com o dever fundamental de pagar tributos, com o princípio da capacidade contributiva e com o valor de repúdio a práticas abusivas. No mesmo sentido, precedente na 1ª Turma da CSRF, Ac. 9101002.953.” (Destacou-se)
Eis os fatos: a controvérsia originada no âmbito do Carf, salvo melhor juízo, não se baseava no dever fundamental de pagar (legalmente) tributo, mas se justificava no combate a abusos que os julgadores consideraram ilegais, por ofensa ao art. 149, VII, c/c o art. 116, parágrafo único, do CTN.
Como complemento argumentativo, deve-se registrar entendimento contrário, favorável ao contribuinte, manejado pelo Conselheiro Relator, Luís Flávio Neto39, que fora vencido na Câmara Superior de Recursos Fiscais, mas trouxe importantes ensinamentos sobre as questões relacionadas à controversa abusividade dos negócios praticados pelo sujeito passivo – e, mais uma vez, sem parametrizar sua decisão no dever fundamental de pagar (legalmente) tributos –, nos seguintes termos:
“A exigência de lei para a desconsideração de planejamentos tributários não encontra fundamento ‘apenas’ no princípio da legalidade em matéria tributária (art. 5º e art. 150, I, da Constituição), mas também nas normas de Direito Econômico presentes no texto constitucional (arts. 170 e seg. da Constituição).
O Estado, por meio da tributação, deve participar dos bem-sucedidos resultados econômicos dos particulares a ele conectados, a fim de obter receitas derivadas suficientes a fazer frente às necessidades públicas. Conforme o princípio da legalidade, o legislador deve eleger, dentro de seu respectivo âmbito de competência tributária, fatos geradores que captem capacidades contributivas conforme uma dosagem adequada à divisão do custo estatal. Essa competência tributária também confere ao legislador ordinário a aptidão para a enunciação de normas de reação a planejamentos tributários específicos (chamadas comumente de “SAAR”, como referência a ‘special anti avoidance rules’).
Por sua vez, ao prescrever que compete à lei complementar estabelecer normas gerais sobre a ocorrência do fato gerador, apuração da obrigação tributária, entre outros elementos, conferiu-se ao legislador a aptidão privativa para enunciar norma geral de reação ao planejamento tributário (‘GAAR’, como referência a ‘general anti avoidance rules’).
Note-se que compete ao legislador complementar regular o planejamento tributário por meio de norma geral, mas não lhe é permitido tornar absolutamente ilícita a sua prática. Se há limites ao exercício da liberdade, o Estado de Direito também pressupõe limites ao legislador para a sua restrição, pois, conforme salutar preocupação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ‘a liberdade pode ser disciplinada, mas não pode ser eliminada’. Não poderia o Estado utilizar mecanismos de coerção para compelir o contribuinte à prática de determinados atos e, assim, à ocorrência de hipóteses de incidência de tributos (ou seja, de intervenção no patrimônio particular). Assim ocorrendo, como adverte Luís Eduardo Schoueri, estar-se-ia atentando de modo inadmissível contra a proibição ao confisco e o Direito à propriedade.”
Nos demais casos mais posteriores em que o Carf analisou o tema com profundidade relevante, também no âmbito da Primeira Seção, as conclusões do Conselheiro responsável pelo voto condutor, Efigênio de Freitas Junior, mantiveram a autuação e se baseavam na constatação de que, “uma vez comprovado que houve simulação, fraude ou conluio, no pagamento de algumas das hipóteses previstas no art. 61 da Lei 8.981, de 1995, a multa qualificada deve ser aplicada”40. Mesma conclusão indicada em processo diverso, assim ementado41:
“Simulação. Multa qualificada.
No cenário em que há cumprimento formal da lei – emissão de nota fiscal e respectiva contabilização – se analisados os fatos sob a lente restritiva do Direito Privado não há falar-se em simulação, afinal seguiu-se a letra da lei, a despeito da artificialidade. Analisar o conceito de simulação sob essa lente restritiva significa, por via indireta, restringir a atuação do fisco; permitir que o sujeito passivo, a despeito do exercício de atividade empresarial, cubra-se com o manto da isenção. O que, além de ilegal, vai de encontro ao princípio da livre concorrência e ao cumprimento do dever fundamental de pagar tributos.
Arranjo tributário simulado, artificioso, com vistas a transparecer para o fisco inocorrência de ilegalidade ou descumprimento dos requisitos previstos no artigo 14 do CTN, e artigo 12 e parágrafos da Lei nº 9.532, de 1997. Agir com consciência e vontade, e modificar características essenciais da ocorrência do fato gerador, as quais impactam na redução do montante devido de tributo, é conduta que atrai a incidência da multa qualificada, prevista no art. 44, § 1º, da Lei 9.430, de 1996 c/c art. 72 da Lei nº 4.502, de 1964.” (Destacou-se)
À toda evidência, a aplicação da norma geral antielisiva ou o lançamento de ofício justificado por atos simulados, fraudulentos ou dolosos não decorrem diretamente do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, pois esse justifica a criação de regras válidas para exigir o pagamento de exações, por força da solidariedade da vida comunitária que demanda de todos o esforço necessário para custear os gastos sociais que são fruto da escolha constitucional de se manter um Estado Fiscal.
Outra coisa, totalmente diferente, é a necessidade de se combater atos ilícitos, mediante elementos de controle ou de fiscalização que demandem do ente tributante afastar do mundo jurídico atos jurídicos eivados da pecha do dolo, fraude, simulação ou abuso. Em todos esses casos, o fundamento da desconstituição do ato pressupõe uma contrariedade objetiva à norma vigente e se justifica no dever geral de vedação à evasão (ilícita)42.
Se é adequado conceber que “o contribuinte não pode evitar a obrigação tributária recorrendo à manipulação ou à concatenação manifestamente artificiosa, inadequada e descontextualizada de atos ou negócios jurídicos”43, tal constatação não decorre de um dever jurídico de pagar (legalmente) tributos, mas da análise do caso concreto que torne possível identificar o defeito do ato ou negócio jurídico por patologia invencível, seja por defeito formal, seja por vício da manifestação da vontade, posto que “não há soluções prévias, genericamente aplicáveis a um número indeterminado de situações, mas respostas construídas individualmente, à luz de cada caso concreto”44.
Mas não se diga que o dever geral que subjaz ao controle de atos praticados com fraude, simulação ou dolo repousa no dever fundamental de pagar (legalmente) tributos. Em verdade, trata-se de categoria jurídica diversa, qual seja, o dever de vedação à obtenção de enriquecimento ilícito ou dever de vedação à evasão fiscal.
Mundos diferentes! Bem diferentes!
Ressalte-se, ainda, diversamente do que pensam alguns, que a doutrina de Marco Aurélio Greco em torno do tema do planejamento tributário guarda conteúdo lógico com a salvaguarda de direitos do contribuinte (sim, muitas críticas da doutrina ao pensamento do notável professor também são fruto de incompreensão e de evidentes exageros). Sua teoria acadêmica procura compreender os limites à prática de planejamentos tributários, mesmo que parametrizados por atos lícitos (sem patologias), porém, com a intenção exclusiva de obter economia tributária. Apesar de sua análise ao modelo, o ilustre Professor afasta a possibilidade de desconsideração dos negócios jurídicos, sob o entendimento de que o CTN impõe a necessidade de promulgação de lei ordinária que fixe os limites ao agir estatal, nos seguintes termos:
“Ou seja, na medida em que o CTN, neste parágrafo único do artigo 116, prevê a necessidade de uma lei ordinária para disciplinar os procedimentos de aplicação do dispositivo, está determinando que a competência em questão não pode ser exercida de modo e sob forma livremente escolhidos pela Administração Tributária. A desconsideração só poderá ocorrer nos termos que vierem a ser previstos em lei, como corolário da garantia individual do devido processo legal.
Em suma, o CTN deferiu à lei ordinária a disciplina indispensável, de caráter procedimental (e não de direito material), para que a norma possa ser aplicada. Com isto, não veiculou uma norma de eficácia plena, mas uma norma de eficácia limitada, na medida em que a plenitude da eficácia somente será obtida após a edição da lei ordinária dispondo sobre tais procedimentos. Vale dizer, antes da mencionada lei ordinária, o conteúdo preceptivo do dispositivo não comporta aplicação.
Isso significa que, enquanto não for devidamente editada a lei ordinária dispondo a respeito, falta um elemento essencial à aplicabilidade do parágrafo examinado, sendo ilegal o ato administrativo fiscal que, nesse interregno, pretender nele apoiar-se. Enquanto não vier a ser editada a lei ordinária prevista no dispositivo, falta ao dispositivo a plenitude da produção dos seus efeitos e, por consequência, a autoridade administrativa não pode praticar ato de desconsideração nele fundamentado (o que não impede, porém, as reações já examinadas, nos casos de abuso ou fraude à lei).”45
Note-se que os “hard cases” surgem das circunstâncias em que o contribuinte realiza atos lícitos, sem nenhum tipo de ocultação, com o objetivo de reduzir sua carga tributária e maximizar o lucro. Parte da doutrina conceitua tal circunstância como elusão fiscal, fruto de abuso de direito, a exemplo de Ricardo Lodi Ribeiro, para quem “o abuso de direito é obtido por meio da dissimulação dos negócios jurídicos, que é um conceito que abriga não apenas os atos ilícitos – como o dolo, a fraude e a simulação –, mas todas as condutas, que embora formalmente lícitas, denotam o exercício abusivo do ato, revelado pelo descompasso entre a sua motivação econômica, a forma e os efeitos por ele produzidos, com o intuito único ou preponderante de obter uma economia de imposto, em violação à isonomia e à capacidade contributiva”46.
Tal proposta interpretativa é combatida pelo Prof. Luís Eduardo Schoueri, para quem “não há lei que obrigue alguém a incorrer em fato jurídico tributário. Ao contrário, sob pena de caracterização de confisco, a hipótese tributária não pode ser conduta obrigatória. Ora, se ao particular é assegurado o direito de incorrer, ou não, naquela hipótese, então não se pode considerar fraudulenta a decisão do planejamento tributário.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento tributário: limites à norma antiabuso. Revista Direito Tributário Atual v. 24. São Paulo: Dialética e IBDT, 2010, p. 355)
O debate toma relevo ainda mais agudo no âmbito do Direito Tributário Internacional, porquanto a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento e o G-20, a partir do esforço mundial para alcançar métodos multinacionais de combate à evasão fiscal em 135 países, expressamente recomenda a criação de regras comuns (intituladas “Actions”), a fim de impedir a prática do assim denominado planejamento tributário agressivo, como um dos elementos estruturais do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting)47.
E onde fica o dever fundamental de pagar (legalmente) tributos em meio a essa controvérsia? Fica onde o intérprete desejar, pois não há referência direta entre o dever de solidariedade social e desconstituição de planejamentos tributários tidos por abusivos, mercê da aplicação da norma geral antielisiva prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, seja ela adequada ou não.
A defesa desse dever jurídico não justifica nenhuma das duas posturas hermenêuticas, seja porque a justificativa para desconstituir atos jurídicos por abuso de direito está fundamentada no dever geral de vedação ao enriquecimento ilícito e em regras jurídicas positivadas das quais se pretenda extrair efeitos jurídicos próprios, seja porque não é permitida a exigência do tributo que não decorra de obrigação tributária fundada no nascimento de fato jurídico licitamente constituído.
Convida-se o leitor a escolher o caminho interpretativo que seu pensamento lógico aceitar. Em ambos, o dever (fundamental ou não) de pagar tributo pressupõe outras coisas que não o dever pelo dever, a teoria pela teoria, o óbvio pelo ululante.
5. Conclusões
O dever fundamental de pagar (licitamente) tributos não é um enunciado autossuficiente nem representa um fim em si mesmo. Admiti-lo como uma realidade jurídica não pressupõe que a administração tributária possa utilizá-lo como instrumento de maximização da tributação e como justificativa para afastar direitos e garantias asseguradas constitucionalmente, que limitem o exercício ao poder de tributar ou que validem juridicamente o fenômeno da tributação.
Não há dever fundamental de pagar tributo que não esteja emoldurado pela legalidade e demais princípios norteadores da tributação, assim como inexiste dever fundamental do contribuinte de sujeitar-se à ilegalidade, ao excesso ou a qualquer exigência que não decorra objetivamente de norma jurídica válida. Nesse contexto, propõe-se novo olhar hermenêutico que conceba tal teoria sob a égide do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos, como decorrência lógica da solidariedade comunitária norteadora da realização de demandas sociais gerais.
Constitui limite implícito à teoria do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos a constatação de que não se misturam e são inconfundíveis (a) o dever jurídico geral que o compõe e (b) o conteúdo obrigacional da norma tributária, tratando-se de categorias distintas, com objetos diferentes, não se admitindo pressupor que o alcance da regra jurídica que cria o dever geral possa limitar a validade ou modificar o alcance das demais normas jurídicas que compõem o sistema tributário.
Não se concebe que o conteúdo do dever fundamental de pagar (legalmente) tributos modifique o fato jurídico relacionado ao fenômeno tributário, seja para alargá-lo ou para reduzir as opções lícitas de escolha do sujeito passivo, de forma que esse dever jurídico geral não se aplica isoladamente para desconstituir unilateralmente atos ou negócios jurídicos, assim como não serve à validação de lançamento tributário, à imposição de penalidade, nem socorre ou convalida ato administrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina, não se autorizando à administração tributária pretender extrair efeitos jurídicos que tal dever não tem aptidão de gerar, tampouco pode servir de motivação ou justificativa ao exercício do lançamento tributário.
O dever jurídico de pagar (legalmente) tributos não se confunde com o dever geral de vedação ao enriquecimento ilícito, razão pela qual não se concebe justificar a aplicação de norma antielisiva sob fundamento na solidariedade social e nas demandas de custeio do Estado.
Os precedentes do Carf sobre o assunto são insipientes e controvertem o dever fundamental de pagar (licitamente) tributos como obter dictum de decisões que pautam sua verdadeira ratio decidendi sob a análise de patologias jurídicas de planejamentos tributários havidos mediante prática de atos simulados, fraudados, abusivos ou dolosos, com aplicação de regras do CTN que, objetivamente, reconhecem a ilegalidade da prática do ato, complementados pela incidência de norma geral antielisiva que ainda não foi regulamentada pela lei ordinária.
Em todos os casos analisados, reconheceu-se a patologia do ato praticado pelo sujeito passivo, razão pela qual é possível concluir que o dever fundamental de pagar (licitamente) tributo não é diretamente útil a justificar diretamente o lançamento tributário e não tem parametrizado a razão de decidir dos julgamentos no Carf, cujas análises têm como cerne a aplicação da norma geral antielisiva e os defeitos de atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte sob a pecha da simulação, fraude, abuso de direito ou dolo, com evidente foco no combate a atos ilícitos, fortalecimento do controle de fraudes e vedação à evasão fiscal.
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TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação da capacidade contributiva e dos direitos fundamentais do contribuinte. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário – homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. I.
TORRES, Ricardo Lobo. Solidariedade e justiça fiscal. In: TORRES, Ricardo Lobo (coord.). Estudos de direito tributário: homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
TORRES, Ricardo Lobo. Sistemas constitucionais tributários. In: BALEEIRO, Aliomar (org.). Tratado de direito tributário brasileiro. T. II. Rio de Janeiro: Forense, 1986. v. II.
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001.
1 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002. Cite-se, ainda, a notável contribuição doutrinária do Prof. Humberto Ávila, ao discorrer sobre razões que impactam o adequado alcance da igualdade tributária: “A primeira refere-se à complexidade das normas tributárias. Muitas vezes, a idolatria do tratamento particularizado faz não só com que as leis tributárias fiquem repletas de regras específicas e excepcionais, como que os regulamentos fiquem abarrotados de regras extremamente detalhadas. O detalhamento traz consigo a complexidade da legislação, e essa é a sua dificuldade de compreensão. Esse fenômeno tem se manifestado, com frequência, com a edição de leis extremamente detalhadas, repletas de regras excepcionais, instituídas com a finalidade de regular casos particulares dos contribuinte.” (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 119)
2 Tem-se em Ives Gandra da Silva Martins um dos maiores defensores do Libertarismo Fiscal. Para o autor, “o tributo representa apenas um fantástico instrumento de domínio, por parte dos governantes” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do tributo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O tributo – reflexão multidisciplinar sobre sua natureza. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 7). Em defesa ainda mais enfática, assevera que: “Tem o Fisco o direito de brandir a espada da imposição, mas tem o contribuinte o direito de se defender com o escudo da lei. É, portanto, o sistema plasmado, mais uma carta do contribuinte do que um Estatuto do Poder Tributante, [...]. Tenho para mim, como tantas vezes acentuei nos capítulos anteriores, que o tributo é uma norma de rejeição social, porque todos os contribuintes, em todos os espaços geográficos, pagam mais do que deveriam pagar, para sustentar o governo.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 330-332)
3 Cite-se as lições de Marco Aurélio Greco: “O produto final deste conjunto foi o surgimento de uma concepção do Direito Tributário com inúmeros defensores e que pode ser resumida como o conjunto de normas protetivas do patrimônio individual e limitadoras das investidas do Fisco. Princípios constitucionais tributários – nesse contexto – eram as previsões que vedassem algo ao Fisco, seja em termos de instrumento (legalidade), do objeto alcançado (irretroatividade), em relação ao momento da cobrança (anterioridade) ou à dimensão da exigência (proibição do confisco). Princípios cuja formulação começava com um “não” (não pode cobrar sem lei; não pode cobrar em relação ao que já aconteceu; não pode cobrar antes de certa data; não pode confiscar etc.). Uma relação historicamente conflituosa – como é a relação Fisco/contribuinte – era vista da perspectiva da proteção ao cidadão viabilizada através de normas de bloqueio do exercício do poder. Neste contexto, a lei em sentido formal passou a ser o requisito indispensável para autorizar qualquer exigência pelo Fisco. Iniciou o que se pode designar por ‘idolatria da lei’ vista, porém, como entidade virtual; ou seja, texto com vida própria que se destaca do contexto que levou à sua produção e daquele no qual será aplicada para assumir a condição de algo bastante em si. Uma forte influência platônica e idealista.” (GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no direito tributário brasileiro – formalism crisis in Brazilian tax law. Revista da PGFN, ano I, n. 1, 2011, p. 11)
4 GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005.
5 Para Nabais, o dever fundamental de custear os direitos sociais da comunidade só é referível aos impostos, pela sua natureza não vinculada e caráter não sinalagmático e não retributivo. Contudo, o dever geral de custeio das causas sociais gerais e reflexos dele decorrente independe da espécie tributária, razão pela qual parece mais útil ao debate a expressão dever fundamental de pagar tributos. Para aprofundamento do assunto: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998.
6 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 185.
7 TORRES, Ricardo Lobo. Solidariedade e justiça fiscal. In: TORRES, Ricardo Lobo (coord.). Estudos de direito tributário: homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998; TORRES, Ricardo Lobo. Sistemas constitucionais tributários. In: BALEEIRO, Aliomar (org.). Tratado de direito tributário brasileiro. T. II. Rio de Janeiro: Forense, 1986. v. II.
8 ABRAHAM, Marcus. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
9 GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
10 GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (org.). O dever fundamental de pagar impostos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017; GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 158.
11 ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020.
12 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Interpretação e elusão legislativa da constituição do crédito tributário. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo; OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; MACEDO, Marco Antonio Ferreira (coord.). Direitos fundamentais e estado fiscal: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Salvador: JusPodivm, 2019.
13 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002.
14 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002.
15 ROCHA, Sergio André. O dever fundamental de pagar impostos: direito fundamental a uma tributação justa. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (org.). O dever fundamental de pagar impostos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: D’Plácido, 2007, p. 15.
16 ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020, p. 27.
17 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Por que dogmática jurídica? Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 45.
18 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Frases sem texto: a utilização de precedentes a partir de ementas. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Texto e contexto no direito brasileiro – XVII Congresso Nacional de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2020, p. 889.
19 Neste sentido, defende Ricardo Lobo Torres: “se a solidariedade exibe primordialmente a dimensão do dever, segue-se que não encontra melhor campo de aplicação do que o direito tributário, que regula o dever fundamental de pagar tributo” (TORRES, Ricardo Lobo. Solidariedade e justiça fiscal. In: TORRES, Ricardo Lobo (coord.). Estudos de direito tributário: homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 301).
20 Marco Aurélio Greco insere a capacidade contributiva como elemento que complementa a solidariedade social para justificar o dever legal de pagar tributo. Segundo o autor, “o fundamento do tributo é o dever social ou cívico de solidariedade que se atende pelo ato de contribuir para as despesas públicas de acordo com a capacidade contributiva manifestada. Fundamento não é o poder do estado, mas a situação de convívio em sociedade que faz nascer o dever de solidariedade.” (GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 174)
21 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Interpretação e elusão legislativa da constituição do crédito tributário. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo; OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; MACEDO, Marco Antonio Ferreira (coord.). Direitos fundamentais e estado fiscal: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 621.
22 Cite-se o Professor Marciano Seabra de Godoi, também, um dos grandes defensores da teoria, para quem “a afirmação das íntimas relações entre solidariedade e tributo e o reconhecimento da existência de um dever fundamental de pagar impostos poderão causar espécie e ser mal compreendidos. Poder-se-ia pensar que o reconhecimento de um dever fundamental de pagar impostos credenciaria o Estado a exigir dos contribuintes qualquer tipo de prestações tributárias, enfraquecendo os limites formais e materiais do poder de tributar. De outra parte, poder-se-ia concluir que a vinculação do tributo com a solidariedade constitui uma ‘desculpa’ ou um ‘pretexto’ para justificar a cobrança de exações com graves violações das limitações constitucionais do poder de tributar.” (GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 158)
23 Essa proposta, salvo melhor juízo, parece mais adequada do que a defesa de parte da doutrina do dever fundamental de não pagar tributo, porquanto admitir que alguém possa não se submeter à tributação por força de um direito fundamental reconhecido pela Constituição Federal desconstitui os parâmetros de solidariedade até aqui expostos.
24 PONTES, Helenilson Cunha. Revisitando o tema da obrigação tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário – homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. I.
25 HART, Herbert Lionel Adolphus. The ascription of responsibility and rights: proceedings of the Aristotelian society. Londres, XLIX, 1948, p. 171-194.
26 ALBUQUERQUE, Fredy José Gomes de. A proporcionalidade e os limites ao poder sancionador tributário. In: VIANA FILHO, Jefferson de Paula; CELESTINO JUNIOR, José Osmar; FILGUEIRAS, Ingrid Baltazar Ribeiro; GOMES, Pryscilla Régia de Oliveira (coord.). Novos tempos do direito tributário. Curitiba: Íthala, 2020, p. 71;73.
27 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
28 GRAU, Eros Roberto. 1982. Nota sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1977, p. 180. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66950/69560. Acesso em: 04 jun. 2021.
29 Neste sentido, observe-se a doutrina de autora espanhola Cristina Pauner Chulvi: “La construcción del Estado Social y democrático de Derecho ha supuesto un cambio em la fundamentación de los deberes constitucionales. Se comprobó, anteriormente, cómo la evolucion estatal implicaba la aparición de nuevos deberes que comenzaron exigiéndose a los súbditos y se ampliaron plasmándose em requerimentos dirigidos al Estado. La introdución de estos deberes respondia a nuevas finalidades u objetivos estatales. Pero así como el reconocimiento constitucional de algunos derechos se produce porque el derecho en cuestión se considera un bien jurídico protegible en sí mismo, los deberes no constituyen um fin en sí mismos sino que tienen um carácter meramente instrumental, es decir, asegurar la protección de bienes que se consideran valiosos.” (CHULVI, Cristina Pauner. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 56)
30 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 67-68.
31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 6ª reimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 535.
32 TEODOROVICZ, Jeferson. Segurança jurídica em direito tributário, modulação de efeitos e o artigo 927 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). RFD – Revista da Faculdade de Direito da UERJ n. 38. Rio de Janeiro, 2020, p. 264.
33 “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”
34 Voto do Min. Luís Roberto Barroso.
35 Disponível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf?idAcordao=6091624.
36 As teorias relacionadas à aplicação automática do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional não representam o objeto do presente estudo, razão pela qual não serão controvertidas. Não obstante, registre-se que os contribuintes costumam controverter a matéria, partindo do pressuposto de que o dispositivo legal não tem aplicação até que seja promulgada lei ordinária que estabeleça os procedimentos e o alcance da desconstituição de seus negócios, porquanto a norma citada assim o exige, a saber: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
37 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Frases sem texto: a utilização de precedentes a partir de ementas. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Texto e contexto no direito brasileiro – XVII Congresso Nacional de Direito Tributário. São Paulo: Noeses/IBET, 2020.
38 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;”
39 Posicionamento também manifestado pelo mesmo Conselheiro, no âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, nos autos do Processo n. 11080.723307/201206, Acórdão n. 9101002.429 – 1ª Turma, julgado em 18 de agosto de 2016.
40 Processo n. 10600.720098/2016-85, Acórdão n. 1201-003.130, 1ª Seção de Julgamento, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, julgado em 17.9.2019, Conselheiro Designado: Efigênio de Freitas Junior (voto vencedor).
41 Processo n. 15504.723875/2011-41, Acórdão n. 1201-003.195, 1ª Seção de Julgamento, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, julgado em 15.10.2019, Conselheiro Relator: Efigênio de Freitas Junior.
42 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Planejamento tributário e estado de direito: fraude à lei, reconstruindo conceitos, entre metáforas e “buracos no direito”: Evasão, elusão, elisão ou... “ilusão”? NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – Direito GV. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/a/5x00/planejamento-tributario-e-estado-de-direito-fraude-a-lei-%20reconstruindo-conceitos-entre-metaforas-e-buracos-no-direito-evasao-elusao-elisao-ou-ilusao--eurico-marcos-diniz-de-santi. Acesso em: 04 jun. 2021.
43 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (org.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016. v. 1, p. 449.
44 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3 ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 372.
45 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3 ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 568.
46 RIBEIRO, Ricardo Lodi. A elisão fiscal e a cláusula geral antielisiva. Temas de direito constitucional tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 293. No mesmo sentido, leia-se Heleno Tôrres: “É imperioso registrar, contudo, que o termo ‘elisão’ não poderia ser usado para significar a postura lícita do contribuinte na economia de tributos, devendo, por rigor linguístico, ser abandonado. Para evitar confusões no uso da linguagem e por melhor representar as condutas enfocadas, preferimos o termo ‘elusão’. ‘Elisão’, do latim elisione, significa ato ou efeito de elidir; eliminação, supressão. ‘Eludir’, do latim eludere, significa evitar ou esquivar-se com destreza; furtar-se com habilidade ou astúcia, ao poder ou influência de outrem. Elusivo é aquele que tende a escapulir, a furtar-se (em geral por meio de argúcia); que se mostra arisco, esquivo, evasivo. Assim, cogitamos da ‘elusão tributária’ como sendo o fenômeno pelo qual o contribuinte usa de meios dolosos para evitar a subsunção do negócio praticado ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação dos efeitos jurídicos, de constituição da obrigação tributária, tal como previsto em lei.” (TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003, p. 277)
47 Segundo a própria OCDE, o projeto BEPS refere-se a estratégias de planejamento tributário usadas por empresas multinacionais que exploram lacunas e incompatibilidades nas regras tributárias para evitar o pagamento de imposto.