ASPECTOS GERAIS E POLÊMICOS DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA

GENERAL AND CONTROVERSIAL ASPECTS OF THE URBAN LAND AND PROPERTY TAX


Rafael Coelho Pacheco Nogueira


Bacharel e mestrando em Direito pela PUC-SP (Direito Constitucional e Processual Tributário). Advogado sênior em multinacional americana do setor de educação. São Paulo/SP. E-mail: rafaelcpnogueira@gmail.com



Recebido em: 11-03-2020

Aprovado em: 13-07-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-45-18


RESUMO


Este trabalho visa analisar o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) em seus elementos básicos e mais específicos. O IPTU é um dos tributos mais difundidos popularmente, tendo em vista que incide sobre o patrimônio imobiliário, especificamente sobre prédios e terrenos situados na área urbana. O objetivo aqui pretendido é abordar alguns dos princípios constitucionais tributários que abarcam esse tributo; analisar os elementos da regra-matriz de incidência tributária; avançar para a questão da progressividade das alíquotas; e, por fim, tratar dos aspectos polêmicos que circundam o IPTU. Análises e discussões acerca do tema são relevantes para a sociedade, tendo em vista a importância desse tributo, o impacto na vida cotidiana e os deveres e obrigações do ente tributário em obedecer todos os preceitos constitucionais na instituição, fiscalização e arrecadação do IPTU.

PALAVRAS-CHAVE: IPTU, PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS, REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PROGRESSIVIDADE, CONTROVÉRSIAS


ABSTRACT


This paper aims to analyze the tax on urban land and property (“IPTU”) in its basic and more specific elements. The property tax is one of the most popularly widespread taxes, given that it focuses on real estate assets, specifically on buildings and land in the urban area. The aim here is to address some of the constitutional tax principles that encompass this tax; analyze the elements of the tax incidence matrix rule; advance to the issue of progressive tax; and, finally, discuss the controversial aspects surrounding the property taxes. Analyses and discussions on the subject are relevant to society, given the importance of this tax, the impact on daily life and the duties and obligations of the tax entity to obey all constitutional precepts in the institution, supervision and collection of property tax.

KEYWORDS: IPTU, CONSTITUTIONAL TAX PRINCIPLES, TAX MATRIX-RULE OF INCIDENCE, CONTRIBUTING ABILITY, PROGRESSIVENESS, CONTROVERSIES


  1. INTRODUÇÃO

    Aos Municípios foram atribuídas competências para instituir três diferentes impostos: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); e Imposto sobre Prestações de Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Este artigo aborda apenas a competência disposta no art. 156, inciso I, da Constituição da República1, qual seja, a de instituir o IPTU.

    A competência tributária pode ser definida como a aptidão dada pela Constituição Federal a determinada pessoa política de direito público para que esta possa produzir norma jurídica sobre tributos. Em outros termos, pode-se afirmar que a competência tributária é a aptidão para criar tributos.


    Nesse sentido, vale ressaltar que o legislador constituinte atribuiu competência não só aos Municípios, mas também aos outros entes da federação, como se nota no seio da Carta Magna. Portanto, a competência de determinado ente acaba por inibir a circunscrição de qualquer outro, tendo em vista o princípio federativo.


    O IPTU, por sua vez, é um dos impostos mais conhecidos e discutidos hodiernamente, tendo em vista o impacto que produz na vida do contribuinte no início de cada ano e, também, pelas polêmicas que circundam o tributo. Muitas são as vezes em que parte dos contribuintes se sente prejudicada pelo Poder Público no cálculo do valor a ser recolhido por este imposto, tendo em vista que o lançamento é feito de ofício.


    Recorda-se que lançamento é o ato administrativo constitutivo do crédito tributário. É com o lançamento que o crédito passa a possuir os requisitos de liquidez e certeza, sendo esses


    image

    1. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

      I – propriedade predial e territorial urbana.”


      os garantidores de sua exigibilidade. O lançamento do IPTU é denominado de ofício, ou direto, pois tem iniciativa da autoridade administrativa e independe de qualquer ato do sujeito passivo, isto é, do contribuinte.


      Destarte, este trabalho aborda determinados aspectos gerais e específicos do IPTU, a saber: os princípios constitucionais tributários; todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária (os critérios: material, espacial, territorial, pessoal e quantitativo); a progressividade da alíquota do IPTU; e os principais aspectos polêmicos na legislação, doutrina e jurisprudência.


  2. IPTU E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

    Antes de quaisquer ilações, segundo os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, vale citar que um princípio jurídico consiste em:


    “Um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”2.


    A concepção de princípio pode ser encontrada desde a Antiguidade nas obras de Platão e Aristóteles e foi também explorada por grandes pensadores da Idade Moderna, como, por exemplo, Immanuel Kant. Indubitavelmente, os princípios se fazem presentes em todas as ciências. Desta forma, pode-se dizer que seriam eles o ponto de partida que facilitaria a compreensão de uma questão, dando sentido aos diversos e variados sistemas.


    Os princípios, sem sombra de dúvidas, exercem uma função hermenêutica de grande magnitude, pois fixam balizas teleológicas para as interpretações mais adequadas com os fundamentos do sistema jurídico. Por possuírem um caráter de normas qualificadas, esses mecanismos acabam por funcionar como obstáculos que repelem regras jurídicas que os enfrentam.


    No seio da Constituição Federal de 1988, encontram-se os princípios constitucionais tributários. Segundo Renato Lopes Becho, estes são divididos entre princípios por natureza e princípios por decisão:


    “[...] os primeiros não dependem de reconhecimento ou de positivação pelo legislador, nem mesmo pelo legislador constituinte originário. Entretanto, a eventual positivação será útil para facilitar o reconhecimento do princípio. Os princípios por decisão, ao contrário, não são identificados em textos de cunho simplesmente declaratório. Eles precisam ser positivados para serem reconhecidos


    image


    1. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 42.


      no sistema. Com a positivação de alguns por decisão, outros princípios poderão ser localizados, já que há hierarquia entre os princípios, da mesma forma como há hierarquia entre os valores”3.


      Diante da relação entre princípios constitucionais tributários, vale trazer a lume dois dos mais importantes que abarcam o tributo objeto deste estudo: o princípio da igualdade tributária e o da capacidade contributiva.


      O princípio geral da igualdade tributária está albergado no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 e dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Em matéria tributária, o princípio encontra fundamento no art. 150, inciso II, da CF/19884.


      Um ponto que merece destaque em relação ao princípio em tela é que este decorre do princípio republicano que está esculpido no art. 1º, caput, da Carta Magna. O princípio da igualdade deve “alcançar a própria edição da norma, impedindo o legislador, o aplicador da lei ou seu julgador, de dispensar tratamento diverso para situações equivalentes ou tratamento igual a situações completamente diferentes”, conforme mencionado por Isabela Bonfá de Jesus5.


      Ainda, faz-se imperioso o destaque de que os princípios da universalidade e generalidade são os principais instrumentos de atuação do princípio da igualdade no universo tributário, assim como também o da capacidade contributiva e o da progressividade.


      Já em relação ao princípio da capacidade contributiva, vale citar que este surge como um reforço ao próprio princípio da igualdade tributária e se traduz na ideia nuclear de que o contribuinte da obrigação tributária em questão deve contribuir com os gastos públicos na proporção exata da sua capacidade econômica. O princípio da capacidade contributiva está previsto no texto constitucional, especificamente no art. 145, § 1º, da CF/19886.


      Um dos fundamentos basilares do princípio da capacidade contributiva é frear a atuação do Estado, de forma que se garanta que não haja abuso em relação ao contribuinte, o que é extremamente pertinente na relação jurídico-tributária Município versus contribuinte.



      image


    2. BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 342-343.


    3. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

      II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distin ção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”


    4. JESUS, Isabela Bonfá de; JESUS, Fernando Bonfá de; e JESUS, Ricardo Bonfá de. Manual de direito e processo tributário. 4. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 58.


    6 “Art. 145 [...]

    § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”


    Nesse sentido, pode-se dizer que a proporcionalidade decorre do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, e somente assim se viabiliza o respeito aos princípios no caso de ser aplicada por meio de majoração de alíquotas. Esta, em virtude da proporção de riquezas que seja escopo da tributação, implica consequentemente a majoração do imposto.


    O princípio da capacidade contributiva é, indubitavelmente, o princípio constitucional informador dos impostos. Ainda, ressalta-se que tal princípio não é somente direcionado ao legislador ordinário, como também o é em relação aos próprios aplicadores e executores da lei tributária, isto é, o Fisco.


    O IPTU, assim como todo e qualquer tributo, deve obedecer ao princípio da capacidade contributiva. O sentido aqui referido é o estrutural, que o dispositivo 145, § 1º, da CF/1988 possui. Deve ser observado em todos e quaisquer tributos que comportem tal análise.


  3. ELEMENTOS DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IPTU Antes de adentrar no que se refere aos elementos que integram a regra-matriz de incidência tributária (RMIT) do IPTU, faz-se imperioso trazer ao presente que, como preleciona Paulo

    de Barros Carvalho, tal regra é “uma norma de conduta, vertida imediatamente para

    disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias”7. Nesse sentido, pode-se abstrair que a regra-matriz de incidência tributária, ou norma-padrão dos tributos, como também é conhecida, é uma norma jurídica comportamental, tendo em vista que é direcionada aos contribuintes e acaba por servir para prescrever condutas. Em outros termos, pode-se compreender a RMIT como uma fórmula simplificadora que reduz radicalmente os embaraços presentes em enunciados que constituem a figura impositiva.


    A regra-matriz de incidência tributária dispõe sobre os elementos mínimos possíveis que existem em determinada norma jurídica tributária, e dentre os critérios que a compõem se identificam os seguintes: i) material; ii) espacial; iii) temporal; iv) pessoal (sujeitos ativo e passivo); e v) quantitativo (base de cálculo e alíquota).


    Dentre esses critérios, ressalta-se que o “material” é o que pode ser considerado mais complexo, pois contém as descrições de todos os dados de ordem objetiva, afinal, ele guarnece o ponto básico que permite identificar o tributo exigido e possibilita a indicação do núcleo da hipótese de incidência.


    O critério espacial contém as circunstâncias de lugar onde ocorre o fato imponível, ou melhor, o fato gerador. Esse critério estipula onde o fato deverá ocorrer para que sejam apuradas as consequências dispostas. Em outras palavras, como nos ensina Isabela Bonfá


    image

    1. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 355.


      de Jesus, esse critério consiste na “área espacial pela qual se estende a competência do legislador (âmbito territorial da validade da norma)”8. O critério temporal traz a indicação de tempo, isto é, aponta o momento em que se reputa ocorrido o fato gerador e, consequentemente, o nascimento da obrigação tributária. O quarto critério, o pessoal, faz com que seja possível identificar o sujeito que se situa na extremidade positiva do vínculo jurídico-tributário e, também, tendo em vista a concretização do fato hipoteticamente disposto na legislação, quais são os critérios que permitem designar o sujeito localizado na extremidade negativa. Por fim, o critério quantitativo varia de acordo com o tributo a ser recolhido. Neste, devem-se analisar os elementos indicadores que permitem sua quantificação: base de cálculo e alíquota. É com base nesses quantificadores que se dimensiona pecuniariamente o fato apreciado e se define qual será a parcela a ser recolhida como tributo.


      Assim, resta cristalino que tais conceitos se aplicam diretamente ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e podem ser visualizados no quadro sintético abaixo elucidado:


      IPTU

      Hipótese

      • Critério material: ser proprietário, ter o domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou por acessão física localizado na zona urbana do Município.

      • Critério espacial: imóvel situado na zona urbana do Município.

      • Critério temporal: cabe ao legislador municipal estipulara data na qual será considerado o nascimento da relação jurídico-tributária.

        Consequência

      • Critério pessoal: sujeito ativo – Municípios; e sujeito passivo – ser proprietário, ter domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município.

      • Critério quantitativo: base de cálculo: valor venal do imóvel; alíquotas: variadas e progressivas, de acordo com a legislação de cada Município.


      Estabelecidos os critérios da RMIT do IPTU, é extremamente relevante trazer ao presente algumas conceituações que permitem interpretar de forma mais límpida o imposto objeto deste estudo.


      Quanto ao critério material, pode-se ressaltar que a propriedade é, segundo dispõe o Código Civil de 2002 em seu art. 1.2289, o direito que alguém tem de usar, gozar e dispor de um bem, além de quem injustamente o possua ou detenha. Por sua vez, o direito útil é aquele em que há o direito de usufruir de um imóvel, cuja propriedade é atribuída ao nu proprietário que possui apenas o direito de exigir o foro e o laudêmio, podendo o primeiro transferir sua titularidade para terceiro, seja de forma gratuita ou onerosa. Já por posse, pode-se entender

      image

    2. JESUS, Isabela Bonfá de;JESUS, Fernando Bonfá de; e JESUS, Ricardo Bonfá de. Manual de Direito e Processo Tributário. Op. cit., p. 124.


    3. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente

      a possua ou detenha.”


      que se trata do poder de fato sobre a coisa, e se ressalta que é imprescindível revelar o animus do possuidor. O domínio útil e a posse são notoriamente decorrentes do exercício de propriedade.


      Em relação ao critério espacial, como a norma tributária do IPTU incide tão somente na zona urbana do Município que o instituiu, é de grande valia entender a definição de zona urbana na legislação. Nesse diapasão, devem-se observar, conforme dispõe o art. 32, § 1º, incisos I a V, do Código Tributário Nacional10, ao menos 2 (dois) itens, construídos ou mantidos pelo Poder Público, quais sejam: i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; ii) abastecimento de água; iii) sistema de esgotos sanitários; iv) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e v) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.


      Já o critério temporal do IPTU é definido pelo legislador municipal, ou seja, este é o responsável por estabelecer o nascimento da relação jurídico-tributária em comento. Ressalta-se que o dia 1º de janeiro de cada exercício financeiro costuma funcionar como regra geral. No entanto, o critério temporal sempre será o estipulado na legislação municipal. Sobre o tema, precisas são as críticas de Paulo de Barros Carvalho em relação à classificação dos fatos geradores do momento de sua ocorrência, sendo, nas lições do autor, o IPTU identificado como fato gerador continuado:


      “A eleição do momento adequado para a realização do fato jurídico tributário se faz no plano das elaborações legislativas. É aquela entidade que designamos, por um processo de abstração lógica, de critério temporal da hipótese, isto é, o conjunto de elementos que nos habilitam a identificar a condição que atua sobre determinado evento, subordinando-o no tempo. Tal critério, ao lado do espacial e do material, dá compostura à hipótese tributária, esboçada como a conjugação de diretrizes que nos facultam individualizar fatos que, acontecidos no campo das realidades tangíveis, suscitam o nascimento das relações jurídico-tributárias. À voga desse conceito, a autoridade de juristas de indiscutível valor fez prevalecer uma classificação dos ‘fatos geradores’, fundada nas variações que o político imprimia na construção do critério temporal das hipóteses. Tornou-se corrente a distinção entre fatos geradores instantâneos, continuados e complexivos [...]”11.



      image


    4. “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

      § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

      I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água;

      1. – sistema de esgotos sanitários;

      2. – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

      3. – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.”

    5. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 287-288.


    Um passo adiante, adentra-se no critério pessoal, que envolve, de um lado, o sujeito ativo (Municípios/Distrito Federal) e, de outro, o sujeito passivo, que pode ser dividido em constitucional – ser proprietário de bem imóvel localizado na zona urbana do Município – e infraconstitucional – ter domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município.


    O último critério que merece considerações é o quantitativo. Depare-se aqui com dois fatores que o compõem: a base de cálculo e as alíquotas. A base de cálculo é o fato-signo presuntivo de riqueza expresso pelo valor venal do imóvel. Já as alíquotas são variadas e progressivas de acordo com a legislação de cada Município. Por hora, vale trazer a lume algumas importantes considerações sobre o outro fator que compõe o critério em comento: a base de cálculo. Neste fator se encontra o que se denomina valor venal do imóvel, no entanto, se faz extremamente valioso trazer qual o conceito que o delimita. Valor venal é o valor que o bem alcançaria em condições de venda à vista no mercado, devendo para tanto ser considerada a Planta Genérica de Valores. Esta última consiste no estudo realizado pela prefeitura de um determinado Município que considerará a localização, o acabamento e a antiguidade dos imóveis de uma determinada região. Conterá o valor do metro quadrado de uma região, sendo óbvio que é assegurado ao contribuinte o direito de contestar tais valores. O valor venal do imóvel como base de cálculo do IPTU respeita o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988), pois se nota em tal critério a dimensão do signo de riqueza revelado pelo contribuinte. Por fim, ressalta-se que a simples atualização do valor venal dos imóveis, pelos índices oficiais de correção monetária, não constitui autêntica majoração da base de cálculo do IPTU, podendo ser revista pelo próprio Poder Executivo, sem que ocorra a violação ao princípio da legalidade, conforme reza o art. 97, § 2º, do Código Tributário Nacional12.


  4. PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS DO IPTU

    O nascimento da progressividade remete aos estudiosos que se debruçam sobre o tema da legislatura de Sólon, em Atenas, por volta de 596 a.C. Segundo narrado por Elizabeth Nazar Carrazza, trata-se da “instituição de uma tributação progressiva sobre a produção: dividida em quatro classes a sociedade ateniense (Pentakosiomedimni; Cavaleiros; Zeugitae e Thetes)”13. A autora ainda discorre e explica que o abandono da tributação direta presente no Império Romano acabou por frustrar determinadas tentativas de instalação da tributação aqui em comento, ou seja, a progressiva.


    image


    12 “Art. 97. [...]

    § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva

    base de cálculo.”


    1. CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – igualdade e capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 112.


      A atual Carta Magna da República dispõe que é permitida a progressividade das alíquotas do IPTU. Portanto, as alíquotas do imposto deverão aumentar tanto quanto se acentue o valor venal do imóvel. Inclusive, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se manifestou nesse sentido, conforme se nota abaixo:


      “Tributo municipal. IPTU. Progressividade fiscal. Ação de repetição de indébito tributário. Legalidade. Constitucionalidade da EC 29/2000 que disciplinou a progressividade fiscal no art. 156, § 1º da Carta da República. Admissível majoração das alíquotas de IPTU com base no valor do imóvel. Disciplina legal. Sentença mantida. Recurso desprovido” (Proc. 9242924162005826/SP, rel. Nogueira Diefenthaler, publicação 04.08.2011).


      Nesse sentido, ressalta-se que a progressividade do IPTU pode assumir um caráter extrafiscal, isto é, um aumento de alíquota sempre que houver uma finalidade determinada a ser atingida, independentemente, inclusive, de qualquer eventual mudança da base de cálculo. No entanto, resta cristalino que tal progressividade deve respeitar os pressupostos constitucionais e, também, sempre que passível de verificação, poderá ela ser aplicada conjuntamente com a progressividade fiscal. A progressividade extrafiscal está albergada no art. 182, § 4º, II, da Carta Magna Brasileira14. O objetivo da progressividade fiscal é evitar o mau uso da propriedade urbana e fazer com que se busque atingir a função social da propriedade.

      Assim, pode-se depreender que nada obsta que o IPTU tenha suas alíquotas aumentadas progressivamente à medida que o proprietário do imóvel urbano incorra sucessivamente no mau aproveitamento do imóvel e que isso perdure durante o tempo. É o que se pode denominar de progressividade no tempo. Ainda, ao se cogitar que o mau uso não cesse, há de se falar que o aumento pode inclusive ocasionar a perda da propriedade, caso em que se estaria diante de uma lei sancionatória, e não tributária propriamente dita. Essa consequência é uma clara punição ao proprietário do imóvel que é redundante em seus erros e insiste em não ajustar o imóvel de acordo com as diretrizes do plano diretor ao qual está submetido.


      Sobre o assunto, vale trazer ao presente o seguinte entendimento jurisprudencial sobre a questão discutida acima:


      “Progressividade do IPTU. Presidente Prudente. A hipótese discutida nos autos encontra-se atrelada ao art. 182, § 4, da CF/1988 e, por isso, a exigência de


      image

    2. “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

      [...]

      § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

      [...]

      II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;”


      especificação no Plano Diretor, situação que difere da progressividade constante na EC 29/2000. A adoção de alíquotas progressivas do IPTU com caráter extrafiscal ou punitivo somente é possível mediante a edição de lei específica que disponha sobre o Plano Diretor do Município, observadas as diretrizes gerais traçadas pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Ausência de lei específica Lei municipal declarada inconstitucional pelo Órgão Especial. Recurso não provido” (Proc. 1690667120068260000/SP, rel. José Luiz Germano, DJ 17.08.2011).


      Seguindo os ensinamentos de Elizabeth Nazar Carrazza, pode-se dizer que, em matéria de progressividade do IPTU, existem três diferentes situações, quais sejam: a) a exigência de alíquotas diferenciadas em função da variação do valor dos imóveis urbanos, tendo em vista características peculiares destes (art. 156, § 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988);

      b) a autorização dada pelo § 1º, inciso II, do art. 156, também da CF/198815, para progressividade de alíquotas do IPTU, considerando a localização e uso de tais imóveis, sendo também observadas as conveniências da localidade devidamente previstas no plano diretor; e c) a autorização prevista no § 4º, inciso II, do art. 182, da Carta da República para progressividade das alíquotas do IPTU em função do tempo e da inobservância das diretrizes dadas no plano diretor do respectivo Município, sendo claro que disso não pode ocorrer uma expropriação compulsória do imóvel sem a devida e antecedente indenização, afinal, o caráter dessa autorização é ordinatório e não sancionatório. Para se falar na expropriação da propriedade urbana, há de se utilizar o inciso III do parágrafo retro mencionado, e, também, deverá ser garantido o pagamento desta mediante títulos da dívida pública, cuja emissão deve ser aprovada previamente pelo Senado Federal; o prazo de resgate é de até dez anos, em parcelas anuais, sucessivas e iguais, sendo assegurados, sob afronta aos pressupostos constitucionais, o valor real da indenização e juros legais16.


  5. ASPECTOS POLÊMICOS DO IPTU

    São vários os assuntos controversos que envolvem o IPTU. O objetivo, neste artigo, não é exaurir o assunto, pois seria inviável que isso fosse feito e desviaria o escopo deste trabalho. Sendo assim, ressalta-se que serão apresentados sete diferentes casos que envolvem o tributo em comento e que geram posições divergentes, ora na doutrina, ora na própria jurisprudência. A análise será apresentada com base nos dispositivos normativos que fundamentam as posições jurisprudenciais em consonância com as diretrizes dos princípios constitucionais e/ou com os elementos da RMIT do IPTU.


    image


    1. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]

      § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

      II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”

    2. CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – igualdade e capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 209.


      1. Áreas sem os elementos de urbanização e o IPTU


        Como já mencionado, a definição de zona urbana ressalta que esta deve reunir, no mínimo, dois dos cincos elementos de urbanização dispostos no art. 32, § 1º, do Código Tributário Nacional. No entanto, pode-se citar uma exceção para esse caso: é possível a incidência do IPTU em sítios para fins de recreio em áreas localizadas em zona de expansão urbana, definidas por lei municipal, mesmo que tais áreas não possuam os elementos de urbanização. A seguir, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o caso:


        “Agravo regimental. Tributário. IPTU. Município de Ribeirão Preto. Sítio recreio. Incidência. Imóvel situado em área urbana desprovida de melhoramentos. Desnecessidade. 1. A recorrente demonstra mero inconformismo em seu agravo regimental que não se mostra capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada.

        2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que é legal a cobrança do IPTU dos sítios de recreio, localizados em zona de expansão urbana definida por legislação municipal, nos termos do arts. 32, § 1º, do CTN c/c arts. 14 do Decreto-lei n. 57/66 e 29 da Lei 5.172/66, mesmo que não contenha os melhoramentos previstos no art. 31, § 1º, do CTN. 3. Agravo regimental não provido” (STJ – AgRg no REsp: 783.794 SP 2005/0159477-5, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 15.12.2009, T2 –Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 08.02.2010).


        A decisão sobre o assunto merece destaque ao fato de que hodiernamente a localização do imóvel não é considerada critério único para definição de qual tributo incide sobre o bem. Três são os critérios conjugados para que se identifique a natureza do imóvel: a) geográfico;

        b) melhoramentos; e c) destinação dada ao imóvel. Ainda, em consonância com os três critérios apresentados, faz-se imperioso citar que a decisão estabelece um diálogo com os próprios elementos que compõem a RMIT do tributo e é sedimentada também com base no próprio princípio da função social da propriedade.


      2. ITR sobre imóvel em área urbana


        Outro caso controverso é o da não incidência de IPTU, mas sim a do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) sobre o imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado para exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.


        A Constituição Federal concede à União o poder de tributar a “propriedade rural” (art. 153, inciso VI, da CF/1988). Ademais, o Código Tributário Nacional (art. 29) e a Lei n. 9.393/1996 (art. 1º) tomam como fato jurídico tributário do referido imposto “a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do Município”.


        Como critério distintivo entre imóvel urbano e imóvel rural, é imprescindível trazer ao presente os ensinamentos de Paulo de Barros em artigo publicado sobre a regra-matriz de incidência do ITR e do IPTU:


        “Considerando que tanto a Lei 4.504/64 como o Decreto-Lei 57/66 são válidos e vigentes, entendo que o critério distintivo entre ´imóvel rural´ e ´imóvel urbano´ é aquele constante do art. 32 do Código Tributário Nacional, com a alteração promovida pelo art. 15 do Decreto-Lei 57/66, devendo ser considerado, também, o disposto no art. 4º, I, da Lei 4.504/64. Segundo esses dispositivos, a identificação da natureza rural ou urbana de determinado imóvel, para fins de incidência do ITR ou do IPTU, depende da conjugação de três critérios: (i) geográfico, com base na localização; (ii) melhoramentos, sendo necessária a existência de benfeitorias urbanas para que se possa exigir o IPTU; e (iii) destinação dada ao imóvel. Nenhum desses critérios basta por si só, devendo ser considerados em conjunto e não isoladamente. A localização do imóvel, por exemplo, não é decisiva para fins de exigência do IPTU ou de ITR, sendo imprescindível considerar a utilização do bem. A localização é apenas um indicativo, prevalecendo na falta da comprovação do destino dado ao imóvel. Se, porém, comprovar-se que a destinação é rural, pouco importa a localização, incidindo o imposto da União. Para sujeitar-se à tributação municipal, é preciso que o imóvel esteja situado na zona urbana, apresente dois melhoramentos mencionados na Lei e, simultaneamente, não seja destinado à atividade rural”17.

        Em consoante sintonia, o Superior Tribunal de Justiça discutiu sobre o assunto e entendeu que se faz necessário considerar, simultaneamente, o critério espacial previsto no CTN e o critério da destinação do imóvel no Decreto-lei n. 57/1966 (art. 1518) – vide STJ – Recursos Repetitivos – Tema 174.


        Nesse sentido, o ITR é o imposto que incide sobre o imóvel que esteja em área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado para exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. A decisão do STJ, alinhada com o exposto, claramente se comunica com os princípios da legalidade, praticabilidade e capacidade contributiva, afinal, a relação jurídico-tributária segue os mandamentos dos dispositivos normativos comentados sobre o tema, viabiliza a aplicação da legislação e é baseada em um conceito econômico e de justiça social.


        image


    3. CARVALHO, Paulo de Barros. As regras-matrizes de incidência do ITR e do IPTU: análise dos principais critérios distintivos. Revista da FESDT n. 6. Porto Alegre: FESDT, 2010. p. 222.


    4. “Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados. (Revogação suspensa pela RSF n. 9, de 2005).”


      1. Contrato de locação e responsabilidade de pagamento do IPTU


        Outro assunto que merece ser destacado em relação ao IPTU é aquele que envolve contrato de locação e a responsabilidade pelo pagamento do IPTU. Indubitavelmente, as convenções entre particulares, ou melhor, contratos de locação, por exemplo, não podem ser opostos perante as Fazendas Públicas de forma a alterar a definição legal dos sujeitos tributários correspondentes (vide art. 123 do CTN19).


        Resta cristalino que o locador, o proprietário do imóvel, é o contribuinte do imposto. Caso o locatário não recolhesse o imposto, tendo em vista convenção firmada com o locador, este poderia cobrar do primeiro na esfera cível, mas nunca se isentar do pagamento.


        A questão em comento pode ser analisada com o auxílio da própria RMIT do IPTU: o sujeito passivo da relação jurídico-tributário é o proprietário, ou aquele que tem o domínio útil ou a posse do imóvel urbano. Não há como ocorrer a transferência da responsabilidade preconizada no art. 34 do CTN20.


        Nesse sentido, o caso em tela se encontra em consonância com os princípios da legalidade e praticabilidade, afinal, o proprietário como sujeito passivo releva típico o fato que se coaduna rigorosamente com o descrito pelo legislador, observados os elementos legais e, também, pela simples viabilização da execução da legislação.


        Por fim, ressalta-se que é cabível o direito de regresso contra o locatário na esfera cível, caso exista instrumento particular firmado entre locador e locatário prevendo a responsabilidade deste pelo pagamento do IPTU do imóvel locado.


      2. Critério material do IPTU e sujeição passiva


        Ao longo dos tempos, mais especificamente nos idos do ano de 2005, o Superior Tribunal de Justiça tinha posicionamento majoritário no sentido de que os impostos propter rem gravavam o bem imóvel e, por esta razão, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária deveria ser sempre a pessoa que o usufruísse, i.e., o usufrutuário do imóvel (REsp n. 691.714/SC).


        No entanto, em 2009, a Primeira Seção do STJ afetou os Recursos Especiais registrados sob números 1.110.551/SP e 1.111.202/SP ao regime de recursos repetitivos, na época sob o dispositivo n. 543-C do CPC/1973. O Tribunal os julgou conjuntamente: “ao legislador municipal cabe eleger o sujeito passivo do tributo, contemplando qualquer das situações previstas no CTN. Definindo a lei como contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar por um ou


        image

    5. “Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”


    6. “Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.”


    por outro visando a facilitar o procedimento de arrecadação”. Isto posto, o Superior Tribunal de Justiça emitiu a Súmula n. 399: “cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU”.


    Nesse sentido, nota-se que o texto sumulado adotou como referência o art. 34 do Código Tributário Nacional, e sua origem advém de vários julgados do Superior Tribunal em tal sentido. O direcionamento dado ao caso estabelece uma clara diretriz em relação ao critério pessoal da regra-matriz de incidência do IPTU, afinal, atinge diretamente o sujeito passivo da relação jurídico-tributária.


    1. Extensão das imunidades tributárias


      O quinto caso que merece ser trazido ao rol de casos polêmicos sobre o IPTU é aquele em que o Supremo Tribunal Federal definiu que a imunidade tributária recíproca (vide art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CF/1988) alcança os imóveis de propriedade da Empresa Brasileira de Correios (“ECT”) e, portanto, estes são imóveis que estão blindados à exação pelo IPTU. Sobre o tema, os julgados do STF: RE n. 627.051/PE, RE n. 773.992/BA e RE n. 407.099/RS.


      Ainda, sobre o caso de extensão da imunidade tributária em comento, vale ser trazido à baila que a discussão inicial travada no Tribunal circundou a necessidade de se analisar a capacidade contributiva, para fins de imunidade, para se verificar a materialidade do tributo. No entanto, não é cabível ao tema que seja abordado o princípio da capacidade contributiva como instrumento para caracterizar a incidência de IPTU aos imóveis da ECT. Sendo assim, nesse cenário, vislumbra-se uma própria projeção do princípio federativo, como menciona a Sra. Ministra Rosa Weber em seu voto no RE n. 773.992/BA.


      Ademais, faz-se imperioso ressaltar que a atividade econômica explorada pela ECT consiste em um instrumento de intervenção do Estado no campo estrito das atividades econômicas. O próprio entendimento da Corte Superior em relação à ECT é de que esta é uma empresa prestadora de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado.


      Isto posto, a imunidade recíproca prevista no seio constitucional abarca o IPTU que viria a incidir sobre os imóveis da ECT e por ela utilizados. A argumentação apresentada para justificar a incidência do tributo, galgada no princípio da capacidade contributiva e na atividade econômica desempenhada pela ECT, apresenta um claro conflito com o princípio federativo e a integração nacional. Destarte, a decisão se mostra coerente e se coaduna aos preceitos constitucionais e da RMIT do imposto.


    2. IPTU sobre bens públicos


      A Segunda Turma do STJ reconheceu a não incidência do IPTU sobre imóveis considerados bens públicos cuja administração foi concedida, com base em contrato de concessão de direito real de uso, a condomínio privado e fechado, entidade civil sem fins lucrativos:


      “Tributário. Bem público. Imóvel. (Ruas e áreas verdes). Contrato deconcessão de direito real de uso. Condomínio fechado. IPTU. Não-incidência. Posse sem animus domini. Ausência do fato gerador do tributo (arts. 32 e 34, CTN). 1. A controvérsia refere-se à possibilidade ou não da incidência deIPTU sobre bens públicos (ruas e áreas verdes) cedidos com base em contrato de concessão de direito real de uso a condomínio residencial. 2. O artigo 34 do CTN define como contribuinte do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. Contudo, a interpretação desse dispositivo legal não pode se distanciar do disposto no art. 156, I, da Constituição Federal. Nesse contexto, a posse apta a gerar a obrigação tributária é aquela qualificada pelo animus domini, ou seja, a que efetivamente esteja em vias de ser transformada em propriedade, seja por meio da promessa de compra e venda, seja pela posse ad usucapionem. Precedentes. 3. A incidência do IPTU deve ser afastada nos casos em que a posse é exercida precariamente, bem como nas demais situações em que, embora envolvam direitos reais, não estejam diretamente correlacionadas coma aquisição da propriedade. 4. Na hipótese, a concessão de direito real de uso não viabiliza ao concessionário tornar-se proprietário do bem público, ao menos durante a vigência do contrato, o que descaracteriza o animus domini. 5. A inclusão de cláusula prevendo a responsabilidade do concessionário por todos os encargos civis, administrativos e tributários que possam incidir sobre o imóvel não repercute sobre a esfera tributária, pois a instituição do tributo está submetida ao princípio da legalidade, não podendo o contrato alterar a hipótese de incidência prevista em lei. Logo, deve- se reconhecer a inexistência da relação jurídica tributária nesse caso. 6. Recurso especial provido” (STJ – REsp: 1.091.198 PR 2008/0219692-5, Relator: Ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 24.05.2011, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 13.06.2011).


      Os fundamentos da decisão acima transcrita sobre a não incidência do IPTU se mostram acertados e estabelecem um coerente diálogo com os elementos da RMIT do imposto e os princípios adstritos a ele. Nota-se que a posse advinda da relação estabelecida é precária e não possui animus domini, tendo em vista as condições resolutivas do contrato em si e a própria impossibilidade da alienação de bens públicos ou até mesmo usucapião.


      Nesse sentido, nota-se um confronto com o próprio critério material e pessoal da RMIT do IPTU, afinal, a posse que pode caracterizar a relação tributária é a que possui o animus domini, ou melhor, aquela que possa ser transformada em propriedade. Ainda, vale ser trazido à baila que uma mera cláusula contratual que reze sobre responsabilidades do concessionário por encargos civis, administrativos e tributários do imóvel não pode sobreviver na esfera tributária. A decisão segue os ditames do princípio da legalidade, afinal, nenhum contrato altera a hipótese de incidência disposta em lei, caso similar ao exposto no item 5.3 acima.


    3. IPTU sobre áreas de preservação permanente


      O último caso que merece ser trazido à colação é sobre a incidência de IPTU nas áreas de preservação permanente (APP). Segundo o art. 3º, inciso II, da Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, a APP é definida como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem- estar das populações humanas”.


      O Superior Tribunal de Justiça tem compreendido que o imposto incide sobre a totalidade da área do imóvel tributado, computadas, inclusive, as áreas de preservação permanente, conforme o julgado abaixo descrito:

      “Tributário. IPTU. Área de preservação permanente cumulada com a nota de non aedificandi. Incidência do imposto. 1. Discute-se nos autos a incidência de IPTU sobre imóvel urbano declarado em parte como área de preservação permanente com nota non aedificandi. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, ‘A restrição à utilização da propriedade referente a área de preservação permanente em parte de imóvel urbano (loteamento) não afasta a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano, uma vez que o fato gerador da exação permanece íntegro, qual seja, a propriedade localizada na zona urbana do município. Cuida-se de um ônus a ser suportado, o que não gera o cerceamento total da disposição, utilização ou alienação da propriedade, como ocorre, por exemplo, nas desapropriações.’ (REsp 1128981/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18/03/2010, DJe 25/03/2010). 3. O fato de parte do imóvel ser considerada como área non aedificandi não afasta tal entendimento, pois não há perda da propriedade, apenas restrições de uso, a fim de viabilizar que a propriedade atenda à sua verdadeira função social. Logo, se o fato gerador do IPTU, conforme o disposto no art. 32 do CTN, é a propriedade de imóvel urbano, a simples limitação administrativa de proibição para construir não impede a sua configuração. 4. Não há lei que preveja isenção tributária para a situação dos autos, conforme a exigência dos arts. 150, § 6º, da Constituição Federal e 176 do CTN. Recurso especial provido” (STJ – REsp: 1.482.184 RS 2014/0196028-2, Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 17.03.2015, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 24.03.2015).


      O julgado do Superior Tribunal de Justiça se mostra coerente em relação aos elementos da RMIT do IPTU e quanto ao princípio da legalidade, afinal, não há previsão legal para que seja concedida a isenção tributária para o caso em tela, conforme exige o art. 150, § 6º, da Carta Magna e o art. 176 do Código Tributário Nacional. A restrição existente em relação ao uso das áreas de preservação permanente em parte de imóvel urbano não afasta a incidência do imposto, pois o fato gerador permanece intacto, ou seja, a propriedade localizada na zona urbana do município não tem nenhum abalo em sua extensão.


  6. CONCLUSÃO

Todas as considerações feitas até então nos permitem chegar às conclusões que podem ser sumariadas da seguinte forma:


  1. O legislador constituinte atribuiu aos Municípios a competência tributária para instituir o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana na própria Carta da República, sendo assim, a aptidão para produção de norma jurídica sobre este imposto é cristalina. Ainda, tendo em vista o princípio federativo, a competência atribuída para instituição do IPTU não pode ser inibida por qualquer outro ente federativo de forma diversa do previsto no texto constitucional.

  2. O Direito é um sistema normativo uno, ou seja, não se reconhece vida própria e independente a nenhum de seus ramos, mesmo sendo clara a autonomia destes, como é o caso, por exemplo, do Direito Tributário.


  3. É consequência lógica que os entes federativos têm suas funções notoriamente vinculadas à nossa Lei Maior, ou seja, ao texto constitucional. Destarte, todas as formas de manifestação do “poder” (instituir, arrecadar e fiscalizar tributos) estão adstritas aos princípios constitucionais presentes na Constituição Federal de 1988.


  4. É notório o fato de ser a relação tributária conflituosa, pois de um lado temos, no caso em tela, o Município, que possui a competência para instituir o IPTU, arrecadá-lo e fiscalizar o seu cumprimento, enquanto do outro temos o contribuinte que, na maioria das vezes, sente-se injustiçado pela carga tributária imposta e a falta de retorno por parte do Estado. No entanto, apesar de todas as mazelas existentes na nossa sociedade (a corrupção, por exemplo) e independentemente de todas as críticas sobre o aspecto justo ou injusto do sistema tributário, o Estado precisa de recursos financeiros que são indispensáveis à sua própria manutenção e, logicamente, da própria sociedade. Sendo assim, a função nuclear do Direito Tributário é regular o relacionamento entre Estado e contribuinte para arrecadação dos tributos de forma que isso seja realizado em consonância com o princípio básico de um Estado Social Democrático de Direito.


  5. Ainda, apesar da real necessidade que tem o Estado dos recursos financeiros advindos de seus contribuintes para obter os meios necessários para sua manutenção e própria existência, não pode o Município se utilizar de todos os meios que julgar necessários para achacar e constranger seus contribuintes na instituição do IPTU, tendo em vista que estes são notoriamente hipossuficientes na relação. Os atos do sujeito ativo são claramente vinculados à legislação, ou seja, nada fica inteiramente a bel-prazer dos agentes públicos que a executam.


  6. É insustentável pregar uma relação de revide entre Municípios e contribuintes, ou seja, não é saudável para o todo que o sujeito ativo, por um lado, explore nas arrecadações


    tributárias do IPTU, extrapolando os poderes que lhe são atribuídos pelo ordenamento jurídico; por outro lado, não deve o contribuinte deixar de cumprir suas obrigações por se sentir injustiçado ou estar insatisfeito com os resultados finais aplicados pelo ente federativo em questão. Em ambos os casos, os infratores devem responder por suas respectivas transgressões, quer seja a Administração tributária ou o próprio contribuinte.


  7. Os princípios constitucionais tributários da igualdade tributária e da capacidade contributiva são de grande valia para a análise do IPTU como um todo. De forma alguma poderá o Município, por exemplo, instituir regras que afrontem estes e todos os demais pressupostos e princípios constitucionais que abarcam o assunto, tendo em vista que qualquer violação poderá ser prontamente questionada e revista pelo Poder Judiciário. Deve-se, indubitavelmente, garantir a segurança da relação jurídica existente entre os sujeitos da relação.


  8. A análise pormenorizada dos elementos da regra-matriz de incidência tributária do IPTU faz com que cada critério que a integra seja visto detalhadamente e se entenda a relação como um todo após a completa interpretação de cada um. Afinal, a regra-matriz de incidência tributária dispõe sobre os mínimos elementos que existem em uma determinada norma jurídica tributária.

  9. Os critérios que compõem o quadro sintético do IPTU são: i) critério material: ser proprietário, ter o domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou por acessão física localizado na zona urbana do Município; ii) critério espacial: imóvel situado na zona urbana do Município; iii) critério temporal: cabe ao legislador municipal estipular a data na qual será considerado o nascimento da relação jurídico-tributária; iv) critério pessoal: a) ativo – Municípios; e b) passivo – ser proprietário, ter domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município; e v) critério quantitativo: a) base de cálculo: valor venal do imóvel; b) alíquotas: variadas e progressivas, de acordo com a legislação de cada Município.


  10. É permitida a progressividade das alíquotas do IPTU, tendo em vista o disposto no texto constitucional. A progressividade das alíquotas poderá aumentar tanto quanto se acentue o valor venal do imóvel. Ainda, vale ressaltar que a progressividade poderá assumir um caráter extrafiscal, ou seja, poderá ocorrer o aumento da alíquota sempre que houver uma finalidade determinada para se atingir, fato este independente de qualquer eventual mudança da base de cálculo. Notoriamente, a progressividade deverá observar os preceitos constitucionais, sob pena de ser justamente contestada. Por fim, poderá a progressividade extrafiscal ser aplicada concomitantemente com a progressividade fiscal.


  11. Foram trazidos a este trabalho sete diferentes casos que demonstram a problemática acerca do IPTU: a) áreas sem os elementos de urbanização e o IPTU; b) ITR sobre imóvel em área urbana; c) contrato de locação e responsabilidade de pagamento do IPTU; d) critério


    material do IPTU e sujeição passiva; e) extensão das imunidades tributárias; f) IPTU sobre bens públicos; e g) IPTU sobre áreas de preservação permanente. Os casos foram analisados com base nos dispositivos normativos da legislação em consonância com as diretrizes dos princípios constitucionais e/ou com os elementos da RMIT do imposto. Foram estabelecidas as diretrizes e balizas para a resolução das questões postas com base em tais mecanismos de forma a identificar o diálogo e cooperação destes com cada caso concreto. Depreende-se da análise apresentada que os casos concretos, frente aos elementos da RMIT e dos princípios constitucionais pertinentes, são compreendidos com maior coerência e coesão. Nesse sentido, resta claro que eles são importantes balizadores para que se estabeleçam as diretrizes para resoluções de questões concretas postas.


  12. Portanto, tendo em vista todos os ensinamentos e reflexões trazidas no presente, não restam quaisquer dúvidas acerca do primordial papel do IPTU para arrecadação de receitas para o Município. Não há de se falar em quaisquer querelas que existam na relação jurídica travada entre o sujeito ativo e o sujeito passivo do imposto aqui em destaque do ponto de vista subjetivo de justo ou injusto. Os tributos têm função natural de arrecadar recursos financeiros para o Estado de forma que se atinja sua finalidade basilar, que é promover o bem comum, satisfazendo as necessidades públicas. Lembra-se, no entanto, que tributos podem ter um caráter fiscal, extrafiscal e parafiscal. O IPTU é definido como um imposto, dessa forma, este é um tributo cuja obrigação tem por fato imponível uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte. No entanto, mesmo considerando a função do IPTU como forma de arrecadação e sua destinação para o bem comum, sempre deverão ser observados os direitos básicos dos contribuintes, que são parte integrante dessa relação jurídico--tributária na condição de sujeitos passivos. Quaisquer máculas aos direitos destes deverá ser revista e debatida em sede administrativa, ou até judicial, sempre sendo resguardados os pressupostos da Constituição Federal de 1988. Sempre, em qualquer relação jurídica, deve ser resguardado o Estado Social e Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.

BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada.12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

CARRAZZA, Elizabeth Nazar (coord.). Direito constitucional tributário. São Paulo: Max Limonad, 1999.


          . IPTU e progressividade – igualdade e capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2015.


CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.


          . As regras-matrizes de incidência do ITR e do IPTU: análise dos principais critérios distintivos. Revista da FESDT n. 6. Porto Alegre: FESDT, 2010.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário Constituição e Código Tributário Nacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

JESUS, Isabela Bonfá de; JESUS, Fernando Bonfá de; e JESUS, Ricardo Bonfá de. Manual de direito e processo tributário. 4. ed. São Paulo: RT, 2017.


MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 2 v.

SABBAG, Eduardo. Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: Método, 2017.


SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. 4. ed. 9. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.