Averbação Pré-executória como Meio Alternativo de Cobrança de Tributos

Pre-enforceable Registration as an Alternative Means of Collecting Taxes

Ivana Mussi Gabriel

Formada na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Professora universitária, advogada, escritora. Especialista em Direito Tributário pelo Ibet, Mestra em Direito Constitucional pela ITE/Bauru e autora dos livros Direito financeiro, Direito administrativo e Direito tributário e idealizadora das cartilhas do controle social dos gastos públicos. E-mail: ivanamussigabriel@yahoo.com.br.

Assuero Rodrigues Neto

Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp. Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Damásio Educacional. Especialista em Direito Imobiliário pela Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp. Professor de pós-graduação lato sensu em Direito Notarial e Registral, na Faculdade Unyleya, na Escola Superior Universitária – SEU e na Platos – Edserv Plataform. Professor de graduação em Direito na Faculdade de Direito da Unifipa – Centro Universitário Padre Albino – Catanduva/SP. E-mail: prof.assuero@gmail.com.

Recebido em: 30-8-2021 – Aprovado em: 16-11-2022

https://doi.org/10.46801/2595-6280.52.7.2022.1260

Resumo

A manutenção da máquina estatal e a promoção dos direitos sociais dependem de recursos que, cada vez mais, decorrem da tributação. Para o incremento da arrecadação tributária no Estado Fiscal, em 10 de janeiro de 2018, com a Lei federal n. 13.606, é criada uma nova forma de cobrança extrajudicial de crédito tributário federal, denominada de averbação pré-executória, que concede à Procuradoria da Fazenda Nacional a prerrogativa de, no caso de inadimplemento do contribuinte, determinar a indisponibilidade de bens e direitos, antes mesmo da execução fiscal. A Portaria PGFN n. 33/2018 que, por sua vez, regulamenta o instituto da averbação, busca minimizar o desconforto inerente à indisponibilidade para o contribuinte.

Palavras-chave: Estado fiscal, averbação pré-executória, Portaria PGFN n. 33/2018.

Abstract

The maintenance of the state machine and the promotion of social rights depend on resources that increasingly result from taxation. To increase the tax collection in the Fiscal State, on January 10, 2018, with the Federal Law 13.606, a new form of extrajudicial collection of federal tax credit is created, called pre-enforceable registration, which grants the National Treasury Attorney the prerogative of, in the event of default by the taxpayer, determining the unavailability of assets and rights even before tax enforcement. PGFN Ordinance 33/2018, which in turn regulates the registration institute, seeks to minimize the discomfort inherent in the unavailability for the taxpayer.

Keywords: fiscal Status, pre-execution registration, Ordinance PGFN 33/2018.

1. Introdução

No século XVIII, os maiores pensadores iluministas defenderam um modelo de Estado verdadeiramente abstencionista, inclusive em matéria econômica. A organização e a atuação do setor produtivo eram orientadas pela “mão invisível” defendida por Adam Smith, ou seja, pelas forças naturais do mercado. Assim, os indivíduos podiam exercer com liberdade qualquer atividade econômica, visando exclusivamente o lucro e o próprio bem-estar, com a menor presença possível do Estado, de acordo com a expressão “laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même”1.

A crise do liberalismo, contudo, decorreu do individualismo exacerbado, da atuação sem peias dos detentores de capital, da concentração da riqueza nas mãos desses representantes da burguesia, o que ocasionou para imensa massa da população, em especial, para os camponeses e proletariado, uma situação de miséria dantesca e de intoleráveis sofrimentos. As leis naturais da economia e do mercado foram incapazes de resolver a distribuição de riqueza produzida, pelo menos em um nível suficiente para assegurar a todos uma existência digna e justa.

No contexto de exploração da classe trabalhadora pelos detentores do capital, Leo Huberman, na obra História da riqueza do homem, retrata o testemunho desesperado de artesãos na Inglaterra do século XVIII que, com o surgimento das máquinas e do sistema fabril, viram-se na miséria.

“Pergunta: Tem filhos?

Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus!

Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus filhos?

Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres criaturas, estão livres dos problemas desta vida mortal.”2

Diante da necessidade de atuação do Estado no setor econômico, para corrigir os abusos do poder econômico, surgiu, no início do século XX, o Estado Social ou Estado Providência. Este modelo de Estado intervencionista preocupou-se em desenvolver políticas públicas ativas e prestações sociais positivas nas áreas de saúde, educação, previdência, emprego e assistência social, assegurando igualdade de oportunidades a todos. Nas lições de Dalmo de Abreu Dallari:

“Assumindo amplamente o encargo de assegurar a prestação dos serviços fundamentais a todos os indivíduos, o Estado vai ampliando sua esfera de ação. E a necessidade de controlar os recursos sociais e obter o máximo de proveito com o menor desperdício, para fazer face às emergências da guerra, leva a ação estatal a todos os campos da vida social, não havendo mais qualquer área interdita à intervenção do Estado.”3

Esse modelo “paternalista” de Estado, por sua vez, começa a entrar em crise, tornando-se financeiramente inviável. Como assegurar os recursos para manutenção do Estado, sobretudo, dos direitos sociais? Daí surge, no final do século XX, o denominado Estado de Direito Democrático e Social ou Estado Subsidiário, que exige a participação da sociedade e do Estado, numa relação de interdependência, de mútuo apoio, com a noção maior de deveres constitucionais fundamentais.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 adota o modelo de Estado de Direito Democrático e Social, disposto a superar as lacunas e os excessos dos modelos anteriores (Liberal e Social), no seu Preâmbulo e nos objetivos do art. 3º, inciso I, de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Todos devem, portanto, colaborar de forma desinteressada para satisfação das necessidades púbicas.

O pagamento dos tributos é, portanto, um dever constitucional fundamental, inerente ao Estado. Não deve ser compreendido como “meramente um sacrifício, mas sim, uma contribuição necessária para que o Estado cumpra suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos”4.

A respeito dos deveres fundamentais, que não estão expressos na Constituição Federal de 1988, assevera Leandro Paulsen:

“Porém, embora o art. 5º da Constituição componha o capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, só elenca direitos nos seus setenta e oito incisos; dever, nenhum. A visão paternalista do Estado, como ente capaz de promover por si só direitos sociais a prestações, todavia, é insustentável. Desconhecer ou negar importância ao fato de que o Estado constitui simples instrumento da sociedade e que não atua senão nos limites da sua capacidade contributiva, é postura ingênua e irresponsável (irresponsabilidade política e fiscal). A possibilidade de o Estado garantir e promover direitos pressupõe que a sociedade lhe alcance meios para tanto.”5

A manutenção da máquina estatal, assim como a promoção dos direitos sociais, depende de recursos financeiros que, cada vez mais, decorrem da tributação. Embora o dever fundamental de pagar tributos não seja explícito no art. 5º da Constituição de 1988, é preciso ter bem claro, alerta Leandro Paulsen6, “que não é apenas nos direitos que devemos buscar os deveres, mas no conjunto do sistema constitucional que coloca os princípios a serem observados e os objetivos a serem perseguidos”.

A respeito do dever fundamental de pagar impostos, a própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no art. 13, assim previa: “para manutenção da força pública e para as despesas da administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades”.

Para o professor da Faculdade de Direito de Coimbra, José Casalta Nabais, o homem que cumpre o dever de pagar tributos, que é um dever constitucional fundamental,

“[...] não é um mero indivíduo isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária em termos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais do indivíduo – que faz deste um ser ao mesmo tempo livre e responsável – a base do entendimento da ordem constitucional assente numa [...] ordem de liberdade limitada pela responsabilidade. Enfim, um sistema que confere primazia, mas não exclusividade, aos direitos em face aos deveres fundamentais, ou socorrendo-nos de K. Stern, um sistema em que os direitos fundamentais constituem a essência da liberdade e os deveres fundamentais o seu correctivo.”7

Pode-se afirmar que, atualmente, é a arrecadação tributária sobre renda, patrimônio e consumo que constitui a principal fonte de financiamento do Estado. Isso porque, quem tem a possibilidade de auferir renda, deter patrimônio e realizar consumo, na expressão de Regina Helena Costa8, tem poder de contribuir para as despesas do Estado, porque todas são manifestações da capacidade contributiva. O Brasil, portanto, é considerado um Estado Fiscal, assim compreendido como “o Estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos”9.

Partindo-se do pressuposto de que a “tributação é inafastável”10, o presente trabalho pretende tratar, de forma despretensiosa, com intuito de estimular debates, dos contornos da averbação pré-executória, um importante meio alternativo de cobrança de tributos, que se dá na via administrativa, especificamente nas Serventias de Registro Imobiliário, para fins de incremento da arrecadação estatal e publicidade a terceiros interessados na aquisição dos bens de devedores da Fazenda Nacional.

2. Averbação pré-executória como novo meio alternativo de cobrança de tributos

Consabido, o sujeito passivo que cai na impontualidade quanto ao cumprimento de seus deveres tributários fica logo sujeito à execução fiscal.

As execuções fiscais, conforme Relatório “Justiça em números 2020”11, do Conselho Nacional de Justiça, são a principal causa de morosidade do Poder Judiciário. Considerando os processos de execução em tramitação no Judiciário nacional, as execuções fiscais correspondem a aproximadamente 87% do total dos casos. Significa dizer que, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2019, apenas 13 foram baixados. Isso demonstra o tamanho do gargalo das execuções fiscais no Brasil.

Esse velho mecanismo de satisfação forçado do crédito tributário, com a constrição patrimonial do executado, não se tem mostrado efetivo. Daí se pensar no fortalecimento da cobrança dos créditos tributários na via administrativa, para fins de incremento da arrecadação estatal, como o protesto de títulos executivos inadimplidos (Lei n. 12.767/2012), a inscrição do nome do devedor no Cadin (Lei n. 10.522/2008) e, para o presente trabalho, a averbação pré-executória (Lei n. 13.606/2018).

Em 10 de janeiro de 2018, com a Lei federal n. 13.606, é criada uma nova forma de cobrança extrajudicial ou administrativa do crédito tributário federal, denominada de averbação pré-executória. A referida Lei n. 13.606/2018, dentre tantas alterações, inseriu os arts. 20-B e 20-E na Lei n. 10.522/2002. A principal alteração está no art. 20-B, § 3º, inciso II, com a criação da averbação pré-executória, a saber:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

[...]

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

[...]

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

[...]

Art. 20-E. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editará atos complementares para o fiel cumprimento do disposto nos arts. 20-B, 20-C e 20-D desta lei.” (Destaque nosso)

A averbação pré-executória constitui novo mecanismo de cobrança administrativa de créditos tributários, adotado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, no caso de inadimplemento do contribuinte, que acarreta a indisponibilidade de seus bens e direitos, antes mesmo da propositura da execução fiscal.

Em outras palavras, a Procuradoria da Fazenda Nacional fica autorizada a requerer, perante os Oficiais de Registro de Imóveis, que seja averbado na matrícula de imóveis de titularidade do contribuinte inadimplente, a notícia de que o crédito tributário foi inscrito em dívida ativa da União, sem que a execução fiscal tenha sido proposta, bloqueando seus bens e direitos.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 5.886/DF, firmou posicionamento no sentido de ser legítima a averbação pré-executória, porém declarou inconstitucional um dos seus efeitos previstos na lei: a indisponibilidade dos bens do devedor pela Fazenda Pública.

Averbar é ato de registro em sentido amplo, praticado nas Serventias de Registro Imobiliário, na matrícula de um imóvel, publicizando a existência da CDA (certidão de dívida ativa) e, por força da Lei, tornando o bem indisponível. É certo que o procedimento da averbação pré-executória deságua no Serviço de Registro de Imóveis, sem embargo de todas as demais iniciativas serem de competência da Procuradoria da Fazenda Nacional. É o que se depreende do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002.

A Lei n. 13.606/2018 criou um novo mecanismo de garantia para fins de satisfação do crédito tributário, além dos previstos no art. 183 do Código Tributário Nacional. As garantias expressas no art. 183 do Código Tributário Nacional, como o próprio nome diz, visam garantir que o ente político tributante satisfaça o seu crédito, ainda que o contribuinte não queira ou não tenha condições de fazê-lo.

CTN: “Art.183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram.”

Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri, “o Código Tributário Nacional trata de proteger o crédito tributário, oferecendo ao Estado meios para assegurar que seja cumprida obrigação tributária pelo passivo”12. Pode-se afirmar, portanto, que a natureza jurídica da averbação pré-executória é de ônus real, exatamente por dar publicidade à existência da dívida fiscal do proprietário do imóvel, além de tornar o bem indisponível, constituindo uma nova garantia para satisfação do crédito tributário.

Como dito pela Lei n. 13.606/2018, com a averbação pré-executória, tem-se a indisponibilidade de bens e direitos, titularizados pelo contribuinte, independente de autorização judicial. Antes da Lei n. 13.606/2018, contudo, para o bloqueio de bens e direitos do devedor, era preciso aguardar a execução fiscal ou a medida cautelar fiscal, sendo a indisponibilidade determinada tão somente pelo juiz. Agora, a Procuradoria da Fazenda Nacional, pela primeira vez, pode fazê-la administrativamente e por meio eletrônico.

Importante não confundir a indisponibilidade – efeito da averbação pré-executória, de natureza administrativa –, com as indisponibilidades do art. 185-A do Código Tributário Nacional e da Medida Cautelar Fiscal da Lei n. 8.397/1992, que são judiciais.

O art. 185-A13 do Código Tributário Nacional, inserido pela Lei Complementar n. 118/2005, atribui expressamente à autoridade judiciária competente o poder de determinar a indisponibilidade se, na execução fiscal, o devedor citado não paga a dívida e não apresenta bens à penhora no prazo legal, nem são encontrados bens penhoráveis em razão de prova de frustração de diligências.

A decretação de indisponibilidade do art. 185-A do Código Tributário Nacional, como observa Leandro Paulsen14, depende da presença de três requisitos: citação, não apresentação de bens à penhora e frustração das diligências para encontrar bens penhoráveis, cabendo ao fisco, nesse último caso, a prova da realização de diligências (verificar bens junto ao registro de imóveis, departamento de trânsito) e da frustração daquela. É, inclusive, o que dispõe a Súmula n. 560 do Superior Tribunal de Justiça15.

No mesmo sentido, tem-se a indisponibilidade judicial de bens e direitos decretada na Medida Cautelar Fiscal, nos termos da Lei n. 8.397/1992, que ocorre antes ou concomitante à execução fiscal, desde que o fisco demonstre risco de frustração da execução fiscal, ou seja, alguma das hipóteses do art. 2º da Lei n. 8.397/1992, como dilapidação, evasão, dificuldade para localizar o devedor. Quer-se, com a medida cautelar fiscal, obstar negócios realizados pelo devedor tributário que possam comprometer a satisfação do crédito tributário.

Diferentemente do art. 185-A do Código Tributário Nacional e da Medida Cautelar Fiscal da Lei n. 8.397/1992, o art. 20-B da Lei n. 10.522/2002 atribui à Procuradoria da Fazenda Nacional o poder de tornar indisponíveis os bens e direitos do devedor, sem qualquer ingerência do Poder Judiciário, incorrendo em uma inconstitucionalidade já declarada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 886/DF.

Vale ressaltar que o propósito da averbação pré-executória é legítimo porque consiste em garantir o pagamento do crédito tributário e, mais, dar publicidade a terceiros interessados (pretensos adquirentes) na aquisição dos bens em que conste a averbação dando a notícia em desfavor do seu titular, como será visto no próximo capítulo.

3. O serviço de Registro de Imóveis como órgão de publicidade de situações jurídicas relevantes

Historicamente, os direitos obrigacionais, com eficácia real-imobiliária, sempre foram cercados de alguma insegurança, ante a incerteza gerada pela ausência de um repositório único de informações acerca da situação física e jurídica do imóvel e de seus proprietários16.

Até então, a segurança do adquirente de imóveis seria “débil, afinal, ressentíamos da falta de um cadastro nacional único de ações em curso. Os distribuidores se fracionam em múltiplas circunscrições territoriais. O costume culmina por remeter o adquirente ao standart informacional básico de coletar apenas as certidões de processos ajuizados no domicílio do titular e do local em que se situa o bem de raiz. Todavia, se pende processo contra o alienante em outro local (dentre os 5.570 municípios brasileiros) ou, se houve alterado o domicílio, infelizmente as certidões obtidas serão frágeis.”17

É precisa a lição de Loureiro sobre a publicidade do Registro de Imóveis, ao defini-la

“[...] como a garantia dos direitos reais inscritos e, tal como estão inscritos, da pessoa que consta como titular registral; e ainda como garantia da tutela dos interesses daqueles que, confiando nas informações constantes do Registro, realizam negócios jurídicos imobiliários. A publicidade registral, assim, é uma presunção de veracidade e integridade do registro para todo aquele que confia no registro e inscreve o título de aquisição do imóvel. Por publicidade registral se entende a publicidade jurídica que é obtida por meio da inscrição de um título específico em um órgão denominado Registro.”18

A publicidade das situações jurídicas assentadas no Registro de Imóveis está intimamente ligada à potencialidade de tornar seu conteúdo eficaz ultra partes, ou erga omnes. Uma vez evidenciado, tal atributo pode e deve contribuir como uma ferramenta eficaz na segurança do tráfego da propriedade imobiliária e, via de consequência, dos direitos dos credores dos alienantes de tais direitos19.

A Lei n. 13.097/2015 positivou o princípio da concentração das informações, buscando proporcionar maior segurança jurídica nas relações que envolvam os bens imóveis. Com as alterações introduzidas, eventuais interessados ficam dispensados do ônus de buscar informações nos distribuidores judiciais, bastando-lhes consulta à matrícula do imóvel.

Com efeito, o que se depreende da leitura do art. 54 e parágrafo único da Lei n. 13.097/2015 é que: (a) todas as informações referentes ao bem imóvel e aos titulares de direitos a ele relativos devem constar obrigatoriamente na matrícula; (b) fica estabelecido um ônus para aquele que quer ter seu direito garantido em virtude de uma ação judicial ou procedimento administrativo, seja ela real, pessoal ou já em fase de execução, de maneira que não tomando as providências necessárias, inscrevendo-as no fólio real, não poderá reclamar posteriormente da alienação ou oneração do imóvel20.

Com relação a quem age de boa-fé e confia nas informações constantes do registro, nota-se que este foi privilegiado com a promulgação da nova lei, uma vez que a simples consulta à matrícula do imóvel tornará desnecessária a consulta por outros meios (certidões do distribuidor cível, trabalhista, de protesto) da situação do imóvel e seu proprietário.

4. Procedimento para averbação pré-executória: Portaria PGFN n. 33/2018

A Portaria PGFN n. 33, de 8 de fevereiro de 2018, em atendimento ao disposto no art. 20-E da Lei n. 10.522/2002, regulamenta, com tintas fortes, o instituto da averbação pré-executória.

Há, inicialmente, um conflito entre o art. 20-B, inciso II da Lei n. 10.522/2002 e o art. 21 da Portaria PGFN n. 33/2018, porque esse último suaviza o instituto da averbação pré-executória, uma vez que não fala, no corpo do texto, em indisponibilidade de bens. Diz o art. 21 da Portaria PGFN n. 33/2018: “ato pelo qual se anota nos órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para o conhecimento de terceiros, a existência de débito inscrito em dívida ativa da União, visando prevenir a fraude à execução”.

Enquanto a Lei n. 10.522/2002, no art. 20-B, inciso II, diz que a função precípua da averbação pré-executória é tornar o bem indisponível, a Portaria PGFN n. 33/2018, que regulamenta a lei, suprime tal informação no art. 21, asseverando que a principal função do instituto é dar publicidade da dívida, isto é, dar conhecimento a terceiros da situação em que se encontra o titular do bem.

A lei, na expressão de Oswaldo Bandeira de Mello21, não é simplesmente o ato inaugural e primeiro, inovador da ordem jurídica, emanado do Poder Legislativo. É mais do que isso: a lei é sempre necessária, como qualifica Ruy Cirne Lima22, querendo significar que nenhuma outra manifestação estatal, judiciária ou administrativa lhe pode suprimir a ausência, seja nos casos constitucionalmente explícitos que se requer, seja para criar obrigações, dever, encargo ou ônus para súditos dos Estados. A portaria, por sua vez, assume um caráter meramente secundário, “anciliar”, de natureza infralegal, limitado aos comandos da lei.

A Portaria PGFN n. 33/2018, no tocante aos efeitos da averbação pré-executória, parece assumir o caráter de norma, o que não se coaduna com o ordenamento jurídico.

Para o presente trabalho, prevalece o disposto na Lei n. 10.522/2002 (e não na Portaria PGFN n. 33/2018) que, expressamente, traz a indisponibilidade como efeito imediato da averbação pré-executória.

Consabido, a averbação pré-executória, autorizada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, é feita em órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a penhora e arresto, que são os serviços registrais imobiliários, antes mesmo de iniciada a execução fiscal, para fins de tornar indisponíveis os bens averbados. O Oficial de Registro de Imóveis insere na matrícula do imóvel do devedor a informação sobre a existência da dívida tributária, dando publicidade ao terceiro de boa-fé, que passa a ter ciência da situação do bem. Ainda por força da Lei, mas não da publicidade do registro, o ato registrário produz o efeito de tornar o bem indisponível.

A averbação pré-executória, como mecanismo administrativo de cobrança, não se trata de ato discricionário da Procuradoria da Fazenda Nacional e, por isso, a averbação pré-executória não será determinada pelo mero inadimplemento, pela mera existência de débito em aberto. De acordo com art. 21 da Portaria PGFN n. 33/2018, já mencionado, há três pressupostos que necessitam ser observados para que se proceda à averbação: (1º) IDA (inscrição em dívida ativa); (2º) notificação do devedor sobre IDA (inscrição em dívida ativa) e (3º) transcurso do prazo para pagamento ou parcelamento.

Com a IDA (inscrição em dívida ativa), o devedor é notificado para, em 5 (cinco) dias, pagar o tributo devido, acrescido de juros, multa, correção monetária ou solicitar o parcelamento administrativo da dívida. É também conferido ao devedor, no prazo de trinta (30 dias), oferecer uma proposta de antecipação de garantia ou protocolar um pedido de revisão de dívida inscrita (PRDI). É o que consta do art. 6º da Portaria PGFN n. 33/2018.

“Art. 6º. Inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para:

I – em até 05 (cinco) dias:

a) efetuar o pagamento do valor do débito atualizado monetariamente, acrescido de juros, multas e demais encargos; ou

b) parcelar o valor integral do débito, nos termos da legislação em vigor.

II – em até 30 (trinta) dias:

a) ofertar antecipadamente garantia em execução fiscal; ou

b) apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI).”

Na ausência de pagamento ou de parcelamento do tributo no prazo legal de 5 (cinco) dias da notificação da IDA (inscrição em dívida ativa) e desde que não apresentado PRDI (pedido de revisão de dívida inscrita) ou proposta de antecipação de garantia, a Procuradoria da Fazenda Nacional poderá averbar, inclusive por meio eletrônico, a CDA (certidão de dívida ativa), nos órgãos de registro de bens e direito, tornando-os indisponíveis, nos termos do art. 7º, inciso III da Portaria PGFN n. 33/2018.

“Art. 7º. Esgotado o prazo e não adotada nenhuma das providências descritas no art. 6º, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá:

[...]

III-averbar, inclusive por meio eletrônico, a Certidão de Dívida Ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para fins de averbação pré-executória.”

Nota-se que a indisponibilidade de bens e direitos do contribuinte inadimplente, por expressa disposição da Portaria PGFN n. 33/2018, apenas será decretada pela Procuradoria da Fazenda Nacional se as medidas legais assecuratórias de cobrança (pagamento, parcelamento, pedido de revisão de dívida inscrita e antecipação de garantia) não forem realizadas.

5. A decretação administrativa da indisponibilidade de bens e direitos como sanção política arcaica

O Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 5.886/DF, firmou posicionamento pela inconstitucionalidade, formal e material, do art. 25 da Lei n. 13.606/2018, que acrescentou, na Lei n. 10.522/2002, os arts. 20-B, § 3º, inciso II e 20-E, no tocante a indisponibilidade de bens e direitos do contribuinte.

Há inconstitucionalidade de natureza “formal” dos dispositivos legais por violação à reserva de lei complementar para as normas sobre “crédito tributário”, prevista no art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988. É que a Lei n. 10.522/2002, de natureza ordinária, ao prever a indisponibilidade de bens e direitos do contribuinte, cria uma nova garantia de crédito tributário que, consabido, só pode ser veiculada por lei complementar, e não ordinária.

“As disposições constantes dos artigos 20-B, § 3º, inciso II e 20-E são incompatíveis, sob o ângulo formal, com o 146, inciso III, alínea b, da Constituição Federal, o qual é expressa ao submeter a quórum qualificado a fixação de normas gerais sobre o grande todo que é o crédito tributário, no qual se insere a disciplina das prerrogativas e garantias.” (STF, ADI n. 5.886/DF, Min. Rel. Marco Aurélio Mello, DJe 09.12.2020)

Por outro lado, existe inconstitucionalidade de natureza “material” dos arts. 20-B, § 3º, inciso II e 20-E da Lei n. 10.522/2002 porque afrontam, dentre outros aspectos, o devido processo legal substantivo do art. 5º, incisos LIV da Constituição Federal de 1988, em razão da “falta de proporcionalidade e razoabilidade das medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança do crédito tributário”23.

Se o sujeito passivo cai na impontualidade quanto ao cumprimento de seus deveres tributários, sonegador ou não, fica logo sujeito à imposição de sanções políticas tributárias pelo órgão fiscalizador tributário.

As sanções políticas tributárias são meios indiretos de coerção estatal, restrições ou proibições, limitação de natureza administrativa, impostas ao contribuinte inadimplente, como forma de obrigá-lo a pagar o tributo ou a cumprir obrigação tributária acessória. Vale destacar que, “algumas sanções políticas, ainda que fundadas em lei, em razão do caráter gravoso, punitivo, arbitrário, acabam por inviabilizar direitos fundamentais do contribuinte. Trata-se de sanções políticas tributárias arcaicas e inconstitucionais”24.

O Supremo Tribunal Federal, desde a década de 60, reprova práticas arcaicas da autoridade fazendária denominadas de sanções políticas tributárias, conforme disposto nas Súmulas n. 70, n. 323 e n. 547.

O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção para, em função deles, constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso. As Súmulas n. 70 e n. 323 foram aprovadas em dezembro de 1963 e consideram, respectivamente, inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo e inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Pela Súmula n. 547, de dezembro de 1969, não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Nesse sentido, dispôs o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, no RE n. 374.981/RS, a saber:

“A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo confere ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados” (STF, RE n. 374.981/RS, Min. Rel. Celso de Mello, DJe 20.03.2005)

A decretação da indisponibilidade de bens e direitos titularizados pelo devedor, sem ingerência do Poder Judiciário, é considerada sanção política arcaica. As cobranças dos créditos tributários devem ser procedidas, não por constrições indiretas, mas pelas vias administrativas normais ou por execução fiscal do débito correspondente. É o que sustenta o Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 5.886/DF:

“O que se tem é nítida sanção visando o recolhimento do tributo, discrepante do estatuto tributário constitucional. Envolve a tomada de empréstimo, por parte do Fisco, de meio coercitivo, objetivando a satisfação de débito tributário, com adoção de método potencialmente inviabilizador da própria atividade econômica – a indisponibilidade de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora. Surge o que, no Direito Tributário, convencionou-se chamar de sanções políticas ou indiretas [...].” (STF, ADI n. 5.886/DF, Min. Rel. Marco Aurélio Mello, DJe 09.12.2020)

Há ofensa ao livre exercício de atividade econômica lícita, que assegura a todos a livre prática de qualquer atividade econômica e ao livre exercício profissional, que assegura a todos o exercício de trabalho, ofício ou profissão, nos termos do art. 170, parágrafo único e art. 5º, inciso XIII, respectivamente, da Constituição Federal de 1988.

Inclusive, viola-se o direito de propriedade do cidadão, enquanto direito e garantia individual, como destacado por Kümpel, nos seguintes termos:

“Pode-se afirmar que a ausência do crivo judicial para a indisponibilização de um bem fere o direito de propriedade do cidadão. Ora a propriedade é um direito e uma garantia fundamental e, portanto, a restrição deste direito sem o devido processo legal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, fere, diretamente, a Constituição Federal.

As leis ordinárias não podem criar indiscriminadamente mecanismos de execução administrativa em detrimento do direito de propriedade do cidadão A desjudicialização da indisponibilidade de bens – ainda mais com a simplicidade dos requisitos exigidos – pode, ao invés de gerar o efeito pretendido de inovar as ferramentas de cobrança de dívidas públicas, levar a um retrocesso jurídico, configurando um verdadeiro confisco do patrimônio privado pela Administração Pública.”25

As sanções políticas arcaicas ofendem também o devido processo legal substancial (substantive due processo of law), que se refere ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 198826.

O princípio da proporcionalidade veda os excessos e o princípio da razoabilidade veda as prescrições irrazoáveis do Poder Público. Tais princípios acham-se vocacionados a neutralizar ou inibir os abusos do Poder Público no exercício de suas funções. Quando o Estado impõe sanções tributárias arcaicas está se valendo de um meio desproporcional e irrazoável para obter o adimplemento do tributo. Em face do postulado da proibição em excesso, o princípio da proporcionalidade deve, portanto, inibir a administração tributária de impor ao contribuinte restrições gravosas e irrazoáveis, forçando contribuinte a pagar o tributo.

Ora, ao atribuir à Fazenda Pública Nacional o poder de bloquear unilateralmente os bens e direitos do contribuinte, com a ausência da intervenção do Estado-juiz, para a satisfação do crédito tributário, tem-se a adoção de um meio de cobrança abusivo, desarrazoado e desproporcional, que inviabiliza, por completo, direitos constitucionais fundamentais à atividade profissional e econômica, incorrendo em inconstitucionalidade, que se revela “chapada”, na expressão de Sepúlveda Pertence, o que não deve prosperar.

6. Limites da averbação pré-executória estabelecidos na Portaria PGFN n. 33/2018

Não obstante a deficiência normativa da Lei n. 13.606/2018, que não detalhou os limites da indisponibilidade, a Portaria PGFN n. 33/2018, por sua vez, procurou corrigir essa lacuna, criando normas denominadas “freios e contrapesos” porque tratam dos limites quantitativos, temporais e materiais para realização da averbação pré-executória, minimizando, assim, os efeitos dessa constrição patrimonial para os contribuintes.

Entrementes, é bem verdade que o Registrador de Imóveis não pode recusar a prática de ato de sua atribuição, de averbar, em razão de suposta inconstitucionalidade da norma que o determina; não obstante, a eventual inconstitucionalidade da norma estaria em um dos seus efeitos atribuídos pela Lei, qual seja, o de emprestar à averbação oriunda de título extrajudicial a indisponibilidade do bem.

Com e efeito, após a notificação do devedor a respeito da efetiva averbação pré-executória, abre-se prazo de 10 (dez) dias para impugnação administrativa. Na impugnação administrativa, o devedor ou o terceiro (pretenso adquirente) poderá alegar a impenhorabilidade dos bens averbados, excesso de averbação, mudança de titularidade do bem etc. É o que constam dos arts. 25 e 26 da Portaria PGFN n. 33/2018.

“Art. 25. Averbada a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos, o devedor será notificado para apresentar impugnação, no prazo de 10 (dez) dias.  

[...]

Art. 26. Na impugnação, que será protocolada exclusivamente mediante acesso ao e-CAC da PGFN, o devedor poderá:

I – alegar a impenhorabilidade dos bens e direitos submetidos à averbação pré-executória, nos termos do art. 833 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015;

II – alegar excesso de averbação, quando os bens averbados estiverem avaliados em valor superior ao das dívidas que deram origem à averbação;

III – indicar à averbação outros bens ou direitos, livres e desimpedidos, nos termos dos arts. 9º e 10 desta Portaria, observada a ordem de preferência estipulada pelo art. 11 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980;

IV – alegar mudança de titularidade do bem ou direito em momento anterior à inscrição;

V – alegar que, a despeito da alienação ou oneração de bens em momento posterior à inscrição, reservou patrimônio suficiente para garantir a dívida, nos termos do art. 185, parágrafo único, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996[27] (Código Tributário Nacional), sendo que, nesse último caso, deverá indicar os bens reservados à averbação.”

Porventura, no caso de procedência da impugnação administrativa, em que o devedor ou por terceiro (pretenso-adquirente) demonstra reserva de outros bens suficientes para garantir o pagamento do débito fiscal, tem-se o denominado “cancelamento”28 de averbação pré-executória, nos termos do art. 32, inciso II da Portaria PGFN n. 33/2018 e, por consequência, da indisponibilidade, podendo os bens, anteriormente averbados, serem alienados. A Portaria PGFN n. 33/2018, nesse caso, minimiza os efeitos da indisponibilidade, tornando viável a alienação de bens averbados, desde que demonstrada reserva do patrimônio suficiente para saldar a dívida.

Nesse sentido, a imposição da averbação pré-executória não deve recair sobre a totalidade dos bens e direitos do contribuinte inadimplente, mas apenas sobre aqueles suficientes para garantir a satisfação da dívida tributária. Tem-se aqui o limite “quantitativo” da averbação pré-executória.

Transcorrido o prazo de 10 (dez) dias para impugnação administrativa sem qualquer manifestação do devedor ou do terceiro (pretenso-adquirente) ou rejeitada a impugnação administrativa, abre-se o prazo prescricional de 30 (trinta) dias para Procuradoria da Fazenda Nacional propor execução fiscal, nos termos do art. 30 da Portaria PGFN n. 33/2018:

“Art. 30. Não apresentada ou rejeitada a impugnação, a execução fiscal deverá ser encaminhada para ajuizamento no prazo de até 30 (trinta) dias contados, conforme o caso, do primeiro dia útil após esgotado o prazo para impugnação ou da data da ciência de sua rejeição, observado o disposto no art. 36, § 2º, desta Portaria.”

Pode-se afirmar que a indisponibilidade dos bens e direitos do contribuinte inadimplente não poderá superar o prazo de 30 (trinta) dias para o ajuizamento da execução fiscal. Esse é o “limite temporal” para averbação pré-executória. Caso a Procuradoria da Fazenda Nacional não ajuíze a execução fiscal dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados do esgotamento do prazo para impugnação ou da data da sua rejeição, determina-se o cancelamento da averbação pré-executória e, por conseguinte, da indisponibilidade.

É o que prevê o parágrafo único do art. 30 e art. 32, inciso V da Portaria PGFN n. 33/2018, a saber:

“Art. 30. Parágrafo único. O não encaminhamento da petição inicial para ajuizamento da execução fiscal no prazo previsto no caput ensejará o levantamento da averbação pré-executória, ressalvada a suspensão da exigibilidade do débito antes do efetivo ajuizamento.

[...]

Art. 32. Configuram hipóteses de cancelamento da averbação pré-executória:

[...]

V – O não encaminhamento da petição inicial para ajuizamento da execução fiscal, nos termos do art. 30.”

De acordo com art. 21 da Portaria PGFN n. 33/2018, averbação pré-executória constitui ato pelo qual se anota nos “órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora”. A Portaria, contudo, não traz definição para essa expressão. Para o presente trabalho, a indisponibilidade recairá sobre todos os bens e direitos passíveis de registro público instituído por lei, ou seja, aqueles cuja existência e autenticidade podem ser comprovadas mediante consulta ao registro em órgão público ou órgão privado no exercício de função pública. Trata-se do “limite material” para averbação pré-executória, como consta do art. 22 da Portaria PGFN n. 33/2018.

“Art. 22. Estão sujeitos à averbação pré-executória os seguintes bens e direitos, em valor suficiente para satisfação dos débitos inscritos em dívida ativa de responsabilidade do devedor ou corresponsável:

I – se pessoa física, os integrantes do seu patrimônio, sujeitos a registro público; e

II – se pessoa jurídica, os de sua propriedade, integrantes do ativo não circulante, sujeitos a registro público.”

Veda-se, portanto, a averbação dos bens das Fazendas federal, estadual e municipal e respectivas autarquias e fundações; pequena propriedade rural; da empresa com falência decretada ou recuperação judicial deferida, bem de família, os considerados por lei impenhoráveis, como os valores em contas bancárias, nos termos do art. 23 da Portaria PGFN n. 33/2018.

7. Conclusão

A averbação pré-executória, criada pela Lei n. 13.606, em 10 de janeiro de 2018, constitui mecanismo administrativo de cobrança de créditos tributários federais, utilizado pela Procuradoria da Fazenda Nacional e especificamente praticado nas Serventias de Registro Imobiliário, que força o contribuinte a pagar a dívida tributária e dá publicidade a terceiros interessados na aquisição dos bens de devedores da Fazenda Nacional.

Trata-se de uma nova garantia tributária de existência de bens, nos termos do art. 183 do Código Tributário Nacional, com natureza jurídica de ônus real, que oferece ao ente político tributante meio necessário para assegurar a satisfação do crédito tributário.

A Portaria PGFN n. 33/2018, como visto, trouxe as normas denominadas “freios e contrapesos”, ou seja, os limites quantitativos, temporais e materiais ao instituto da averbação pré-executória, para fins de preservar a segurança jurídica ao contribuinte inadimplente, evitando abusos na decretação da indisponibilidade de seus bens e direitos. O trabalho detalhado de regulamentação legal, realizado pela Portaria PGFN n. 33/2018, contudo, não apagou os riscos de invalidação dos arts. 20-B, § 3º, inciso II e 20-E da Lei n. 10.522/2002, acrescentados pela Lei n. 13.606/2018, em relação aos efeitos da indisponibilidade.

De fato, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.886/DF, em 3 de dezembro de 2020, em sessão realizada inteiramente por videoconferência, declarou a inconstitucionalidade, formal e materialmente, dos dispositivos referentes à indisponibilidade dos bens do devedor pela Fazenda Pública Nacional, prestigiando a corretezza constituzionale.

Destaca-se a inconstitucionalidade de natureza “formal” dos dispositivos legais por violação à reserva de lei complementar para normas sobre crédito tributário, previsto no art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988, e a inconstitucionalidade de natureza “material” dos arts. 20-B, § 3º, inciso II e 20-E da Lei n. 10.522/2002, por desrespeito aos direitos fundamentais de propriedade, do devido processo legal substantivo e do livre exercício de atividade profissional e econômica.

Em outras palavras, a indisponibilidade dos bens e direitos do contribuinte, com a ausência da intervenção do Estado-juiz, para a satisfação do crédito tributário, incorre na adoção de um meio de cobrança abusivo, desarrazoado e desproporcional, de caráter inconstitucional, uma “sanção política arcaica”, porque inviabiliza, por completo, direitos fundamentais constitucionais, o que não deve prosperar.

A busca de uma resposta positiva à averbação pré-executória no Brasil, como meio alternativo para cobrança de tributos para o incremento da arrecadação tributária, dependerá, pois, que as normas denominadas de “freios e contrapesos” previstas na Portaria PGFN n. 33/2018 façam parte do próprio texto legal e mais, que esse texto legal tenha status de lei complementar, porque somente assim novos riscos de invalidação da averbação serão afastados.

No tocante à averbação pré-executória da dívida tributária na matrícula do imóvel, considerada legítima, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, porque publiciza e torna o tráfego negocial mais seguro para os pretensos adquirentes do imóvel averbado, importante é fazer valer a vontade da Constituição, com consciência de que os direitos fundamentais do contribuinte, expressos no texto constitucional, não devem ficar sujeitos ao arbítrio estatal na cobrança de tributos.

Afinal, uma Constituição, na expressão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, “não é apenas o seu texto, mas, principalmente, uma prática”. É assim que os efeitos da averbação pré-executória devem ser vistos no Brasil, não só pelo seu texto, mas, sobretudo, por sua prática.

Referências

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1 Significa “deixar fazer, deixai passar, o mundo caminha por si só”.

2 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 20. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 189.

3 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 237.

4 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 13.

5 PAULSEN, Leandro. Capacidade colaborativa. Princípio de direito tributário para obrigações acessórias e de terceiros. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2014, p. 19.

6 PAULSEN, Leandro. Capacidade colaborativa. Princípio de direito tributário para obrigações acessórias e de terceiros. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2014, p. 20.

7 NABAIS, José Cabalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 31.

8 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.

9 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 191/192.

10 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 25.

11 Acesso no dia 7 de setembro de 2020 ao Relatório Justiça em números 2020, ano-base 2019, no endereço eletrônico: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros.

12 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direto tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 891.

13 “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.”

14 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 287.

15 Dispõe a Súmula n. 560 do Superior Tribunal de Justiça: “A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185-A do CTN pressupõe o exaurimento de diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofício aos registros públicos do domicílio do executado, ao Denatran ou Detran.”

16 Rodrigues Neto, Assuero. A publicidade do registro de imóveis e a função socioambiental da propriedade. Revista Fórum de Direito Civil v. 18, 2018, p. 103-118, p. 112.

17 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. V, p. 310.

18 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 510.

19 O art. 54 da Lei n. 13.097/2015 trouxe dispositivo que estabelece que todas as informações atinentes aos direitos reais imobiliários, assim como de seus titulares, fossem finalmente disponibilizadas em um único local: a matrícula do imóvel, contribuindo decisivamente para aumento da segurança jurídica dos negócios, assim como para a sua desburocratização, reduzindo os seus custos operacionais e tornando-os mais céleres.

20 Rodrigues Neto, Assuero. A usucapião extrajudicial e a concentração dos atos na matrícula do imóvel. Revista do Direito Imobiliário v. 83, 2017, p. 401-422, p. 416-417.

21 MELLO, Oswaldo Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. I, p. 98.

22 LIMA, Ruy Cirne. Princípios do direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 37.

23 STF, ADI n. 5.886/DF, Min. Rel. Marco Aurélio Mello, DJe 09.12.2020.

24 GABRIEL, Ivana Mussi. Direito tributário para concursos. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 218.  

25 KÜMPEL, Vitor Frederico; FERRARI, Carla Modina. Tratado notarial e registral, tomo II. São Paulo: YK Editora, 2020. v. V, p. 1.937.

26 Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

27 Note que aqui ocorreu uma atecnia do legislador, um erro, porque o Código Tributário Nacional é de 1966, e não de 1996.

28 Há outros casos de cancelamento da averbação previstos no art. 32 da Portaria da PGFN n. 33/2018: “I – a extinção do débito que deu origem à averbação; II – a procedência da impugnação do devedor; III – a desapropriação pelo Poder Público; IV – a decisão judicial; V – o não encaminhamento da petição inicial para ajuizamento da execução fiscal, nos termos do art. 30.”