Normas Tributárias, Eficácia Indutora e Recuperação Empresarial: Análise Crítica das Inovações Introduzidas pela Lei n. 14.112/2020

Tax Rules and Corporate Recovery: Critical Analysis of the New Legal Framework Provided by Federal Law n. 14.112/2020

Pedro Henrique Garzon Ribas

Professor e Coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro da PUC-Minas. Diretor do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT). Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Graduado em Ciências Contábeis pelo Fipecafi. E-mail: pedro.ribas@maneira.adv.br.

Roberto Codorniz Leite Pereira

Professor do Mestrado Profissional em Direito Tributário Internacional e Comparado do IBDT. Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Master of Laws (LL.M.) em Direito Tributário Internacional pela Wirtschaftsuniversistät Wien (WU). Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP). E-mail: roberto@maneira.adv.br.

Recebido em: 1º-11-2021 – Aprovado em: 14-5-2022

https://doi.org/10.46801/2595-6280.51.13.2022.1292

Resumo

O presente estudo se dedica à análise da função indutora desempenhada pelas normas tributárias que se fazem presentes na Lei de Falência e Recuperação Empresarial (Lei n. 11.101/2005), antes e especialmente após a reforma promovida pela Lei n. 14.112/2020. Considerando que as normas tributárias são um instrumento fundamental à disposição do Estado para a intervenção no domínio econômico, os efeitos indutores das normas tributárias devem se revelar em estrita adequação com os princípios norteadores da Ordem Econômica Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade. Quando se analisa a Lei n. 14.112/2020, observa-se o emprego muito mais intensivo de normas tributárias com eficácia indutora do que no regime jurídico anterior. Na visão dos autores, apesar de algumas preocupações pontuais em relação às normas tributárias presentes na Lei n. 14.112/2020, as referidas normas se mostram em conformidade com a Ordem Econômica Constitucional, porquanto são medidas proporcionais para fomentar a recuperação e viabilização empresarial.

Palavras-chave: normas tributárias, eficácia indutora, falência, recuperação empresarial, ordem econômica constitucional, proporcionalidade.

Abstract

In this article, the functions performed by tax rules in the context of bankruptcy and corporate recovery law are analyzed from the perspective of the former as well as the new legal framework provided by Federal Law n. 14.112/2020. Considering that tax rules perform a fundamental rule in driving private agents’ behavior in the economy, the effects arising from tax rules must comply with the guiding constitutional principles that conform the so called “Constitutional Economic Order”, provided by Brazilian Federal Constitution. From the perspective of the Federal Law n. 14.112/2020, it is remarkable the intensive employment of tax rules. According to the authors’ perspective, notwithstanding specific concerns highlighted in this article, the recently introduced tax rules by the Federal Law n. 14.112/2020 comply with the “Constitutional Economic Order”, since they are proportionate in order to induce the corporate recovery.

Keywords: tax rules, bankruptcy, corporate recovery, constitutional economic order, proportionality.

Introdução

A introdução do instituto da recuperação judicial de empresas foi certamente um importante marco na legislação comercial brasileira. Nos termos do art. 47 da Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Empresarial ou LFRE), a finalidade da recuperação judicial consiste na “superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, sua função social e estímulo à atividade econômica”.

No lugar de tutelar exclusivamente os credores mediante a retirada do mercado de empresas que se revelam incapazes de nele participar (fundamento para a decretação de falência), na recuperação judicial busca-se o equilíbrio dos múltiplos interesses envolvidos, de forma que, demonstrada a viabilidade econômica da empresa recuperanda, resguarda-se a sua existência e, via de consequência, promove-se a sua função social.

Ou seja, a recuperação judicial prestigia os interesses da totalidade dos terceiros interessados na empresa – i.e., dos trabalhadores, da comunidade na qual se insere, dos consumidores, dos órgãos de Estado como as Administrações Tributárias, dentre outros – não se limitando aos interesses dos seus credores. Assim, não se busca tutelar os interesses de alguns stakeholders em detrimento de outros, mas de todos.

E o Direito Tributário não se mantém alheio a tal realidade.

Como se sabe, as normas tributárias, a par da sua função arrecadadora, figuram como um importante e poderoso instrumento, a favor do Estado, de intervenção no domínio econômico. Nesse sentido, considerando que a recuperação empresarial possui forte respaldo na chamada Ordem Econômica Constitucional, compete às normas tributárias estimular – i.e., induzir positivamente – o seu uso, desde que isso não enseje ofensa a outras finalidades igualmente prestigiadas pelo ordenamento jurídico.

É justamente a partir da perspectiva dos efeitos indutores das normas tributárias aplicáveis à recuperação judicial que se pretende, por meio deste estudo, avaliar criticamente as alterações recentemente introduzidas pela Lei n. 14.112/2020 no regime jurídico da recuperação judicial.

Inicialmente, delimitaremos o referencial teórico aplicável à função indutora das normas tributárias como instrumento de intervenção no domínio econômico, bem como ao seu controle jurisdicional, com um olhar especial para o regime jurídico da recuperação judicial de empresas (tópico 1). Na sequência, o foco da nossa análise passará a ser a função exercida pelas normas tributárias que caracterizaram o regime jurídico anterior à Lei n. 14.112/2020 (tópico 2). Posteriormente, a análise quanto à função indutora passará a recair sobre as normas tributárias presentes na Lei n. 14.112/2020 (tópico 3). Por fim, serão feitas breves notas conclusivas.

1. Normas tributárias, intervenção econômica e a recuperação empresarial

As normas tributárias desempenham, fundamentalmente, duas funções no ordenamento jurídico.

Por um lado, as normas tributárias se prestam a arrecadar recursos para a manutenção das funções de Estado. É por meio do poder de tributar que o chamado “Estado Fiscal” se financia, em contraposição à ideia de que o Estado obteria as receitas necessárias para a sua manutenção através da intervenção direta no domínio econômico, como agente econômico1. Atualmente, os Estados, em sua expressiva maioria, obtêm receitas para a sua manutenção por meio de receitas derivadas, ou seja, receitas oriundas do exercício do poder de tributar agentes econômicos que, estes sim, atuam diretamente no domínio econômico. Não se ignora, no entanto, que o Estado ainda obtenha uma parcela de receitas para a sua manutenção, conquanto ínfima, através da sua atuação direta no domínio econômico. Esta realidade, no entanto, já não é mais uma regra, mas uma exceção. A função arrecadatória das normas tributárias está inserida no campo da fiscalidade.

Por outro lado, as normas tributárias exercem, também, uma função indutora de comportamentos dos agentes privados. Esta função se deve à constatação de que o exercício do poder de tributar se insere sempre em um meio e um contexto socioeconômico que inexoravelmente reage, em maior ou menor grau, à influência exercida pelo Estado enquanto ente tributante. Um consumidor não ignora, por exemplo, que determinados produtos importados de luxo sejam mais caros do que os produtos nacionais em razão de os seus preços serem majorados por conta da repercussão econômica das despesas incorridas pelos importadores com impostos incidentes na importação. Tampouco o consumidor desconhece que determinados itens, considerados essenciais, tenham preços reduzidos em virtude da menor carga tributária que eles sofrem. A função indutora de comportamentos ensejada pelas normas tributárias está inserida no domínio da extrafiscalidade.

Sobre a teoria das normas tributárias indutoras, cumpre um breve aparte. Ao tratar do tema, Luís Eduardo Schoueri2 aponta que o Estado dispõe de meios constitucionalmente previstos para a intervenção no Domínio Econômico, podendo ser mediante exploração direta da atividade econômica, porém, apenas em caráter excepcional (cf. art. 1733) ou, ainda, indiretamente, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento (cf. art. 1744). Na atuação indireta do Estado sobre o Domínio Econômico, poderá ele agir mediante a indução de comportamentos no sentido de encorajar ou desencorajar determinada conduta econômica recorrendo-se, neste contexto, às normas tributárias (com função indutora) como instrumento de intervenção.

O autor também destaca que as “normas tributárias indutoras” devem ser identificadas a partir de uma visão pragmática, segundo a qual a referida categoria de normas deve ser caracterizada a partir dos seus efeitos, ou seja, a partir das suas “funções eficaciais”5. Indo além na aludida conceituação, Martha Leão afirma que a extrafiscalidade não seria definida apenas pela causa da criação de um determinado tributo, mas envolveria também a existência fática desses efeitos indutores sobre a ordem econômica e social vigente. Nas palavras da autora: “não há função indutora, sem eficácia indutora”6.

Dito isso, conclui-se que somente haverá espaço para normas tributárias indutoras, nos moldes previstos pela linha teórica ora analisa, em relação a situações contidas no Domínio Econômico, nunca fora dele, pois se a norma tributária indutora incide de modo a agravar ou a desagravar determinada situação por meio de mecanismos fornecidos pelo próprio mercado (preço, moeda, parcela de riqueza), deve-se concluir que, fora dele, não há que se falar em indução, pois os mecanismos utilizados não surtirão quaisquer efeitos7.

Assim, para os propósitos do presente estudo, consideraremos que as normas tributárias indutoras correspondem a quaisquer normas tributárias – não se limitando às normas que delimitam diretamente a hipótese de incidência tributária – que tenham, por efeito (ainda que potencial), induzir o comportamento do agente econômico no sentido de concretizar uma finalidade econômica prestigiada pelo ordenamento jurídico.

O estudo da função indutora das normas tributárias está alinhado, ainda, com a proposta formulada por Norberto Bobbio de que a ciência do Direito não deve ter por objeto de estudo, apenas, a relação da norma jurídica com o sistema jurídico como um todo (perspectiva estrutural), mas, também, as funções desempenhadas pela norma jurídica, no sentido de incentivar condutas desejadas pela sociedade e prestigiadas pelo ordenamento jurídico (indução positiva), ou desincentivá-las, quando não desejadas ou contrárias a valores e princípios positivados pelo ordenamento jurídico (indução negativa)8.

Os efeitos indutores das normas tributárias são, com efeito, passíveis de controle por parte do Poder Judiciário. Apenas a título ilustrativo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.553, em que se discute a constitucionalidade de norma tributária que prevê benefício fiscal (incidência de IPI à alíquota zero conforme o Decreto n. 8.950/2016 e redução da base de cálculo de ICMS em operações de saída de insumos agropecuários de que trata o Convênio n. 100/1997) para agrotóxicos, o Ministro Edison Fachin, relator do caso, já se posicionou no sentido de que, embora a legislação não proíba a venda e o uso de agrotóxicos, a previsão de norma tributária que venha a estimular o seu uso contraria os princípios que norteiam o regime constitucional de proteção ao meio ambiente, especialmente os princípios do poluidor-pagador e da precaução, razão pela qual o referido benefício se revela inconstitucional9. O julgamento da ADI n. 5.553, no entanto, ainda não foi concluído.

Um aspecto particularmente interessante do voto ora analisado, para os propósitos do presente artigo, refere-se não propriamente à conclusão a que o Ministro chegou, mas à premissa adotada de que os efeitos das normas tributárias estão sujeitos ao controle de constitucionalidade: “Não obstante, não se trata de uma liberdade ilimitada, de modo que, ao fim e ao cabo, ainda que venha a afigurar-se inicialmente como uma medida legítima, a norma tributária extrafiscal não está imune ao controle de constitucionalidade, o que permitirá, assim, confrontá-la com os demais valores e finalidades constitucionais eventualmente conflitantes.”

Conforme antecipamos no tópico introdutório, a recuperação judicial tem por finalidade buscar um equilíbrio dos interesses, por um lado, dos credores, que não necessariamente têm interesse direto na manutenção da fonte produtora, e, por outro lado, dos demais interessados que, diversamente dos credores, têm interesse direto na manutenção da fonte produtora, haja vista que a empresa, no desempenho da sua função social, é capaz de gerar bem-estar para toda a comunidade por ela impactada (i.e., trabalhadores, prestadores de serviços e fornecedores de matérias-primas, consumidores e o próprio Fisco)10. Estes objetivos estão, com efeito, expressos no caput do art. 47 da LFRE.

Neste contexto, a recuperação judicial está logicamente amparada pelos princípios orientadores da Ordem Econômica Constitucional, previstos no art. 170 da Constituição Federal11, especialmente a livre iniciativa, a valorização do trabalho e função social da empresa, desde que a empresa se revele potencialmente lucrativa e eficiente para superar a sua situação de crise econômico-financeira12.

Sendo a recuperação judicial tutelada pela Ordem Econômica Constitucional, não há dúvidas de que o desenho das normas tributárias não pode se prestar a criar um desincentivo à utilização do referido instituto jurídico, sob pena da sua inconstitucionalidade.

Há duas considerações que devem ser feitas, no entanto, a esta afirmação.

Em primeiro lugar, o efeito indutor da norma tributária não deve ser considerado de forma isolada, quando da análise acerca da sua juridicidade. Trata-se de um dos elementos que deve, sim, ser sopesado pelo intérprete, sem, no entanto, ser necessariamente decisivo.

A par dos efeitos indutores das normas tributárias, não se pode ignorar as outras finalidades prestigiadas pelo ordenamento jurídico que podem, no caso concreto, justificar o eventual efeito indutor negativo da norma tributária ao instituto da recuperação judicial.

A título ilustrativo, cite-se a ordem de preferência assegurada pelo legislador ao crédito de natureza tributária. O fato de o legislador ordinário ter assegurado a satisfação dos interesses do Fisco antes dos interesses de diversas outras classes de credores não significa que a referida norma jurídica seja inconstitucional, por violação aos princípios da ordem econômica. Ainda que se admita que a prioridade assegurada ao crédito tributário represente uma indução negativa à recuperação judicial (premissa essa bastante questionável), ela é perfeitamente justificada pela tutela específica garantida ao crédito tributário pelo ordenamento jurídico-tributário. Isso se justifica, dentre outras razões, pela imprescindibilidade das receitas dele oriundas para a manutenção do próprio Estado e para a garantia de direitos e liberdades individuais.

Em segundo lugar, embora o legislador tenha ao seu dispor normas tributárias para induzir o comportamento de agentes privados no sentido de estimular condutas prestigiadas pelo ordenamento jurídico, o legislador não está obrigado a utilizá-las. Disso decorre que o legislador poderá não apenas optar por utilizar normas tributárias com finalidade de induzir comportamentos, como também, graduar a sua intensidade.

O controle a ser exercido pelo Poder Judiciário deve se limitar aos efeitos produzidos pela norma tributária, só podendo ser repelidas, por inconstitucionalidade, as normas tributárias que induzirem negativamente determinado comportamento prestigiado pelo ordenamento jurídico, especialmente pela Constituição Federal. De modo algum, a inação do legislador no tocante à instituição de normas tributárias com efeitos indutores pode ser passível de controle jurisdicional, sob pena de invasão do Poder Judiciário na esfera de competências do Poder Legislativo.

2. O direito da recuperação de empresas e o direito tributário brasileiro: a Lei n. 11.101/2005 e a Lei Complementar n. 118/2005

Neste tópico, analisaremos o regime jurídico inaugurado pela Lei n. 11.101/2005 (“LFRE”) e a Lei Complementar n. 118/2005 que, ao ter introduzido diversas alterações no Código Tributário Nacional (CTN), teve por finalidade assegurar a necessária convergência entre os regimes jurídicos da falência e recuperação empresarial e tributário.

Não será nesta ocasião que analisaremos as alterações trazidas pela Lei n. 14.112/2020 no ordenamento jurídico-brasileiro, haja vista que destinaremos um tópico específico inteiramente para esse exame.

2.1. O difícil equilíbrio entre a proteção ao crédito tributário e a viabilização da recuperação empresarial

O Fisco está entre os credores de maior peso de qualquer empresa cuja falência é decretada ou que esteja em processo de recuperação. No entanto, como visto acima, o Fisco não é qualquer credor, haja vista que o “crédito tributário” possui importância central para a garantia da manutenção das funções de Estado, da prestação de serviços públicos e de direitos fundamentais e liberdades individuais13, inclusive o direito à propriedade14.

Não é por outra razão que, especialmente após a publicação da Lei Complementar n. 118/2005, o CTN conferiu maior tônica às garantias e aos privilégios ao crédito tributário, como é caso da possibilidade de satisfazê-lo com todo e qualquer bem e direito do sujeito passivo, exceto os que a lei considerar como absolutamente impenhoráveis (cf. art. 184), a determinação de indisponibilidade de bens quando o sujeito passivo é citado sem, no entanto, oferecer bens à penhora (cf. art. 185-A), a preferência do crédito tributário frente a qualquer outro em caso de falência, a exceção dos créditos trabalhistas (cf. art. 186), e o fato de a cobrança judicial não estar sujeita ao concurso de credores ou habilitação em caso de falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento (cf. art. 187).

Em linha com o art. 186 do CTN, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 118/2005, o art. 83, inciso III, da LFRE prevê que os créditos tributários, relativos a fatos geradores ocorridos até o evento da decretação da falência, são concursais, devendo ser satisfeitos logo na sequência dos créditos trabalhistas e dos créditos com garantia real. A única exceção para esta regra são as multas tributárias, que apesar de preferirem apenas aos créditos subordinados e aos juros vencidos após a decretação da falência, foram incluídos no rol de créditos exigíveis da falência pela Lei n. 11.101/200515.

No entanto, a prevalecer apenas os interesses do Fisco, a recuperação judicial não concretizaria a sua finalidade, que é garantir que a empresa possa se recuperar plenamente, assegurando a proteção aos interesses de todos os sujeitos por ela afetados. É por esta razão que, embora a LFRE confira nítida proteção ao crédito tributário e aos interesses da Fazenda Nacional, inclusive, na execução do crédito tributário, ela já previa, em sua redação original, normas tributárias indutoras com a finalidade de assegurar que a recuperação judicial cumpra o seu objetivo.

A LFRE e a Lei Complementar n. 118/2005 são, neste contexto, uma tentativa de busca por este difícil equilíbrio entre assegurar a devida proteção ao crédito tributário diante da sua centralidade para a manutenção das funções de Estado e da garantia de direitos e, paralelamente, permitir que a empresa se recupere e continue a cumprir a sua função social.

Abaixo, analisaremos duas medidas adotadas pela LFRE e pela Lei Complementar n. 118/2005, e aprimoradas pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, nas quais se vislumbrou como esse equilíbrio poderia ser alcançado.

O que se verá é que, a despeito da proteção conferida ao crédito tributário em termos de privilégio e preferência, o legislador, e também os tribunais, em grande medida, vislumbraram o aludido equilíbrio por meio da repartição de competências entre o juízo das execuções fiscais e da recuperação judicial, bem como por meio da introdução de normas tributárias indutoras no tocante à sucessão tributária nas hipóteses de alienação de ativos.

2.2. Conflito de competências entre os juízos de execuções fiscais e de recuperação de empresas

Nos termos do art. 6º da LFRE, a decretação de falência ou o deferimento da recuperação judicial tem por efeito suspender todos os prazos de prescrição e das execuções que estejam em curso perante o devedor, devendo ser observado o prazo máximo de 180 dias em caso de recuperação judicial.

A finalidade que se busca com a suspensão das ações de execução é bastante clara: com a manutenção de ações de execução de créditos em curso, não se respeitará a ordem de preferência que as distintas classes de credores possuem, permitindo que aqueles que tenham ações de cobrança mais avançadas satisfaçam os seus créditos a despeito de outros, independentemente da preferência legalmente estipulada. Além disso, a suspensão das execuções em curso é fundamental para que se permita a negociação entre credores e devedores evitando que, com a notícia da recuperação judicial, haja uma verdadeira corrida dos primeiros para satisfação dos seus créditos, fato que levaria à liquidação dos ativos da empresa e, consequentemente, iria de encontro ao princípio da preservação da empresa16.

Há, no entanto, uma exceção para esta regra: as execuções fiscais. Conforme previa o § 7º do art. 6º da LFRE, até a sua revogação pela Lei n. 14.112/2020, “as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento”.

Em linhas gerais, é possível afirmar que a referida norma se mostrava convergente com o art. 5º da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), que dispõe que “a competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário”.

Contudo, ao resguardar o prosseguimento regular das ações de execução fiscal, o então § 7º do art. 6º da LFRE criou, inexoravelmente, um conflito entre princípios orientadores do Direito Tributário e do Direito da Recuperação de Empresas: por um lado, prezou-se pelo princípio da indisponibilidade do crédito tributário e pelas garantias que o cercam, mas, por outro lado, a eventual penhora de determinados bens e direitos integrantes do ativo das empresas em recuperação judicial tinha o potencial de frustrar a concretização das suas finalidades, mormente a superação das situações de crises econômico-financeiras e a viabilidade da empresa.

A referida questão foi, então, objeto de ações judiciais levadas à jurisdição do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sedimentou-se, no âmbito do STJ, o entendimento de que, muito embora o deferimento do pedido de recuperação judicial não tenha o condão de suspender o curso das execuções fiscais, a pretensão constritiva direcionada ao patrimônio da empresa deve ser submetida ao juízo da recuperação judicial17.

A interpretação conferida pela Corte Superior é no sentido de que “são vedados atos judiciais que importem na redução do patrimônio da empresa ou excluam parte dele do processo de recuperação, sob pena de comprometer, de forma significativa, o seguimento desta”18.

A despeito disso, em razão de, na realidade prática, existir uma certa zona cinzenta em que não há como determinar onde começa a competência de um juízo e termina a do outro, são ainda comuns casos em que se verifica conflitos de competência entre juízes de varas de execução fiscal e de recuperação judicial de empresas.

Há casos, por exemplo, em que o juízo de recuperação de empresas decide por suspender o curso de determinada execução fiscal – fato que, em tese, seria vedado pela LFRE, em virtude do comando normativo expresso no sentido de que tais execuções não devem ser suspensas com o deferimento da recuperação judicial – sob a justificativa de que, com isso, se busca impedir que se dê prosseguimento à penhora de determinados ativos, o que, em tese, estaria sob a competência do juízo universal.

Justamente em razão da existência de situações como essas que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a relevância jurídica da discussão acerca da “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal” (Tema 987 dos recursos repetitivos)19. Na ocasião o STJ suspendeu o processamento de todos os feitos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

Seja como for, fato é que a regra extraída do antigo § 7º do art. 6º da LRJF pode ser considerada como um mecanismo de repartição de competências de juízos com vistas a prestigiar, ao mesmo tempo, a satisfação dos interesses do Fisco consistente no ingresso de valores nos cofres da Fazenda Nacional e a sobrevivência e a superação de crise econômico-financeira da empresa em recuperação. O desenho que lhe foi dado originalmente pelo legislador, bem como o seu exato escopo de aplicação oriundo do refinamento conferido pelo Poder Judiciário enquanto intérprete e aplicador da norma, não deixam de possuir nítida função indutora de preservação dos interesses da empresa em recuperação judicial.

Conforme será demonstrado mais adiante, buscou-se, por meio da Lei n. 14.112/2020, reduzir as situações em que se verifica conflito de competências entre juízos de execução fiscal e de recuperação de empresas.

2.3. Sucessão tributária mitigada no caso de alienação judicial de ativos empresariais

O art. 133 do CTN traça os contornos da regra geral de sucessão tributária pelo adquirente de ativos corporativos – fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional – relativamente aos tributos devidos pelo referido fundo ou estabelecimento, nas hipóteses em que for dada continuidade à sua exploração. Veja-se:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I – em processo de falência;

II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.”

Assim, tendo havido a aquisição de um ativo empresarial e sendo este ativo caracterizado como fundo de comércio ou estabelecimento empresarial, a continuidade da sua exploração enseja, inexoravelmente, a sucessão dos tributos relativos ao conjunto de bens e direitos adquiridos. A sucessão será integral ou subsidiária a depender da circunstância de o alienante prosseguir, ou não, com a exploração da correspondente atividade econômica.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que um dos motes principais da aludida regra reside justamente na tutela do interesse do Fisco, na medida em que o crédito tributário acompanhe o ativo gerador de riqueza capaz de saldá-lo. Noutras palavras, trata-se de uma regra que visa evitar que determinada empresa com elevado passivo tributário possa alienar seus ativos tangíveis e intangíveis mais valiosos, deixando “para trás” todo o passivo tributário cuja garantia de quitação consistia justamente nos ativos alienados20.

No entanto, quando compreendida no contexto da falência e da recuperação judicial de empresas, a norma de responsabilidade tributária do adquirente do fundo de comércio ou do estabelecimento empresarial, embora mantenha a sua aptidão para proteger os interesses fiscais, passa a representar um forte desincentivo à viabilização da recuperação empresarial.

Nesse sentido, buscando justamente evitar esta inconveniente situação que, por meio da introdução do § 1º ao art. 133 do CTN, o legislador complementar limitou os efeitos da sucessão tributária nos casos em que há alienação judicial de ativos de uma empresa que está no processo de falência ou de recuperação judicial. Neste último caso, o legislador delimitou o escopo da regra que limita os efeitos da sucessão tributária, apenas, às filiais e unidades produtivas isoladas, tendo o significado desta última ganhado maiores contornos por ocasião da publicação da Lei n. 14.112/202021, sem que isso, no entanto, tenha afastado, por completo, a indeterminação do seu significado.

Não é demais afirmar que a norma ora analisada buscou não só proteger o adquirente de bens numa alienação judicial, como também assegurar o valor em si dos bens alienados22. Isso porque, como se pode imaginar, a existência de passivo tributário que pudesse ser transmitido juntamente com os bens alienados seria “precificada”, implicando redução substancial da alienação de ativos23. Conforme pondera Luís Eduardo Schoueri sobre o tema: “a solução encontrada, ao mesmo tempo que não deixa de proteger os credores do alienante (inclusive o Fisco) por assegurar maior valor para a alienação e ao adquirente, tem inegável sentido social, já que permite a continuidade da exploração do negócio pelo último, preservando-se empregos e relações comerciais mantidos pelo estabelecimento alienado”24.

Depreende-se, portanto, que o “sentido social” acima aludido revela a função indutora de solvabilidade e recuperação empresarial desempenhada pela norma tributária aqui tratada. Não se trata, é verdade, de uma norma tributária que prevê uma hipótese de incidência, mas, ainda assim, trata-se de uma norma tributária que, neste caso, desempenha clara função de intervenção no domínio econômico ao induzir positivamente a solvabilidade e a recuperação empresarial.

O efeito indutor da norma tributária de mitigação de responsabilidade tributária, neste caso, revela-se em plena consonância com a Ordem Econômica Constitucional, pois, como visto anteriormente, a recuperação empresarial encontra-se amparada por diversos princípios enumerados no art. 170 da Constituição Federal.

O regime jurídico inaugurado pela Lei Complementar n. 118/2005 representa uma nova postura legislativa25 quando confrontada com o regime jurídico da Lei n. 6.830/1980 que, nos termos do art. 31, condicionava a autorização judicial para a alienação de ativos à “prova da quitação da Dívida Ativa ou a concordância da Fazenda Pública”. Embora a referida exigência não seja incompatível com o § 1º do art. 133 do CTN, não se pode negar que o ordenamento jurídico-tributário passou a induzir positivamente a alienação judicial de ativos, rompendo com o regime então vigente que se limitava a impor condicionantes.

3. A reforma da Lei de Falências e Recuperação Judicial e as inovações em matéria fiscal

No âmbito da Lei n. 14.112/2020, o que se observa é o amplo e bem-vindo recurso do legislador a normas tributárias com eficácia indutora destinadas a fomentar a recuperação empresarial. Destaque-se que o recurso à função indutora de normas tributárias não se deu sem a oposição da Presidência da República, que vetou parte de tais normas que constavam no Projeto de Lei n. 4.458/2020, posteriormente convertido na Lei n. 14.112/2020. Ocorre que, em março de 2021, já com a Lei n. 14.112/2020 em vigor, o Congresso Nacional derrubou a grande maioria dos vetos presidenciais, inclusive aqueles que diziam respeito às normas tributárias introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito da reforma da lei de falências e recuperação de empresas26.

Na sequência, as normas tributárias introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei n. 14.112/2020 serão analisadas à luz da sua eficácia indutora.

3.1. Delimitação de competência entre juízos de execução fiscal e falência e recuperação judicial

A primeira alteração em matéria fiscal que chama atenção a partir da leitura da Lei n. 14.112/2020 é, certamente, a revogação do § 7º do art. 6º da LFRE e a introdução do § 7º-B ao referido artigo, com a seguinte redação:

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.”

A primeira conclusão que se tira a partir da leitura do dispositivo acima reproduzido é de que o legislador houve por bem manter a mesma lógica que orientou a redação original da LFRE, qual seja, excepcionar as execuções fiscais da regra geral de suspensão das execuções em curso perante a empresa cuja falência foi decretada ou a recuperação judicial deferida.

No entanto, o que se observa, na sequência da leitura do dispositivo, é a positivação da interpretação que vem sendo amadurecida pelo STJ, consistente na ideia de que, não obstante a decretação de falência ou o deferimento da recuperação judicial não suspendam o curso das execuções fiscais, o juízo responsável pelo processamento destes feitos não detém liberdade ampla para proceder com a penhora de quaisquer bens e direitos da empresa em recuperação, porquanto tal análise compete exclusivamente ao juízo universal. Apenas este último juízo terá a capacidade de equacionar os interesses da totalidade dos credores. O Fisco, embora tenha nítidos privilégios e preferências no tocante à satisfação do crédito tributário, não pode se sobrepor aos demais, sobretudo aqueles que possuem maior preferência (i.e., os credores trabalhistas e com garantias reais).

Chama atenção, no entanto, que o legislador tenha delimitado a competência do juízo falimentar e da recuperação judicial para determinar a substituição de atos de constrição apenas aos “bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial”.

A referida norma, no entanto, não esclarece a extensão do referido conceito, tratando-se de um conceito jurídico indeterminado. Dito isso, não é difícil vislumbrar que, em determinado caso concreto, os juízos de execuções fiscais e de falência e recuperação judicial se verão na penosa tarefa de determinar até onde vai a competência do juízo universal para dispor sobre atos de constrição de bens e direitos. Ao que nos parece, a norma buscou solucionar um notório conflito de competências, porém acabou abrindo espaço para um outro potencial conflito.

Entretanto, antecipando-se a esse potencial conflito de competências, o próprio enunciado do § 7º-B cuidou de prever o mecanismo jurídico para a solução: a “cooperação jurisdicional” de que trata o art. 69 do Código de Processo Civil (CPC). Confira-se:

“Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:

I – auxílio direto;

II – reunião ou apensamento de processos;

III – prestação de informações;

IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.

[...]

§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:

[...]

IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;

V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;

[...]

§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário.

Note-se que, nos termos do art. 69 do CPC, a cooperação jurisdicional, que não requer forma específica, pode ter por objeto, dentre outras, a “prestação de informações” (inciso III) e “atos concertados entre os juízes cooperantes” (inciso IV). Trata-se de um importante meio para que um dos juízes possa conhecer as razões do outro para escolher determinado bem ou direito como essencial (ou não) para a atividade da empresa, bem como uma forma de se “combinar” como proceder diante das dificuldades e nuances específicas apresentadas em um caso concreto.

Como se pode verificar na redação do enunciado legal transcrito acima, o § 2º do art. 69 do CPC/2015 esclarece que é justamente por intermédio da cooperação jurisdicional que a abordagem de juízes de direito em relação a medidas que digam respeito à recuperação e preservação de empresas, bem como habilitação de créditos, deverá ocorrer. Corroborando tal entendimento, destaca-se também o emprego do verbo “será” pelo novo § 7º-B da Lei n. 11.101/2005, o qual remete à noção de que a cooperação jurisdicional não se trata de instrumento de utilização facultativa pelos juízos conflitantes, mas sim obrigatória.

Outro ponto de destaque da mencionada regra diz respeito à amplitude semântica da expressão “bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial”. Uma leitura apressada do dispositivo pode conduzir à (equivocada) conclusão de que tais bens se resumem apenas àqueles intrinsecamente ligados à produção, venda ou prestação de serviços pela empresa recuperanda. Ou seja, tratar-se-iam apenas de máquinas e equipamentos latu senso.

Contudo, não se pode concordar com tal entendimento, assaz restritivo.

Isso porque a nova realidade da economia e da sociedade globais revelam, a não mais poder, a imprescindibilidade e o grande valor que, por exemplo, os intangíveis ganharam no mercado moderno. Além disso, é também indene de dúvidas que, a depender da atividade econômica exercida pela recuperanda, existe um sem-número de outros bens (não necessariamente de capital) que também poderão ser considerados essenciais à manutenção da atividade empresarial.

Dessa forma, uma conclusão parece clara: a análise acerca do que devem ser considerados “bens essenciais” para fins de aplicação do § 7º-B do art. 6º da LFRE é casuística e deve ser feita à luz dos princípios norteadores da própria recuperação judicial (função social da empresa, tutela da atividade empresarial etc.).

E exatamente nesse contexto, chama-se a atenção para a parte final do dispositivo que faz remissão ao art. 805 do CPC, o qual prevê o chamado princípio da menor onerosidade na execução, nos seguintes termos: “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”. A parte final do dispositivo, com efeito, permite que, mediante interpretação finalística do dispositivo, fosse possível atribuir ao termo “bens de capital” conceito mais abrangente do que aquele à qual a sua interpretação literal remete, haja vista que, quanto mais amplo for o conceito, maior a tutela conferida pelo juízo universal à recuperação empresarial.

3.2. Compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL sobre os ganhos obtidos com a alienação judicial de bens e direitos

Outra inovação no ordenamento jurídico-tributário introduzida no âmbito da reforma da legislação de falências e recuperação empresarial de notória importância é a previsão da compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL sobre os ganhos obtidos na alienação judicial de bens e direitos, afastando-se a chamada “trava dos 30%” para a determinação do resultado fiscal. Esta inovação está entre aquelas que foram objeto de veto presidencial27 que, no entanto, foi posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional. Trata-se do art. 6º-B da Lei n. 11.101/2005, introduzido pelo art. 2º da Lei n. 14.112/2020. Confira-se:

“Art. 6º-B. Não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta Lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese em que o ganho de capital decorra de transação efetuada com:

I – pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II – pessoa física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica devedora.”

Desde 1995, vige a regra no ordenamento jurídico-tributário brasileiro, prevista nos arts. 4228 e 5829 da Lei n. 8.981/1995, de que prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL somente podem ser compensados com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões prevista na legislação tributária até o limite de 30% deste último. Em contrapartida, os saldos de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL deixaram de se sujeitar a qualquer termo prescricional para serem compensados com resultados futuros.

Como se sabe, no regime anterior, a compensação não se submetia a qualquer limite, mas o contribuinte deveria efetuar a compensação em prazo determinado, sob pena de não mais podê-lo fazer. O chamado carry forward – possibilidade de carregar para o futuro prejuízos passados para fins de compensação – sofria uma limitação temporal. Assim, o contribuinte, a partir de 1995, passou a ter direito ilimitado no tempo ao carry forward, mas passou a não poder compensar mais do que 30% do seu lucro líquido ajustado. No Brasil, nunca se admitiu o carry back.

Destaque-se que a prerrogativa de compensação de prejuízos e bases negativas de CSLL não é um benefício tributário, mas, antes, uma exigência para que não se tribute o patrimônio, mas apenas a renda30.

Isto porque, sabe-se que, idealmente, a forma mais precisa para se apurar o lucro corporativo seria apenas ao final da “vida” da sociedade empresária, momento em que se poderia aferir, com precisão, o seu lucro31. Ocorre que, tributar a sociedade empresária apenas quando da sua extinção, além de ir de encontro ao princípio da continuidade da empresa, também afetaria, em demasia, os interesses do Fisco e do próprio funcionamento do Estado, haja vista que, até a extinção da empresa, o Estado se veria desprovido de recursos para assegurar a manutenção das suas funções32. Por esta razão prática, há, na legislação, a previsão de exercícios/períodos de apuração que, no caso do IRPJ e da CSLL, se confundem com o ano-calendário. Essas considerações evidenciam que a permissão à compensação de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL não é um benefício fiscal, mas condição para que não se tribute o patrimônio a pretexto de se tributar a renda, o que inexoravelmente afrontaria a regra de competência constitucional prevista no art. 153, III, da Constituição Federal e o disposto do art. 43 do CTN.

Essas premissas são importantes para que se tenha a real dimensão do alcance da eficácia indutora da norma que se extrai do art. 6º-B da LFRE.

A referida norma excepciona a trava dos 30% exclusivamente para a compensação de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL com a parcela do lucro correspondente aos ganhos de capital provenientes da alienação judicial de bens e direitos. Ou seja, foi mantida a obrigação da sua observância para toda a parcela remanescente do lucro empresarial.

Dito isso, percebe-se que o escopo da eficácia indutora é, portanto, específico, direcionando-se exclusivamente às alienações judiciais de bens e direitos, e não a todo o resultado das operações da empresa em recuperação – destaque-se que o dispositivo em questão delimita o benefício à “parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos”.

O legislador, evidentemente, poderia (embora não tivesse qualquer obrigação de) ter ido mais além e isentado da incidência de IRPJ e CSLL os ganhos de capital apurados nas alienações de ativos realizadas pela empresa em recuperação, sob a justificativa de que a incidência tributária, nestas circunstâncias, atuaria de modo a induzi-las negativamente. Não foi este, no entanto, o caminho seguido pelo legislador, que preferiu manter a incidência, mas prever um meio alternativo para a sua neutralização.

Em verdade, a tributação dos ganhos de capital oriundos de alienações de ativos atua como um forte desincentivo à sua realização. Foi justamente por esta razão que o legislador houve por bem, sem isentar, neutralizar o ganho de capital.

Considerando a delimitação do seu escopo, o benefício está em pleno compasso com o princípio da isonomia em matéria tributária, uma vez que cria um incentivo específico para a alienação de ativos, cujo produto é fundamental para a viabilização da recuperação empresarial, sem, no entanto, conferir um tratamento tributário geral demasiadamente benéfico à empresa em recuperação frente às demais empresas do mercado em que atua, o que poderia colocá-la em posição de vantagem concorrencial, fato que poderia ensejar ofensa ao art. 170, inciso IV, da Constituição Federal.

Além disso, o benefício se amolda ao princípio da proporcionalidade33, porquanto, além de ser uma medida adequada para a concretização da finalidade a que se propõe (fomentar a recuperação e viabilização da empresa), não excede ao que é razoavelmente necessário para alcançar tal finalidade, além, é claro, de estar respaldada por uma justificativa bastante plausível de interesse público.

Seja como for, há ainda um ponto a ser destacado sobre o tema: o parágrafo único do art. 6º-B da LFRE traz normas antielisivas específicas excluindo a aplicação do benefício por ela previsto aos ganhos de capital que não atendam ao princípio arm’s length, ou seja, que sejam decorrentes de operações de compra e venda de ativos com partes relacionadas por vínculo societário (pessoas físicas e jurídicas), evitando, com isso, abusos na sua aplicação.

Neste ponto, merece críticas a referida norma antielisiva, haja vista que ela representa uma presunção absoluta de que em qualquer alienação de ativos da empresa em recuperação para partes relacionadas haverá, necessariamente, um abuso, sem permitir ao contribuinte a prerrogativa de produzir prova em contrário. A adoção de presunções absolutas é bastante criticada na literatura acadêmica34 e revela o uso de um meio desproporcional para se combater o abuso.

Destaque-se, ademais, que a norma antielisiva em análise não tem o condão de evitar reorganizações societárias com a finalidade de promover a neutralização (compensação) de ganhos de capital com a alienação de ativos empresariais mediante a incorporação prévia de empresas com elevados prejuízos correntes.

A título ilustrativo, imagine-se que uma determinada empresa “A”, parte integrante do grupo societário “AB”, deseje alienar parte dos seus ativos imobilizados para um adquirente independente (parte não vinculada). Ocorre que, como resultado da alienação, a empresa A apurará elevado ganho de capital que irá compor o seu resultado fiscal, o qual deverá ser submetido à incidência do IRPJ e da CSLL. Tendo esta empresa histórico superavitário e não possuindo elevados saldos de prejuízos fiscais acumulados, o ganho de capital não poderá ser neutralizado. No entanto, se a empresa “B”, coligada de A, apurar prejuízo corrente em valor elevado no mesmo período em que A pretender alienar suas ativos, será possível que, em momento anterior à alienação, B seja incorporadora por A de modo que, uma vez realizada a alienação dos ativos de A e apurado o ganho de capital, este venha a ser total ou parcialmente neutralizado pelo prejuízo corrente de B.

Note-se que, no caso apontado acima, não há uma incorporação societária com vistas a que a incorporadora compense os prejuízos fiscais e as bases negativas de CSLL da incorporada, haja vista que a legislação traz vedação expressa neste sentido35. Trata-se de incorporação para a neutralização do ganho de capital, decorrente de operação de alienação de ativos com parte independente, com prejuízos do mesmo exercício apurado por sociedade coligada. Esta operação não encontra vedação no parágrafo único do art. 6º-B e, a nosso ver, por se tratar de uma operação em que a sucessora assume todos os direitos e obrigações da incorporada, sucedendo-lhe de forma universal, não há que se falar em abuso de direito (o que somente poderia ocorrer em situações em que há seleção prévia dos direitos e obrigações que serão sucedidos – e.g., em uma cisão seletiva para segregação de ativos e passivos a serem sucedidos)36.

3.3. Não incidência de PIS e Cofins sobre o perdão de dívida e a compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL

Outro importante ponto a ser destacado da reforma legislativa da LFRE diz respeito à isenção do perdão de dívida da incidência da contribuição ao PIS e da Cofins e a possibilidade de compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL com o ganho decorrente do perdão de dívida. Trata-se do art. 50-A da LFRE, introduzido pelo art. 2º da Lei n. 14.112/2020, também objeto de veto presencial37 revertido pelo Congresso Nacional. Confira-se:

“Art. 50-A. Nas hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, deverão ser observadas as seguintes disposições:

I – a receita obtida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

II – o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida não se sujeitará ao limite percentual de que tratam os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, na apuração do imposto sobre a renda e da CSLL; e

III – as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial serão consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica à hipótese de dívida com:

I – pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II – pessoa física que seja acionista controladora, sócia, titular ou administradora da pessoa jurídica devedora.”

As referidas normas tributárias possuem nítida eficácia indutora da recuperação empresarial, haja vista que retiram das empresas em recuperação o ônus do pagamento da contribuição ao PIS e da Cofins sobre o resultado obtido com a renegociação da dívida que importe no seu “perdão”, integral ou parcial, e ao qual a legislação tributária sujeita todas as demais empresas que não estejam em recuperação. Essa distinção já é suficiente para que se afaste qualquer alegação de afronta ao princípio da isonomia em matéria tributária, tal como apresentou a Presidência da República nas suas razões de veto.

Ademais, as medidas apontadas se revelam em linha com o princípio da proporcionalidade haja vista serem medidas adequadas para fomentar a recuperação empresarial, bem como necessárias, haja vista não excederem ao que é razoavelmente necessário para atingir a sua finalidade, além de estar amparada em uma justificativa de interesse público maior. O escopo do benefício, restrito às hipóteses de renegociação de dívidas (o que é bastante comum e esperado em empresas que estão em recuperação judicial), tampouco confere vantagem concorrencial indevida às empresas em recuperação, frente às demais que atuam como suas concorrentes no mercado.

O aspecto que nos parece mais polêmico neste dispositivo normativo é o fato de que, nele, o legislador parece adotar como premissa que o perdão de dívida corresponde a uma receita tributável pela contribuição ao PIS e pela Cofins, ao passo que esta premissa está longe de ser pacífica na doutrina e na jurisprudência.

Em diversos pronunciamentos, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) já externou o entendimento de que o perdão de dívida consiste em uma receita tributável pelas contribuições sociais, valendo-se, para tanto, do singelo argumento de que a redução de um passivo tem como contrapartida contábil o reconhecimento de uma receita38.

Este posicionamento é questionável justamente porque o conceito de receita, enquanto fato gerador da contribuição ao PIS e da Cofins, não é um conceito meramente contábil, mas jurídico39. Dessa forma, não é qualquer receita contabilizada que sofre a incidência das contribuições, mas somente aquelas que sejam representativas de riqueza nova40, decorrentes da atividade empresarial e denotativas de capacidade contributiva41. O perdão de dívidas não gera riqueza nova, mas apenas uma redução da dívida anteriormente reconhecida; assim, tais valores são contabilizados como “receita” unicamente para neutralizar a despesa anteriormente contabilizada a maior.

Neste contexto, é de se questionar se a norma que determina a não incidência das contribuições sociais sobre o perdão de dívida das empresas em recuperação realmente inova na ordem jurídica, seguindo-se o mandamento de que “a lei não possui palavras inúteis”42, ou se apenas cumpre a função de esclarecer que, de fato, não há incidência, tal como já fora reconhecido em contextos distintos pelo STF43, em prestígio ao princípio da segurança jurídica.

A nosso ver, independentemente do mérito da discussão, a previsão de não incidência das contribuições sociais sobre o resultado oriundo da renegociação de dívidas da empresa em recuperação é uma medida que certamente induz positivamente o seu uso e aumenta as chances da sua viabilidade e recuperação no longo prazo. O mesmo pode ser dito em relação à permissão para compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL com o referido resultado. Desse modo, sob a perspectiva da eficácia indutora das referidas normas tributárias, ela se revela em linha com o art. 170 da Constituição Federal.

Por fim, é digno de nota que o legislador se utilizou da mesma técnica analisada anteriormente ao condicionar o aproveitamento deste benefício à circunstância de que a dívida renegociada não tenha sido pactuada entre partes vinculadas, mas com partes independentes (arm’s length). Novamente, a esta condição, entendemos serem aplicáveis as mesmas críticas formuladas no tópico precedente no tocante à utilização de presunção absoluta de abuso em empréstimos celebrados entre partes vinculadas.

3.4. Parcelamentos e transação tributária

No campo das normas tributárias introduzidas pela Lei n. 14.112/2020, destacam-se, ainda, os parcelamentos em matéria tributária, em dois contextos diferentes: (i) do IRPJ e da CSLL incidentes sobre ganhos de capital decorrentes da alienação de bens e direitos (introdução do § 4º ao art. 50 da LFRE); e (ii) dos débitos perante a Fazenda Nacional para todas as empresas que tiverem os seus pedidos de recuperação judicial deferidos (introdução dos arts. 10-A e 10-B à Lei n. 10.522/2002).

Além disso, por ocasião da reforma legislativa, foi prevista, também, a possibilidade de a empresa em recuperação transacionar com a Fazenda Nacional débitos fiscais já inscritos em Dívida Ativa da União (introdução do art. 10-C à Lei n. 10.522/2002).

Cumpre destacar, de início, que todas as empresas possuem a prerrogativa de parcelar seus débitos e transacionar débitos já inscritos em Dívida Ativa da União. O benefício introduzido no âmbito da reforma da lei de falências e de recuperação de empresas foi a previsão de parcelamento e transação sob condições mais vantajosas do que aquelas ordinariamente oferecidas às demais empresas.

A despeito da reconhecida importância dessas medidas, delas não iremos nos ocupar com a mesma profundidade dedicada às demais normas tributárias. Basta pontuar que, tal como as demais normas tributárias analisadas anteriormente, a previsão de parcelamento e transação tributária sob condições mais benéficas à empresa em recuperação, não apenas possui eficácia indutora da sua viabilidade e recuperação, estando, portanto, em linha com a Ordem Econômica Constitucional, como também não representa qualquer afronta ao princípio da isonomia tributária, porquanto empresas em recuperação não estão em situação equivalente ou comparável às demais empresas com elevada saúde financeira.

4. Conclusões

O estudo do regime jurídico aplicável à falência e às empresas em recuperação oferece uma oportunidade muito rica para nos debruçarmos sobre o tema dos efeitos indutores das normas tributárias. Se o regime anterior à Lei n. 14.112/2020 já revelava, ainda que de maneira bastante comedida, o recurso pelo legislador à função indutora das normas tributárias, a postura observada após o referido marco legislativo revela o recurso muito mais intensivo de normas tributárias como instrumento indutor da viabilidade e recuperação empresarial. Em ambos os casos, buscou-se um equilíbrio entre os interesses fazendários na satisfação do crédito tributário e o interesse dos stakeholders na viabilidade, solvabilidade e recuperação da empresa.

Além disso, normas tributárias com eficácia potencial indutora são passíveis de controle judicial no tocante à sua adequação aos princípios e regras que orientam a Ordem Econômica Constitucional. Não há dúvidas, neste contexto, de que, embora o legislador não seja obrigado a se utilizar de normas tributárias com eficácia indutora, ao fazê-lo, a sua atividade estará sujeita ao controle de validade por parte do Poder Judiciário.

No contexto da Lei nº 14.112/2020, observa-se que todas as normas tributárias analisadas neste artigo possuem efeitos indutores positivos no sentido de fomentar a solvabilidade e superação da situação econômico-financeira da empresa em recuperação. Parece-nos, também, que as medidas adotadas são plenamente proporcionais tendo-se em vista as finalidades pretendidas, justificando-se, também, eventuais tratamentos desiguais concedidos às empresas falidas ou em recuperação judicial. Assim, não há, a nosso ver, qualquer fundamento para que as normas tributárias ora analisadas sejam consideradas como contrárias aos princípios da isonomia em matéria tributária e capacidade contributiva.

Causa, no entanto, maiores preocupações, a delimitação excessiva do conceito de “bens de capital”, empregado pelo § 7º do art. 6º da LFRE, bem como a pretensão de se atribuir eficácia constitutiva de direito, e não declaratória, no tocante à incidência da contribuição de PIS e Cofins sobre o perdão de dívida de empresas em recuperação judicial.

Estas preocupações, entretanto, não devem ofuscar o desejado e bem-vindo recurso às normas tributárias com eficácia indutora no contexto da recuperação empresarial, fato que corrobora para a concretização dos princípios que orientam a Ordem Econômica Constitucional Brasileira.

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SZTAJN, Raquel. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº 11.101/2005 – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007.

1 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 27-76.

2 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 41-50 e 314-320.

3 Leia-se: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...]”

4 Leia-se: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. [...]”

5 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

6 LEÃO, Martha Toribio. A (des)proporcionalidade da progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física no sistema brasileiro. Revista Direito Tributário Atual v. 28. São Paulo: Dialética e IBDT, 2013, p. 201.

7 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

8 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Baccaccia Versiani. São Paulo: Manole, 2007.

9 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI n. 5.553, Min. Rel. Edison Fachin (julgamento pendente de conclusão).

10 SZTAJN, Raquel. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº 11.101/2005 – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 222-224.

11 Leia-se: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

12 SZTAJN, Raquel. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº 11.101/2005 – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 222-224.

13 Cf. RING, Diane. Democracy, sovereignty and tax competition: the role of tax sovereignty in shaping tax competition. Florida Tax Review v. 9, n. 5, 2009, p. 557-596; CHRISTIANS, Alisson. Sovereignty, taxation and social contract. Minnesota Journal of International Law v. 18, 2009.

14 Cf. MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. The mith of ownership: taxes and justice. Oxford University Press, 2004; HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. O custo dos direitos, por que a liberdade depende dos impostos. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2019.

15 Relembra-se que a cobrança de tais consectários era vedada pelo revogado art. 23, parágrafo único, III, do Decreto-lei n. 7.661/1945.

16 Neste sentido, confira-se: BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CC n. 168.000/AL, Min. Rel. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. 11.12.2019, DJe 16.12.2019.

17 Neste sentido, há diversos precedentes. Confiram-se: BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no CC n. 166.058/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 02.06.2020, DJe 09.06.2020; BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no CC n. 172.416/SC, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, j. 01.12.2020, DJe 09.12.2020; BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no CC n. 155.757/RJ, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, j. 18.08.2020, DJe 26.08.2020; BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CC n. 168.000/AL, Min. Rel. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. 11.12.2019, DJe 16.12.2019.

18 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EDcl no REsp 1.505.290/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 22.05.2015.

19 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ProAfR no REsp n. 1.694.261/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 20.02.2018, DJe 27.02.2018. Confira-se: “Processual civil. Recurso especial. Submissão à regra prevista no Enunciado Administrativo 03/STJ. Proposta de afetação como representativo da controvérsia. Execução fiscal. Empresa em recuperação judicial. Prática de atos constritivos. 1. Questão jurídica central: ‘Possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal’. 2. Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos (afetação conjunta: REsp 1.694.261/SP, REsp 1.694.316 e REsp 1.712.484/SP).”

20 Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 354; SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 612.

21 Confira-se o art. 60-A da Lei n. 11.101/2005, introduzido pelo art. 2º da Lei n. 14.112/2020: “Art. 60-A. A unidade produtiva isolada de que trata o art. 60 desta Lei poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não afasta a incidência do inciso VI do caput e do § 2º do art. 73 desta Lei.”

22 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 613-614.

23 Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 355.

24 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 612.

25 Cf. PENTEADO, Mauro Rodrigues. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº 11.101/2005 – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 142.

27 Confira-se o trecho correspondente da Mensagem de Veto n. 752/2020: “A propositura legislativa dispõe que não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, nos casos especificados na Lei nº 11.101, de 2005, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada. Entretanto, embora a boa intenção do legislador, a medida acarreta renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que viola o disposto no art. 113 da ADCT, e no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.”

28 Leia-se: “Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento. Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subsequentes.”

30 Cf. DERZI, Misabel A. M. Princípio de cautela ou não paridade de tratamento entre o lucro e o prejuízo. In: CARVALHO, Maria A. M. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998; SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. Imposto de Renda e capacidade contributiva: a periodicidade anual e mensal no IRPJ. Revista Direito Tributário Atual v. 47. São Paulo: IBDT, 2021.

31 Cf. DERZI, Misabel A. M. Princípio de cautela ou não paridade de tratamento entre o lucro e o prejuízo. In: CARVALHO, Maria A. M. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998; SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. Imposto de Renda e capacidade contributiva: a periodicidade anual e mensal no IRPJ. Revista Direito Tributário Atual v. 47. São Paulo: IBDT, 2021.

32 Cf. DERZI, Misabel A. M. Princípio de cautela ou não paridade de tratamento entre o lucro e o prejuízo. In: CARVALHO, Maria A. M. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998; SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. Imposto de Renda e capacidade contributiva: a periodicidade anual e mensal no IRPJ. Revista Direito Tributário Atual v. 47. São Paulo: IBDT, 2021.

33 Sobre o tema, confira-se: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 204-205.

34 Cite-se, a título de exemplo: FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001.

35 Trata-se do art. 585 do Decreto n. 9.580/2018 (“Regulamento do Imposto de Renda”) que reproduz a diretriz do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/1987. Confira-se: “Art. 585. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida. Parágrafo único. Na hipótese de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido.”

36 Confira-se, neste sentido, a Solução de Consulta da RFB/Cosit n. 119/2014: “A operação societária da cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada quando tenha por objetivo o reconhecimento de crédito fiscal de qualquer espécie para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, motivo pelo qual será considerado como de terceiro se utilizado pela cindenda ou por quem incorporá-la posteriormente.”

37 Confira-se o trecho correspondente da Mensagem de Veto n. 752/2020: “Os dispositivos propostos concedem benefícios tributários para hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, nos termos das disposições especificadas no próprio projeto. Entretanto, e embora se reconheça a boa intenção do legislador, tais medidas ofendem o princípio da isonomia tributária, acarretam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que viola o art. 113 da ADCT, e o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.”

38 Confiram-se, a título ilustrativo, as seguintes soluções de consulta da RFB:

“Remissão de dívida. Incidência de IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins. A remissão de dívida importa para o devedor (remitido) acréscimo patrimonial (receita operacional diversa da receita financeira), por ser uma insubsistência do passivo, cujo fato imponível se concretiza no momento do ato remitente.” (SRRF, 1ª Região Fiscal, Disit, Solução de Consulta n. 17, de 27 de abril de 2010)

“Não cumulatividade. Empréstimo bancário. Perdão de dívida. Receita financeira. Cuidando-se de pessoa jurídica que se dedica ao transporte rodoviário de carga, o perdão de dívida referente a empréstimo bancário deve ser classificado como receita financeira e sujeita-se à incidência não cumulativa da Cofins à alíquota de 4%.” (RFB, Cosit, Solução de Consulta n. 176/2018)

39 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Os descontos obtidos e a base de cálculo das contribuições PIS/Cofins. Revista Dialética de Direito Tributário n. 134. São Paulo: Dialética, novembro de 2006; GRECO, Marco Aurélio. Cofins na Lei 9.718/98 – variações cambiais e regime da alíquota acrescida. Revista Dialética de Direito Tributário n. 50. São Paulo: Dialética, novembro de 1999, p. 131; OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 92-93; MINATEL, José Antônio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP, 2005, p. 244.

40 Cf. ATALIBA, Geraldo. ISS – base imponível. In: Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT. v. 2, p. 85; BARRETO, Aires F. A nova Cofins: primeiros apontamentos. Revista Dialética de Direito Tributário n. 103. São Paulo: Dialética, abril de 2004, p. 7-16; MINATEL, José Antônio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP, 2005, p. 124; OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 103-104; GRECO, Marco Aurélio. Cofins na Lei 9.718/98 – variações cambiais e regime da alíquota acrescida. Revista Dialética de Direito Tributário n. 50. São Paulo: Dialética, novembro de 1999, p. 130.

41 Este entendimento foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões distintas. Confiram-se, neste sentido, os seguintes precedentes: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 574.706, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 15.03.2017; BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 627.815, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 23.05.2013; BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 606.107, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 22.05.2013.

42 Cf. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 2012, p. 252-256.

43 Recentemente, no âmbito do RE n. 855.091, sob a sistemática da repercussão geral (tema 808), o STF declarou que o parágrafo único do art. 16 da Lei n. 4.506/1964 não foi recepcionado pela Constituição Federal. Na ocasião, o Ministro Relator Dias Toffoli, após ter declarado a inconstitucionalidade da incidência de imposto sobre a renda sobre os juros de mora incidentes sobre verbas trabalhistas, afirmou que o projeto de lei destinado justamente a isentar tais juros da incidência tributária, acaso efetivamente convertido em lei, teria função “meramente declaratória”. Confira-se: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 855.091, Min. Rel. Dias Toffoli, j. 15.03.2021.