Inconstitucionalidades nos Critérios Quantitativos das Regras-matriz de Incidência do IRPJ e CSLL no Lucro Presumido para Sociedades Prestadoras de Serviços Relacionados à Saúde

Unconstitucionalities in the Quantitative Criterion for Incidence of IRPJ and CSLL on the Presumed Profit for Corporations Providing Services Related to Health

Fernando da Silva Chaves

Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário de São Paulo – IBET-SP. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas. Especialista em Gestão Fiscal e Planejamento Tributário pela Universidade Católica de Santa Catarina (UNERJ). Advogado em Santa Catarina. E-mail: fernando@papp.adv.br.

Recebido em: 7-7-2020

Aprovado em: 24-9-2021

Resumo

Este artigo tem por objetivo infirmar a constitucionalidade do art. 29 da Lei n. 11.727/2008, o qual alterou a alínea “a” do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei n. 9.249/1995, que trata das alíquotas reduzidas para formar as bases de cálculo de IRPJ e CSLL para empresas prestadoras de serviços de saúde optantes pelo lucro presumido. O método utilizado na fase de investigação foi o empírico hermenêutico e teve como instrumento de coleta de dados a pesquisa bibliográfica em livros, jurisprudência e teses de doutorado. Como conclusão deste artigo, entendeu-se que o dispositivo em exame infringiu: (a) o princípio da isonomia, ao estabelecer como critério de acesso às bases reduzidas de IRPJ e CSLL do Lucro Presumido a qualidade de sociedade empresária; e (b) o princípio da legalidade, ao estabelecer a exigência de atendimento às normas da Anvisa, sem nenhum critério objetivo.

Palavras-chave: lucro presumido, serviços hospitalares, princípio da isonomia, princípio da legalidade, sociedade simples e sociedade empresária.

Abstract

This paper has as an objective to undermining the constitutionality of the article 29 of Federal Law n. 11.727/2008, which amended the item “a”, subsection III, paragraph 1, of article 15 of Federal Law n. 9,249/1995, which deals with the criteria to get reduction of the calculation basis of Income Tax for Legal Entity (IRPJ) and Social Contribution on Net Income (CSLL) for companies providing health services, that are opting for Presumed Income. The method used in this research was the hermeneutical empiric and had as an instrument of data collection the bibliographic research in books, jurisprudence and doctoral theses. This paper concluded that the article under review infringed: (a) the principle of tax isonomy, when establishing as a criteria the register like Limited Liability Company (LLC); and (b) the principle of legality, when establishing as a requirement the compliance with Anvisa rules, without any objective criteria (Anvisa is similar to the Food and Drug Administration on US).

Keywords: presumed income, hospital services, principle of tax isonomy, principle of legality, private unlimited company e limited liability company.

1. Introdução

O objetivo deste artigo consiste em investigar, sob a lupa dos princípios constitucionais da isonomia e da legalidade tributária, os critérios inseridos no ordenamento jurídico pelo art. 29 da Lei n. 11.727/2008 em prol das pessoas jurídicas prestadoras de serviços relacionados à saúde, optantes pelo Lucro Presumido, como condição para acesso às bases de cálculo reduzidas do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Visando cumprir com essa meta, a primeira seção deste artigo apresenta a evolução legislativa em torno do critério quantitativo do IRPJ e CSLL no Lucro Presumido. Assim, procura demonstrar que a legislação originalmente previa apenas um único critério – a prestação de serviços hospitalares –, e que com o advento do art. 29 da Lei n. 11.727/2008, passou a exigir três critérios diferentes: (a) prestação de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas; (b) organização como sociedade empresária; e (c) obediência às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A segunda seção busca esclarecer ao leitor que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp n. 1.116.399/BA, em recurso repetitivo, definiu o conceito (conotação) dos “serviços hospitalares” no universo do direito positivo, de modo que não cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), por meio de normas secundárias, inovar no âmbito jurídico, inserindo critérios não previsto em lei. Por conseguinte, valendo-se do sistema classificatório-empírico, aludiu-se que a Lei n. 11.727/2008, advinda posteriormente ao mencionado julgamento, não modificou o conceito fixado pelo STJ, isso porque meramente introduziu novos tipos de serviços (denotação) aptos a se beneficiarem das reduções de base de cálculo da classe “serviços hospitalares”.

Indo mais além, a terceira seção coloca em xeque a exigência em torno do tipo de organização societária (sociedade empresária). Justifica-se que esta disposição não se coaduna com a finalidade extrafiscal que se propôs o critério quantitativo em exame, e, portanto, não atende ao princípio da isonomia ao exilar das reduções de bases do IRPJ e CSLL as sociedades simples prestadoras de serviços hospitalares.

A quarta e última seção do artigo investiga a determinação legal relativa ao obrigatório cumprimento das normas da Anvisa. Este tópico elucida que a referida frase, ao promover a delegação de competência à entidade do Poder Executivo sem nenhum critério objetivo, trata-se de disposição com insuficiente densidade normativa, o que infringe o princípio da legalidade. Logo, não cabe a SRFB, por atos infralegais, introduzir restrições que delimitem o alcance do benefício.

A discussão proposta neste artigo reputa-se de interesse das empresas que prestam serviços tidos como hospitalares, em especial as constituídas em forma de sociedade simples, haja vista que a declaração de inconstitucionalidade dos critérios identificados como abusivos no art. 29 da Lei n. 11.727/2008 permitir-lhes-á o acesso às bases de cálculo reduzidas de IRPJ e CSLL.

Com efeito, uma pessoa jurídica dedicada à prestação de serviços relacionados à saúde e que contemple os requisitos legais tem uma economia tributária de 5,4% (cinco vírgula quatro por cento) sobre seu faturamento mensal, a título de IRPJ e CSLL, quando comparada com uma prestadora de serviços em geral1. Esse fator econômico ratifica a importância da discussão proposta, justificando a importância do enquadramento das sociedades simples nas reduções de base de cálculo para os serviços hospitalares.

2. Desenvolvimento

2.1. Evolução legislativa do critério quantitativo do IRPJ e CSLL no Lucro Presumido para sociedades prestadoras de serviços relacionados à saúde

A redação original do art. 15, caput e § 1º, inciso III, alínea “a”, e do art. 20, ambos da Lei n. 9.249/1995, previa que a alíquota para formar a base de cálculo (critério quantitativo) das regras-matriz de incidência do IRPJ e da CSLL para as empresas optantes pelo regime de tributação do Lucro Presumido, prestadoras de serviços em geral, seria de 32% (trinta e dois por cento) sobre sua receita bruta (excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais), com exceção dos “serviços hospitalares”, cujas alíquotas corresponderiam a 8% (oito por cento) e 12% (doze por cento), respectivamente.

Na redação original o legislador infraconstitucional estabeleceu o “critério da atividade” – “serviços hospitalares”, e apenas este – para diferenciar a base de cálculo das prestadoras de serviços em geral, daquelas prestadoras de serviços voltados à saúde da população, outorgando ao IRPJ e CSLL uma valência extrafiscal.

Ocorre que a falta de definição em torno do que seriam os “serviços hospitalares” gerou intensas disputas judiciais, sendo que o Poder Legislativo editou o art. 29 da Lei n. 11.727/2008 para, então, ab-rogar os arts. 15 e 20 da Lei n. 9.249/1995. Por meio da introdução desta norma, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2009, as empresas prestadoras de serviços de saúde passaram a ter que reunir – não mais um, mas – três critérios para acesso das reduzidas bases de cálculo do IRPJ e CSLL no Lucro Presumido:

a) prestarem serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas;

b) estarem organizadas como sociedade empresária; e

c) obedecerem às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nas subseções subsequentes estes três critérios terão sua constitucionalidade questionada pelo método empírico hermenêutico.

2.2. A hermenêutica jurisprudencial em torno do significado de “serviços hospitalares”: decisão do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo

A Lei n. 9.249/1995 não trouxe o significado em torno da expressão “serviços hospitalares” – aliás, inexiste qualquer outro veículo primário com interconectividade material para emprestar conteúdo semântico a essa definição – sendo que diante dessa vagueza2, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) há anos procura limitar o alcance da prerrogativa outorgada às entidades de saúde da iniciativa privada.

A SRFB editou diversas Instruções Normativas – IN n. 306/2003, IN n. 480/2004, IN n. 539/2005, IN n. 791/2007 e IN n. 1.700/20173 – com o intuito de delimitar o conceito de “serviços hospitalares”. Tais veículos normativos contaram com a criatividade peculiar de estabelecer os mais variados requisitos pragmáticos (aludindo critérios de estrutura, número de funcionários, capacidade de internação, capacidade para cirurgia, dentre outros) para introduzir restrições às prestadoras de serviços de saúde.

Acontece que todos esses atos regulamentares (art. 100, I, do CTN) expedidos pela SRFB, assim como os Decretos, as Portarias Conjuntas e os Atos Declaratórios Interpretativos, não são dotados de autonomia, ou seja, a sua existência depende da lei e da sua harmonia com esta (art. 99 do CTN), e não vinculam o particular. Suas funções são bem claras: (i) possibilitar a fiel execução da lei; e (ii) assegurar a uniformidade da ação administrativa.

Toda legislação administrativa que ultrapassar os limites dessas funções, mesmo aquela que pretenda externar a interpretação da administração acerca de determinada norma, estará ou inovando a ordem jurídica (criando obrigações), ou restringindo onde a lei não restringe (tolhendo direitos), em clara ofensa ao princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, e no art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal (CRFB) e no art. 97 do CTN.

Sobre esse ponto, seguem as lições de Hely Lopes Meirelles:

“Como inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-lo ou ir além do que ele permite. No que o regulamento infringir ou extravasar a lei, é írrito e nulo, por caracterizar situação de ilegalidade. Quando o regulamento visa a explicar a lei (regulamento de execução), terá de se cingir ao que a lei contém; quando se tratar de regulamento destinado a prover situações não contempladas em lei (regulamento autônomo ou independente), terá que se ater aos limites da competência do Executivo, não podendo, nunca invadir exclusiva competência da norma legislativa (lei em sentido formal e moral). Assim sendo, o regulamento jamais poderá instituir ou majorar tributos, criar cargos, aumentar vencimentos, perdoar dívidas ativas, conceder isenções tributárias e o mais que depender da lei propriamente dita.”4

Provocada a se debruçar sobre a celeuma acima descrita, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a égide do recurso repetitivo, declarou a ilegalidade dos atos administrativos que extrapolaram ou restringiram a lei, e, pautando-se numa interpretação teleológica do art. 15, § 1º, alínea “a”, da Lei n. 9.249/1995 (na redação original), definiu hermeneuticamente o conceito de “serviços hospitalares” para o caso das prestadoras de serviços optantes pelo Lucro Presumido, in verbis:

“[...] Lei 9.249/95. IRPJ e CSLL com base de cálculo reduzida. Definição da expressão “serviços hospitalares”. Interpretação objetiva. Desnecessidade de estrutura disponibilizada para internação. Entendimento recente da Primeira Seção. Recurso submetido ao regime previsto no artigo 543-C do CPC. [...] 2. Por ocasião do julgamento do REsp 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, a 1ª Seção, modificando a orientação anterior, decidiu que, para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do art. 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Na mesma oportunidade, ficou consignado que os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Daí a conclusão de que ‘a dispensa da capacidade de internação hospitalar tem supedâneo diretamente na Lei 9.249/95, pelo que se mostra irrelevante para tal intento as disposições constantes em atos regulamentares’. 3. Assim, devem ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ‘em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos’. 4. Ressalva de que as modificações introduzidas pela Lei 11.727/08 não se aplicam às demandas decididas anteriormente à sua vigência, bem como de que a redução de alíquota prevista na Lei 9.249/95 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas sim àquela parcela da receita proveniente unicamente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal, desenvolvida pelo contribuinte, nos exatos termos do § 2º do artigo 15 da Lei 9.249/95. [...] 6. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 7. Recurso especial não provido.”5

Vale trazer a colação parte do voto vencedor proferido no REsp n. 951.251/PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, que explanou a importância da interpretação teleológica na hipótese em exame:

“[...] No caso, tenho que a mens legis da norma em debate busca, através de um objetivo extrafiscal, minorar os custos tributários de serviços que são essenciais à população, não vinculando a prestação desses a determinada qualidade do prestador – capacidade de realizar internação de pacientes –, mas, sim, à natureza da atividade desempenhada. [...] É cediço que as normas tributárias admitem interpretação analógica, bem como teleológica, por isso que, tributando a lei os ‘serviços em geral’ e excluindo os médico-hospitalares, torna estreme de dúvida que toda e qualquer atividade médica, pessoal ou instrumental em prol da saúde humana, está encartada no favor fiscal da redução de alíquota. Ainda que faça ressalva à amplitude da conclusão adotada, não há dúvida de que a norma legal em exame não teve em mira os custos do contribuinte, mas a natureza do serviço – essencial à população –, considerado direito fundamental, que é a saúde, previsto na Carta Magna nestes termos: [citação dos artigos 6º, 196º e 197º]. [...] Repensando o tema, verifico que a interpretação dada pela Primeira Seção restou atrelada à aplicação prévia e exclusiva do art. 111, II, do CTN, deixando em plano secundário o real propósito da lei, ao adotar a exegese de que a norma seria voltada àqueles contribuintes que tivessem maiores custos no desenvolvimento de sua atividade por serem dotados de uma estrutura física capaz de realizar a internação de pacientes. Não se atentou para o escopo extrafiscal da norma, uma vez que o reconhecimento de que a tributação do imposto de renda seria menor para os contribuintes que arcaram com maior custo não implica necessariamente reconhecer a função extrafiscal do benefício, já que essa espécie tributária, por sua própria sistemática de deduções da base de cálculo, visa cobrar menos daqueles que menor lucro tiverem alcançado no período-base. [...] O benefício em comento foi concedido de forma objetiva, visou reduzir a carga tributária em função do fato tributado, qual seja, a renda decorrente da ‘prestação de serviços hospitalares’. [...] Dessa forma, não se deve restringir o benefício aos hospitais, até mesmo porque, se esse fosse o propósito da lei, caberia explicitar-se que a concessão estaria dirigida apenas a esses estabelecimentos, pois nada o impediria de ter assim procedido. [...].”6

Como é fácil perceber, o conceito de “serviços hospitalares” não encontra seus limites estabelecidos pelas Instruções Normativas da SRFB, mas sim na hermenêutica retirada de valores constitucionais (arts. 6º, 196 e 197 da CRFB) e na extrafiscalidade, típica do IRPJ e da CSLL.

Cumpre salientar, para completar o pensamento, que o art. 29 da Lei n. 11.727/2008 não alterou a definição do conceito de “serviços hospitalares”, tal como visto acima, pois manteve esse conceito operacional na sua redação. Esse fato permite aos juristas exercitarem uma classificação empírica do dispositivo com base no que fora decidido no REsp n. 1.116.399/BA.

Com efeito, a classificação empírica tem o condão de estabelecer critérios para o reconhecimento da palavra, ideia ou signo dentro de um universo de discurso, que no caso do Direito, é o ordenamento jurídico estruturado hierarquicamente na horizontal e na vertical.

Ao tratar do tema, Lucas Galvão de Brito explica que a classe é o conjunto abstratamente constituído para reunir certos elementos segundo um critério, de modo que a pertinência de um objeto a um dado conjunto é resultado de um juízo binário (i.e. pertence ou não pertence, sem espaço para terceira possibilidade) sobre a propriedade (ou conjunto delas) em questão. Explica o autor que as classificações surgem como expedientes que nos permitem, a um só tempo, (a) segregar novas espécies a partir do universo de um discurso e (b) articular esses fragmentos do mundo numa teia conceptual, relacionando-os uns com os outros, segundo certos critérios para compor a forma lógica de sistema7.

E continua:

os elementos pertencem à classe na medida em que denotam as características por ela (classe) conotadas. De modo que é correto afirmar que o critério de pertinência a um dado conjunto consiste em ter uma certa característica (ou conjunto delas) ou não tê-la, sem que haja terceira possibilidade. Uma classe, portanto, é um modo de falar sobre um conjunto de elementos, quer eles existam como coletividade, ou até mesmo quando não exista denotação alguma deles. Desse modo, pode existir classe sem a correspondente coletividade.

[...]

Haveria, em meio à teoria das classes, segundo os parâmetros da lógica clássica, duas sortes de elementos possíveis: (a) os indivíduos ou membros, i.e. as coisas-do-mundo-que-se-classifica, ou (b) classes menores que se incluem em outras, maiores, estas são usualmente chamadas superclasses, aquelas subclasses. Conquanto os princípios que regem a lógica dessas classes sejam os mesmos, é curioso observar que, ao falar de classes de primeira ordem, tratamos de operações de pertinência (matematicamente representadas pelos símbolos matemáticos derivados do grego pertence – ou não pertence), já quando tratamos das relações das classes umas com as outras, falamos um conjunto está contido em outro (representados pelos símbolos matemáticos e ) ou que uma classe contém outra (em linguagem formal ).”8

O que se pretende dizer com essa argumentação é que pelo sistema classificatório-empírico pode-se chegar ao seguinte silogismo:

a) O Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.116.399/BA, ao promover uma interpretação sistemática do art. 15, § 1º, inciso III, alínea “a” da Lei n. 9.249/1995, pautou-se nos arts. 6º, 196 e 197 da Constituição Federal para definir a conotação do seu sentido e editou a classe dos “serviços hospitalares”, outorgando-lhe um critério objetivo, sem discorrer sobre as espécies de atividades integrantes dessa classe (denotação).

b) Logo, “serviços hospitalares” passaram a ser gênero no universo jurídico, conglomerando na sua conotação todo e qualquer serviço vinculado às atividades dos hospitais, ainda que prestados em clínicas particulares de saúde, com exceção das meras consultas médicas.

c) O art. 29 da Lei n. 11.727/2008 ao manter na redação os “serviços hospitalares” e adicionar os serviços de “auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas”, apenas trouxe as espécies de serviços (denotação) que, pelo critério da pertinencialidade, se incluem no conceito de “serviços hospitalares” definido pelo STJ.

Dessa forma, em razão de a classe “serviços hospitalares” se tratar de gênero (e não espécie), os tribunais pátrios têm plena competência para estender a redução de bases de cálculo do IRPJ e CSLL para diversas outras espécies de atividades de saúde vinculadas a esse conceito (conotação), valendo-se puramente da semiótica e do giro-linguístico, sem que isso implique infração à legalidade ou ao art. 111 do CTN.

É por este motivo também que, mesmo sob a égide da Lei n. 11.727/2008, as instâncias inferiores tomaram a interpretação teleológica fixada pelo STJ como critério objetivo, para o fim de estender as reduções de bases de cálculo de IRPJ e CSLL do Lucro Presumido para as mais variadas áreas da medicina9.

2.3. Infração ao princípio da isonomia: exigência de organização em forma de sociedade empresária

O art. 29 da Lei n. 11.727/2008 inseriu como requisito para acesso às bases de cálculo reduzidas de IRPJ e CSLL: a organização da pessoa jurídica prestadora de “serviços hospitalares” em forma de sociedade empresária. Em ratificação a essa disposição, o art. 33, § 4º, inciso I, da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 veda expressamente o benefício às sociedades simples, ainda que prestadoras dos mesmos “serviços hospitalares”, fazendo coro à interpretação literal.

Ocorre que essa exigência não se coaduna com o princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, inciso II, da Constituição Federal10, conforme será visto nas subseções a seguir.

2.3.1. Princípio da isonomia como valor estrutural do Sistema Tributário Nacional

Ao proceder abordagem em torno dos princípios constitucionais, Paulo de Barros Carvalho explica que o vocábulo “princípio” contém uma infinidade de acepções, que podem variar de acordo com os valores de uma sociedade, num dado momento histórico. Por essa razão, justifica que no âmbito do Direito o “princípio” nada mais é do que uma figura de linguagem que traduz para o mundo jurídico-prescritivo, não o real, os padrões de valores da pessoa que o interpreta11.

Seguindo o mesmo ponto de vista, Aurora Tomazini aduz que os valores tomados isoladamente assumem a feição de objetos metafísicos, cujo modo de ser é o valer. Defende que “o que nos dá acesso aos valores é a intuição emocional, não a sensível (captadora dos dados físicos) ou a intelectual (associativa de significações)”12.

Nesta toada, Tercio Sampaio Ferraz Jr. compreende que os valores são preferências do intérprete por núcleos de significações, cujo existir limita-se ao ato psicológico de valorar e que manifestam pela não indiferença de um sujeito perante um objeto13.

De acordo com a teoria dos autores citados, da qual comungo, a tipificação de um princípio constitucional assenta-se na extensão objetiva do valor metafísico outorgado pelo universo social do homem (seja o feitor de leis, intérprete, juiz, advogado etc.) ao construir uma conotação axiológica da norma jurídica.

Não nos esqueçamos que, se o conteúdo normativo do direito positivo é formatado pelas significações construídas a partir da interpretação do suporte físico do direito, o ato de interpretação constitui-se pelo processo de atribuição de valores aos símbolos positivados. Obviamente que ao aludir “valores” devemos assim considerar somente aqueles depositados pelo legislador na linguagem do direito posto.

A esse respeito, Marina Vieira de Figueiredo ensina que:

“O significado de um valor está condicionado à subjetividade do intérprete, sendo um juízo de preferibilidade de cunho subjetivo; o conteúdo dos limites objetivos, em contrapartida, é construído a partir de parâmetros bem demarcados, objetividade esta que permite sejam identificados de plano os casos de violação.

Sob esta perspectiva, seja o princípio um valor (como o da segurança jurídica), seja ele um limite objetivo (como o da anterioridade ou da legalidade), não poderíamos qualifica-lo como um juízo condicional e, portanto, como uma regra.

Parece-nos, porém, que os princípios, enquanto normas em sentido amplo, sempre terão, como destaca Tácio Lacerda Gama, a função de integrar as normas de competência e, precipuamente, de guiar o hermeneuta na compreensão dos enunciados prescritivos, em maior ou menor grau. Integram, portanto, uma regra jurídica, enquanto juízo condicional.”14

Um dos valores de forte imposição axiológica na ordem constitucional brasileira denomina-se princípio da isonomia tributária, que está positivado no art. 150, inciso II:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Nas palavras do Supremo Tribunal Federal, a isonomia tributária torna inválidas as distinções entre contribuintes em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício de determinada categoria15.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma (juízo condicional) atribui tratamento jurídico diferente em atenção a fator de discriminem adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados, e também quando a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrimen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente16.

Com efeito, o princípio da isonomia tributária tem potente valor axiológico no sistema constitucional, sendo um dos elementos estruturais para a concretização dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. Não é por menos que o art. 5º, caput, da Constituição prescreve na abertura dos direitos e garantias individuais o comando de que todos são iguais perante a lei.

A Constituição positivou a ideia que a isonomia é um princípio norteador do Direito Tributário, tratando-o como garantia fundamental do contribuinte. Justamente por isso, Geraldo Ataliba se referia ao princípio da igualdade como o “maior entre os princípios”17.

2.3.2. Infração ao princípio da isonomia pelo critério comparativo

Ao tratar do princípio da isonomia, Leandro Paulsen explica que o problema está não em saber se há tratamento diferenciado, mas em analisar a razão e os critérios que orientam a sua instituição. Conforme o autor, identifica-se ofensa à isonomia apenas “quando sejam tratados diversamente contribuintes que se encontrem em situações equivalentes, sem que o tratamento diferenciado esteja alicerçado em critério justificável de discriminação ou sem que a diferenciação leve ao resultado que a fundamente”18.

Seguindo a mesma linha, a doutrina de Humberto Ávila aborda o tema colocando a lógica como método empírico:

“1. A igualdade é relação entre dois ou mais sujeitos, com base numa medida de comparação, aferida por meio de um elemento indicativo, que serve de instrumento para a realização de uma determinada finalidade.

2. A medida de comparação, ademais de efetivamente existente, deve ser aferida por meio de elemento indicativo com o qual guarde vinculação, devendo manter vínculo de pertinência, fundada e conjugada, com a finalidade que justifica sua utilização.

3. A relação entre a medida de comparação e a finalidade é fundada quando existir uma correlação estatisticamente baseada entre ambas, no sentido de que a existência ou inexistência do elemento indicativo se correlaciona com a existência ou inexistência da medida de comparação, e a correlação aumenta, quando aumenta a intensidade da presença do elemento indicativo.

4. A relação é conjugada, quando a existência do elemento indicativo exerce significativa influencia para a existência de comparação, e esta para a existência de finalidade, tendo ambos sido escolhidos por serem os mais significativos no que concerne à medida de comparação e à finalidade.

5. A validade do uso da medida de comparação depende da compatibilidade com a Constituição, sendo aferida não só pela compatibilidade com a finalidade que a sua utilização visa a promover, como pela ausência de regra que proíbe o seu uso, imponha o uso de outra diferente, iguale aquilo que ela separa, pré-exclua a busca da finalidade que justificou sua utilização ou pela inexistência de princípio que exclua o seu uso.”19

Conforme abordado na subseção 2.2, a decisão traçada pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.116.399/BA, recurso repetitivo) foi construída sobre os valores contidos nos arts. 6º, 196 e 197 da Constituição Federal, e como resultado da conotação da classe “serviços hospitalares”, reconheceu-se que o objetivo da norma era estimular o fornecimento de serviços de saúde privada aos cidadãos. Dessa forma, o critério quantitativo para formação das bases de cálculo de IRPJ e CSLL tem eminente caráter extrafiscal.

Partindo dessa ideia, se a mens legis do dispositivo em foco é justamente desonerar toda a cadeia do sistema de saúde – que é o “elemento indicativo” –, equiparando os serviços especializados das clínicas médicas à atividade hospitalar (excluídas meras consultas), reputa-se inconstitucional a norma que procura distorcer o critério de pertinencialidade, inserindo como condição para gozo da redução de alíquota, a forma de constituição da empresa: se sociedade simples ou empresária.

Reflita-se: se o “elemento indicativo” do art. 15, § 1º, III, alínea “a” da Lei n. 9.249/1995 (com redação da Lei n. 11.727/2008) é a prestação de serviços da cadeia hospitalar (conotação), donde se inclui diversas espécie de serviços (auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas), pouco importa a forma de registro civil da entidade prestadora do serviço, porque afinal, se são idênticos os objetivos sociais e o regime de tributação, igual também será o resultado útil (finalidade) da prestação de serviços, que é disponibilização de bom atendimento de saúde ao povo.

Note-se que a “relação” entre “elemento indicativo” e “finalidade”, apontada pela doutrina de Humberto Ávila, só é compatível quando o “elemento indicativo” for a prestação de serviços da cadeia hospitalar; afinal, a “finalidade” é a obrigação constitucional do Estado em promover e estimular melhores condições de saúde à população.

Às avessas, não se consegue traçar essa “relação” com a “finalidade” da norma, quando considerado incluso no “elemento indicativo” o critério relativo à forma de constituição de uma empresa – ou seja, se registrada no cartório (Sociedade Simples) ou na Junta Comercial (Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada) –, porquanto isso pouco importa para o cumprimento da “finalidade” constitucional.

Enfim, as sociedades empresárias e as sociedades simples são pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido, com atividade-fim idêntica, prestando idênticos serviços aos cidadãos.

Rememore-se, servindo de reforço a este argumento, trecho do voto vencedor proferido no REsp n. 951.251/PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, que expressamente identificou que critérios correlatos à qualidade do prestador de serviços à saúde não se adequavam à interpretação sistemática do art. 15, § 1º, alínea “a”, da Lei n. 9.249/1995:

“[...] No caso, tenho que a mens legis da norma em debate busca, através de um objetivo extrafiscal, minorar os custos tributários de serviços que são essenciais à população, não vinculando a prestação desses a determinada qualidade do prestador – capacidade de realizar internação de pacientes –, mas, sim, à natureza da atividade desempenhada. [...] Afastada a premissa de que esse benefício fiscal não foi concedido de forma subjetiva, mas objetiva, em razão do serviço prestado, desfaz-se a ideia de que o fim buscado pela norma foi concedê-lo aos contribuintes que, por realizarem internação de pacientes, suportam altos custos operacionais [...].”20

Conclui-se, assim, que não há critério de discrimen razoável para afastar as sociedades simples do benefício da redução de alíquota de IRPJ e CSLL na vigência da Lei n. 11.727/2008, constituindo-se a exigência em torno da qualidade de ser “sociedade empresária”, uma frase contrária ao princípio da isonomia tributária, que deve ser extirpada do universo jurídico por ser incompatível com a valoração hierárquica das significações positivadas.

Ainda que assim não fosse, o que se considera apenas para fins de argumentação, evidencia-se o rompimento da ordem constitucional o fato de o parágrafo único do art. 966 do Código Civil reconhecer a possibilidade material de existir sociedades simples equiparadas às sociedades empresárias, basta possuírem o que se denomina de “elemento de empresa”21. Isso reforça a dissimulação de sentido promovido pelo art. 29 da Lei n. 11.727/2008 combinado com o art. 33, § 4º, inciso I, da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017, ao vedar expressamente as bases de cálculo reduzidas de IRPJ e CSLL a todas as sociedades simples, inclusive as equiparadas pela lei civil às empresárias.

3. Infração ao princípio da legalidade: delegação de poderes para ato normativo infralegal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa

O princípio da legalidade é a base de fundamentação do Estado Democrático de Direito. Trata-se do sustentáculo primordial de todas as constituições republicanas, ao estabelecer que nenhum cidadão deverá se submeter aos modais do deôntico (proibido, permitido e obrigado), se não em virtude de lei (art. 5º, inciso II, da CRFB).

Tamanho é seu valor axiológico na república do Brasil, que sua disposição se repete em inúmeras passagens constitucionais, e como não poderia ser diferente, também consta como regra estrutural do sistema tributário nacional (art. 150, inciso I, da CRFB), porque a lei é o único veículo capaz de intervir no direito de propriedade do jurisdicionado.

Paulo de Barros Carvalho ensina que o princípio da legalidade é um limite objetivo que se presta para oferecer segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de que não serão compelidos a praticar ações diversas daquelas prescritas por representantes legislativos, e para assegurar observância ao primado constitucional da tripartição dos poderes. O enunciado da legalidade se desenvolve a partir do plano constitucional e se expande pelo corpo do sistema infraconstitucional, com integral respeito à hierarquia22.

Dessa forma, somente a lei é instrumento hábil para a criação e majoração de tributos, desde que editada pelas entidades dotadas de competência constitucional para sua edição. Neste aspecto, a doutrina de Luciano Amaro ensina que a competência tributária – ou seja, a aptidão para editar tributos – é indelegável, cabendo a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição Federal23.

Com efeito, deriva do princípio da legalidade, a compreensão de que a competência legislativa tributária é indelegável, justamente em decorrência da primazia de que o contribuinte apenas terá afetado seu direito de propriedade por leis emitidas no bojo do sistema republicano (Poder Judiciário, Poder Executivo e Poder Legislativo, cada qual produzindo normas dentro das suas competências).

Entretanto, em matéria de delegação legislativa, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acompanhado um movimento de maior flexibilização do princípio da legalidade, estabelecendo como limite objetivo a fixação pelo legislador do desenho mínimo da norma infralegal a ser editada, in verbis:

“Ementa: Agravo regimental no recurso extraordinário. Taxa SISCOMEX. Majoração. Portaria. Delegação. Artigo 3º, § 2º, Lei nº 9.716/98. Ausência de balizas mínimas definidas em lei. Princípio da Legalidade. Violação. Atualização. Índices oficiais. Possibilidade. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acompanhado um movimento de maior flexibilização do Princípio da Legalidade em matéria de delegação legislativa, desde que o legislador estabeleça o desenho mínimo que evite o arbítrio. 2. Diante dos parâmetros já traçados na jurisprudência da Corte, a delegação contida no art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.716/98 restou incompleta ou defeituosa, pois o legislador não estabeleceu o desenho mínimo que evitasse o arbítrio fiscal. [...]”24

“Ementa: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Princípio da legalidade. Contribuições. Jurisprudência da Corte. Legalidade suficiente. Lei nº 11.000/04. Delegação aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas do poder de fixar e majorar, sem parâmetro legal, o valor das anuidades. Inconstitucionalidade. [...]. 2. Respeita o princípio da legalidade a lei que disciplina os elementos essenciais determinantes para o reconhecimento da contribuição de interesse de categoria econômica como tal e deixa um espaço de complementação para o regulamento. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade. 3. A Lei nº 11.000/04 que autoriza os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a fixar as anuidades devidas por pessoas físicas ou jurídicas não estabeleceu expectativas, criando uma situação de instabilidade institucional ao deixar ao puro arbítrio do administrador o estabelecimento do valor da exação – afinal, não há previsão legal de qualquer limite máximo para a fixação do valor da anuidade. 4. O grau de indeterminação com que os dispositivos da Lei nº 11.000/2000 operaram provocou a degradação da reserva legal (art. 150, I, da CF/88). Isso porque a remessa ao ato infralegal não pode resultar em desapoderamento do legislador para tratar de elementos tributários essenciais. Para o respeito do princípio da legalidade, seria essencial que a lei (em sentido estrito) prescrevesse o limite máximo do valor da exação, ou os critérios para encontrá-lo, o que não ocorreu. 5. Não cabe aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas realizar atualização monetária em patamares superiores aos permitidos em lei, sob pena de ofensa ao art. 150, I, da CF/88. [...]. 9. Negado provimento ao recurso extraordinário.”25

Nesse sentido, o Ministro Carlos Velloso, no julgamento do RE n. 343.446/SC, estabeleceu alguns critérios para aferir a constitucionalidade da norma regulamentar: (a) a delegação pode ser retirada daquele que a recebeu, a qualquer momento, por decisão do Congresso; (b) o Congresso fixa standards ou padrões que limitam a ação do delegado; (c) razoabilidade da delegação. Concluiu o Ministro ser condizente com o interesse público deixar por conta do Executivo estabelecer normas, em termos de regulamentos, os quais não podem ir além do conteúdo das normas regulamentadas26.

Como destaca Marco Aurélio Greco, ao analisar julgados da Corte (RE n. 343.446/SC), a exigência constitucional, a teor da jurisprudência do STF, é de que haja uma legalidade suficiente, e não uma legalidade estrita27.

Em complemento, o STF no julgamento do RE n. 704.292/PR e do RE n. 838.284/SC sedimentou que é possível dizer que há respeito ao princípio da legalidade quando uma lei disciplina os elementos essenciais e determinantes para o reconhecimento da obrigação tributária e deixa um espaço de complementação para o regulamento. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade28-29.

É possível dizer, portanto, que a questão relativa à delegação legislativa foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal a partir das peculiaridades das espécies tributárias envolvidas e à luz de cada caso concreto. Não existe, desse modo, ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar o diálogo com o regulamento no tocante ao aspecto quantitativo da regra-matriz de incidência tributária.

Partindo dessas premissas, e, agora adentrando na discussão proposta neste trabalho científico, coloca-se em xeque, sob o ponto de vista da legalidade, a frase “atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa”, inserida no ordenamento pelo art. 29 da Lei n. 11.727/2008.

Como pode-se perceber, a frase não indica quais normas da Anvisa devem ser seguidas e, nesse ponto, sofre com insuficiente densidade normativa por promover a delegação de competência legislativa para que órgão do Poder Executivo estabeleça os critérios infralegais de inclusão (ou não) na base de cálculo reduzida de IRPJ e CSLL, sem nenhum limite objetivo, permitindo por vias transversas a modificação do conceito tributário de “serviços hospitalares” definido pelo STJ no REsp n. 1.116.399/BA.

Comprova este argumento o art. 33, § 3º, da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 (vigente), que passou a definir que para fins de aplicação do disposto na alínea “a” do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei n. 9.249/1995, entende-se como atendimento às normas da Anvisa a prestação de serviços em ambientes desenvolvidos de acordo com o “item 3 – Dimensionamento, Quantificação e Instalações Prediais dos Ambientes da Parte II – Programação Físico-funcional dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, cuja comprovação deve ser feita mediante alvará da vigilância sanitária estadual ou municipal”. O item 3 da Parte II da resolução em referência, regula os critérios sanitários das pessoas jurídicas que prestem atividades de “3.1 – Internação de pacientes adultos e infantis”, exigindo que contenham uma estrutura típica de hospitais.

Como pode-se compreender, por vias infralegais, a SRFB – órgão inclusive diferente do disposto na lei – emitiu um veículo secundário enunciando que somente terá acesso às bases de cálculo reduzidas do IRPJ e CSLL as empresas prestadoras de serviços vinculados à saúde, que tenham alvará sanitário da Anvisa para “Internação de pacientes adultos e infantis”. Rememore-se, entretanto, que a mens legis do benefício estendido às prestadoras de serviços de saúde, estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.116.399/BA, dispensa que as prestadoras de “serviços hospitalares” tenham capacidade de internação.

A título de exemplo, ao se deparar com a frustração de um contribuinte, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que a exigência contida no art. 29 da Lei n. 11.727/2008 “revela-se bastante genérica e não estabelece, especificamente, a quais normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária o contribuinte deve obedecer”30. E continuou:

“[...] cumpre ressaltar que a Resolução – RDC nº 50, de 21/02/2002, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, não tem aplicação no caso em tela, vez que tais normas gerais de funcionamento de estabelecimentos de saúde não podem restringir a norma legal.

Tal resolução extrapola o limite estabelecido pela norma tributária, a qual permite interpretações mais benéficas para o contribuinte, pois se encontram dissociados do objetivo que norteou todo o processo legislativo que era exatamente desonerar, no âmbito tributário, o prestador de serviços de saúde nos casos em que se exige qualificação dos trabalhadores, espaço físico adequado e materiais e equipamentos de alto custo, visando, evidentemente, ao barateamento do serviço, com o consequente aumento do acesso da população a tais serviços.”

Sendo assim, conclui-se que o Poder Legislativo deixou de definir os limites mínimos da delegação ao órgão do Poder Executivo, infringindo o primado da legalidade. Por arrasto, compreende-se que o art. 33, § 3º, da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 é ilegal.

4. Considerações finais

Em razão do exposto, conclui-se que o art. 29 da Lei n. 11.727/2008 infringiu: (i) o princípio da isonomia (art. 150, II, da CRFB), ao estabelecer como critério de acesso às bases reduzidas de IRPJ e CSLL do Lucro Presumido, a qualidade de sociedade empresária, pondo em evidência uma injustificada discriminação das sociedades simples prestadoras de serviços de saúde. Além disso, aplicou uma cláusula de barreira intransponível para sociedades simples que, apesar de registradas no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, gozam da qualidade de sociedade empresária por equiparação, nos termos do parágrafo único do art. 966 do Código Civil; (ii) o princípio da legalidade (art. 150, I, da CRFB), ao estabelecer como exigência o atendimento das normas da Anvisa, sem limites objetivos. O dispositivo sofre com insuficiente densidade normativa, tendo delegado a um órgão do Poder Executivo o estabelecimento de critérios livres e desenfreados como condição para fruição das bases reduzidas do IRPJ e CSLL do Lucro Presumido.

5. Referências

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1 Uma prestadora de serviços em geral submete-se a uma alíquota real de 4,8% (quatro vírgula oito por cento) de IRPJ e de 2,88% (dois vírgula oitenta e oito por cento) de CSLL a incidir sobre seu faturamento. Uma prestadora de “serviços hospitalares”, submete-se a uma alíquota real de 1,2% (um vírgula dois por cento) e 1,08% (um vírgula zero oito por cento) de IRPJ e CSLL, respectivamente, a incidir sobre o faturamento. Informa-se que o PIS e Cofins, cujas alíquotas reais são de 0,65% (zero vírgula sessenta e cinco por cento) e 3% (três por cento), também incidem diretamente sobre o faturamento de todas pessoas jurídicas prestadoras de serviços do Lucro Presumido, não havendo diferenciação em relação aos “serviços hospitalares”.

2 “Vaguidade é o estado de indeterminação da palavra, é sua condição de imprecisão. É a incapacidade de determinarmos se a linguagem da realidade social está abrangida pelo conceito de uma palavra. Por outro giro: é a impossibilidade de aplicarmos determinada palavra à linguagem da realidade social.” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 32-33)

3 Cita-se como exemplo, o art. 33, § 3º, da IN n. 1.700/2017, ao dispor que se entende como atendimento às normas da Anvisa, entre outras, a prestação de serviços em ambientes desenvolvidos de acordo com o item 3 – Dimensionamento, Quantificação e Instalações Prediais dos Ambientes da Parte II – Programação Físico-funcional dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde da Resolução RDC n. 50, de 21 de fevereiro de 2002, cuja comprovação deve ser feita mediante alvará da vigilância sanitária estadual ou municipal. Por sua vez, o § 4º do mesmo dispositivo aduz que as reduções de bases de cálculo em exame não se aplicam: I – à pessoa jurídica organizada sob a forma de sociedade simples; II – aos serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro; e III – à pessoa jurídica prestadora de serviço médico ambulatorial com recursos para realização de exames complementares e serviços médicos prestados em residência, sejam eles coletivos ou particulares (home care).

4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 160-161.

5 Superior Tribunal de Justiça (STJ), Primeira Seção, REsp n. 1.116.399/BA, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28.10.2009, DJe 24.02.2010, destaque nosso.

6 STJ, Primeira Seção, REsp n. 951.251/PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22.04.2009, DJe 03.06.2009, destaque nosso.

7 BRITO, Lucas Galvão de. Sobre o uso de definições e classificações na construção do conhecimento e na prescrição de condutas. São Paulo: Noeses, 2016, p. 321.

8 BRITO, Lucas Galvão de. Sobre o uso de definições e classificações na construção do conhecimento e na prescrição de condutas. São Paulo: Noeses, 2016, p. 327.

9 Cita-se como exemplo: (a) Serviços de microcirurgia ocular: TRF5, Segunda Turma, Apelação Cível n. 524851.0001313-97.2010.4.05.8300, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, DJe 17.11.2016, p. 117; (b) Atendimento odontológico, tais como cirurgias buco-maxilo-faciais, ortodontia, ortopedia facial, periodontia: TRF4, Primeira Turma, Apelação Cível n. 5009802-47.2013.4.04.7108, Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik, data da decisão 14.07.2014; (c) Home care: TRF3, Sexta Turma, Apelação Cível n. 5012603-38.2017.4.03.6100, Desembargador Federal Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, e-DJF3 04.04.2019; (d) Nefrologia, doenças renais e hemodiálise: TRF1, Sétima Turma, Apelação Cível n. 0064099-40.2012.4.01.3800, Desembargadora Federal Ângela Catão, e-DJF1 28.09.2018.

10 “Art. 150. Sem prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos ou direitos.”)

11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 265.

12 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito (o constructivismo lógico-semântico). 6. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 285-286.

13 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2001, p. 111.

14 FIGUEIREDO, Marina Vieira. Conflitos na aplicação de precedentes dos Tribunais Superiores em matéria tributária. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC-SP, 2016, p. 100.

15 Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Pleno, ADI n. 4.276, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20.08.2014, publicado no DJe 18.09.2014.

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 47.

17 ATALIBA, Geraldo. In: CASSONE, Vittorio. Direito tributário. São Paulo: Atlas, 2004, p. 186.

18 PAULSEN, Leandro. Direito tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009, p. 200.

19 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 192-193, destaque nosso.

20 STJ, Primeira Seção, REsp n. 951.251/PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22.04.2009, DJe 03.06.2009, destaque nosso.

21 “a) [...] Sociedade constituída exclusivamente por médicos, com previsão de pagamento de pro-labore e distribuição de lucros, se caracteriza como ‘sociedade empresária’ (CC, art. 983), circunstância que exclui o tratamento tributário privilegiado previsto no § 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68; o tributo pela prestação de seus serviços incide sobre o respectivo preço (art. 9º, caput) [...].” (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Primeira Câmara de Direito Público, Apelação Cível n. 2007.064403-0, Rel. Des. Newton Trisotto, julgado em 06.05.2008, destaque nosso); (b) “[...] Conquanto seu corpo de sócios seja formado exclusivamente por médicos, as sociedades constituídas sob a modalidade de limitadas desempenham atividade empresarial, uma vez que seus contratos sociais dispõem até mesmo como devem ser distribuídos os dividendos. Sobeja asseverar, por oportuno, que uma sociedade comercial formada exclusivamente por médicos também se encontra apta a praticar atos de comércio, de sorte que o principal fator a ser verificado para se identificar a finalidade da sociedade é seu objeto social. Em espécie, resta inequívoco que o objeto social das sociedades comerciais recorridas é a prestação de um serviço especializado, todavia, inequivocamente associado ao exercício da empresa. [...] Recurso especial provido.” (STJ, Segunda Turma, REsp n. 555.624/PB, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 19.02.2004, DJ 27.09.2004, p. 324, destaque nosso)

22 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 308-309.

23 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 115-116.

24 STF, Segunda Turma, RE n. 1.095.001 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06.03.2018, processo eletrônico DJe-103, divulgado em 25.05.2018 e publicado em 28.05.2018, destaque nosso.

25 STF, Tribunal Pleno, RE n. 704.292, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19.10.2016, acórdão eletrônico DJe-170, divulgado em 02.08.2017 e publicado em 03.08.2017, destaque nosso.

26 “Ementa: – Constitucional. Tributário. Contribuição: Seguro de Acidente do Trabalho – SAT. [...] – As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio e grave’, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. – Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. – Recurso extraordinário não conhecido.” (STF, Tribunal Pleno, RE n. 343.446, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 20.03.2003, publicado em 04.04.2003.

27 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 147.

28 “Ementa: [...] 1. Na jurisprudência da Corte, a ideia de legalidade, no tocante às contribuições instituídas no interesse de categorias profissionais ou econômicas, é de fim ou de resultado, notadamente em razão de a Constituição não ter traçado as linhas de seus pressupostos de fato ou o fato gerador. Como nessas contribuições existe um quê de atividade estatal prestada em benefício direto ao contribuinte ou a grupo, seria imprescindível uma faixa de indeterminação e de complementação administrativa de seus elementos configuradores, dificilmente apreendidos pela legalidade fechada. Precedentes. 2. Respeita o princípio da legalidade a lei que disciplina os elementos essenciais determinantes para o reconhecimento da contribuição de interesse de categoria econômica como tal e deixa um espaço de complementação para o regulamento. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade. [...] 9. Negado provimento ao recurso extraordinário.” (STF, Tribunal Pleno, RE n. 704.292, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19.10.2016, publicado no DJe-170 03.08.2017)

29 “Ementa: [...] Na jurisprudência atual da Corte, o princípio da reserva de lei não é absoluto. Caminha-se para uma legalidade suficiente, sendo que sua maior ou menor abertura depende da natureza e da estrutura do tributo a que se aplica. No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, por força da ausência de exauriente e minuciosa definição legal dos serviços compreendidos, admite-se o especial diálogo da lei com os regulamentos na fixação do aspecto quantitativo da regra-matriz de incidência. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade. [...] A razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração Pública, por estar estreitamente ligada à atividade estatal direcionada a contribuinte, conhecer da realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, visando encontrar, com maior grau de proximidade (quando comparado com o legislador), a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir. [...] 8. Negado provimento ao recurso extraordinário.” (STF, Tribunal Pleno, RE n. 838.284, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19.10.2016, processo eletrônico repercussão geral, publicado no DJe-215 21.09.2017)

30 TRF4, Segunda Turma, Apelação Cível n. 5008790-27.2010.404.7100, Rel. Desembargador Otávio Roberto Pamplona, D.E. 09.06.2011.