Nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra: repensando a Aplicação do Propósito Negocial a partir de uma Análise da Recente Jurisprudência do CARF

Neither in Heaven nor on Earth: Rethinking the Application of the Business Purpose Test by Analysing the Recent Case Law at the Brazilian Federal Administrative Tax Appeals’ Court

Paulo Rosenblatt

Doutor em Direito Tributário pela Universidade de Londres, Mestre em Direito Tributário e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE). Professor de Direito Tributário da Unicap. Procurador do Estado de Pernambuco. Advogado.

Gabriel Eugênio Barreto Moreira

Pesquisador do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) no projeto “Normas Gerais Antielisivas”.

Resumo

Este artigo tem como objetivo enfrentar um tema recorrente no direito tributário brasileiro: a utilização da doutrina do propósito negocial como ferramenta de combate ao planejamento tributário abusivo. A recorrência com que o tema é tratado implica risco de se dizer o que já foi tantas vezes repetido; porém, não se trata de mera repetição, já que é uma matéria em constante evolução, com novas nuances e percalços. Não seria exagero dizer que se trata de tema inesgotável enquanto critério antielisivo. Assim, o tema será abordado a partir de uma crítica ao atual estágio dos debates na jurisprudência recente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Palavras-chave: planejamento tributário, abuso de direito, propósito negocial, CARF.

Abstract

This article aims to explore a recurrent topic in the Brazilian tax case law: the business purpose doctrine used as a tool to tackle abusive tax planning. The recurrence with which this theme is referred to in the decisions implies there is a risk this research may simply repeat previous works; however, there is no repetition at all, since it is constantly evolving, and facing new challenges. It is not too much to say that this subject is endless as an anti-avoidance criterion. Thus, this theme will be addressed in this article from a critical perspective on the current stage of debates in the recent case law of the Brazilian Federal Administrative Tax Appeals’ Court (CARF).

Keywords: tax planning, abuse of law, business purpose test, CARF

1. Introdução

A questão relativa aos limites à economia tributária não é nenhuma novidade no direito tributário brasileiro. O tema foi e ainda é intensamente debatido pela doutrina, como objeto de incontáveis trabalhos1. A sensação de quem busca estudar a matéria é, não raras vezes, de que tudo já foi dito, sem qualquer evolução concreta2.

A grande quantidade de produção bibliográfica sobre o assunto revela, ao contrário do que pode parecer, a necessidade de aprofundamento das discussões. Isso porque, apesar da aparente exaustividade, os velhos problemas permanecem, e a eles se somam novos desafios e camadas extras de complexidade.

É curioso que, a depender dos referenciais, casos bastante semelhantes, ou até mesmo idênticos, acabam decididos de modos completamente diferentes. Isso impede que os contribuintes antevejam, minimamente, os efeitos fiscais das suas ações, o que é prejudicial ao sistema jurídico em geral, e ao tributário em particular.

O tema é difícil porque permeia a difícil separação, no campo do planejamento tributário, entre a licitude e a ilicitude. As posições teóricas e jurisprudenciais são sempre acompanhadas de proposições vagas e ambíguas, que se confundem e se misturam, resultando num cenário nebuloso, em que, conforme destaca Sérgio André Rocha3, “cada um tem uma simulação para chamar de sua, que só fica clara diante de casos concretos”.

Nesse contexto, este trabalho tem o objetivo de sistematizar o cenário atual do debate acerca do planejamento tributário no Brasil. Especificamente, analisará os reflexos da aplicação da doutrina do propósito negocial, a partir de casos concretos julgados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

O conceito de propósito negocial carece de clareza, e a sua aplicabilidade não possui limites bem definidos. Essa situação problemática não impede, contudo, que casos concretos sejam resolvidos, e o direito, aplicado. Isso é possível, em grande medida, graças à atuação do CARF, que, no exercício de controle da legalidade do lançamento tributário, contribui para a atribuição de sentido e preenchimento das lacunas acerca do tema.

O fato é que o CARF se tornou o órgão onde se discute o planejamento tributário, independentemente da ausência de norma específica ou a existência deficitária desta. Prova disso é que, mesmo após a rejeição de duas medidas provisórias que buscavam positivar o propósito negocial, as discussões no tribunal administrativo prosseguem4.

O CARF ocupa, atualmente, um papel de protagonista quando o assunto é planejamento tributário. As decisões dele servem de orientação para o fisco e para os contribuintes, e é fundamental buscar conhecer e compreender a posição nele dominante sobre esse assunto. A análise da jurisprudência administrativa a respeito do propósito negocial visa verificar qual a contribuição dada ou não para a construção de um discurso intersubjetivo e controlável sobre o assunto.

É o que se passa a fazer adiante, juntamente com outras considerações necessárias a respeito do planejamento tributário no Brasil.

2. A escolha dos rótulos e a delimitação do objeto

O aprofundamento neste estudo demanda a redução de algumas vaguezas e imprecisões da linguagem relacionadas à economia tributária. A opção pelo termo “planejamento tributário abusivo” em detrimento de outros rótulos usualmente utilizados para identificar esse objeto não se deu por acaso.

Expressões como elisão e evasão são, comumente, utilizadas para definir a supressão, redução ou diferimento de tributos de forma lícita e ilícita, respectivamente. Ocorre que essa separação dicotômica se revela, na prática, bem mais complexa. Não é raro encontrar o termo elisão sendo utilizado de forma próxima à redução da carga tributária ilegítima, ou autores que reconhecem a existência de evasão lícita. A isso se somam outras palavras que se referem à mesma realidade, como elusão e fraude fiscal, revelando um verdadeiro problema semântico5.

Apesar de não haver uma terminologia uniforme, nem na doutrina, nem na legislação, para se referir ao objeto aqui estudado6, isto é, à economia tributária, faz-se necessário escolher os termos que possuam o sentido mais claro e compreensível. Assim, serão aqui utilizados os conceitos de planejamento tributário, planejamento tributário abusivo e evasão fiscal7.

“Esta pesquisa não busca defini-la. A fim de contornar esse dilema conceitual, mas, ao mesmo tempo, afastar equívocos, minha abordagem prosseguirá com base nas definições baseadas nas consequências jurídicas da conduta do contribuinte. Assim, quando for apropriado, usarei os termos ‘evasão’ para a conduta tributária criminal, ‘elisão fiscal’ para o planejamento fiscal mal-sucedido e ‘minimização’ para o planejamento tributário bem-sucedido8.”

Planejamento tributário indicará aquelas ações do sujeito passivo em que, a partir da sua liberdade protegida pelo direito, ele reduz a carga tributária à qual estaria submetido. Tal definição excluiria as opções fiscais e as condutas incentivadas, pois estas seriam legítimas e até induzidas pelo Estado, sendo a vantagem tributária já prevista pelo legislador9.

É bem verdade que as questões relativas às opções fiscais e condutas incentivadas não levam, em um primeiro momento, a maiores debates no que se refere ao planejamento tributário. Sendo escolhas postas à disposição do sujeito passivo, este realizaria mera gestão dos seus negócios, sem qualquer esforço adicional.

Contudo, a exclusão dessas figuras do âmbito do planejamento tributário deve ser vista com ressalvas. Um exemplo ilustrará a cautela: optar entre o lucro real e o lucro presumido não exige, prima facie, sofisticação nas operações do contribuinte, e representa mera gestão fiscal. Entretanto, haverá planejamento tributário quando o contribuinte, impedido de optar pelo lucro presumido, empreende reorganização dos seus negócios com o objetivo de a ele aderir. Neste caso, será possível discutir e investigar parte das questões relativas ao abuso no planejamento tributário, havendo, inclusive, expressivas manifestações do CARF sobre a investigação da legitimidade dessas operações10. A dedutibilidade fiscal do ágio é outro exemplo relevante11.

A evasão fiscal, por sua vez, será aqui entendida como a economia tributária alcançada a partir de atos ilícitos, expressamente vedados pelo ordenamento jurídico12 e até mesmo com consequências penais. No caso do Brasil, a ilicitude restaria configurada nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação, previstas no art. 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional, além dos crimes contra a ordem tributária – sonegação, fraude e conluio – tipificados nos arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502/1964, respectivamente.

Tais ilícitos possuem, em comum, a possibilidade da desconsideração dos negócios jurídicos que lhes deram causa, como inoponíveis contra a Fazenda Pública. Contudo, apenas os crimes contra a ordem tributária ensejam a aplicação da multa duplicada no lançamento de ofício prevista no art. 44, § 1º, da Lei n. 9.430/1996. Isto se dá em razão dos graus diversos de evasão, o que implica distinção entre o ilícito civil (simulação) e o ilícito penal (sonegação)13.

Essa distinção é fundamental. Ela evita o cometimento de distorções na aplicação de sanções aos sujeitos passivos. Isso porque a norma que institui a multa agravada visa censurar crimes, hipótese completamente distinta dos atos e negócios simulados, que não possuem o dolo penal como requisito e que ensejam dúvidas acerca do seu regime jurídico-tributário14.

Entre os dois extremos, representados pelo planejamento tributário e a evasão fiscal, encontra-se o planejamento tributário abusivo. Nele, a economia tributária decorre de atos e negócios lícitos, sem contrariar diretamente a lei, mas que tampouco são admitidos pelo direito.

A justificativa para o combate ao planejamento tributário abusivo reside no fato de que o Estado Social exige a contribuição de toda a sociedade para as despesas públicas. A eficácia positiva da capacidade contributiva e o dever fundamental de pagar impostos, apoiados nos valores fundantes da igualdade e solidariedade, impediriam que contribuintes com semelhante capacidade econômica sofressem distintas imposições tributárias15. Também se evitaria que o tributo se tornasse uma prestação não compulsória, contrária ao comando do art. 3º do CTN, a depender das condições para se cercar de eficientes consultores tributários e societários.

Portanto, é evidente que o planejamento tributário abusivo se encontra em uma zona cinzenta, sendo difícil traçar as fronteiras. Entre a legalidade e a ilegalidade do planejamento tributário, há uma vastidão de questões a serem enfrentadas. A seguir, este trabalho tratará justamente desses elementos que preenchem o espaço relativo ao abuso, à indeterminação dos conceitos, ao emprego de valores e à peculiaridade do sistema constitucional brasileiro.

3. Valores, princípios e o propósito negocial

Os atos e negócios jurídicos tidos como abusivos e que acarretam a supressão, redução ou diferimento no pagamento de tributos são, em princípio e aparentemente, lícitos. A sua desconsideração somente ocorre após a análise da autoridade competente, que, concluindo pela artificialidade da operação realizada pelo sujeito passivo, reprova a redução da carga tributária e atribui o dever de pagamento de tributo.

Como não é diretamente contrário à lei, o abuso não pode ser definido a partir da concepção de ilícito, o que causa o primeiro problema de definição. Mesmo no direito privado, a figura do abuso de direito é um conceito problemático.

Ademais, o enfrentamento às estruturas fiscais tidas por abusivas não está limitado ao direito doméstico, e constitui, na verdade, uma tendência global. Essas medidas representam o núcleo do projeto Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), no âmbito da OCDE16.

Tanto no direito tributário internacional como no doméstico, é comum, na busca pela definição do abuso e a legitimação do seu combate, a utilização de standards vagos e imprecisos, geralmente relacionados às noções fluidas de moralidade e justiça. Independentemente da corrente adotada, o fato é que tais pressupostos aumentam a complexidade e a insegurança jurídica, pois dependem exclusivamente dos valores do intérprete17.

Costuma-se recorrer a concepções da ratio da norma tributária que foi “contornada”, ou da exigência de razões extrafiscais válidas para justificar as operações dos contribuintes18:

“A elisão não é ‘violação’, mas ‘contorno’ de preceitos fiscais. É um comportamento formalmente de acordo com as normas (normas impositivas, ou normas de favor), mas não à sua ratio; a elisão realiza uma ‘economia fiscal’, e não é justificada por razões extrafiscais válidas. O contribuinte que elide evita realizar o pressuposto da taxação mais onerosa seguindo um percurso anômalo, abusivo”.

A limitação do direito à organização dos contribuintes sob essa concepção é questionável. Não é preciso muito para saber que as leis são, geralmente, produto de intensos debates no âmbito do poder legislativo, reunindo ideias diversas, às vezes inconciliáveis.

Não raro, o texto legislativo, quando aprovado, guarda pouca identidade com o projeto que lhe deu causa, o que torna impossível determinar a intentio legis. Eros Grau19 ressalta que “o texto normativo costuma ser mais inteligente do que quem o escreveu”. Ao fim e ao cabo, as normas em geral, e as tributárias especificamente, terão o seu sentido construído, e não meramente descoberto pelo intérprete, conforme a sua concepção de mundo20.

O planejamento tributário abusivo oferece um excelente exemplo da influência das ideologias e interesses na construção dos sentidos e limites normativos. Termos vagos e indeterminados são preenchidos por convicções pessoais na interpretação dos fatos e das normas a eles aplicáveis. Não por acaso, um mesmo negócio jurídico pode ser qualificado de formas diametralmente opostas a depender do intérprete e aplicador da norma. Até mesmo a concepção do papel do Estado para cada indivíduo influenciará o nível de tolerância à economia tributária. A ideologia, liberal ou social, é uma variável importante:

“Assim, antes de iniciar um debate sobre planejamento, é preciso identificar a ideologia de quem está se manifestando, porque se ele professar uma ideologia liberal clássica, quase certamente defenderá a concepção de uma ampla liberdade – para não dizer ilimitada – do contribuinte, ao mesmo tempo em que afirmará que o Fisco não pode desconsiderar os atos realizados, pois não existem as figuras da fraude à lei e do abuso de direito em matéria tributária no Brasil e assim por diante. Por outro lado, se a ideologia for eminentemente social, certamente defender-se-á que o planejamento tributário é uma conduta sempre inaceitável porque frustra o atingimento da capacidade contributiva, quebra a isonomia e agride a solidariedade social, razão pela qual a interpretação da norma tributária deve dar proeminência à substância econômica do negócio jurídico e não à sua dimensão jurídica”21.

A liberdade individual de economizar tributos é, por vezes, alçada ao status de direito fundamental22, a ser amplamente aceita; em outros momentos, constitui um dever fundamental de suportar e contribuir para os gastos públicos, restringindo-se o planejamento23.

A questão que se coloca é: como pode um mesmo negócio do qual resulte economia tributária ser ora combatido ora incentivado, mas sempre a partir da suposta existência de um direito fundamental? O planejamento tributário desperta paixões, e a menção a direitos fundamentais serve como artifício retórico para legitimar um interesse ou uma posição ideológica em detrimento de outro.

O ato de interpretar pressupõe valorações. Contudo, isso não pode ocorrer ao ponto de esvaziar o conteúdo jurídico do debate. Para Sérgio André Rocha24, o estágio atual do planejamento tributário pouco contribui para a resolução dos problemas postos:

“Entretanto, por mais que desperte paixões esse debate axiológico tem pouca relevância – ou deveria ter pouca relevância – na solução de casos concretos (...). Temos argumentado há algum tempo que este embate de posições axiológicas diametralmente opostas desvia o foco do que é relevante na definição dos limites do planejamento tributário. Com efeito, o embate axiológico é, no fundo, como bem salienta Marco Aurélio Greco, um embate ideológico. Contudo, ele ofusca a questão de fundo: quase todos os autores, independentemente de sua filiação axiológica, ao analisarem casos concretos, reconhecem limites à liberdade de organização com a finalidade de não pagar, reduzir ou postergar o dever tributário”.

No Brasil, esse cenário é potencializado pelo peculiar sistema tributário. O constituinte originário estabeleceu uma ampla quantidade de princípios e regras25, que parecem apontar para sentidos distintos e que fundamentam as mais diversas concepções sobre os limites ao planejamento tributário26. Segurança jurídica, legalidade, tipicidade, direito de propriedade e livre iniciativa são invocados para legitimar a liberdade de organização dos contribuintes, enquanto isonomia, capacidade contributiva e solidariedade fundamentam teses restritivas.

Trata-se de terreno fértil o desenvolvimento das teorias de combate ao abuso no exercício da auto-organização dos contribuintes. Como dito, o planejamento tributário abusivo não viola diretamente a lei e, portanto, não pode ser submetido às categorias clássicas do ilícito. O seu enfrentamento exige a utilização de outros artifícios, que permitam a desconsideração de uma operação ainda que acobertada pela legalidade. É para esse fim que se prestam as figuras do abuso de direito, abuso de formas, fraude à lei e o propósito negocial: tornar inoponíveis à Fazenda Pública os atos e negócios jurídicos que visam a supressão, redução ou diferimento de tributos realizados em conformidade com a lei, mas inaceitáveis por outras razões.

A escolha do propósito negocial como objeto de análise deste estudo se deve à impossibilidade de tratar de todas as teorias sobre o tema. Além do mais, a busca pelos motivos extratributários nas operações direcionadas à redução da carga tributária tem sido corriqueira no processo administrativo tributário federal. Tal opção é justificável, também, pela tentativa reiterada de sua positivação, por meio das Medidas Provisórias n. 66/200227 e 685/201528.

Essa teoria, crescentemente utilizada no mundo29, foi desenvolvida pela jurisprudência norte-americana no caso Gregory vs. Helvering e visa, objetivamente, a requalificação das ações dos contribuintes em que a intenção real e efetiva de uma operação seja, exclusivamente, evitar, reduzir ou retardar o pagamento de tributos30. Diz-se objetivamente porque a definição ora proposta não reflete a complexidade que envolve a sua aplicação.

A busca pelo propósito negocial implica investigação acerca dos motivos, algo que se opera completamente no âmbito da subjetividade do sujeito e que é de difícil, se não impossível controle. No próprio direito tributário estadunidense, origem da teoria, o conceito não é uniforme e facilmente verificável31. Nesse país, existem diversos entendimentos acerca de quais espécies de razões extratributárias deveriam ser consideradas pelo contribuinte a fim de assegurar o reconhecimento da legitimidade da sua operação.

Alguns juízes negariam vantagens fiscais, caso o ganho extratributário não fosse real; para outros, o propósito negocial estaria vinculado à potencialidade de a operação gerar lucros; e, ainda, para mais outros, a possibilidade de geração de lucros não seria suficiente se estes fossem insignificantes quando comparados com as vantagens fiscais; e houve, ainda, tentativas de construções de parâmetros objetivos, em que a mera presença de uma razoável possibilidade de lucros na transação bastaria para concluir pela existência do propósito negocial32.

A amplitude e multiplicidade dos conceitos possíveis de propósito negocial já permitiu a sua classificação como “a forma mais radical de restrição ao planejamento tributário”33. Esse status decorreria do fato de que a exigência de um motivo extratributário esvaziaria a semântica da palavra “planejar”. Isso porque a economia tributária seria residual, e a vantagem fiscal, um golpe de sorte que se configuraria, circunstancialmente, quando uma operação econômica convergisse para um resultado fiscal também vantajoso.

Seja no Brasil ou fora dele, o fato é que o propósito negocial permanece carente de critérios claros, o que resulta em aplicações dotadas de alto grau de subjetividade:

“A inexistência de critérios claros para a análise da questão do propósito negocial, aliás, faz com que haja grande margem de subjetividade ao agente fiscal responsável pela autuação, o que não condiz com a necessária vinculação ao ato administrativo de lançamento”34.

O debate sobre o planejamento tributário está contagiado por valores e princípios, muitas vezes díspares e que pouco contribuem para avanços sobre os limites ao planejamento tributário abusivo. Ao contrário, estes são reforçados por teorias, como a do propósito negocial, carregadas de subjetividade.

Apesar de legítimas as defesas às bandeiras pró solidariedade ou pró legalidade, apenas para citar alguns dos elementos em jogo, isso não significa dizer que há um cenário de completa indefinição. O desafio dos próximos parágrafos será demonstrar a necessidade da criação, tanto quanto possível, de um discurso intersubjetivo para o controle do planejamento tributário.

4. Entre Hidra e Hércules: o problema da aplicação de valores e princípios no planejamento tributário abusivo

Marcelo Neves aponta uma ampla recepção, no Brasil, do debate em torno de princípios e regras, e da ponderação e otimização de princípios. Ele percebeu uma aplicação desenfreada de princípios, muitas vezes, para o afastamento de regras e para encobrir decisões orientadas exclusivamente por interesses particulares ou juízos morais35.

Ele critica esse cenário metaforicamente através da mitologia grega, especificamente, segundo o trabalho de Hércules. Nessa tarefa, o herói deveria, a pedido do seu primo Euristeu, rei de Micenas, enfrentar Hidra de Lerna, uma criatura em forma de serpente e com muitas cabeças. A dificuldade no cumprimento da tarefa consistia no fato de que as cabeças sempre se regeneravam à medida que eram decapitadas. O sucesso da empreitada só foi possível após Hércules solicitar ao seu sobrinho, Iolau, que cauterizasse os pontos em que se cortavam as cabeças, o que as impedia de renascer.

Os princípios teriam o caráter de Hidra, enquanto as regras seriam hercúleas. Isto é, os princípios representam a flexibilização do sistema jurídico e ampliam as possibilidades de argumentação, mas não são, por si sós, suficientes para a solução dos casos concretos. Desse modo, as regras cumprem o papel de domesticação dos princípios, pois fecham a cadeia argumentativa e viabilizam a passagem do ponto de partida à decisão36.

A preocupação apoia-se no fato de que, não raras vezes, um caso pode ser resolvido por meio de uma regra, a partir da simples subsunção: se X então Y. Contudo, para atender à vontade do aplicador, a regra é afastada e aplica-se o princípio que melhor comporta esse interesse. A incidência da norma passa a operar da seguinte forma: se X então Y, salvo Z.

Essa forma de interpretar e aplicar o direito tem como consequência o esvaziamento do conteúdo jurídico das decisões. O texto normativo passa a ter pouca utilidade, ante a criatividade e subjetividade do intérprete.

“Instalou-se um grande debate: princípio é norma jurídica? Passamos a matraquear a afirmação de que é mais grave violar um princípio do que violar uma norma, sem nos darmos conta de que, sendo assim, princípio não é norma... Aí a destruição da positividade do direito moderno pelos valores. Os juízes despedaçam a segurança jurídica quando abusam do uso de ‘princípios’ e praticam – fazem-no cotidianamente! – os controles da proporcionalidade e da razoabilidade das leis. Insisto neste ponto; juízes não podem decidir subjetivamente, de acordo com o seu senso de justiça. Estão vinculados pelo dever de aplicar o direito (a Constituição e as leis). Enquanto a jurisprudência do STF estiver fundada na ponderação entre princípios – isto é, na arbitrária formulação de juízos de valor –, a segurança jurídica estará despedaçada!37

Essa ausência de limites na inserção de valores pressupõe uma realidade social pouco complexa38, em que seria possível a identificação de valores e desejos. Ocorre que a sociedade moderna é marcada pela heterogeneidade, e é possível a identificação de incontáveis princípios colidentes, ou até mesmo de infinitas leituras a partir de um mesmo princípio.

Os princípios não são sempre carregados de sentidos claros e óbvios, que não reclamam aprofundamento nem um rigoroso uso da linguagem. Na verdade, o seu funcionamento exige a eliminação de infindáveis ambiguidades39. A exigência de que princípios e valores sejam trabalhados em espaço de racionalidade e de controle não é uma invenção teórica; há importantes consequências práticas, especialmente no direito tributário.

O exercício da competência tributária se dá por meio de regras que prescrevem condutas. Os entes tributantes devem obedecer a critérios formais e limites materiais estabelecidos na Constituição40. Nesse particular, os limites à significação das palavras assumem um papel fundamental. Isso porque, se o ente tributante pudesse, livremente, estabelecer o sentido da materialidade prevista na norma de competência, então ele estaria autorizado a autorregular-se, expandindo o espectro do seu poder de imposição e retirando o caráter heterolimitador da regra de competência41.

A competência municipal para instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN pressupõe uma significação mínima do que é serviço, construída a partir de perspectivas históricas, culturais e de uma análise sistêmica do ordenamento jurídico. Se serviço for definido por cada município, então se poderá tributar mercadorias e receita, por exemplo.

Retomando o planejamento tributário abusivo, verifica-se a forte tensão existente entre a liberdade negocial e a moralidade fiscal. Cada indivíduo possui sua concepção acerca dos limites de auto-organização, bem como do que entende como moralmente aceitável. Essa preocupação é ampliada quando se trata da doutrina do propósito negocial.

O vocábulo “serviço”, ainda que objeto de controvérsia42, possui contornos mais bem delineados e conhecidos pela comunidade jurídica, ao contrário dos motivos extratributários de uma operação, em razão de sua alta carga de subjetividade.

É difícil enfrentar argumentos que se utilizam dos ideais de liberdade, segurança, solidariedade e moralidade. O discurso essencialmente axiológico interfere na psicologia e emotividade dos indivíduos, de tal maneira que qualquer coisa que se apresenta como óbice à utilização desses discursos é rechaçada. No entanto, é preciso prudência ao interpretar e aplicar o direito. Não há dúvidas de que os casos que envolvem o planejamento tributário não possuem uma única solução correta, mas, sim, algumas ou até várias respostas igualmente corretas. Todas deverão ser objeto de justificação por quem aplica a norma tributária, com prudência43.

Não se está a defender a inaplicabilidade dos princípios ou a inexistência de valores no ato de interpretar. Esses estarão sempre presentes e são de suma importância. O que se precisa ter claro é, tão somente, que isso não representa uma tela em branco disponível para ser pintada. Além do mais, o recurso à solidariedade social ou à liberdade negocial para legitimar condutas representa uma concepção simplista, ingênua ou mal-intencionada do sujeito que as alega. Princípios e valores não são produtos do acaso; ao contrário, são construídos e desenvolvidos durante um longo processo, em cada comunidade44.

Isso demonstra a necessidade de o debate sobre o planejamento tributário dar o próximo passo. É preciso seguir para além de um direito fundamental a economizar ou pagar tributos, de modo a desenvolver critérios intersubjetivos controláveis acerca dos limites à ação dos principais sujeitos envolvidos: fisco e contribuintes.

5. Por que o CARF?

É preciso esclarecer, brevemente, a razão pela qual o CARF foi o escolhido como o paradigma para a análise proposta. Inicialmente, a doutrina, a despeito de sua importância e riqueza de contribuição ao tema, avançou até onde pôde no desenvolvimento das discussões acerca dos limites ao planejamento tributário.

Com relação à legislação, há clareza apenas no que se refere à existência de normas que combatem a evasão fiscal realizada a partir da simulação, sonegação, fraude e conluio45, já que a existência de uma norma geral antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro é, justamente, o alvo das divergências mais acirradas46.

O parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional teve como objetivo a inserção da norma geral antielisiva no direito tributário brasileiro, a fim de permitir que as autoridades administrativas pudessem desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados sem razões econômicas, abuso de forma ou de direito47. Se esse dispositivo alcançou ou não seu propósito, é questão estranha ao objetivo deste estudo. O fato é que a sua redação final se mostrou extremamente problemática, sendo o seu texto alvo de críticas48.

A legislação assume, então, a função de uma elipse, contribuindo para a circularidade no tratamento do planejamento tributário abusivo.

E as discussões relativas ao planejamento tributário são rarefeitas no poder judiciário. As razões estruturais decorrem do próprio Sistema Tributário Nacional, que desestimula os contribuintes a levarem o tema ao judiciário. Geralmente, essas disputas envolvem valores bastante significativos, chegando a alcançar bilhões de reais49. A discussão em juízo dessas matérias é por vezes inviabilizada, pois, para discutir o crédito tributário de forma ampla, é necessária uma tutela antecipada ou liminar, ou a garantia integral do débito em execução fiscal. O contencioso administrativo é mais atrativo, dado o acesso gratuito e, enquanto durar, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, inciso III, do CTN.

Além de custosa, a discussão judicial carece de especialidade, não por competência, mas por função. O juiz de direito enfrenta as mais variadas controvérsias no âmbito da sociedade. Assim, o processo judicial pode resultar em uma decisão generalista ou não amadurecida sobre o caso.

Outro fator que afasta o debate do planejamento tributário do judiciário são os sucessivos programas de parcelamentos fiscais. Por vezes, esses financiamentos de dívida são mais vantajosos e desestimulam o risco do litígio. Ademais, a adesão aos programas exige, em regra, a renúncia aos recursos judiciais existentes50.

Por outro lado, há omissão do Supremo Tribunal Federal. Após a entrada em vigor do parágrafo único do art. 116 do CTN, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.446, mas que se encontra pendente de julgamento até a apresentação deste trabalho. É evidente que o julgamento dessa ação não esgotaria a enorme quantidade de questões relativas ao planejamento tributário abusivo. No entanto, também é certo que um posicionamento da mais alta corte do País sobre o tema é importante para a tentativa de estabilização do sistema.

É nesse contexto que a jurisprudência do CARF ganha relevo. Por se tratar de um órgão técnico e paritário, cujos acórdãos costumam servir de orientação acerca da legislação tributária, o CARF concentra a maior parte dos debates sobre os limites do planejamento e acaba por incorporar as mais diversas correntes e teses. Compreender o que esse tribunal decide e como decide é fundamental.

6. Análise de casos

Conhecer o resultado de um julgamento pouco contribui para o debate. É preciso compreender motivos, fundamentos, fatos e até a formação do tribunal. Afinal, interpretar o texto da lei é uma atividade de produção, e não de reprodução51. E o CARF contribui para a construção de normas jurídicas e do próprio direito, ao decidir sobre o planejamento tributário.

Essas decisões costumam ser complexas. Envolvem reorganizações societárias e/ou sucessivas operações. Isso significa que essas decisões contemplam diversas discussões sobre outros ramos do direito e do conhecimento (direito societário e contabilidade, por exemplo). Assim, foi necessário realizar recortes nessas análises para permitir que o trabalho não se desvirtuasse do seu objetivo, que consiste na aplicabilidade do propósito negocial na jurisprudência do CARF. As análises buscaram observar aspectos referentes à existência ou ausência de motivos que não tributários como justificativas das operações. Além disso, o intervalo temporal entre os negócios, a interdependência entre as partes envolvidas e as relações com as normas não tributárias são outros elementos fundamentais e que foram considerados.

No Acórdão n. 1301-003.469 (“Caso CVC”)52, proferido pela 1ª Turma Ordinária, 3ª Câmara, 1ª Seção, do CARF, discutiu-se auto de infração lavrado pela Receita Federal, em que se cobrava suposto débito de IRPJ e CSLL, decorrente de glosa de despesas de amortização de ágio na aquisição da CVC Brasil pela CBTC Participações S.A., em 2009. A Fazenda Nacional apresentou os seguintes argumentos: (i) a existência de uma interdependência de fato entre as partes envolvidas na operação que gerou o ágio; (ii) a CVC Brasil foi utilizada como empresa veículo, se considerada a expressão não no sentido da empresa veículo do ágio, mas como “aquela que serve para fins alheios ao seu objeto social”; e (iii) a necessidade de interpretar restritivamente a norma que dá o benefício fiscal de amortização de ágio. Na DRJ/FNS, a impugnação foi julgada procedente, o que ensejou a interposição do Recurso de Ofício.

Neste caso, a empresa CBTC incorporou a empresa CVC Brasil. A aquisição da participação societária gerou um “ágio” (aquisição da participação societária por um valor maior do que o valor contábil do investimento) dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pela empresa CBTC, nos termos do antigo Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/1999, art. 386). Posteriormente, a empresa CVC Brasil incorporou a empresa CBTC e passou a amortizar o ágio inscrito contabilmente decorrente da sua própria aquisição.

A fiscalização entendeu que tanto a empresa CVC Brasil quanto a CBTC foram empresas veículos utilizadas exclusivamente para afastar a tributação. Para ela, as operações foram artificiais, sem propósito negocial. As ações da CVC Brasil foram alienadas para um fundo de investimentos, que passou a ser o único acionista da empresa e responsável pela venda à empresa CBTC. Ao realizar a venda com ágio para a CBTC, não houve a tributação do IRPJ e da CSLL pelo ganho de capital, já que a tributação nos fundos de investimento fica diferida para o momento do resgate das quotas. Já em relação à empresa CBTC – que existiu por apenas 6 (seis) meses –, o único objetivo consistiu em transferir o ágio para a empresa CVC Brasil.

O CARF rejeitou os argumentos da fiscalização e considerou válido o planejamento tributário, em razão da existência de propósito negocial. Para o colegiado, a criação da empresa CVC Brasil e a transferência do seu controle para o fundo de investimentos teve como objetivo “preparar a empresa para receber novos investidores, otimizando as atividades operacionais, recebendo todos os ativos relacionados à atividade de intermediação de serviços turísticos”. A justificativa da CBTC, por sua vez, consistiu no contexto do que usualmente é conhecido como “compra alavancada”: transação em que o investidor adquire o controle societário de determinada empresa, e uma parcela significativa do preço incorrido é financiada por meio de dívida tomada pelo comprador”. Isto é, a criação da empresa e o seu endividamento foram necessários à concretização do negócio.

Entendimento semelhante, que também discutiu compra alavancada, foi proferido no Acórdão n. 1401-003.082 (“Caso Ri Happy”)53, dessa vez proferido pela 1ª Turma Ordinária, 4ª Câmara, 1ª Seção, do CARF. Nessa ocasião, os conselheiros firmaram que,

“(...) na hipótese em que restar evidenciada a presença de outra finalidade – além da economia tributária produzida – que justifica a existência, ainda que efêmera de sociedade investidora que venha a ser incorporada pela sociedade na qual possuía participação societária adquirida anteriormente com ágio, como no caso da chamada ‘compra alavancada’, é legítimo o aproveitamento das amortizações do referido ágio pela incorporadora, à luz do que dispõe o inciso III do art. 386 do RIR/99”.

Ambas as decisões foram noticiadas pela mídia especializada como os primeiros casos envolvendo a compra alavancada analisados pelo CARF54.

Já no Acórdão n. 9101-003.740 (“Caso Hipercard BM”)55, o contribuinte saiu derrotado. A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais analisou recurso especial interposto em face do acórdão proferido pela 1ª Turma Ordinária, 3ª Câmara, Primeira Seção, que, por maioria dos votos, deu provimento ao recurso voluntário. Originalmente, o auto de infração buscava a constituição de crédito tributário de IRPJ e CSLL, em razão de: (i) falta de adição ao lucro real de despesa com amortização de ágio; (ii) exclusão indevida de despesa de amortização de ágio; (iii) falta de recolhimento de estimativas mensais do IRPJ e CSLL; (iv) exclusão indevida de despesa não dedutível de amortização de ágio lançada no LALUR/2007.

O caso consistiu, novamente, na discussão acerca da (im)possibilidade da transferência de ágio a terceiro por meio de uma empresa veículo. As empresas Unicard e Unipart buscavam adquirir a integralidade das ações da Hipercard ACC. Para isso, celebraram contrato de compra e venda de ações e quotas com as empresas Holla e BRPAR, que, juntas, possuíam a integralidade do capital social da Hipercard ACC. A Unipart adquiriu da Holla a totalidade de sua participação na Hipercard ACC (31,78% do capital social). A Unicard adquiriu da BRPAR a totalidade das cotas do capital social da empresa Conabinu (empresa veículo), que possuía 68,22% de capital social restante da Hipercard ACC. A criação da Conabinu ocorreu apenas 40 dias antes da efetivação da negociação da Hipercard ACC.

O ágio foi gerado no momento da aquisição da participação societária pela Unicard, que pagou à BRPAR o preço da participação parcial da Hipercard ACC e a diferença por meio de aumento de capital na empresa veículo Conabinu. Ato contínuo, o Unibanco aumentou o capital social da Unicard com sua participação no Hipercard BM. Em seguida, a Hipercard BM incorpora a Conabinu e recebe o ágio que inicialmente havia sido escriturado na Unicard, empresa que efetivamente adquiriu com ágio a participação societária da Hipercard ACC.

Diante desse arranjo societário, decidiu-se que a legislação veda a amortização do ágio por pessoa diferente daquela que realizou o investimento para a aquisição da participação societária. Apenas a quem investiu e acreditou na rentabilidade futura cabe deduzir o ágio. Assim, a utilização da empresa veículo Conabinu teria ocorrido com o único propósito de transferir o ágio para a Hipercard BM. A operação teve, para a maioria dos conselheiros, como único propósito a vantagem fiscal, sem qualquer propósito negocial.

Discussão idêntica com as mesmas conclusões ocorreu no Acórdão n. 9101-003.871, também da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

O Acórdão n. 1302-003.159 (“Caso Belmock”)56, por sua vez, representa uma mudança completa no tratamento do propósito negocial. Neste caso, tratou-se de julgado da 2ª Turma Ordinária, 3ª Câmara, 1ª Seção. O lançamento e a decisão de 1ª instância fundaram-se no suposto pagamento sem causa à pessoa jurídica do mesmo grupo econômico de fato.

A operação objeto da autuação consistia em contrato de locação de veículos, celebrado pelas empresas Transportadora Belmock Ltda. (locatária) e Roda Brasil Ltda. (locadora). A fiscalização entendeu que o contrato possuía cláusulas “atípicas” sem qualquer propósito negocial. De acordo com a autuação, os pagamentos realizados pela locatária eram aleatórios e ocorriam em atraso sem que houvesse a cobrança de juros e multas moratórias. O único objetivo consistia, portanto, em gerar despesas dedutíveis para a locatária e a transferência de recursos para a locadora, configurando pagamentos sem causa, previstos no RIR/1999, art. 674.

Esse processo decorreu do Processo Administrativo n. 16095.720119/2014-34. Nele, foram constituídos créditos tributários referentes ao IRPJ e CSLL em razão de as despesas com a locação dos bens móveis objeto do mesmo contrato terem sido consideradas desnecessárias pela autoridade fiscal. Desse modo, a decisão quanto ao IRRF seguiu o mesmo entendimento.

No mérito de ambos os casos, o argumento do propósito negocial foi afastado. Os conselheiros entenderam que: (i) não há lei que o preveja; (ii) há ausência de competência discricionária da autoridade fiscal para apontar as operações que possuem ou não propósito negocial; e (iii) o propósito negocial não possui qualquer razão jurídica. Além disso, o acervo probatório foi considerado inapto ou insuficiente para a caracterização da fraude (evasão fiscal).

A rejeição do propósito negocial como ferramenta legítima de restrição à liberdade de organização dos contribuintes também consta no Acórdão n. 1302-003.29057 proferido pela 2ª Turma Ordinária, 3ª Câmara, 1ª Seção do CARF. Nos termos do voto do relator, a autoridade administrativa só estaria autorizada a desconsiderar atos e negócios jurídicos realizados com dolo, fraude ou simulação. Do contrário:

“(...) estando, o ato administrativo, estritamente aprisionado aos quadrantes da lei, não cabe à Administração adentrar na motivação do particular em proceder conforme os ditames legais. A alegação de que as operações realizadas não tiveram propósito negocial advém de construção jurisprudencial estrangeira que não encontra validade no nosso Ordenamento Jurídico, justamente por conflitar com uma gama de princípios, como o da Legalidade Tributária, descrito acima, além de outros princípios como o da livre iniciativa, estes últimos provenientes da Ordem Econômica”.

O propósito negocial foi, mais uma vez, utilizado para desconsiderar atos e negócios jurídicos no julgamento do Acórdão n. 2402-006.696 (Caso “Mário Araripe”)58, pela 2ª Turma Ordinária, 4ª Câmara, 1ª Seção, no qual se discutia a cobrança de IRPF decorrente de omissão ou apuração incorreta de ganhos de capital na alienação de bens e direitos.

O contribuinte utilizou o fundo de investimentos “SALUS FIP” para realizar a alienação das cotas que possuía das empresas sob o seu controle à “CPFL”. Desse modo, houve o diferimento do tributo para o momento da amortização/liquidação das cotas ou do fundo. Além disso, houve aumento de capital das companhias alienadas por meio de integralização realizada pela SALUS FIP, o que implicou a majoração do custo das cotas e, consequentemente, reduziu a base de cálculo de eventual ganho de capital. O fisco desconsiderou o planejamento tributário, pois entendeu que houve abuso de direito e ausência de propósito negocial nas alienações das cotas das empresas de seu controle. E concordou com a redução da base de cálculo do ganho de capital, com a exclusão do valor do capital integralizado nas empresas alienadas.

No CARF, a desconsideração do planejamento tributário foi mantida. O tribunal entendeu que a operação se utilizou de abuso de formas jurídicas, a partir do emprego de empresa veículo – SALUS FIP – e sem qualquer propósito negocial. Para o colegiado, o intuito consistiu apenas em transferir a tributação do ganho de capital da pessoa física para a pessoa jurídica com o diferimento do recolhimento do imposto. A decisão foi fundamentada a partir do CTN, art. 116, parágrafo único, c/c o Código Civil, art. 167. Com relação ao ganho de capital, o CARF afastou a exclusão do valor referente ao capital integralizado nas empresas alienadas, pois entendeu que eles compuseram o preço da compra com previsão contratual.

A decisão foi favorável ao contribuinte apenas em relação à multa qualificada, que foi afastada e retornou ao patamar ordinário de 75%. O acórdão consignou que não houve fraude documental nem dolo específico e realizou a distinção entre planejamento tributário sem propósito negocial e a sonegação dolosa e fraudulenta.

6.1. Síntese analítica dos casos

A leitura dos breves relatos acima é suficiente para demonstrar a ausência de uniformidade no posicionamento do CARF acerca do propósito negocial como ferramenta de combate ao planejamento tributário abusivo. Os acórdãos selecionados não esgotam o tema, mas, a partir deles, é possível perceber que a convivência entre os extremos ainda é a regra.

Apesar disso, alguns comentários são necessários.

Nos casos CVC, Ri Happy e Hipercard BM, as operações foram analisadas à luz do propósito negocial, com as duas primeiras validadas, e a última, rejeitada. O curioso é que todos tratavam da mesma questão de direito: a possibilidade da transferência de ágio a terceiros por meio de uma empresa veículo. Também em todos, o quesito do “adequado intervalo temporal” das operações foi considerado efêmero. Mesmo assim, as conclusões foram distintas. O determinante na divergência entre as decisões foi a demonstração do grau e relevância das razões extratributárias que justificaram as operações. Isso porque as razões de uns contribuintes foram consideradas suficientes, e as do outro, não.

O problema consiste no fato de que as decisões não traçam, minimamente, critérios que, se observados em casos futuros, legitimarão ou desconsiderarão a economia tributária empreendida pelos sujeitos passivos.

Nas decisões ora comparadas, especialmente no caso Hipercard BM, houve intenso debate acerca da extensão dos dispositivos legais, que tratam da dedutibilidade do ágio: os arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997. Muito foi discutido acerca dos requisitos previstos nessas normas e que devem ser atendidos para que as deduções do ágio sejam consideradas legais. Isto é, se tais dispositivos autorizam a dedução exclusivamente àquelas empresas que efetivamente tiverem o dispendido do ágio ou se seria estendível a terceiros, que apenas adquirirem investimento com ágio.

O recurso ao propósito negocial parecia desnecessário. A discussão poderia ter se limitado à investigação da aplicação dos dispositivos da Lei n. 9.532/1997 aos casos concretos ou não. A exploração dos sentidos e extensão da regra referente à dedutibilidade do ágio traria racionalidade ao discurso, sendo mais facilmente replicável aos casos futuros.

O planejamento tributário também foi invalidado no “Caso Mário Araripe”, mas a partir de argumentos que deram outra direção ao enfrentamento do tema. Na decisão, o propósito negocial foi referido junto ao abuso de formas, doutrina de combate ao planejamento tributário abusivo diversa, que com o propósito negocial não se confunde.

A simulação prevista no art. 167 do Código Civil também foi utilizada. Essa decisão aplicou o parágrafo único do art. 116 do CTN, o que é bastante discutido na doutrina e na jurisprudência, em razão da ausência de regulamentação do dispositivo. Inclusive, há decisões do próprio CARF que reconhecem a impossibilidade da eficácia plena de tal dispositivo59.

O “Caso Belmock” representa uma completa inversão dos precedentes. Ele consignou que o combate ao planejamento tributário deveria estar restrito à ocorrência dos ilícitos já conhecidos: fraude, dolo, sonegação e simulação. O propósito negocial foi considerado argumento desprovido de “razão jurídica” e imprestável para o controle dos planejamentos.

Essas decisões demonstram que não há estabilidade e coerência na jurisprudência administrativa em relação à matéria. Até quando o resultado prático da decisão é o mesmo (validade ou invalidade do planejamento tributário), a leitura do inteiro teor dos acórdãos revela posicionamentos completamente distintos. O que é extremamente prejudicial, pois o CARF tem a oportunidade de, na medida do possível, trazer previsibilidade e segurança jurídica no enfrentamento das intricadas questões relativas ao planejamento tributário.

7. Conclusões

O planejamento tributário abusivo está longe de ser uma novidade no direito tributário brasileiro. Essa aparente exaustão do tema não deve ser compreendida, contudo, como sinal de que os estudos e investigações devem cessar. Pelo contrário, a vasta produção acadêmica revela a necessidade da permanência dos debates.

O tema é complexo, e sua dificuldade se inicia desde o momento da escolha pelo rótulo que identifica o objeto estudado: planejamento tributário, planejamento tributário abusivo e evasão fiscal. O uso desses termos permitiria a definição das fronteiras entre a economia tributária ilegal, legal e a abusiva, que, apesar de realizada de forma legal, seria intolerável.

As discussões mais significativas em torno da economia tributária giram em torno, justamente, da definição do abuso no planejamento tributário, que se encontra entre os extremos da redução da carga tributária lícita e ilícita. Neste caso, os atos e negócios jurídicos realizados pelo contribuinte ocorrem em conformidade com a lei, mas, por serem imorais e injustos, reclamam o seu combate pelo Estado.

As noções de moralidade e justiça constituem standards vagos e imprecisos, que implicam aumento de complexidade e insegurança jurídica em sua instrumentalização. Isso ocorre porque tais argumentos limitadores da liberdade do contribuinte estão geralmente repletos de noções subjetivas, e sua extensão depende exclusivamente das concepções individuais de quem as interpreta.

A dificuldade em definir o abuso no planejamento tributário tem como consequência a abertura à entrada de valores e princípios aos discursos. O debate sobre os limites na organização do sujeito passivo, a fim de minorar seus encargos fiscais, se torna menos técnico e mais fluido. O clamor aos direitos fundamentais para tutelar duas situações opostas e excludentes reforça o exercício retórico nesse embate.

No Brasil, a complexidade resultante dessas indefinições é reforçada pela estrutura do Sistema Tributário Nacional. A Constituição dedicou tratamento extenso à tributação, o que resultou em diversos princípios, que parecem apontar para caminhos diferentes. Isso não passa despercebido pelos intérpretes, que utilizam esses princípios, por vezes de forma descabida, para fundamentar a sua posição. O resultado é o aumento da polarização.

O combate ao planejamento tributário abusivo não pode ser construído através das formas habituais postas à disposição do Estado para enfrentar a evasão fiscal, como simulação, sonegação e fraude, visto que inexistentes na espécie. É necessário, portanto, o desenvolvimento de um instrumento que viabilize o alcance dessas operações pelo poder de tributar. É para esse fim que se presta o propósito negocial.

Destarte, a doutrina do propósito negocial foi desenvolvida pela jurisprudência norte-americana e, resumidamente, consiste na autorização do Estado para desconsiderar os atos e negócios jurídicos dos sujeitos passivos, quando constatado que o único propósito foi a redução da tributação. Porém, nem mesmo em seu país de origem o propósito negocial recebeu contornos claros e seguros para sua aplicação. No Brasil não foi diferente, onde a sua aplicação irrestrita levou à ideia de que qualquer ação realizada com o intuito de economizar tributos seria proibida, e que ocorreria apenas excepcionalmente, como um produto do acaso.

Na verdade, o resultado da importação do propósito negocial consistiu no agravamento das disputas ideológicas envolvendo as bandeiras pró solidariedade e pró legalidade. Apesar de legítimos, os conflitos não podem acarretar um cenário de completa indefinição. Assim, buscou-se demonstrar que a aplicação irrestrita de princípios e valores exige cautela, podendo ser prejudicial ao direito, quando realizada de forma desmedida. Tais princípios e valores não podem servir como meio para o afastamento de regras a fim de fazer prevalecer vontades particulares.

Em que pesem as contribuições fornecidas pela dialética envolvida no planejamento tributário, o que se percebe é a necessidade de dar um passo adiante. E isso só é possível a partir da construção de discursos minimamente intersubjetivos e controláveis acerca do tema.

Assim, a jurisprudência do CARF foi escolhida como o paradigma da análise empreendida, em razão da limitação dos demais protagonistas envolvidos nesse ambiente. A doutrina cumpriu e cumpre o seu papel de orientar e censurar, positivamente, os órgãos responsáveis por emitir decisões. Esta foi responsável por apresentar os mais diversos posicionamentos, de tal modo que pouco ou nada ainda resta para ser dito. A legislação brasileira, por sua vez, representa um fracasso. Após quase vinte anos da vigência do parágrafo único do art. 116 do CTN, o que se viu foi o aumento exponencial das controvérsias entre fisco e contribuintes. O poder judiciário, por fim, é afastado das discussões relativas ao planejamento tributário, e isso se dá por razões estruturais e frutos de omissão deliberada.

Todas essas circunstâncias fizeram com que o CARF assumisse a missão de elevar ao estágio seguinte o enfrentamento das importantes questões em aberto envolvendo o abuso no planejamento tributário. Entretanto, uma análise de suas decisões aponta que esse objetivo está longe de ser alcançado, tão distante quanto o céu está da terra.

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1 Para uma sistematização dos estudos produzidos, ver: ROCHA, Sérgio André. Para que serve o parágrafo único do artigo 116 do CTN afinal? In: DANTAS, José André Wanderley; e ROSENBLATT, Paulo (eds.). Direito tributário: os 30 anos do Sistema Tributário Nacional na Constituição: estudos em homenagem a Ricardo Lobo Torres. Recife: CEPE, 2018. v. 2. p. 228-58.

2 Nesse sentido foi a fala de Ricardo Mariz de Oliveira, na introdução de sua apresentação no IV Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro, promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), em painel sob o título de “Planejamento tributário: além da substância e do propósito negocial”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=j0Uz8sFHq3k>. Acesso em: 04 ago. 2019.

3 ROCHA, Sérgio André. Op. cit., p. 235.

4 SOARES, Romero Lobão. Tentativas de regulamentação da norma antielisiva brasileira e a influência na produção jurisprudencial do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Revista de Direito Tributário Atual n. 39, p. 414-32.

5 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2016. p. 156-7.

6 MOREIRA, André Mendes. Elisão e evasão fiscal – limites ao planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 21, p. 1-7, 2003. CALIENDO, Paulo. Artigos 113 a 118. In: PEIXOTO, M. M.; e LACOMBE, R. S. M. (ed.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP, 2008. p. 958-9.

7 FLÁVIO NETO, Luís. Teorias do abuso no planejamento tributário. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Financeiro) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 21.

8 ROSENBLATT, Paulo. General antiavoidance rules for emerging developing countries: a comparative taxation approach. Roterdã: Kluwer Law International, 2015, p. 13-4. (Tradução do autor).

9 FLÁVIO NETO, Luís. Op. cit., p. 44.

10 BRASIL, Fernando. CARF discute a legalidade da segregação de atividades empresariais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jun-19/direto-do-carf-carf-discute-legalidade-segregacao-atividades-empresariais>. Acesso em: 09 ago. 2019.

11 A dedutibilidade do ágio é uma previsão legal que visa incentivar condutas, o que não impediu a sua análise à luz das questões relativas ao planejamento tributário. Inicialmente, foi uma forma de o Governo Federal tornar atrativas as privatizações. Contemporaneamente, ela busca permitir a mobilidade do capital, conforme destacado por João Dácio Rolim e Frederico de Almeida Fonseca: “Mas a norma tem também outra finalidade ou racionalidade econômica, como referido no início: precisamente a de evitar a concentração e principalmente a imobilização do capital, já que a sua mobilidade é considerada desejável do ponto de vista econômico. Aqueles que recebem o ganho irão fazer novos investimentos ou no mínimo terão condições de o fazer, enquanto que aqueles que tinham capital disponível aplicaram na aquisição de um empreendimento produtivo pagando um ágio com fundamento econômico. Em alguns países há até uma isenção na apuração do ganho de capital na alienação de um empreendimento, condicionada a sua aplicação em novas atividades ou já existentes mas que precisam de novos recursos, não perdendo a empresa a sua condição de trading activities (capital aplicado em atividades de serviços, comércio ou indústria)”. ROLIM, João Dácio; e FONSECA, Frederico de Almeida. Reorganizações societárias e planejamento fiscal. O ágio de investimentos e o uso de “empresas-veículo” (conduit companies). Revista Dialética de Direito Tributário n. 158. São Paulo: Dialética, 2008. p. 62.

12 FLÁVIO NETO, Luís. Op. cit., p. 54.

14 BIANCO, João Francisco. Sonegação, fraude e conluio como hipótese de agravamento da multa na legislação tributária federal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 133. São Paulo: Dialética, 2006. p. 42.

15 FLÁVIO NETO, Luís. Op. cit., p. 45.

17 TAKANO, Caio Augusto. O conceito de planejamento tributário agressivo e os novos standards tributários internacionais do projeto BEPS. Revista de Direito Tributário Internacional Atual n. 2, 2017, p. 43.

18 TESAURO, Francesco. Instituições de direito tributário. Tradução de Fernando Zilveti e Laura Fiore Ferreira. São Paulo: IBDT, 2017. p. 246.

19 GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 82-3.

20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 194.

21 ROCHA, Sérgio André. Planejamento tributário na obra de Marco Aurélio Greco. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 7.

22 Cf. LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo, Malheiros, 2018.

23 Cf. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. São Paulo: Almedina, 1998.

24 ROCHA, Sérgio André. Op. cit., p. 50-3.

25 Conforme definiu Roque Antônio Carrazza: “De fato, nossa Carta Suprema contém grande número de princípios, que informam a ação estatal de exigir tributos. Tais princípios, conjugados com as regras constitucionais que com eles se conectam, não só apontam os fatos que podem ser alcançados pela tributação, como estabelecem os limites e condições de seu exercício, deixando pouca liberdade ao legislador ordinário das pessoas políticas. Noutras palavras, a Constituição Federal adotou a técnica de indicar, de modo minudente e exaustivo, as áreas dentro das quais as pessoas políticas podem levar a efeito a tributação. Forjou, portanto, um rígido esquema de delimitação e distribuição de competências tributárias entre as pessoas políticas. CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010. p. 37-8.

26 BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 71.

27 A introdução do termo ficou a cargo do art. 14, § 1º, da referida norma, que possuía a seguinte redação: “Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. § 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I – falta de propósito negocial”. (Grifou-se.)

28 Dessa vez, a tentativa consistiu na imposição da obrigatoriedade de os contribuintes declararem à Receita Federal do Brasil atos e negócios jurídicos que não possuíssem razão extratributária relevante. A pretensão se revelou mais ampla que a anterior e possuía a seguinte redação: “Art. 7º. O conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser declarado pelo sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 30 de setembro de cada ano, quando: I – os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes; II – a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou III – tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Parágrafo único. O sujeito passivo apresentará uma declaração para cada conjunto de operações executadas de forma interligada, nos termos da regulamentação”. (Grifou-se.)

29 ROSENBLATT, Paulo; e TRON, Manuel E. General report. Subject 1: Anti-avoidance measures of general nature and scope – GAAR and other rules. Cahiers de droit fiscal international. Volume 103 A: Anti-avoidance measures of general nature and scope – GAAR and other rules. International Fiscal Association, 2018, p. 15.

30 SANTOS, Ramon Tomazela. O desvirtuamento da teoria do propósito negocial: da origem no caso Gregory vs. Helvering até a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário n. 243, 2015, p. 126.

31 FLÁVIO NETO, Luís. Op. cit., p. 218.

32 Para esta síntese dos diversos posicionamentos da jurisprudência norte-americana, vide FLÁVIO NETO, Luís. Op. cit., p. 218.

33 MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva: completabilidade e sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2014. p. 398.

34 BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit., p. 213.

35 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, prefácio.

36 Ibidem, introdução, p. XVII-XIX.

37 GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 23-4.

38 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 160.

39 Em análise do princípio da igualdade tributária, mas com aplicação aos demais princípios jurídicos, conferir: ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 30-1.

40 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 26.

41 Ibidem, p. 31.

42 LEÃO, Martha; e DIAS, Daniela Gueiros. O conceito constitucional de serviço e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Tributário Atual n. 41, p. 296-317.

43 Conforme defende Eros Grau: “Tenho sustentado, reiteradamente, que a interpretação é uma prudênciao saber prático, a phrónesis, a que se refere Aristóteles na Ética a Nicômaco. O homem prudente – diz ele – é aquele que é capaz de deliberar sobre o que é bom e conveniente para si próprio, mas não sob um aspecto particular (como, por exemplo, aquelas coisas que são boas para a saúde e o vigor), porém, de um modo geral, [considerando] aquelas coisas que conduzem à vida boa em geral (VI, 5 1.140 a, 25). O homem prudente é aquele capaz de deliberação. [...] A prudência é, pois, razão intuitiva, que não discerne o exato, porém o corretonão é saber puro, separado do ser”. Op. cit., p. 63-4.

44 ROCHA, Sérgio André. Reconstruindo a confiança na relação fisco-contribuinte. Revista de Direito Tributário Atual n. 39, 2017. p. 516.

45 Art. 149, inciso VII, do CTN e arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502/1964.

46 Mais uma vez recomenda-se a sistematização empreendida por Sérgio André Rocha: Para que serve o parágrafo único do artigo 116 do CTN afinal? In: DANTAS, José André Wanderley; e ROSENBLATT, Paulo (orgs.). Direito Tributário: os 30 anos do Sistema Tributário Nacional na Constituição: estudos em homenagem a Ricardo Lobo. Recife: CEPE, 2018. v. 2. p. 228-258.

47 ABRAHAM, Marcus. Os 10 anos da norma geral antielisiva e as cláusulas do propósito negocial e da substância sobre a forma presentes no direito brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário n. 192, set./2011, p. 80.

48 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisão. São Paulo: Dialética, 2002. p. 52.

49 CARF mantém multa de R$ 1,94 bilhão do banco BTG pactual. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jan-23/carf-mantem-multa-194-bilhao-banco-btg-pactual>. Acesso em: 17 ago. 2019.

50 Vide SCHOUERI, Luís Eduardo. O Refis e a desjudicialização do planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 232. São Paulo: Dialética, p. 103-4.

51 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 426.

52 CARF. Conselheiro Relator Carlos Augusto Daniel Neto; Processo Administrativo n. 16561.720083/2014-45; 1ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara da 1ª Seção; data da sessão: 20.11.2018; disponibilizado em 07.12.2018.

53 CARF. Conselheiro Relator Claudio de Andrade Camerano; Processo Administrativo n. 16561.720001/2017-13; 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção; data da sessão: 22.01.2019; disponibilizado em 26.02.2019.

54 RI Happy e CVC conseguem anular no CARF autuações por uso de ágio. Disponível em: <https://www.valor.com.br/legislacao/6317941/ri-happy-e-cvc-conseguem-anular-no-carf-autuacoes-por-uso-de-agio>. Acesso em: 18 ago. 2019.

55 CARF. Conselheira Relatora Viviane Vidal Wagner; Processo Administrativo n. 10480.735112/2012-25; 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais; data da sessão: 12.09.2018; disponibilizado em 23.11.2018.

56 CARF. Conselheiro Relator Paulo Henrique Silva Figueiredo; Processo Administrativo n. 16095.720120/2014-69; 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção; data da sessão: 16.08.2018; disponibilizado em 06.11.2018.

57 CARF. Conselheiro Relator Marcos Antonio Nepomuceno Feitosa; Processo Administrativo n. 11516.723043/2013-04; 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção; data da sessão: 12.12.2018; disponibilizado em: 20.01.2019.

58 CARF. Conselheiro Relator Luis Henrique Dias Lima; Processo Administrativo n. 16561.720071/2016-82; 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção; data da sessão: 04.10.2018; disponibilizado em: 05.11.2018.

59 “Planejamento tributário. Desconsideração de atos e negócios jurídicos. Falta de regulamentação do parágrafo único do art. 116 do CTN. Erro de fundamentação. O parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzido pela Lei Complementar n° 104/2001, trata-se de regra anti-dissimulação, e prevê a possibilidade de desconsideração de atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária que até o momento não foi editada, não podendo, portanto, ser utilizado como fundamento da decisão.” CARF. Conselheiro Relator Leonardo Ogassawara de Araújo Branco; Processo Administrativo n. 11065.724114/2015-03; 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção; data da sessão: 27.08.2018; disponibilizado em: 20.09.2018.