Tributação Indireta da Economia Digital: o Brasil está Pronto para aderir às Orientações da OCDE?
Indirect Taxation of the Digital Economy: is Brazil Ready to adhere to OECD Guidelines?
Tathiane Piscitelli
Professora da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas. Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. E-mail: tathiane.piscitelli@fgv.br.
Resumo
O presente artigo tem por objetivo avaliar se o Brasil está preparado para aderir às orientações da OCDE na tributação indireta da economia digital. Considerando as disputas federativas existentes, o foco das reflexões será concentrado no ICMS e no ISS e na tributação de programas de computador padronizados, bem como contratos de streaming e computação em nuvem. O objetivo geral é definir qual imposto se aproxima mais das diretrizes da OCDE ou, na hipótese de nenhum deles cumprir com esse desiderato, estabelecer a solução jurídica mais adequada.
Palavras-chave: economia digital, tributação, ICMS, ISS, OCDE, tributação indireta.
Abstract
The purpose of this article is to assess whether Brazil is prepared to adhere to the OECD guidelines on indirect taxation of the digital economy. Considering the existing federative disputes, the focus will be on ICMS and ISS and on the taxation of standardized computer programs, as well as streaming and cloud computing contracts. The general objective is to define which tax is closer to the OECD guidelines or, in the event that none of them comply with this wish, to establish the most appropriate legal solution.
Keywords: taxation, digital economy, VAT, Brazil’s tax system.
1. Introdução1
Os debates sobre a tributação da economia digital no Brasil se intensificaram nos últimos anos em razão da disputa deflagrada entre estados e municípios pela imposição de ônus tributários sobre tais transações.
Do ponto de vista internacional, a OCDE vem discutindo medidas para enfrentar os desafios de tributar essa nova realidade há pelo menos duas décadas. Em 1998, foram apresentados os princípios para a tributação indireta do comércio eletrônico na Ottawa Ministerial Conference on Electronic Commerce, forjados ao longo de dois anos anteriores pelo OECD Committee on Fiscal Affairs (CFA)2.
Desde então, diversos outros relatórios foram produzidos, com evoluções significativas, especialmente do ponto de vista da tributação indireta. Em 2006, o CFA lançou um projeto para desenvolver as orientações internacionais relativas ao imposto sobre valor agregado (International VAT/GST Guidelines), “reconhecendo que as jurisdições se beneficiariam de uma norma acordada a nível internacional que contribuiria para assegurar que os sistemas de IVA interagissem de forma coerente, de modo a facilitar, e não distorcer, o comércio”3.
Nesse sentido, em 2012 criou-se o Fórum Global em VAT (ou IVA, imposto sobre valor agregado), como forma de permitir o diálogo entre todos os atores envolvidos nesse tipo de tributação, o que contemplou, também, países em desenvolvimento. A versão final das orientações foi apresentada em 2015 e validada por 104 jurisdições, “como um padrão global para o tratamento do IVA no comércio internacional de serviços e bens incorpóreos, para servir como ponto de referência para a elaboração e aplicação da legislação”. Em 2016, as orientações foram incorporadas na Recommendation on the Application of Value Added Tax/Goods and Service Tax to the International Trade on Services and Intangibles, adotado pelo CFA no mesmo ano.
Segundo a OCDE, essa recomendação é dirigida a membros e não membros que a ela aderiram e:
“representa a vontade política destas jurisdições quanto à aplicação do IVA ao comércio internacional de serviços e bens incorpóreos [...]. Em especial, são incentivadas a prosseguir os esforços para aplicar os princípios da neutralidade do IVA e os princípios de destino para determinar o lugar de tributação dos fornecimentos transfronteiras, a fim de facilitar uma aplicação coerente da legislação nacional em matéria de IVA ao comércio internacional.”4
Em 2017, o Brasil enviou uma proposta para integrar a OCDE como membro oficial5, considerando a longa relação que mantém com a organização: é jurisdição membro do G20 e integrante do Inclusive Framework das medidas do BEPS. Espera-se, pois, que possua capacidade de dialogar e implementar medidas tributárias pensadas no seio da OCDE para a tributação da economia digital6.
Nesse contexto, o objetivo deste artigo é avaliar se o Brasil está preparado para aderir às diretrizes da OCDE quanto à tributação indireta na economia digital. Para tanto, o seguinte percurso será adotado: a próxima seção terá por objetivo delinear quais são as orientações centrais da OCDE quanto à tributação indireta de intangíveis. A terceira seção tratará de apresentar o quadro tributário brasileiro atual no que concerne à tributação indireta desses mesmos bens. Como é sabido, a tributação indireta no Brasil contempla diversos tributos, distribuídos entre as competências tributárias dos três entes da Federação – União, estados e municípios. O foco deste artigo estará na análise do ICMS, imposto estadual, e ISS, imposto municipal, pois as discussões centrais da tributação da economia digital estão concentradas nessas incidências.
Apresentados os cenários internacional e nacional, a quarta seção se ocupará de responder mais diretamente a pergunta que norteia este texto: considerando a estrutura normativa brasileira, o Brasil está preparado para aderir às orientações da OCDE? A última e quinta seção trará conclusões e considerações críticas.
2. International VAT/GST Guidelines: linhas gerais
O objetivo das orientações publicadas pela OCDE é oferecer a estrutura geral para a tributação indireta da economia digital, nas operações internacionais. Naturalmente não são medidas impositivas, mas fortemente recomendadas para os países que possuam relação bilateral com a organização, ou que pretendam integrá-la – como é o caso do Brasil.
A construção dessas orientações adota como ponto de partida as características centrais dos impostos sobre valor agregado: incidência plurifásica e não imposição de ônus tributários às empresas. O objetivo do tributo é onerar o consumidor final.
Além disso, também adota como premissa os princípios gerais de política fiscal para a tributação da economia digital, firmados na já mencionada Ottawa Ministerial Conference on Electronic Commerce, ocorrida em 1998. Naquele momento, o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, que vinha trabalhando no tema desde 19967, apresentou o chamado Ottawa Taxation Framework Conditions, nos quais estabeleceu os princípios a partir dos quais a tributação da economia digital deveria se dar. São eles: (i) neutralidade, (ii) eficiência, (iii) certeza e simplicidade, (iv) efetividade e justiça e (v) flexibilidade. O princípio da neutralidade, por ser fundamental no design de impostos sobre valor agregado, tem um papel fundamental na construção das orientações, seja para reforçar a tributação equivalente com os negócios não digitais, seja para justificar a tributação no destino.
O capítulo 2 das International VAT/GST Guidelines se ocupa de apresentar desdobramentos das diversas dimensões da neutralidade fiscal, com destaque para a necessária certeza, clareza e consistência das regras de tributação internacional da economia digital e ausência de ônus de compliance demasiados para as empresas. Nesse contexto, apresenta seis princípios gerais (2.1 a 2.6) que devem ser observados.
O capítulo 3, de seu turno, dedica-se à construção de proxies para determinar o lugar de tributação, tanto nas operações entre empresas (business to business, B2B) quanto naquelas destinadas a consumidor final (business to consumer, B2C). Trata-se, aqui, de apresentar as orientações para a tributação no destino, como medida, também, de assegurar a neutralidade fiscal.
Por fim, o capítulo 4 trata de questões práticas relacionadas com as orientações e ressalta a necessidade de uso de sistemas de registro para as empresas provedoras de tecnologia, especialmente nas operações B2C, como forma de assegurar um baixo custo de compliance, de um lado, e melhor performance da arrecadação tributária, de outro8.
Em resumo, com o documento, a OCDE pretende firmar posição clara quanto à tributação no destino e prever medidas práticas de identificação do local do consumo, mesmo nas hipóteses de empresas multinacionais, tudo como forma de assegurar a neutralidade na tributação indireta do comércio internacional.
Diante disso, e tendo-se em mente essas duas premissas gerais estabelecidas pela OCDE na tributação indireta do comércio eletrônico (aplicação ampla da neutralidade fiscal, somada com a tributação no destino), é possível afirmar que as normas brasileiras permitem a efetivação dessas orientações?
A pergunta é relevante, pois, ainda que a OCDE esteja focada no comércio entre países membros, naturalmente que a adesão à regra nas normas internas é necessária para que haja a possibilidade de diálogo entre as jurisdições e as regras existentes, considerando-se a existência de um mercado global.
3. Quadro normativo brasileiro e a economia digital: bitributação interna
3.1. Tributação indireta no Brasil: contornos gerais
A tributação da economia digital envolve a imposição de ônus sobre diversas atividades e transações que se verificam pelo uso maciço da internet, que expandiu as possibilidades de realização de operações comerciais. Isso vale, naturalmente, tanto para o comércio de bens físicos, por meio de plataformas digitais ou sites de e-commerce, quanto para as operações que envolvem bens e serviços digitais, como programas de computador, acesso à conteúdo de áudio e vídeo disponibilizado via streaming, computação na nuvem e outros. O objetivo deste item é apresentar como o debate sobre a tributação indireta dessas operações tem se desenhado no Brasil.
Desde logo, porém, recorde-se que o Brasil, diferente da maioria dos países, não possui um único imposto que contempla a tributação indireta de bens e serviços. A competência para criar tributos que oneram o consumo está dividida entre os três entes da Federação: União, estados e municípios.
Segundo dispõe o texto constitucional, a União poderá criar contribuições sobre a receita e o faturamento das pessoas jurídicas e cobrar imposto sobre a circulação de produtos industrializados, cuja função central é regulatória. Os estados, de seu turno, poderão criar imposto sobre as operações de circulação de mercadorias (ICMS) e os municípios, impostos sobre a prestação de serviços de qualquer natureza (ISS)9.
Além disso, sequer é possível afirmar que o Brasil possui um IVA, nos termos da definição delineada pela OCDE. Segundo a Organização, um IVA seria “qualquer imposto nacional, seja qual for o seu nome ou sigla, tal como o imposto sobre bens e serviços [GST], que incorpore as características básicas de um imposto sobre o valor acrescentado, ou seja, um imposto de base ampla sobre o consumo final cobrado às empresas, mas em princípio não suportado pelas mesmas, através de um processo de cobrança faseado”10.
O ICMS, a despeito de se aproximar desse conceito, não é um tributo nacional, nem sequer assegura ausência de tributação sobre as empresas, de forma que o imposto “atravesse a empresa sem onerá-la”11. Ao contrário. Como é sabido, nos termos da legislação brasileira, o ICMS devido em uma dada operação de circulação de mercadorias será incluído em sua própria base de cálculo. Essa providência resulta no aumento nominal da alíquota, sem que o crédito gerado para o próximo da cadeia reflita tal majoração, pois será calculado considerando a alíquota padrão do imposto. O ISS, de outro lado, ainda que incida sobre o consumo, genericamente, não adota qualquer mecanismo de créditos ao longo da cadeia, sendo um imposto largamente cumulativo.
Como se vê, o cenário brasileiro, de início, não conversa com as orientações da OCDE. Isso se dá, naturalmente, em razão das especificidades federativas de nosso país e da forma como a Constituição escolheu dividir e formatar as competências tributárias.
Especificamente do ponto de vista da economia digital, o debate tem se centrado no ICMS e no ISS, impostos de competência estadual e municipal, respectivamente. Isso se dá em razão das próprias bases de incidência – como descrito acima, o ICMS onera a circulação de bens, enquanto o ISS onera a prestação de serviços. Nenhum dos impostos, reitere-se, é exemplar de um IVA nos termos em que definido pela OCDE. Ainda assim, nas operações internacionais com o Brasil, a disputa sobre a incidência tributária se dará em torno desses dois tributos.
Por essa razão, a despeito do fato de a tributação indireta no Brasil ser muito mais ampla que o ICMS e o ISS em si, este artigo irá centrar suas atenções nesses dois impostos, pois para os fins acima delineados são as incidências mais relevantes. Feitos esses esclarecimentos iniciais, o próximo tópico irá descrever as discussões nacionais atualmente existentes em torno dessas incidências para, depois, conectá-las com os desafios internacionais que hoje se impõem.
3.2. A tributação de intangíveis entre o ICMS e o ISS
A origem do debate sobre intangíveis no Brasil está no fato de que, diferente da maioria das jurisdições, o país não possui um único tributo para onerar bens e serviços. Conforme mencionado linhas acima, a Constituição da República de 1988 atribuiu aos estados o poder de tributar operações de circulação de mercadorias e aos municípios, prestações de serviços. Em um cenário em que os objetos das transações são majoritariamente físicos, essa divisão não representava um problema e suscitava poucas discussões12. Contudo, a digitalização da economia resultou em mudanças de paradigma quanto à separação clara entre bens e serviços, ocasionando, por consequência, debates mais intensos sobre os limites da competência de cada ente.
O enfrentamento da possível sobreposição de competência entre estados e municípios teve início com a disputa acerca da tributação de softwares comercializados em mídias físicas – como é sabido, muito antes da difusão do download como forma de acesso a softwares comerciais, era comum a venda desses programas em CDs e DVDs. Em uma mesma operação, portanto, havia duas possibilidades de incidência: uma, sobre a mídia física comercializada, outra, sobre a licença de uso do software.
Em 1998, o Supremo Tribunal Federal13, confrontado com a necessidade de definir a competência para tributar operações desse tipo, decidiu que, na comercialização de softwares de prateleira, o ICMS incidiria sobre a mídia física e o ISS sobre a licença de uso do software. Nesse momento, o Tribunal reforçou a premissa de que a incidência do ICMS estava condicionada à circulação de bens corpóreos. A decisão, contudo, não tinha por condão atingir todos os contribuintes, já que proferida em um processo inter partes.
Ato contínuo à decisão do Supremo, o estado do Mato Grosso aprovou a Lei n. 7.098/1998 alterando o regulamento do ICMS local, determinando a incidência do imposto também nas operações via download com software de prateleira. Portanto, a legislação afastou-se da premissa adotada pelo Supremo relativa à incidência do ICMS apenas sobre bens corpóreos, ampliando a competência estadual nessas operações: o ICMS seria cobrado sempre que houvesse uma transação com um software de prateleira, independentemente do suporte físico.
No mesmo ano, uma ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada em face de tal norma14 e o processo encontra-se até os dias atuais pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse intervalo, porém, tanto a tecnologia quanto as normas nacionais evoluíram significativamente, trazendo mais espaço ainda para discussões sobre o tema.
Em 2003, foi aprovada a Lei Complementar n. 116, que estabeleceu uma nova disciplina nacional para o ISS. Nesse contexto, trouxe uma lista de serviços passíveis de incidência do imposto e no item 1.05 previu a incidência do ISS sobre os contratos de “licença de uso de software”. Essa determinação agravou ainda mais a disputa entre estados e municípios, na medida em que possibilitou a tributação de toda e qualquer licença, independentemente do suporte físico envolvido na transação.
A despeito disso, um novo movimento legislativo somente foi visto novamente em 2015, com a publicação do Convênio ICMS n. 181. Os estados, cientes do esvaziamento possível da capacidade de tributar operações na economia digital, estabeleceram que as transações envolvendo software, jogos e aplicativos em geral seriam tributadas pelo ICMS, desde que se tratasse de conteúdo comercializado de forma maciça, sem qualquer personalização. A despeito da clara tentativa de demarcar a competência estadual para essas operações, o Convênio não trouxe qualquer detalhamento normativo prático quanto ao recolhimento e incidência concreta do imposto.
Em 2016, a LC n. 116/2003 foi alterada pela LC n. 157 para contemplar, em sua lista de serviços, operações tipicamente decorrentes da economia digital: computação em nuvem no nível da infraestrutura (IaaS) e plataforma (PaaS), fornecimento de conteúdo de áudio e vídeo via streaming e publicidade digital.
Em 2017, como resposta aos avanços da LC n. 157/2016, foi publicado o Convênio ICMS n. 106, que detalhou a forma de incidência do ICMS nas operações com bens digitais, mesmo aquelas advindas do exterior. A condição para a cobrança é a de que se trate de um software de prateleira, sem qualquer tipo de personalização.
O conteúdo específico do Convênio ICMS n. 106 e os contornos da incidência do ICMS serão detalhados no item a seguir. Por ora, o importante de se destacar é que a publicação do Convênio é o ponto alto do conflito entre estados e municípios pela tributação de bens digitais, mais notadamente de software: de um lado, a LC n. 116/2003 determina que as licenças de uso serão tributadas via ISS e, assim, seriam caracterizadas como serviços. De outro, o Convênio ICMS n. 106/2017 reforça a competência estadual para onerar tais operações, estabelecendo, de forma detalhada, como se dará a incidência do ICMS nesses casos. O cenário, para o contribuinte, é de bitributação e evidente aumento da insegurança jurídica.
A publicação do Convênio e a regulamentação da cobrança do ICMS sobre bens digitais por alguns estados resultaram no ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal15. Até o momento, no entanto, não há qualquer decisão proferida, mesmo em sede cautelar.
O centro do debate está na possibilidade de um bem digital ser caracterizado como mercadoria, em razão da ausência de suporte físico, ao lado do fato de que, nas operações com software, como regra, sequer há transferência de propriedade. Isso se dá em razão de o titular do software transferir ao usuário a mera licença de uso do programa, o que não inclui, nos softwares comerciais, a possibilidade de alteração do conteúdo, distribuição ou comercialização posterior. Diante disso, a melhor via para tributar não seria o ISS, nos termos do item 1.05 da LC n. 116/2003 e, assim, qualificar a operação como a prestação de um serviço?
A disputa relativa à qualificação de uma dada operação como fornecimento de bem ou prestação de serviços não é exclusiva do Brasil. Mesmo no contexto dos países membros da União Europeia, que adotam o IVA como padrão de incidência indireta sobre bens e serviços, há debates relevantes nesse sentido em razão da classificação (por vezes artificial) de todos os e-services e bens digitais como serviços, genericamente16.
Contudo, o cenário é mais agravado no contexto brasileiro, porque estamos diante de duas incidências distintas, cujas competências para tributar são igualmente distintas. Desse modo, a qualificação como mercadoria ou serviço terá implicações práticas relevantes do ponto de vista da capacidade financeira dos entes, ao lado de perda significativa de poder político. De outro lado, a ausência de uma definição precisa e final sobre o tema tem agravado o cenário de insegurança jurídica, ao lado do fato de que os contribuintes que não possuem uma ordem judicial que determine a incidência de um ou outro tributo, estão em situação de bitributação.
Em razão disso, é bastante provável que o Supremo Tribunal Federal não tarde a decidir sobre a constitucionalidade do Convênio ICMS n. 106/2017 e, assim, definir a correta incidência tributária nas operações com bens digitais. Note-se, porém, que não há disputa sobre a incidência do ISS sobre streaming e computação em nuvem no nível da infraestrutura e plataforma. Para esses casos, a LC n. 157/2016, ao alterar a LC n. 116/2003, deixou clara a incidência do ISS e os estados, até segunda ordem, reconhecem tais transações como serviços.
A discussão central, portanto, situa-se na qualificação jurídica dos chamados “bens digitais padronizados”, ou seja, sobre software, de um ponto de vista geral, seja obtido via download ou acessado na nuvem (SaaS). Isso inclui, naturalmente, filmes e músicas licenciadas individualmente, jogos e aplicativos de toda sorte.
Diante desse contexto e, voltando-se para a pergunta central deste artigo, para avaliar se o Brasil está preparado para aderir às diretrizes internacionais quanto à tributação indireta de bens digitais, faz-se necessário percorrer os dois cenários possíveis: tributação de bens digitais pelo ICMS ou pelo ISS. Nos casos em que a incidência já está definida – como nos casos de streaming e as camadas de infraestrutura e plataforma da computação em nuvem – a avaliação será unilateral.
4. Cenários possíveis: ICMS ou ISS na tributação da economia digital?
4.1. ICMS
A tributação de bens digitais pelo ICMS pressupõe o reconhecimento da validade do Convênio ICMS n. 106/2017 e da forma de tributação ali estabelecida. Importante mencionar que o Convênio é uma norma nacional, cuja aplicação depende da regulamentação respectiva pelos estados, que são os titulares do poder de tributar. A fim de avaliar se esse cenário melhor se amolda às orientações da OCDE, faz-se necessário apresentar suas linhas gerais.
As regras de tributação de bens digitais pelo ICMS estão dispostas em apenas sete cláusulas, sendo que a primeira somente circunscreve o âmbito de aplicação do Convênio: estão sujeitas às suas determinações “as operações com bens e mercadorias digitais […], comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados”17. O conceito desses bens sujeitos à tributação é o mais amplo possível: software, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, desde que padronizados, adaptados ou adaptáveis. Trata-se, aqui, da delimitação precisa do critério material da hipótese de incidência do ICMS e um reforço ao fato de que outras transações decorrentes da economia digital – como streaming e algumas camadas de cloud computing – ficaram de fora da incidência do ICMS.
A cláusula terceira, por sua vez, estabelece o critério temporal do imposto, bem como define o local de alocação das receitas tributárias: o ICMS deve ser recolhido nas saídas internas e nas importações realizadas por meio de site ou plataforma eletrônica que efetue a venda ou a disponibilização do conteúdo à unidade federada onde está domiciliado ou estabelecido o adquirente do bem digital. Sendo assim, o Convênio ICMS n. 106/2017 adotou o princípio do destino como referência para a tributação.
A definição daqueles que devem pagá-lo está contida nas cláusulas quarta e quinta: será contribuinte a “pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica que realize a venda ou disponibilização”18 dos bens digitais, mediante transferência eletrônica de dados, conforme estabelece a cláusula quarta. Para fins de recolhimento, a pessoa jurídica contribuinte deverá se inscrever nas unidades federadas nas quais realizar as “saídas internas ou de importação”19 destinadas ao consumidor final.
Já as hipóteses de responsabilidade possíveis estão detalhadas na cláusula quinta e contemplam os seguintes sujeitos: (i) aquele que realizar a oferta, venda ou entrega do bem ao consumidor, em razão de contrato firmado com o comercializador; (ii) o intermediador financeiro, inclusive a administradora de cartão de crédito ou de outro meio de pagamento; (iii) o adquirente do bem, na hipótese de os responsáveis acima descritos não serem inscritos na unidade federada na qual o imposto deve ser recolhido; (iv) a administradora de cartão de crédito ou débito ou a intermediadora financeira responsável pelo câmbio nas operações de importação.
A cláusula sexta, por sua vez, trata do dever de emissão de nota fiscal na hipótese de saída de bens digitais, enquanto a cláusula sétima prevê o dia 1º de abril de 2018 como data de início dos efeitos respectivos.
Em linhas gerais, portanto, é possível afirmar que o ICMS sobre bens digitais possui as seguintes características centrais: (i) observa o princípio do destino; (ii) não incide nas operações anteriores com os bens digitais; o ônus recai exclusivamente sobre operações destinadas ao consumidor final; (iii) será recolhido mediante a inscrição da empresa na unidade federada de destino do bem; e (iv) poderá se valer da atribuição de responsabilidade por seu recolhimento tanto às instituições financeiras responsáveis pela intermediação da operação quanto ao adquirente do bem, na hipótese de não inscrição dos responsáveis na unidade federada de destino. Note-se que todas essas características se aplicam indistintamente a operações B2B e B2C.
Considerando as International VAT/GST Guidelines esboçadas acima, é possível identificar algumas semelhanças entre o ICMS e as orientações da OCDE. O primeiro ponto de destaque é o princípio do destino. Nos termos do Convênio ICMS n. 106/2017, o imposto será devido na unidade federada em que estiver localizado o usuário final do bem digital. Essa determinação é válida tanto na importação quanto nas operações internas. Há, nesse ponto, clara convergência com a OCDE, que indica a tributação no destino como a mais adequada tanto nas operações B2B quanto B2C.
De outro lado, a possibilidade de responsabilização da instituição financeira ou agente de pagamento que realiza a intermediação da operação pode dialogar com as diretrizes da OCDE. Isso porque estaria em linha com o princípio da neutralidade, que enuncia a não imposição de ônus direto sobre os provedores dos bens e serviços, na medida em que isso poderia agregar maior complexidade à operação e custos significativos de compliance.
Porém, o mesmo não se pode dizer quanto à determinação relativa à atribuição de responsabilidade aos usuários finais. A despeito de essa possibilidade estar presente nas orientações, ela não é recomendada, em razão do baixo adimplemento tributário20. Os consumidores finais sequer têm conhecimento do dever de pagar o imposto devido na operação ou mesmo estrutura jurídica e contábil para fazê-lo. Além disso, especificamente no Brasil, essa determinação é manifestamente inconstitucional, por alargar demasiadamente a figura do sujeito passivo do ICMS21.
Outro ponto de destaque está na previsão, contida no Convênio ICMS n. 106/2017 quanto aos cadastros estaduais das empresas provedoras dos bens digitais, nas unidades federadas de destino. Essa determinação é interessante para fins de identificação do contribuinte e, de outro lado, pode simplificar o recolhimento do imposto devido. Nesse sentido, há um relativo alinhamento com a orientação da OCDE quanto à criação de cadastros nacionais ou regionais para o recolhimento do IVA em tais operações.
Contudo, considerando a perspectiva brasileira, deve-se notar que o cadastro previsto no Convênio ICMS n. 106/2017 é estadual e não nacional. Assim, as empresas que realizam operações com bens digitais deverão se cadastrar em cada um dos 27 estados que, por sua vez, podem possuir peculiaridades no recolhimento e cobrança do ICMS nas operações com bens digitais. Portanto, ainda que a figura do cadastro esteja presente, parece-me que sua operacionalização se distancia demasiadamente da ideia concebida pela OCDE, além de impor aos provedores dos bens digitais ônus significativos, em possível ofensa ao princípio da neutralidade.
Por fim, a existência de isenções das operações anteriores àquelas que possuem o usuário final como destinatário simplifica a incidência do imposto, pois não requer o enfrentamento do debate sobre a rastreabilidade das operações anteriores e a correta forma de tributação22. De outro lado, ainda que possa suscitar a desconsideração de uma característica central aos impostos sobre valor agregado, que é a incidência não cumulativa e plurifásica, não me parece que esse fato seria relevante para fins de avaliação da concordância com as diretrizes gerais da OCDE. A opção pela isenção das operações anteriores seria reflexo do exercício da soberania brasileira, sem prejuízo à adesão às orientações mais gerais quanto à tributação indireta da economia digital.
Em linhas gerais, portanto, a tributação das operações com bens digitais pelo ICMS não é hipótese que causaria incongruências insuperáveis com as orientações da OCDE. A despeito da existência de problemas pontuais – como a fragilidade do cadastro como instrumento de simplificação e a possibilidade de imposição de ônus jurídico ao usuário final do bem – há relativa coesão com as diretrizes mais gerais.
A despeito disso, há desafios internos a serem enfrentados para que essa opção prevaleça. A tributação de bens digitais pelo ICMS encontra entraves constitucionais relevantes. O fato de a LC n. 116/2003 ter estabelecido que as licenças de uso de software seriam tributadas via ISS resultou na delimitação da competência dos municípios para fazê-lo, em prejuízo do ICMS. Isso porque, o art. 146, inciso I, da Constituição determina que os conflitos de competência entre os entes da Federação serão solucionados por lei complementar. Ora, havendo dúvidas sobre a correta incidência tributária no caso de software, o legislador complementar optou por atribuir aos municípios o poder de tributar contratos de licença de uso, independentemente de qualquer ressalva quanto à padronização ou personalização sobre os programas.
De outro lado, os estados, para se valerem da possibilidade de tributar, editaram um Convênio estabelecendo os contornos da incidência do ICMS na hipótese de transações com softwares padronizados. Esse instrumento legislativo, contudo, não tem o condão de superar as determinações da LC n. 116/2003. Ademais, sua aplicação materializa a hipótese de bitributação e invasão de competência própria dos municípios.
Por isso tudo, a incidência do ICMS nas transações com bens digitais não se sustenta e deve, na minha percepção, ser afastada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento das ações que têm por objeto essa incidência.
Some-se a essas considerações o fato de que outras transações, que igualmente se inserem no contexto da economia digital, como streaming e determinadas camadas da nuvem, seriam tributadas pelo ISS, invariavelmente. Conforme mencionado linhas acima, a disputa entre estados e municípios se limita às operações com softwares padronizados. O resultado seria inevitável complexidade: a depender do objeto do contrato, haveria a incidência do imposto estadual ou municipal, ou ambos.
Diante disso, pois, cumpre avaliar a possibilidade de tributação pelo ISS e o cenário que seria desenhado na hipótese de essa tributação prevalecer.
4.2. ISS
O objetivo deste item será conjugar a análise de duas realidades distintas à luz das recomendações da OCDE: uma, a tributação de software, em relação à qual há a disputa com o ICMS acima relatada; e outra, relativa à tributação de outras realidades que se conectam com a economia digital e sobre as quais há relativo consenso na tributação pelo ISS, quais sejam: streaming e as camadas de infraestrutura e plataforma da computação na nuvem.
No que se refere à tributação de software, o fundamento normativo está na LC n. 116/2003, mais precisamente no item 1.05, que prevê a tributação, pelo ISS, da licença de uso de software. A tributação do streaming está contida no item 1.09 da mesma lei23 e o provimento de infraestrutura e plataforma na computação em nuvem no 1.03 também da LC n. 116/200324.
Não há, para o ISS, diferente do que ocorre com o ICMS, uma disciplina legislativa específica para os bens digitais. Por essa razão, as regras gerais relativas a esse imposto, previstas na LC n. 116/2003, são as aplicáveis a tal realidade.
Isso significa dizer que, nas operações internas, o ISS será recolhido no local em que estiver situado o estabelecimento que provê o acesso ao bem ou serviço digital25. A regra, portanto, é a da origem do estabelecimento prestador. A legislação, contudo, prevê exceções, dentre as quais se inclui a importação de serviços. Nesse casos, nas operações B2B, o imposto seria devido pelo importador ao município no qual se localiza o estabelecimento usuário. Sendo a prestação de serviço direcionada a consumidor final (B2C), o ISS será recolhido ao município de domicílio da pessoa física26.
A despeito de a tributação no destino ser observada no caso de importação, deve-se notar que a Federação brasileira é composta por mais de 5.500 municípios. Portanto, eventual importação de serviços em operações B2C no contexto da economia digital demandaria que o agente que se encontra no exterior detenha conhecimento dessas dezenas de milhares de legislações.
Essa dificuldade poderia ser sanada pela existência de um cadastro específico para as empresas de tecnologia que se sujeitam ao imposto, com o consequente recolhimento e distribuição posterior. Contudo, não há qualquer previsão legal nesse sentido, nem sequer normas claras quanto à atribuição de responsabilidade às instituições financeiras que fazem a intermediação da operação – outra saída possível para retirar, dos agentes desse mercado, o ônus do conhecimento da legislação interna brasileira.
Isso tudo indica, portanto, a absoluta ausência de segurança e estrutura jurídica para a tributação, pelo ISS, das transações inseridas no contexto da economia digital. O ISS, sem dúvidas, afasta-se consideravelmente mais do que o ICMS das orientações gerais da OCDE.
Em primeiro lugar, não se trata de tributo sobre valor agregado e sequer se aproxima dessa realidade. Além disso, a tributação na origem, nas operações internas, desvaloriza o mercado consumidor e possibilita a concentração de receitas em poucos municípios, agravando o quadro de desigualdade federativa já existente no Brasil27. Ademais, a inexistência de um cadastro próprio para o recolhimento do imposto pode ocasionar complexidades significativas na hipótese de importação, em razão dos milhares de municípios com poder legislativo próprio, ao lado da ausência de normas sobre a atribuição de responsabilidade tributária aos agentes financeiros.
A inadequação prática do ISS atinge tanto a concessão de licença de uso de software – via download ou nuvem – quanto o provimento de serviços de streaming e de camadas de plataforma e infraestrutura de computação em nuvem; a conclusão é aplicável para a economia digital como um todo.
Diante disso, e considerando que o cenário de tributação via ICMS esbarra em questões constitucionais relevantes, como determinar com precisão como deve se dar a tributação da economia digital no Brasil e qual caminho o país deve tomar para aderir às recomendações de certeza e segurança na imposição de ônus tributários sobre essa realidade? Responder a essa pergunta será o objeto do próximo item, que também apresentará as conclusões deste texto.
5. Tributação da economia digital no Brasil: encaminhamentos possíveis
As disputas federativas que atualmente cercam o debate sobre a tributação da economia digital são causa de profunda insegurança jurídica e consequente bitributação interna. A superação desse cenário está, em larga medida, nas mãos do Supremo Tribunal Federal: as disputas judiciais ali existentes datam de 1998, sem que haja uma decisão final até o presente momento.
De outro lado, o Brasil tem reforçado publicamente seu desejo de ingressar na OCDE28. Para tanto, precisa ser capaz de possuir um sistema tributário que ao menos dialogue com a realidade mundial. O cenário atual não o faz e apenas exacerba a irracionalidade tributária. Qual seria, então, a saída jurídica aceitável, capaz de internalizar, mesmo que parcialmente, dadas as particularidades da Federação brasileira, as diretrizes da OCDE?
Mantendo-se tudo como está e, assim, na hipótese de ausência de definição pelo Supremo Tribunal Federal, o ICMS parece ter a estrutura jurídica que mais tem pontos de encontro com as orientações da OCDE, por todas as razões apresentadas. Contudo, há dois desafios relevantes nesse cenário. O primeiro é interno: a constitucionalidade da incidência do ICMS nos termos do Convênio ICMS n. 106/2017 é pouco defensável.
Conforme mencionado linhas acima, compete às leis complementares solucionar conflitos relacionados ao poder de tributar distribuído entre os entes da Federação. A LC n. 116/2003 assim o fez ao determinar a incidência do ISS sobre licença de uso de software e diversas outras atividades relacionadas com a economia digital, nas alterações promovidas pela LC n. 157/2016. Não há dúvidas, pois, que o ISS, do ponto de vista constitucional, é o tributo adequado para a incidência.
A tributação via ICMS resultaria na invasão do poder de tributar dos municípios e desconsideração de regras constitucionais claras quanto ao papel institucional das leis complementares no sistema tributário brasileiro. Por essa razão, entendemos que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ir nessa direção, como forma de preservação da ordem constitucional.
O segundo desafio se relaciona com a segurança jurídica necessária às operações internacionais com bens digitais. A manutenção da cobrança do ICMS sobre transações com software padronizado não afasta a incidência do ISS sobre streaming e camadas de plataforma e infraestrutura da computação em nuvem. O resultado, então, é um tributo (ICMS) nas operações com software e outro (ISS) sobre transações que também derivam da economia digital. O resultado seria ausência de simplicidade e clareza para a empresa e, assim, completo afastamento das diretrizes da OCDE.
De outro lado, porém, caso o cenário seja a tributação da economia digital via ISS de forma indistinta, os municípios igualmente não terão estrutura para aderir às orientações da OCDE e nem a lei complementar que regula o imposto o faz. O recolhimento no destino, sem a existência de um cadastro nacional unificado, mostra-se inviável, em face do número significativo de municípios no Brasil – aproximadamente 5.500 jurisdições independentes e com poder de tributar próprio. Ademais, a inexistência de normas sobre a atribuição de responsabilidade aos agentes financeiros que intermedeiam as operações reforça o cenário de inviabilidade prática dessa escolha.
Por essa razão, parece-me que a solução para a tributação indireta da economia digital no contexto brasileiro está em se afastar da disputa entre ISS e ICMS. Qualquer das duas hipóteses apresentam problemas significativos ou na adesão às orientações da OCDE, ou quanto à constitucionalidade da cobrança.
A saída, então, pode ser buscada em outro nível: na criação de um tributo federal sobre a economia digital, cuja incidência se dê por ocasião da operação financeira de pagamento do serviço ou bem digital transacionado. Nesse caso, o agente que intermediar a operação (a operadora de cartão de crédito, por exemplo) seria o responsável pela retenção do imposto na fonte.
Desse modo, estaria assegurada a regra do destino, sem a imposição de quaisquer ônus financeiro ou jurídico ao provedor do serviço ou bem digital. De outro lado, tratando-se de tributo federal, as receitas poderiam ser repartidas com o estado e munícipio de domicílio do usuário, garantindo-se, também por essa via, a importância do mercado consumidor. A criação de tal exação se daria pelo exercício da competência residual da União, nos termos do art. 154, inciso I, da Constituição.
Essa alternativa parece-me ser a mais viável tanto em termos da preservação do pacto federativo quanto em relação ao necessário alinhamento do Brasil às orientações da OCDE na tributação indireta da economia digital. Isso se dá por diversas razões.
Em primeiro lugar, estaríamos diante de um tributo federal, cuja incidência seria uniforme em todas as unidades da Federação. Assim, estaria afastada a necessidade de o provedor dos serviços ou bens digitais ter conhecimento de normas tributárias específicas das diversas localidades do Brasil.
Ademais, a retenção no momento do pagamento asseguraria, a um só tempo, a observância do princípio do destino e a simplicidade na cobrança do tributo. Por fim, superaríamos a disputa que já perdura mais de duas décadas entre estados e municípios, de modo a inserir o Brasil em um cenário de maior segurança e estabilidade jurídica. Ambos os desideratos são necessários não apenas para o país se alinhar às orientações da OCDE, mas para ser capaz de atrair investimento na área de tecnologia.
Contudo, a adoção dessa solução depende, naturalmente, de vontade política dos entes da Federação, que devem se alinhar para apresentar à comunidade internacional um cenário viável quanto à tributação indireta da economia digital no Brasil.
Alternativa possível, que vem sendo discutida desde meados de 2018, seria a reforma do sistema constitucional, para eliminar a competência dos estados e municípios na tributação do consumo e criar um imposto único, de perfil semelhante ao IVA. A proposta que mais se alinha com essa ideia é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 45/2019, que altera a Constituição para prever “competência da lei complementar nacional” para criar o “imposto sobre bens e serviços”, IBS. Tal tributo teria uma base ampla de incidência, que envolveria, além de bens e serviços tradicionais, os intangíveis.
Para fins de solução do conflito de competências que hoje vivenciamos, a PEC, de fato, ataca a questão. Contudo, seu teor integral traz tantos outros debates estruturais, inclusive quanto à sua constitucionalidade29, que há o risco real de não aprovação da medida ou do enfrentamento de um longo debate até que sobrevenha mudanças amplas na tributação do consumo. Some-se a isso o fato de que a PEC prevê um prazo de transição de dez anos, período durante o qual ambos os regimes conviveriam. Portanto, mesmo que aprovada, a solução para o embate hoje existente na tributação indireta da economia digital não seria imediata.
Sendo assim, de minha perspectiva, considerando que esse cenário de indefinição se arrasta no Supremo Tribunal Federal por mais de 20 anos, deveríamos cogitar de alterações imediatas que, a um só tempo, preservassem o pacto federativo e solucionassem a questão, conferindo maior certeza jurídica aos contribuintes e atores desse mercado. Daí, portanto, cogitar-se da criação de um tributo federal sobre operações com bens e serviços decorrentes da economia digital, que fosse capaz de assegurar uma arrecadação eficiente e justa, pela retenção dos valores via instituição financeira ou na fonte de pagamento, de um ponto de vista geral. O exercício da competência residual da União, parece-me, seria adequado para tanto.
Independentemente da solução adotada, o ponto central é: esse debate precisa evoluir para construirmos soluções sustentáveis, inclusive do ponto de vista político, e a longo prazo. A persistir o quadro atual, dificilmente o país será visto como uma jurisdição comprometida com a segurança jurídica e estabilidade dos negócios que aqui se realizam.
Bibliografia
ABBOTT, Ryan; e BOGENSCHNEIDER, Bret. Should robots pay taxes? Tax policy in the age of automation. Harvard Law & Policy Review v. 12.
AHMED, Sami. Cryptocurrency & robots: how to tax and pay tax on them. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3083658>. Acesso em: 20 ago. 2019.
ALARIE, Benjamin; NIBLETT, Anthony; e YOON, Albert H. Using machine learning to predict outcomes in tax law. The Canadian Business Law Journal v. 58, n. 3, dezembro de 2016.
AVI-YONAH, R. S. Three steps forward, one step back? Reflections on “Google taxes” and the destination-based corporate tax. Nordic Tax J. v. 2, 2016.
CARVALHO, Lucas de Lima. Spiritus ex machina: addressing the unique BEPS issues of autonomous artificial intelligence by using “personality” and “residence”. Intertax v. 47, Issue 5. Kluwer Law International Bv Netherlands, 2019.
DRABNER, Justin. Tax law and technology in Australia. Second annual research meeting on Japanese and Australian legal studies. “Regulating an uncertain future, robotics, AI and digital economy in Japan and Australia”. Ritsumeikan University, Osaka, Japan, 6 de fevereiro de 2019.
ENGLISCH, Joachim. Digitalisation and the future of national tax system: taxing robots? Artigo publicado nos anais da Conferência sobre Tax and the digital economy, na Universidade de Luxemburgo, em 2018. Disponível em: <https://ssm.com/abstract=3244670>. Acesso em: 20 ago. 1019.
HADZHIEVA, Eli. Impact of digitalisation on international tax matters, challenges and remedies. Policy Department for Economic, Scientific and Quality of Life Policies Directorate-General for Internal Policies. PE 626.078, fevereiro de 2019. Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/cmsdata/161104/ST%20Impact%20of%20Digitalisation%20publication.pdf>. Acesso em: 20 out. 2019.
KIRCHHOF, Ferdinand. Ansätze sur rechtsstaatlich und demokratisch besseren Gesetzgebung. In Chancen guter Gesetzgebung in einer komplexen Welt. In Chancen guter Gesetzgebung in einer komplexen Welt. Redemanuskripte zur Tagung am 21. und 22, novembro de 2018. Anais do congresso organizado pelo Institut Finanzen und Steuern – IFST. Coordenado pela Prof. Dr. Johanna Hey, Prof. Dr. iur. Kyrill-Alexander Schwarz, Prof. Dr. Ekkehart Reimer, Prof. em.Dr.iur.Ulrich Karpen e o Prof. Dr. Ferdinand Kirchhof. Disponível em: <https://www.ifst.de/wp-content/uploads/2019/03/527.pdf>. Acesso em: 20 out. 2019.
KORINEK, Anton; e STIGLITZ, Joseph E. Artificial Intelligence and its implications for income distribution and unemployment. National Bureau of Economic Research. 1050. Massachusetts Avenue Cambridge, MA 02138, dezembro de 2017. Working Paper 24174. Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w24174>. Acesso em: 20 jul. 2019.
KÜNSTNER, Christian. Einkommensteuerprogression und Gerechtigkeit. Dissertação para obtenção de grau de doutor na Universidade Livre de Berlim. Berlim, 2017. Disponível em: <https://refubium.fu-berlin.de/bitstream/handle/fub188/8223/Kuestner-Einkommensteuerprogression.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 ago. 2019.
MCCARTHY, John; MINSKY, Marvin L.; ROCHESTER, Nathaniel; e SHANNON, Claude E. A proposal for the Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence. August 31, 1955. AI Magazine v. 27, n. 4, 2006.
OBERSON, Xavier. Taxing robots? From the emergence of an electronic ability to pay to a tax on robots or the use of robots. World Tax Journal May 2017. Disponível em: <https://www.ibfd.org/sites/ibfd.org/files/content/pdf/wtj_2017_
02_int_3_SeptNewsletter.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019.
OHLING, Linda. Besteuerung der digitalen Wirtschaft.Das Betriebsstättenkonzept nach §§ 12, 13 AO und Art. 5 OECD-MA im virtualisierten Handel. Masterarbeit im Sommersemester 2016. Johannes Gutenberg-Universität Mainz. Dissertação de mestrado: Mogúncia, 2016. Disponível em: <https://www.glk.uni-mainz.de/files/2018/08/Ohling_Linda.pdf>. Acesso em: 20 set. 2019.
PISCITELLI, Tathiane. Tributação indireta da economia digital: o Brasil está pronto para aderir às orientações da OCDE? Revista Direito Tributário Atual v. 43. São Paulo: Dialética e IBDT.
PORTO, Fábio Ribeiro. O impacto da utilização da Inteligência Artificial no Executivo Fiscal. Estudo de caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Direito em Movimento v. 17, n. 1. Rio de Janeiro, 1º semestre de 2019.
SCARCELLA, Luísa. Tax compliance and privacy rights in profiling and automated decision making v. 8. Edição 4. Publicado em 22.10.2019. Internet Police Review. Doi: 10.14763/2019.4.1422. Disponível em: <https://policyreview.info/articles/analysis/tax-compliance-and-privacy-rights-profiling-and-automated-decision-making>. Acesso em: 25 out. 2019.
SCHERER, Matthew U. Regulating Artificial Intelligence systems: risks, challenges, competences, and strategies. Harvard Law & Policy Review n. 2.
SURDEN, Harry. Machine learning and law. Washington Law Review v. 89:87. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2417415>. Acesso em: 20 jul. 2019.
TURIN, Alan Mathison. Computing machinery and intelligence in mind. New Series v. 59, n. 236. Oxford: Oxford University, outubro de 1950.
VANISTENDAEL, Frans. Ability to pay in European community law. EC Tax Rev., 2014.
ZILVETI, Fernando Aurelio. Evolução histórica da teoria da tributação. São Paulo: Saraiva, 2017.
1 Uma versão reduzida e levemente modificada deste artigo foi publicada no International VAT Monitor July/August 2019, IBFD, sob o título OECD International VAT/GST Guidelines: is Brazil ready?
2 Para um breve histórico da atuação da OCDE na tributação indireta da economia digital, confira: LANG, M.; e LEJEUNE, I. (2015). VAT/GST in a global digital economy. Eucotax series on European taxation v. 43. Alphen aan den Rijn, the Netherlands. Confira-se, também: Organisation for Economic Co-operation Development. (2017). International VAT/GST Guidelines. Paris: OECD Publishing.
3 Organisation for Economic Co-operation Development. (2017). International VAT/GST Guidelines. Paris: OECD Publishing, p. 3. No original: “recognising that jurisdictions would benefit from an internationally agreed standard that contributes towards ensuring that VAT systems interact consistently so that they facilitate rather than distort international trade”.
4 Organisation for Economic Co-operation Development. (2017). International VAT/GST Guidelines. Paris: OECD Publishing, p. 4. No original: “represents these jurisdictions’ political will on the application of VAT to the international trade in services and intangibles [...]. They are in particular encouraged to pursue efforts to implement the principles of VAT neutrality and the principles of destination for determining the place of taxation of cross-border supplies with a view to facilitating a coherent application of national VAT legislation to international trade”.
5 Presidência da República, Casa Civil. Brazil’s candidacy for OECD membership: where we are now? Disponível em:
<http://www.casacivil.gov.br/brasil-ocde/documentos/material-institucional/brazil-oecd-porqueacessao-9-3-2018.pdf>.
6 Em um painel de debates no International Fiscal Association Congress no Rio de Janeiro, em 2017, Pascal Saint-Adams, diretor de política fiscal da OCDE, afirmou que não ser possível o ingresso do Brasil na OCDE sem mudanças no sistema tributário. Cf. Brazil’s tax system is barrier to OECD membership. Disponível em: <https://www.bna.com/brazils-tax-system-n73014463878/>. Acesso em: 05 nov. 2019.
7 Idem, ibidem, n. 1.
8 Há autores que defendem, inclusive, o uso do modelo de registro já implementado na União Europeia (MOSS, mini one-stop shop) em escala global. Nesse sentido: WSTBERG, B. International administrative cooperation. In: LANG, M.; e LEJEUNE, I. (2015). VAT/GST in a global digital economy. Eucotax series on European taxation v. 43. Alphen aan den Rijn, the Netherlands. No mesmo sentido: HOJNIK, J. (2017).
9 Para um detalhamento das competências tributárias brasileiras no âmbito da tributação indireta, confira-se: BIANCO, J. F.; e GRAZIOLI, C. “Brazil”. In: ECKER, T.; LANG, M.; e LEJEUNE, I. (2012). The future of indirect taxation: recent trends in VAT and GST systems around the world. Eucotax series on European taxation v. 32. Alphen aan den Rijn: Biggleswade: Wolters Kluwer Law & Business; Turpin Distribution Services [distributor].
10 Idem, ibidem, n. 1, p. 6. No original: “any national tax by whatever name or acronym it is known such as Goods and Services Tax (GST) that embodies the basic features of a value added tax, i.e. a broad-based tax on final consumption collected from, but in principle not borne by, businesses through a staged collection process”.
11 Idem, ibidem, n. 1, p. 16, item 1.7.
12 Não se nega, com essa afirmação, que debate sobre os limites da competência do ICMS e do ISS sempre existiu. Contudo, não há dúvidas de que a economia digital intensificou demasiadamente as oportunidades de sobreposição de incidências.
13 RE n. 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 10.11.1998, DJ 11.12.1998.
14 ADI n. 1.945 MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 26.05.2010, DJe-047, divulg. 11.03.2011, public. 14.03.2011.
15 Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 5.659, n. 5.576 e n. 5.958.
16 “The EU VAT system is based on the dichotomy of goods versus services. The digital economy is challenging this division, as it is introducing new concepts that hardly fit into these traditional categories. In fact, both e-services and digital products are considered services for EU VAT purposes, but this categorization is wholly artificial, an in many cases might be considered questionable.” (CANNAS, F. The new models of the digital economy. In: LANG, M.; e LEJEUNE, I. (2015). VAT/GST in a global digital economy. Eucotax series on European taxation v. 43. Alphen aan den Rijn, the Netherlands. No mesmo sentido: HOJNIK, J. (2017). Technology neutral EU law: digital goods within the traditional goods/services distinction. International Journal of Law and Information Technology, 25(1), 63-84.
17 BRASIL. Convênio ICMS n. 106/2017. Cláusula primeira.
18 Idem, cláusula quarta.
19 Ibidem.
20 Idem, ibidem, n. 1, p. 73.
21 Sobre o tema, confira-se: PISCITELLI, T. S.; e MALAVOGLIA, T. Os problemas do Convênio ICMS 106/2017 na delimitação da sujeição passiva: entre contribuintes e responsáveis.In: PISCITELLI, T. S. (org.). Tributação de bens digitais: a disputa tributária entre estados e municípios: notas sobre o Convênio ICMS 106/2017 e outras normas relevantes. São Paulo: InHouse Editora e Produtos Educacionais, 2018. v. 1, p. 139-165.
22 Sobre o tema, confira-se: CLAESSENS, S.; e CORBETT, T. Intermediated delivery and third-party billing: implications for the operation of VAT systems around the world. In: LANG, M.; e LEJEUNE, I. (2015). VAT/GST in a global digital economy. Eucotax series on European taxation v. 43. Alphen aan den Rijn, the Netherlands.
23 “1.09 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS). (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).”
24 “1.03 – Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).”
25 Cf. art. 3º, caput, da LC n. 116/2003.
26 Cf. art. 3º, inciso I, da LC n. 116/2003.
27 De outro lado, o recolhimento do ISS no destino pode ser inviável para as empresas, que deverão contar com estrutura para atender autoridades tributárias de mais de 5.500 unidades federativas. Exatamente nesse sentido, foi o debate em torno da tributação das instituições financeiras e dos planos de saúde. A LC n. 157/2016 deslocou a competência do ISS devido por elas para o tomador do serviço, nos casos de planos de medicina em grupo ou individual, de administração de fundos e carteira de clientes, de administração de consórcios, de administração de cartão de crédito ou débito e de arrendamento mercantil (leasing). Dada a irracionalidade que se instalou no recolhimento tributário, houve a suspensão de tal regime de recolhimento pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da ADI n. 5.835. Sobre o tema, confira-se: Liminar suspende novas regras sobre incidência do ISS de planos de saúde e atividades financeiras. Notícias STF, 23.03.2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=373431&tip=UN>. Acesso em: 05 nov. 2019.
28 Sobre o tema, confira-se: Brasil mantém decisão de ingressar na OCDE, diz secretário de política externa comercial. Folha de S. Paulo, 10.10.2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/10/brasil-mantem-decisao-de-ingressar-na-ocde-diz-secretario-de-politica-externa-comercial.shtml>. Acesso em: 05 nov. 2019. Confira-se também: Bolsonaro diz que Brasil está na fila para entrar na OCDE e “vai chegar a sua hora”. Terra, 10.10.2019. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-diz-que-brasil-esta-na-fila-para-entrar-na-ocde-e-vai-chegar-a-sua-hora,a3aeec6fe32392aa1661292a80925f403fie6ysq.html.>. Acesso em: 05 nov. 2019.
29 Nesse sentido, mencione-se a potencial ofensa ao pacto federativo, uma vez que retira, dos estados e municípios, a poder de realizar política tributária em seus territórios. Ao lado disso, como há a previsão de uma alíquota única para todos os bens e serviços, há riscos concretos de ofensa à capacidade contributiva e aos desideratos mais gerais de justiça distributiva, valor arraigado ao texto constitucional e realizado, primordialmente, pela via tributária. Sobre o tema, confira-se: IVA fere a Constituição, diz Everardo Maciel em entrevista ao Correio. Correio Braziliense, 22.09.2019. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/09/22/internas_economia,783597/iva-fere-a-constituicao-diz-everardo-maciel-em-entrevista-ao-correio.shtml>. IVA, uma proposta inconstitucional. Exame, 18.10.2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/blog/opiniao/iva-uma-proposta-inconstitucional/>. Reforma não pode potencializar as desigualdades. Valor Econômico, 31.10.2019. Disponível em: <https://valor.globo.com/reforma-tributaria/artigo/reforma-nao-pode-potencializar-as-desigualdades.ghtml>. Acesso de todas as notícias em: 05 nov. 2019.