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O Apelo a Argumentos Extrajurídicos e ao Art. 123 do CTN no Combate ao Planejamento Tributário no Âmbito do CARF: Análise de Casos envolvendo JCP e Reserva de Usufruto

The Use of Nonlegal Arguments and Art. 123 of the Brazilian Tax Code Against Tax Avoidance Measures in Brazilian Administrative Tax Court of Appeal (CARF): Cases Involving Interests on Equity Taxation and sufruct Reserve

José Maria Arruda de Andrade

Professor da Faculdade de Direito da USP. Livre-docente, doutor e bacharel pela FDUSP. Advogado. Foi Pesquisador Visitante no Max Planck Institute for Innovation and Competition (Munique-Alemanha). Foi Secretário-Adjunto de Política Fiscal e Tributária da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF). E-mail: jm.andrade@usp.br.

Leonardo Ogassawara de Araújo Branco

Doutorando, mestre e especialista em direito tributário pela Faculdade de Direito da USP. Conselheiro e Vice-Presidente da Primeira Turma da Quarta Câmara da Terceira Seção do CARF.
Professor da USJT (graduação), da FGV, do IBDT, do IBET (pós-graduação) e da FK-Partners (curso preparatório CFP®/Anbima). E-mail: leonardo.branco@usp.br.

Resumo

O presente texto analisa decisões recentes proferidas pelo CARF a respeito da tributação dos juros sobre capital próprio em operações envolvendo a reserva de usufruto de direitos econômicos, casos nos quais a acusação fiscal teve por fundamento: (i) o art. 123 do CTN, no sentido de que reorganizações societárias, por se tratarem de convenções particulares, não seriam oponíveis à Fazenda Nacional, e (ii) argumentos não previstos no direito posto, como o propósito negocial. Como instrumental de análise, os autores valem-se de elementos da teoria da argumentação como forma de explicitar os argumentos registrados nas decisões estudadas.

Palavras-chave: propósito negocial, convenções particulares, planejamento tributário, reserva de usufruto, juros sobre capital próprio, argumentação jurídica.

Abstract

This article aims to analyze recent decisions given by Brazilian Administrative Tax Court of Appeal (CARF) regarding interests on equity taxation in corporate transactions involving the usufructu reservation of economic rights with the natural person of the shareholder, in which the tax charge was based on: (i) art. 123 of the Brazilian Tax Code, in the sense that corporate structures, as private conventions, are legally questionable by tax authorities and can therefore be disregarded for tax purposes, and (ii) nonlegal arguments, such as the “business purpose”. The authors have drawn on argumentation theory elements, used as instruments for gaining access to the arguments used to justify the surveyed decisions.

Keywords: nonlegal arguments, business purpose, private conventions, tax avoidance, usufruct reserve, interests on equity.

Introdução

A jurisprudência administrativa federal tem se deparado com a integralização de ações de instituição financeira, de titularidade de sócios pessoas físicas, em empresa holding, negócio jurídico no qual a transferência de ações é gravada com cláusula de usufruto real exclusivamente sobre os direitos econômicos. Nesta operação, os direitos de voz e voto são conferidos à pessoa jurídica recém-constituída, enquanto que os direitos sobre os juros sobre o capital próprio, em especial, são retidos pelas pessoas físicas.

O Acórdão n. 1401­002.081, proferido em 20 de setembro de 20171, o Acórdão n. 1402­002.445, proferido em 10 de abril de 20172, o Acórdão n. 2401-004.569, proferido em 07 de fevereiro de 20173, e o Acórdão n. 1103-001.123, proferido em 21 de outubro de 20144, todos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), discutiram autos de infração lavrados com base no entendimento de que as empresas holding envolvidas teriam deixado de reconhecer receita financeira própria mediante reordenação societária desprovida de qualquer motivação extratributária e, ademais, que as convenções particulares, das quais a constituição de usufruto é modalidade, não seriam oponíveis à Fazenda Pública, nos termos do art. 123 do Código Tributário Nacional, questão que ganha relevo com a decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais, no Acórdão CSRF n. 9101-002.953, proferido em 3 de julho de 20175, de relatoria da atual vice-presidente da corte administrativa, cujo voto, acompanhado pela maioria do colegiado, entendeu pela autoaplicabilidade da norma de desconsideração do parágrafo único do art. 116 da codificação de estatura complementar. Propõe-se o presente artigo a realizar a análise crítica do percurso adotado pelos acórdãos por meio de instrumento de explicitação dos argumentos utilizados nas decisões.

1. Estrutura interna da decisão

1.1. Bases fáticas e instauração da lide

Nos acórdãos em apreço, procedeu-se, com poucas alterações, à seguinte sucessão de eventos: uma holding H realizou aumento de capital, subscrito e integralizado por sócios pessoas físicas mediante conferência de ações da instituição financeira F com reserva de usufruto real e gratuito exclusivamente sobre os direitos econômicos. Desta feita, em que pese a titularidade das ações e os respectivos direitos políticos, tais como o direito de voz e voto em assembleias gerais, pertencerem à holding H, os direitos econômicos, tais como os de receber dividendos, bonificações, rendimentos e juros sobre o capital próprio, continuaram privativos das pessoas físicas que procederam à integralização.

As empresas, em prestação de esclarecimentos, relatam especificidades de seu negócio que conduziram a tal conformação societária, e.g., no Acórdão CARF n. 1103-001.123, em que a contribuinte relatou que a operação ocorreu no contexto da abertura de capital da instituição financeira F por meio de anúncio de oferta pública de distribuição primária e secundária de ações preferenciais (“IPO”). Neste caso, o objetivo teria sido, a um só tempo, (a) centralizar na holding H a governança corporativa da instituição financeira F, de maneira a uniformizar as decisões sociais com o bloco de controladores situado em uma única pessoa jurídica, e daí a necessidade de nela manter a totalidade dos direitos políticos das ações integralizadas; e (b) manter a liberdade das pessoas físicas investidoras de receberem e administrarem livremente os recursos financeiros oriundos das ações da instituição financeira F, sem, para tanto, dependerem da deliberação dos demais acionistas da holding H para a distribuição dos valores.

Invariavelmente, nos casos analisados, a autoridade fiscal considerou que a estrutura teve como consequência tributária o fato de a holding H, titular da nua-propriedade das ações da instituição financeira F, deixar de reconhecer receita financeira própria, a título de juros sobre o capital próprio, quantia esta que passou a ser paga diretamente aos sócios pessoas físicas com tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15% a título de IRRF. Forte na Instrução Normativa n. 11/1996 da Receita Federal do Brasil, considerou, em todos os casos, que os JCP deveriam ser considerados como receita financeira e, sob esta rubrica, oferecidos à tributação corporativa ordinária (IRPJ, CSL, PIS e COFINS), sendo os instrumentos particulares de reserva de usufruto celebrados não oponíveis ao Fisco, por carecerem de finalidade extrafiscal com supedâneo no art. 123 do Código Tributário Nacional, concluindo, assim, pela desconsideração do negócio jurídico, ora com base unicamente no dispositivo em apreço6, ora na teoria do abuso de formas7, ora na ausência de propósito negocial8, ora na autoaplicabilidade do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional9.

Em todos os acórdãos em referência, o instituto do usufruto foi entendido como restrição à posse direta da propriedade, podendo abranger, no todo ou em parte, os seus frutos e utilidades. Em consonância com o art. 1.403 do Código Civil vigente, caberia, portanto, ao usufrutuário, o dever de arcar com as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída, determinação esta referendada pela Receita Federal do Brasil10, sendo o usufruto sobre as participações no capital social de sociedades por ações regulado pela Lei n. 6.404/1976. Considerou-se, ainda, o entendimento firmado no julgamento do Recurso Especial n. 1.169.202/SP pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os direitos do usufrutuário se relacionam principalmente com a “possibilidade de receber os dividendos/participar dos lucros sociais”, bem como precedente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que afirmou dividendos e JCP como frutos gerados pelas ações no caso de contrato de usufruto11. Cabe destaque, não obstante, ao posicionamento da Comissão de Valores Mobiliários no sentido de que o JCP adquire a mesma finalidade econômica e societária do dividendo na medida em que se trata de forma de remuneração do acionista pelo capital nela investido12.

No Acórdão n. 1103-001.123, o conselheiro relator, depois de fixar os elementos que considerou necessários para a formação de sua convicção, examinou a licitude da operação realizada, bem como a validade formal do usufruto, tendo em vista o “[...] argumento utilizado pela fiscalização para desconsiderá-lo por abuso de formas: a inexistência de propósito negocial em sua formação”. O voto, que se sagrou vencedor, consignou que as justificativas trazidas pela contribuinte ao longo do processo administrativo o convenceram de que “[...] em todos os atos praticados [...], há um encadeamento lógico que demonstra sua correlação com a finalidade pretendida”, o que o levou a concluir que estaria “[...] suficientemente demonstrado o propósito negocial do usufruto”. Para o conselheiro, inexistiria norma que obrigue a contribuinte à utilização do caminho mais oneroso; contudo, considerou duas limitações para a economia tributária obtida: que os negócios jurídicos praticados restem adstritos ao “contexto de seu propósito negocial e das margens da licitude”. Por outro lado, não caberia a aplicação do abuso de formas jurídicas “[...] em razão da ausência de previsão legal”. No Acórdão n. 1401­002.081 e no Acórdão n. 1402­002.445, provenientes das duas turmas da 4ª Câmara da 1ª Seção da corte administrativa, os votos condutores percorreram caminho distinto: uma vez que o legislador tenha deixado de atribuir ao usufruto efeitos tributários específicos, o negócio jurídico emanará os efeitos típicos decorrentes do direito privado e, neste sentido, diante de uma específica previsão legal, fundada no Código Civil, não haveria sentido em se indagar a respeito de convenções particulares que alterem a sujeição passiva e, assim, diante da “[...] licitude da operação realizada e da validade formal do usufruto constituído”, propuseram os relatores que a turma reconhecesse “os efeitos que lhe são próprios”.

1.2. Análise dos casos por meio do repertório substancial

Já há algum tempo temos pesquisado como eventuais construtos teóricos acerca da argumentação (jurídica) poderiam ser úteis, inclusive para o direito tributário13.

Nossa pesquisa nos levou a buscar subsídios teóricos que nos afastassem da ideia de que interpretar uma norma jurídica seria um processo de descoberta de sentidos14 e da noção de que a teoria da argumentação deveria ensinar como deve ser interpretada e fundamentada uma norma ou como devem se portar os juízes.

A especulação acerca da argumentação jurídica que buscamos teoriza e problematiza o uso de argumentos para a justificação das decisões obtidas no processo de interpretação. Ao tratar a interpretação como construção de uma norma (processo que envolve uma decisão), o seu produto final revela tão somente a estratégia de sua justificação, ou seja, todo o processo cognitivo e mental envolvido permanece oculto e inalcançável para o pesquisador e até para o próprio julgador.

Daí que não podemos tocar no uso efetivo da linguagem, podemos apenas descrevê-lo, e isso, de forma a posteriori. Desloca-se a pergunta pelas causas da decisão em favor do estudo da justificação15.

Buscamos fundamentos teóricos, para a parte argumentativa, no “modelo substancial”, elaborado por Stephen Toulmin em sua obra mais conhecida, Os usos do argumento16, editada pela primeira vez em 1958. O importante, neste contexto, não será estudar como se chega a conclusões, mas sim em como – após chegar a elas – os argumentos são apresentados para lhe dar apoio17.

Colocado de outra forma, reorienta-se o foco da atenção “da análise do que seriam os argumentos de motivação para os de justificação”18, onde os contendores têm o ônus de trazer boas razões para basear o convencimento a que chegaram, de acordo com as regras e procedimentos próprios a cada jogo, não havendo verdadeiro interesse em saber ou muito menos demonstrar como ali chegaram. Esta, aliás, conforme defendeu em seu doutoramento em Cambridge, é a preocupação da prática ética de agir de acordo com uma máxima de conduta ou um código moral, “e as instituições e leis correntes proveem o mais confiável guia por meio do qual a decisão terá um final a contento”19.

Defendemos, assim, que, no plano da argumentação das decisões jurídicas, o estudo do emprego de determinados argumentos para construir a norma jurídica deve ser uma análise epistemológica, uma análise da gramática dos argumentos e não uma teoria epistemológica.

Justamente neste ponto, avançamos nos desdobramentos teóricos da argumentação em Toulmin, no sentido de buscar reforço (talvez normativo) distinto das pretensões originais do autor: o layout dos argumentos de uma decisão permite averiguar se uma dada decisão se valeu de um dispositivo de direito positivo em sua conclusão. Ou seja, trata-se, aqui, de uma defesa metodológica de um positivismo jurídico não inclusivo a partir desses elementos, de forma a rechaçar o apelo a argumentos morais ou econômicos não postos em normas de direito positivo (ou seja, em desobediência ao teste do pedigree)20.

Esse ponto é importante, de acordo com as nossas regras, com nosso sistema jurídico, que obrigam a fundamentação das decisões jurídicas – sejam administrativas ou judiciais e que impedem a não solução de uma lide judicial –, que o fundamento de direito positivo deve ser apresentado (teste do pedigree). Ainda que se valha, quando a lei permitir, de métodos de colmatação de lacunas (analogia, por exemplo), a fundamentação legal para essa colmatação lá estará21.

Na tradição de civil law, sempre que tratarmos de um argumento-decisão, termo que utilizaremos para a manifestação com conteúdo decisório do intérprete autêntico, “o apoio [B] será um texto normativo vigente em nosso ordenamento”22, e não uma teoria ou uma postura moral23; admitir o contrário, em nosso contexto, poderá evidenciar uma invalidade.

Isto ocorre porque se admite “que a validade é uma noção intracampo, não uma noção intercampo”24. A abordagem retórica, ao se voltar para o direito tributário brasileiro, deverá apresentar, em sua fundamentação última, o lastro positivo a fim de que uma decisão tenha reconhecimento de validade na comunidade em que se desenvolveu25. No mesmo sentido é que ganha lugar privilegiado no debate a importância das regras procedimentais. Suas funções serão múltiplas e de grande relevância: o que fazer no caso de a um dos debatedores parecer obscura ou contraditória uma dada afirmação, como obter uniformidade de decisões, até quando o debate poderá prosseguir, quando e como a controvérsia poderá ser trazida novamente à discussão, e assim por diante. Trata-se, em outras palavras, da demonstração das regras de conduta seguidas pelos participantes do debate que servem para definir as fronteiras da validade de um argumento-decisão: os “limites de discutibilidade” e as “condições de sobrevivência de uma decisão”26, ou a forma pela qual se desenvolverá a disputa por meio da argumentação racional.

Avançando na obra de Stephen Toulmin, seu projeto teórico era questionar a filosofia analítica de sua época e o uso de um modelo lógico-formal em que os argumentos analíticos seriam modelos ideais para outros campos que não o da matemática pura, sobretudo nas explicações da lógica prática (o tal deslocamento de uma teoria epistemológica para uma análise epistemológica).

Para tanto, Toulmin analisa os argumentos em sua forma não geométrica, valendo-se de um layout (“logicamente imparcial dos argumentos”), extremamente didático, denominado jurisprudencial27, cuja finalidade é representar a dinâmica da argumentação, de forma mais estendida do que aquele que se vale da estrutura de uma premissa maior, de uma premissa menor e de uma conclusão.

O modelo básico da argumentação em Toulmin conta com os seguintes elementos: uma alegação [C de claim], os dados que a fundamentam [D de data], sua garantia [W de warrant] e seu apoio [B de backing].

Nesses termos, a alegação [C] é a conclusão cujos méritos precisam ser estabelecidos. Os dados [D] são os fatos específicos e relacionados ao caso utilizados para fundamentá-la28.

A análise sobre aquilo que está envolvido no “processo de estabelecer conclusões mediante a produção de argumentos”29 envolve uma alegação ou conclusão [C], baseada em dados [D], que poderá ser desafiada por um interlocutor. Contudo, algo deve garantir essa passagem, a ponte ou o nexo que une D a C, o elemento de garantia [W], mediado por um qualificador modal [Q]. No entanto, será necessário um apoio [B] para as garantias apresentadas, que variará conforme o campo em que floresceu a garantia [W]. Por fim, esta tal asserção poderá ser refutada [a menos que R], e alguém poderá pedir ainda mais, um apoio às garantias [W por conta de B]. Este tipo de argumento tem uma conformação lógica que pode ser expressa como “D, assim, Q, C, já que W, por conta de B, a menos que R”:

D/G

 

assim, Q,

 

C

 

 

 

 

 

já que W

 

 

a menos que R

 

 

 

 

 

 

por conta de B

 

 

 

Assim, aplicando o modelo como instrumento de explicitação da fundamentação das decisões, a estrutura do auto de infração poderia ser organizada da seguinte forma: o procedimento de fiscalização concluiu que houve a celebração de um negócio jurídico (reserva de usufruto de direitos econômicos) seguido de distribuição de JCP às pessoas físicas, oferecidos à tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15% [D]; logo, presumivelmente [Q], tal negócio jurídico deve ser desconsiderado e os valores pagos a título de JCP aos usufrutuários devem ser reconhecidos como receitas financeiras [C] por falta de propósito negocial/finalidade extrafiscal [W] que aponta para a existência do instituto do abuso de formas, ou para a dissimulação [B].

Constatou-se reserva de usufruto de ações e distribuição de JCP a pessoa física,

 

assim, presumivelmente,

 

o negócio jurídico deve ser desconsiderado

 

 

 

 

 

já que ausente o propósito negocial

 

 

 

 

 

 

 

 

 

com base no abuso de formas/dissimulação

 

 

 

É possível se condensar a parte dispositiva do acórdão de segunda instância administrativa que julgou procedente o recurso voluntário interposto pela contribuinte no fato de o fundamento último ou remoto [B] da autoridade fiscal para a desconsideração do usufruto ter sido a figura do abuso ou da dissimulação. Enquanto não prevista em lei a primeira, ou não regulamentada a segunda, estariam tais figuras relegadas, quando muito, ao âmbito das garantias [W], uma fundamentação próxima:

Constatou-se reserva de usufruto e distribuição de JCP a pessoa física

 

assim, presumivelmente,

 

o negócio jurídico deve ser desconsiderado

 

 

 

 

 

já que ausente o propósito negocial/o abuso de formas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[vazio normativo]

 

 

 

No entanto, em ao menos dois dos acórdãos analisados30, a existência de propósito negocial foi reconhecida expressamente pelo conselheiro relator a partir da análise dos fatos trazidos a seu conhecimento [D] e considerado como elemento eficaz de refutação do argumento pelo desfazimento do negócio jurídico, assumindo, portanto, a seguinte estrutura:

Constatou-se reserva de usufruto e distribuição de JCP a pessoa física

 

assim, presumivelmente,

 

o negócio jurídico deve ser desconsiderado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

salvo se presente o propósito negocial

A decisão emanada do Acórdão n. 1103-001.123 concebe tal doutrina, portanto, como indício [D] utilizado como elemento de refutação [R] de dupla componencialidade protetiva: positivo, na medida em que permite ou convalida a existência do negócio, provendo-lhe uma aura de validade desde que respeitado o limite da licitude, e negativo, como fronteira intransponível para as operações oponíveis ao Estado:

“[...] não há nenhuma norma em nosso ordenamento jurídico que obrigue o contribuinte a valer-se do método mais oneroso tributariamente, quando pode, dentro do contexto de seu propósito negocial e das margens da licitude, manter a tributação auferida no mesmo montante que consistia em situação anterior”31.

Cumpre se refletir sobre os efeitos da transposição desta margem proibitiva: caso em que o contribuinte deliberadamente realiza negócio jurídico ao largo de qualquer intenção negocial. A hipótese que se lança, tomando-se por base a construção do raciocínio do acórdão, é que tal proceder apontaria para um abuso de forma, situação em que a garantia redunda para o nada jurídico, uma vez que inexiste a previsão da lei. A afirmação da inexistência do propósito, neste caso, remete a uma refutação do tipo: “ainda que” se cogitasse desconsiderar a operação, não haveria sanção aplicável. Assim, esta constatação deve ou ser transportada às provas indiciárias [D] ou compor o plexo das garantias [W]. Desta forma, levando-se às últimas consequências o raciocínio, seria possível se cogitar uma tal microestrutura argumentativa que conduziria o aplicador à inação diante da privação normativa autorizadora:

Constatou-se reserva de usufruto e distribuição de JCP a pessoa física

 

assim, presumivelmente,

 

nada pode ser feito [i.e., o negócio jurídico deve ser mantido]

 

 

 

 

 

pois não se aplica a teoria do abuso

 

 

ainda que ausente o propósito negocial

 

 

 

 

 

 

uma vez que inexiste norma [apoio em lei]

 

 

 

Assim, a seguir o raciocínio dos votos vencedores que trataram de tais patologias do negócio jurídico, mas, em especial, no Acórdão n. 1103-001.123, a afirmação de existência de propósito não ganha ares pleonásticos, de mero reforço argumentativo, mas, pelo contrário, refuta de maneira eficaz o argumento de desconsideração, pois se trata de uma prova [D] de natureza tão peremptória que deve ser deslocada ao status de [R] em refutação do tipo “salvo se”. Neste caso, a estrutura argumentativa chegaria a uma conclusão de desfazimento do negócio refutada da seguinte maneira: a partir de D, a operação deve, presumivelmente, ser desconsiderada com base em W, B, salvo se comprovado o propósito negocial [R].

2. Análise das decisões

2.1. Usufruto e canalização dos JCP à pessoa física

A autoridade fiscal entendeu, na lavratura dos autos de infração objurgados, pela existência de abuso ou dissimulação na celebração de contrato particular de reserva de usufruto, cujo único propósito teria sido a redução de sua carga tributária, tratando-se esta da vexata quæstio a ser analisada. Realizaram os votos da corte administrativa um exercício de compreensão em torno do instituto, entendendo-o como uma “[...] restrição à posse direta da propriedade” mediante a qual o direito real sobre o objeto seria conferido a um terceiro. Sob esta perspectiva, caberia ao usufrutuário explorá-lo economicamente “[...] na retirada de seus frutos e produtos”32.

Em nossa visão, na acepção do direito privado, não obstante, é possível se reconhecer no planejamento em análise o recurso a uma específica concepção de usufruto: aquele constituído por vontade dos pactuantes mediante retenção, modalidade exclusivamente contratual e, logo, bilateral inter vivos na qual um direito determinado é transmitido à pessoa jurídica deductio usufructu33. Por meio de tal expediente, remanesce ao sócio transmitente da ação integralizada o direito que reteve, i.e., o de perceber os frutos dela advindos, com a ressalva de sua substância34. Em outras palavras, são transmitidas ao patrimônio líquido do nu-proprietário tanto a titularidade como também a expectativa de recuperação da propriedade plena, mas não os poderes inerentes ao domínio retidos pelo sócio transmitente, agora usufrutuário. Sob tais premissas, cabe indagar, de um lado, sobre a possibilidade do recurso a tal instituto na integralização de ações, e, diante de uma resposta afirmativa, de outro lado, sobre a extensão dos seus efeitos no campo tributário.

O usufruto, em tais casos, é regulado pela ata de integralização, título constitutivo que tem por desígnio descrever os direitos do usufrutuário, cuja definição poderá ser discriminada em função de sua natureza35. Entre os direitos possíveis, três são os de maior interesse ao estudo proposto: (i) o de fruir das utilidades da ação, tirando-lhe todas as vantagens e proveitos, estendendo-se “[...] aos acessórios da coisa e seus acrescidos”36, (ii) o de perceber os frutos, “[...] fazendo seus os pendentes ao começar o usufruto”37; e (iii) o de administrá-lo, desde que “[...] respeitada a destinação econômica da coisa”38.

O usufruto incidente sobre participações societárias se submete às especificidades traçadas pela Lei n. 6.404/1976, cujo art. 40 reconhece como ônus passível de gravar a ação. Os poderes atinentes ao domínio, ademais, são expressamente suscetíveis à fragmentação nos termos do dispositivo legal: o direito de voto deverá ser exercido em conformidade com o pactuado no ato da constituição do gravame (art. 114)39 e, por outro lado, os dividendos serão devidos pela companhia à pessoa inscrita como usufrutuária da ação (art. 205)40, o que se harmoniza, ademais, com a disposição do art. 1.390 do Código Civil de 2002 ao prever a variedade restrita de usufruto como aquela que “[...] limita o uso da coisa a alguma de suas utilidades”41, recaindo, portanto, sobre parte dos frutos e utilidades da ação ou quota integralizada. Tais considerações nos permitem traçar o mosaico da propriedade plena, composta de ao menos três atributos principais: os direitos patrimoniais, de alienar as ações, que são transmitidos ao universo patrimonial da sociedade investida, os direitos econômicos, de perceber dividendos, e os direitos políticos, de voz e voto em assembleias, suscetíveis de reserva de usufruto.

Uma vez reconhecida, do ponto de vista da extensão das limitações ao direito de propriedade, a possibilidade da cisão dos poderes sobre a ação por meio do pacto de transmissão, cabe perscrutar especificamente sobre o resguardo dos direitos econômicos. Neste passo, duas são as ordens de indagação possíveis: (i) se os juros pagos sobre capital próprio são frutos ou utilidades da ação e, logo, passíveis de usufruto; e (ii) se, diante da previsão expressa para a distribuição de dividendos por parte da Lei n. 6.404/1976, também os juros sobre o capital próprio estariam contemplados pela via da interpretação analógica ou extensiva.

Ao se tomar como ponto de partida a segunda indagação, que se volta especificamente ao debate em torno da natureza jurídica dos juros sobre o capital próprio como forma de interpretação extensiva do art. 205 da Lei n. 6.404/1976, é necessário verificar a posição da jurisprudência e da doutrina, o que se passa a fazer. Para desenvolver o argumento levantado pelo acórdão do caso em análise, admite-se que a Comissão de Valores Mobiliários, no Processo Administrativo CVM/RJ n. 2008/6446, considerou que a figura dos JCP é utilizada com a mesma finalidade econômica e societária do dividendo como instrumento de remuneração do acionista pelo capital nela investido, atribuindo a inexistência da menção expressa aos juros sobre capital próprio no art. 205 da Lei n. 6.404/1976 ao fato de que tal instituto apenas seria introduzido no direito brasileiro por meio da Lei n. 9.249/199542. Em sua análise, voltada para a natureza das bonificações em dinheiro atribuídas aos acionistas, concluiu que “[...] os JCP [...] são inegavelmente dividendo”. Cabe adicionar a tal argumento que já a Deliberação CVM n. 207/1996 havia determinado que as companhias abertas registrassem o valor líquido dos JCP diretamente à conta de lucros acumulados, sem impacto sobre o resultado do exercício. Neste sentido, o reconhecimento da despesa deveria se restringir ao imposto de renda retido.

Ao se reconstruir a interpretação a respeito da matéria, a figura dos JCP tem sido objeto de controvérsia para fins de incidência do PIS e da COFINS. A Instrução Normativa RF n. 11/1996 determinava que os JCP seriam juros tratados em conta de despesa financeira. Em seguida, a Lei n. 9.718/1998 excluiu expressamente lucros e dividendos da base de cálculo das contribuições, nada dispondo a respeito dos JCP, o que conduziu a decisões da Receita Federal no sentido de que seriam despesa para a empresa pagadora e receita para a empresa recebedora, “[...] como se juros fossem”43. Por outro lado, os Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005 reduziram a zero as alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras, dispondo expressamente que a redução não se aplicaria para os JCP, o que conduziu a duas possibilidades interpretativas: ou seriam receita financeira, compondo a base de cálculo das contribuições, ou a sua expressa exclusão apenas reafirmaria se tratar de um caso de não incidência. Em decisão publicada em 2007, o Superior Tribunal de Justiça, diante de tal quadro normativo, passou a entender que os JCP teriam natureza de receita financeira para a pessoa recebedora, e não de lucro ou de dividendos44.

A doutrina não é uníssona ao se voltar à natureza dos JCP, compreendidos (i) ora como despesa operacional financeira para a empresa pagadora, (ii) ora como forma de distribuição de resultados45, (iii) ora como figura submetida a um regime jurídico de juros remuneratórios do capital, embora com características específicas, e distintos da participação nos resultados que a lei regula como dividendos46.

As causas do instituto são estudadas por meio de diferentes perspectivas: (i) ora como um mecanismo criado para atenuar os problemas decorrentes da extinção da correção monetária do balanço no contexto do Plano Real, (ii) ora como custo de oportunidade no cotejo do investidor entre taxa de juros do mercado financeiro e taxa de juros do custo de capital47, e, neste sentido, como aperfeiçoamento da integração entre o imposto de renda cobrado na pessoa física e na pessoa jurídica, evitando, desta forma, o “[...] tratamento tributário discriminatório dispensado a esses investimentos quando comparados àqueles realizados por meio do capital de terceiros”48, (iii) ora como vero instrumento de combate à subcapitalização nominal da empresa, estimulando aportes no capital social49.

Evitar a discriminação no tratamento aos investimentos em debt e equity, ademais, parece ter sido o motivo que conduziu o legislador belga a criar a figura da “déduction pour capital à risque” em 200550.

A questão em concreto, no entanto, deve ser resolvida não por meio da difícil equiparação dos JCP com os dividendos, mas por meio da resposta à pergunta, que nos parece menos tormentosa, sobre se eles seriam ou não frutos ou utilidades da ação ou quota social, parcela do domínio passível, portanto, de reserva ou retenção no ato de integralização. O CARF, ao decidir se determinada operação teria sido de constituição ou de cessão de usufruto, para fins de apuração de ganho de capital nos termos do Parecer COSIT n. 4/1995, reconheceu incidentalmente a existência de efeitos tributários do pacto de usufruto sobre ações, nos termos do voto condutor do conselheiro relator, do qual se extrai o seguinte trecho: “[...] no usufruto de ações, os frutos que o usufrutuário gozará são exatamente os dividendos e o juro sob capital próprio (JCP) que a empresa investida pagará aos sócios ou, no caso, ao usufrutuário”51, e este o caminho perfilado pelas decisões sob exame: “ambos dizem respeito a formas de a sociedade remunerar o acionista pelo capital por ele investido”52.

Este o entendimento também do Superior Tribunal de Justiça ao se pronunciar a respeito do usufruto vidual: o usar e o fruir se traduzem, nas ações e quotas, principalmente como a possibilidade de participar dos lucros sociais53. Assim, enquanto perdurar a relação privada concretizada no ato da integralização, a posição jurisprudencial, tanto administrativa como judicial, tem assentado que a ação, como coisa frutuária, tem na distribuição de seus lucros e resultados os seus bens frugíferos, cabendo ao usufrutuário a percepção dos juros sobre o capital próprio como expressão e consequência da retenção do jus fruendi, ao qual se perfila a dimensão econômica da ação, mas não do jus utendi, afeito à vocação política do título ou valor mobiliário.

2.2. O uso indevido do art. 123 como apoio no combate a planejamentos tributários

No Acórdão CARF n. 2401­004.569, em seu voto vencido, argumenta a conselheira relatora, a ecoar o termo de verificação fiscal com o beneplácito da decisão recorrida, que os instrumentos particulares não são oponíveis ao Fisco conforme expressão do art. 123 do Código Tributário Nacional, segundo o qual tais convenções não são hábeis a modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. Em seu entendimento, “[...)] o fato de ter o contribuinte atendido às disposições da Lei 6.404/76, para instituir o usufruto, não lhe confere o direito de opor tal determinação à Fazenda Pública” e, assim, “[...] o disposto no art. 100 de referida lei não transforma o usufrutuário em acionista”. O argumento foi suscitado no Acórdão CARF n. 1402-002.445, tendo entendido a autoridade lançadora que, “[...] se o beneficiário dos JCP é o acionista, no caso das sociedades por ações, caberia ao acionista reconhecer essa receita e tributá-la”. Assim, não seria possível, sob os auspícios do mencionado art. 123, “[...] a transferência da receita para terceiro (usufrutuário) por meio de convenção particular, porquanto restaria modificado o sujeito passivo da obrigação tributária fixada em lei”. A partir do Acórdão CARF n. 1401-002.081, denota-se idêntico vetor argumentativo a sustentar a acusação fiscal: “[...] instrumentos particulares de reserva de usufruto e outras avenças, firmados entre a fiscalizada e os seus acionistas não podem ser opostos ao Fisco para alterar a sujeição passiva da obrigação tributária, nos termos do art. 123 do CTN”. Passa-se a analisar se tal apoio [B] é pertinente para se chegar à conclusão de desconsideração do negócio jurídico selado entre os particulares [C] no campo jurídico-tributário.

O preceito instituído pelo art. 123, como se lê a partir de trecho do Relatório apresentado por Rubens Gomes de Sousa e aprovado pela Comissão Especial nomeada por Oswaldo Aranha para elaborar o Projeto de Código Tributário Nacional, “consagra o princípio pacífico de que as convenções particulares não afetam a sujeição tributária passiva”54. Assim, tais instrumentos de fato não são hábeis a obrigar a autoridade fazendária a cobrar a exação de pessoa não definida em lei como sujeito passivo da obrigação. Dito de outro modo, veda-se que o devedor do tributo transfira sua obrigação a terceiro e, com isso, obrigue o Fisco a cobrar o quanto devido do cessionário. Contudo, em sentido diverso àquele dado pelas autuações combalidas nos acórdãos em estudo, há de se obviar, em primeiro lugar, a ideia de que possa haver aplicação do preceptivo normativo em referência sem que exista, antes, o próprio fato gerador da obrigação. A aplicabilidade de tal dispositivo se restringe àquelas hipóteses em que se encontra firmado o vínculo jurídico tributário, e tem por objetivo preceituar que as normas definidoras de sujeição passiva são cogentes e imperativas, não podendo ser afastadas pela livre manifestação da vontade. Sua aplicação jamais poderá, em segundo lugar, abstrair a titularidade dos bens ou frutos para a composição da materialidade tributária, atendo-se unicamente aos requisitos e predicados estatuídos pelo art. 12155 da norma codificada.

Assim, não havendo lei que desloque o proprietário para dentro das lindes do campo de incidência das contribuições, inviável se cogitar de convenção particular que altere os contornos de definição normativa inexistente. Em outras palavras, a partir da literal leitura do art. 123 em referência, as convenções particulares não têm o condão de modificar a definição legal do sujeito passivo da obrigação e, logo, impedem o redirecionamento da cobrança para pessoa não definida em lei como contribuinte ou responsável tributário. Nos casos em análise, repita-se, a contribuinte adquiriu apenas a nua-propriedade das ações das instituições financeiras, não tendo a ela sido transferidos os direitos frugíferos. O novel titular das ações é fiel detentor dos direitos patrimoniais e políticos, mas não econômicos, não cabendo, portanto, às empresas holding em referência, a percepção de juros sobre capital próprio. Está-se, pois, diante da impossibilidade de a autoridade fiscal a elas atribuir fato praticado por terceiro, i.e., o usufrutuário, uma vez que a definição legal de sujeito passivo embraça apenas a pessoa física que remanesceu com o direito à percepção dos frutos.

Inexiste, assim, convenção particular, pública ou privada, que modifique o responsável pelo pagamento de tributo, pois o sujeito passivo, nos casos analisados pela corte administrativa, é o próprio contribuinte. As empresas holding, na verdade, sequer poderiam ser acusadas de renúncia aos frutos que originariam tais receitas, pois tais direitos jamais compuseram seu universo patrimonial. O art. 123, assim, reporta-se ao inciso II do art. 121: apenas será sujeito passivo sem se revestir da condição de contribuinte (ter relação pessoal e direta com o fato gerador), aquele que tiver obrigação expressa decorrente de lei. Não se verifica, nos casos sob exame, a condição de contribuinte de JCP decorrente da propriedade da ação que o produziu, mas sim daquele que o percebeu. E tampouco há lei que redirecione a responsabilidade ao proprietário. Este o sentido do Acórdão CARF n. 1402-002.445, no qual, ao questionar a respeito da incidência de IRPJ e de CSL sobre JCP não recebidos, o redator designado do voto vencedor questiona: “[...] a Recorrente estaria sendo tributada por não ter recebido uma renda que, no entender do Fisco, deveria ter recebido?”.

Do Acórdão CARF n. 2401-004.568 extrai-se o seguinte trecho: “[...] é da essência do usufruto o aproveitamento dos rendimentos do bem pelo usufrutuário”. Assim, “[...] com base na disciplina normativa afeta ao direito civil e societário, os valores a título de lucros/dividendos e juros sobre o capital próprio, pagos ou creditados como resultado de participações societárias, são rendimentos que pertencem ao usufrutuário”, sendo descabida a aplicação do art. 123 do Código Tributário Nacional, mas sim do art. 110, segundo o qual não cabe à lei tributária (e muito menos ao auto de infração) alterar definição, conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.

Este, não obstante, parece ser o posicionamento da própria Administração, conforme as razões externadas pelo Parecer Normativo CST n. 16, de 16 de março de 1972, que, ao tratar da exploração agrícola feita por usufrutuário com o ônus de entregar parte dos rendimentos da atividade a outras pessoas físicas, instituídas coparticipantes desses frutos por instrumento de doação, esclareceu ser “[...] inoperante, para a Fazenda Pública, qualquer cláusula que atribua, a pessoa diferente daquela a quem a lei elegeu como sujeito passivo, os encargos decorrentes da legislação fiscal”, reconhecendo, assim, os efeitos da transferência da titularidade com a reserva de usufruto. Nos termos do Parecer Normativo de 1972, o tributo incidente sobre a parcela de rendimentos atribuída ao doador, na condição de usufrutuário, é por ele devida, e não pelos donatários. Esta a correta interpretação do art. 123 do diploma normativo: diante da inexistência de norma legal que defina como contribuinte ou responsável de obrigação tributária decorrente dos JCP o nu-proprietário das ações, não é possível ao contribuinte, por meio de convenção particular, modificar e reordenar a sujeição passiva, que remanesce com o doador usufrutuário. A bem da verdade, é dizer que, diante da ausência de legislação que atribua ao usufruto efeitos tributários específicos, devem prevalecer os efeitos típicos do instituto do direito civil, sendo de todo defeso ao aplicador deturpar o conceito ou os efeitos do instituto privado para que, empregando-lhe diferentes alcances e limites, redundem em incidência sobre aquele que antes não se sujeitava à tributação.

2.3. O uso do propósito negocial e de fundamentos extrajurídicos na estrutura do argumento-decisão

O propósito negocial encontra na campina fértil da garantia [como elemento de argumentação] terreno propício para o cultivo das inclinações teóricas, das convicções doutrinárias, vontades e compromissos morais56. Não obstante, o modelo proposto por Stephen Toulmin, introduzido mais acima, para a análise dos argumentos substanciais tem como mérito apontar para espécies distintas de fundamentação, algo particularmente útil ao direito. O argumento-decisão, assim entendido como o percurso racional do intérprete autêntico na formulação de uma asserção dispositiva57, apenas encontra validade se atender aos requisitos e pressupostos do campo ético em que foi formulado, pois se admite “[...] que a validade é uma noção intracampo, não uma noção intercampo”58. Ao tratarmos especificamente do direito tributário, as limitações argumentativas do recurso a uma doutrina como a do propósito negocial ficam claras diante dos primados da legalidade e da vedação à analogia gravosa. A campo-dependência dos critérios que qualificam esta implicação de caráter persuasivo nos permite falar em um argumento logicamente “bom” ou “sólido” de acordo com um sistema de crenças válido a um grupo de pessoas com ele comprometido. E nada impede que outro grupo o julgue de outra forma. Neste sentido, no campo do argumento não dedutivo, compreende-se a validade como um problema antes material que formal, o que está “no núcleo da crítica de Toulmin à lógica clássica como um instrumento de avaliação do argumento”59.

Assim, no campo do direito brasileiro, correto o raciocínio no sentido de que, em regra, a capacidade contributiva manifestada por alguém que não pratica fato gerador típico se encontra infensa ao âmbito da competência tributária do Estado, ainda que o resultado econômico seja equivalente àquele obtido por terceiro que, para tanto, incorreu no fato gerador60. É necessário se considerar, entretanto, que, ao se buscar o propósito negocial, realiza-se um exercício em torno da consideração econômica do agir do contribuinte para se averiguar o interesse das partes desdobrado do seu agir. A partir do momento em que o legislador fixa institutos de direito privado como pontos ou limites fixos para a tributação, apenas se falará em fato gerador se estiver presente o instituto, forma ou negócio previsto em lei. Assim, ao praticar o fato descrito no antecedente e vinculado a um determinado instituto de direito privado [D], a contribuinte deverá pagar o tributo correspondente [C], com base na lei tributária [B]. Contudo, se não praticar o fato gerador, ou seja, se localizar o seu agir fora do horizonte de eventos da materialidade tributária a partir do qual se torna imperativo o recolhimento do tributo, não há garantia [W] que reconstrua a passagem de D para C justamente porque o fato previsto como gerador de um determinado tributo foi vinculado a um instituto de direito privado, e o contribuinte não o praticou.

Parte da doutrina, ao refazer este percurso, apontou para ordenamentos, como o alemão e o austríaco, que, com o escopo de coibir esta prática, realizaram a previsão do instituto do abuso de formas jurídicas por meio das chamadas “cláusulas gerais antiabuso”61. Estas normas apenas serão aplicadas mediante a verificação de determinados critérios aferíveis a partir da apreciação do caso concreto, entre os quais o fato de não ser encontrado nenhum “[...] fundamento econômico razoável para a escolha do meio adotado” ou quando “[...] uma estrutura é [...] não natural, superficial, contraditória [...] e suas finalidades econômicas aparecem como secundárias”62, sendo possível se apontar, portanto, para laços de afinidade com a doutrina do propósito negocial.

Assim, uma vez constatado o abuso de formas63, emprega-se a norma tributária eludida, e, como tal proceder, por parte da autoridade fiscal, implicaria o recurso à analogia, estes países passaram a aduzir em seus ordenamentos expressamente esta possibilidade. Cabe observar que, quanto maior a vinculação com relação ao direito privado, maior a abrangência da regra antiabuso, vez que, ao se ampliar esta correlação com a legislação civil, “[...] igualmente aumentam as oportunidades da contenção do planejamento tributário por meio de instrumentos que cerceiem tais expedientes”64.

A experiência brasileira, entretanto, ao invés de instaurar uma regra antiabuso desta natureza, voltou-se a um dispositivo que tratou da “dissimulação”, o que remete ao instituto da simulação. Ao fazê-lo, a regra vedou o acesso à argumentação que apontava para a doutrina do “propósito negocial”, ou da “substância sobre a forma” pela razão de “[...] não decorrerem da simulação em sua acepção de direito privado”65 e, ademais, passou ao largo do abuso de formas e da tradição da fraude à lei conforme o direito civil, além de demandar, não obstante, a necessidade de a lei ordinária prever os procedimentos próprios para que a autoridade fiscal pudesse concluir pela desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador, de modo a restringir praticamente à inocuidade a sua aplicação. Tratou-se, ao que parece, da recepção de “[...] um modelo antielisivo obsoleto”, inspirado em dispositivo da legislação francesa fundado no instituto do abuso do direito e que, inclusive, foi suprimido pela França ao final do ano de 200866.

Tal constatação milita em desapreço a afirmações como aquela realizada pelo voto vencedor do Acórdão CSRF n. 9101-002.953, no sentido de simplesmente ser “[...] legítima a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do IRPJ, nos termos do artigo 116, parágrafo único do CTN”, como constou em ementa, pois ausente a disciplina da norma em lei ordinária. Observe-se que a conselheira relatora do voto vencedor estriba a reputada autoaplicabilidade em outros dispositivos do próprio código, omitindo-se quanto à expressa determinação “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”, como no seguinte trecho: “[...] entendo que a norma do artigo 116 é eficaz, legitimando a desconsideração de atos simulados, reforçando a previsão contida no artigo 149, VII”. A decisão que se baseia na ausência de propósito negocial para reconhecer a dissimulação é, portanto, duplamente criativa: seja quanto à substância, seja quanto ao procedimento. Sua renúncia ao compromisso de referibilidade entre direito posto e decisão esvazia aquilo a que chamamos apoio [B], infringindo o “teste do pedigree”. E, ainda que todas estas demandas do campo jurídico fossem postas de lado, sobejaria o sólido muro da analogia para ser transposto.

Observe-se, neste sentido, que as “cláusulas gerais antiabuso” exigem, para serem aplicadas, tanto a demonstração do aspecto intencional de frustrar a tributação, que poderíamos aproximar da ideia de causa concreta, como também que a figura de direito privado eleita seja irrazoável ou inusual em face dos fatos econômicos pretendidos67. Este segundo critério não deixa de guardar relação, portanto, com a causa abstrata, a eleição dos tipos para o atingimento de um fim. Assim, existiriam pontos de contato entre o abuso de formas e a maneira pela qual a jurisprudência administrativa brasileira passou a aplicar a “simulação em sentido amplo”. Contudo, os métodos utilizados para a concretização das duas normas, no entanto, são bastante diferentes. Para se configurar o abuso, realiza-se a consideração econômica do fato praticado, e não interpretação da norma: “[...] a postura é tópica, pois se parte de um problema da vida, mas a consequência, para o direito, é integrativa”68. Se defendemos que a postura casuísta deve encontrar os seus limites no direito posto, somente será possível se aplicar o direito em conformidade com a norma tributária eludida se houver norma autorizativa de analogia gravosa.

O propósito negocial transita, portanto, sem grandes dificuldades pelo plano das garantias que apontam para o abuso de formas, como se pode perceber. No caso de aplicação de simulação em sentido amplo, a falta de propósito negocial poderá ser considerada no plano dos grounds da alegação como a incompatibilidade entre a causa concreta e a causa abstrata, que indicará para a nulidade com garantia no vício de causa. Por este motivo que, para Fábio Piovesan Bozza, a invocação dos ilícitos atípicos (entre eles o abuso de formas), “[...] além de indevida, mostra-se desnecessária”, pois questionar a causa do negócio seria suficiente para cumprir “[...] com os mesmos desígnios daquelas figuras extravagantes”69. O que tampouco este modo de estruturação do argumento parece responder de maneira satisfatória é, ainda que se reconheça o vício que redunda no reconhecimento da simulação e, portanto, da nulidade, como se requalifica o fato gerador. Em outras palavras, a operação deve se dar em duas etapas. Na primeira, afasta-se o fato simulado, posto a público, que evitou pisar no campo minado da tributação. Na segunda, aponta-se para o fim econômico dissimulado. A partir deste momento, surgem questões problemáticas que precisarão ser enfrentadas pelo aplicador: será possível restaurá-lo como fato da vida eficiente para justificar a tributação? Não se estaria a incorrer novamente em analogia, porém por via transversa? O que apoia a passagem para a conclusão70?

Nos casos em concreto, a demonstração, por meio dos dados trazidos a conhecimento do julgador, da existência do propósito negocial foi suficiente para afastar a tese da autoridade fiscal de pacto simulatório. No caso do Acórdão CARF n. 1401-002.081, a operação ocorreu no contexto do IPO da instituição financeira e, assim, demonstrou-se que: (i) sobre os direitos políticos permanecerem na holding, o objetivo foi centralizar a governança corporativa do banco de modo a uniformizar as decisões sociais com o bloco de controladores em uma única pessoa jurídica; (ii) sobre os direitos econômicos permanecerem com os sócios pessoas físicas, o objetivo foi manter liberdade da pessoa física investidora de receber e administrar os recursos financeiros recebidos do banco sem precisar depender da deliberação dos demais acionistas da holding para a distribuição dos valores. Tais elementos compuseram, de modo eficaz, a refutação da simulação, circunscrevendo sob o mesmo âmbito as causas concreta e abstrata da operação (R). Por outro lado, ainda que houvesse a dissociação entre as causas, apontou o relator para a falta de previsão legal do fundamento utilizado pela autoridade fiscal (“abuso de forma”) no direito brasileiro.

Conclusão

A figura dos juros sobre o capital próprio, regulada pela Lei n. 9.249/1995, por integrar os direitos econômicos da ação, é passível de usufruto, na qualidade de fruto ou utilidade da ação ou quota social, podendo ser atribuída aos sócios pessoas físicas que realizaram a integralização com retenção desta parcela do domínio. A sujeição passiva, por sua vez, decorre de lei, e não de convenções particulares, sendo esta a dicção do art. 123 do Código Tributário Nacional. Diante da inexistência de lei [B] a reordenar o vínculo jurídico-tributário, a proprietária do bem ou direito que não detém poder econômico sobre a ação ou quota não pode ser exigida de tributo devido por terceiro, pois não se reveste da condição de contribuinte. Por outro lado, o propósito negocial ou outras motivações de caráter doutrinal, moral ou extrajurídico, ainda que não possam servir de fundamento último para a desconsideração da operação [B], tampouco de garantia [W] para a conclusão da existência de abuso de formas ou dissimulação por ausência de amparo legal, podem ser utilizados pela decisão como forma de refutação eficaz [R] da existência de pacto simulatório.

Em outras palavras, a disposição da presença de propósito negocial no elemento de refutação permite a sua consideração como elemento protetivo que, uma vez comprovado, elide a hipótese de simulação ou abuso. Logo, ainda que a falta de propósito negocial constitua vera imoralidade para o aplicador, como tal instituto é indiferente ao direito positivo federal, não havendo outros indícios de simulação ou de fraude, o ato ou negócio jurídico que gerou economia tributária [D] deve, presumivelmente [Q], ser mantido [C] com base em W, B, ainda que demonstrada a ausência de propósito negocial [R]. Contudo, a presença da intenção negocial pode ser capaz de perturbar a estrutura argumentativa da decisão nos seguintes termos: o ato ou negócio jurídico que gerou economia tributária [D] deve, presumivelmente [Q], ser desconsiderado [C] com base em W, B, salvo se demonstrado o propósito negocial [R], que elide a presença do abuso ou simulação.

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1 Acórdão CARF n. 1401-002.081, de 23 de outubro de 2017, contribuinte Porto Seguro Itaú Unibanco Participações S/A, de relatoria do Conselheiro Daniel Ribeiro Silva.

2 Acórdão CARF n. 1402-002.445, de 10 de abril de 2017, contribuinte IUPAR – Itaú Unibanco Participações S/A, de relatoria do Conselheiro Paulo Mateus Ciccone, que negava provimento ao recurso voluntário interposto. Designado como redator do voto vencedor o Conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto.

3 Acórdão CARF n. 2401004.569, de 7 de fevereiro de 2017, contribuinte Carlos Moche Dayan (sócio pessoa física do Banco Daycoval Holding Financeira S/A), de relatoria da Conselheira Miriam Denise Xavier Lazarini, que negava provimento ao recurso voluntário interposto. Designado como redator do voto vencedor o Conselheiro Cleberson Alex Friess.

4 Acórdão CARF n. 1103-001.123, de 21 de outubro de 2014, contribuinte Daycoval Holding Financeira S/A, de relatoria do Conselheiro Breno Ferreira Martins Vasconcelos.

5 Acórdão CSRF n. 9101-002.953, proferido em 3 de julho de 2017, contribuinte Klabin S/A, de relatoria da Conselheira Cristiane Silva Costa: “Simulação relativa. Vício de vontade. CTN, art. 116, parágrafo único. Ganho de capital. Alienação. É legítima a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do IRPJ, nos termos do artigo 116, parágrafo único do CTN”.

6 Acórdão CARF n. 1401-002.081.

7 Acórdão CARF n. 1103­001.123 e Acórdão CARF n. 1402-002.445.

8 Acórdão CARF n. 1103­001.123 e Acórdão CARF n. 1402-002.445.

9 Acórdão CARF n. 2401­004.569 e Acórdão CSRF n. 9101-002.953.

10 V.g., Acórdão DRJ n. 13-29263, de 14 de maio de 2010.

11 Acórdão CARF n. 1201-000.386, sessão de 28 de janeiro de 2011: “[...] O ganho do nu proprietário [...] é igual à diferença entre o preço recebido do usufrutuário e o valor dos frutos que tais ações gerarem, consubstanciados nos dividendos e no juro sobre capital próprio que a companhia investida vier a pagar ao usufrutuário”.

12 Processo Administrativo CVM RJ n. 2008/6446, voto vencedor Presidente Maria Helena Santana.

13 ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial. São Paulo: Quartier Latin, 2014; e BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. Argumentação tributária de lógica substancial. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob orientação do professor José Maria Arruda de Andrade, 2016.

14 Em detalhes, ver ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006.

15 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Werkausgabe, Band 1. Frankfurt am Maim: Suhrkamp Verlag, 1984, § 217.

16 TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 368-369. Convém registrar que a sua abordagem tem sido utilizada em vários domínios do saber: HITCHCOCK, David; e VERHEIJ, Bart. Introduction. In: HITCHCOCK, David; e VERHEIJ, Bart (ed.). Arguing on the Toulmin Model – new essays in argument analysis and evaluation. Dordrecht (The Netherlands): Springer, Argument Library, 2006. v. 10, p. 08: “[...] and indeed his model has been reshaped in various ways, his claims have been contested by some and in response reformulated by others, and some but not all aspects of his approach have been incorporated in applications in different domains”.

17 TOULMIN, Stephen. The uses of argument. Udpdated ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 17.

18 ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial, p. 145.

19 TOULMIN, Stephen E. An examination of the place of reason in ethics. London: The Syndics of the Cambridge University Press, 1961, p. 223: “Ethics is concerned with the harmonious satisfaction of desires and interests. On most occasions it is a good reason for choosing or approving of an action that it is in accordance with an established maxim of conduct, for the existing moral code, and the current institutions and laws, provide the most reliable guide as to which decision will be happy – in the same kind of way as codes of standard practice in engineering”.

20 ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial, p. 178 e ss.

21 Nesse sentido, tratando do teste do pedigree, ver DIMOULIS, Dimitri; e LUNARDI, Soraya Gasparetto. O positivismo jurídico diante da principiologia. In: DIMOULIS, Dimitri; e DUARTE, Écio Oto (org.). Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008, p. 181-182. Sobre a colmatação de lacunas e a analogia, ver ANDRADE, José Maria Arruda de. Op. cit. Interpretação da norma tributária, p. 191-248 e 276-288.

22 ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial, p. 159.

23 TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento, p. 151: imerso em uma tradição de common law, Toulmin não se preocupa em fazer a distinção “[...] afirmações de garantias, nós vimos, são hipotéticas [...], mas o apoio para as garantias pode ser expresso na forma de afirmações categóricas de fato, como também podem ser expressos os dados invocados em suporte direto para as nossas conclusões”.

24 TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento, p. 364: “Argumentos dentro de qualquer campo podem ser julgados por padrões apropriados dentro desse campo, e alguns não alcançarão o objetivo”.

25 BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. Op. cit., passim.

26 ANDRADE, José Maria Arruda de. Op. cit. Interpretação da norma tributária, p. 137: “[...] os limites de interpretação apontarão para o mecanismo de obtenção de uniformidade (sobrevivência/não reforma da norma-decisão) e para os limites de discutibilidade processual. Discutibilidade processual, aqui, como possibilidade das partes de se manifestarem (petições/audiências/provas) e de terem seus argumentos apreciados (conhecimento por parte do intérprete autêntico).”

27 “Se tivermos de expor nossos argumentos com completa imparcialidade lógica e compreender adequadamente a natureza ‘do processo lógico’, teremos, com certeza, de empregar um padrão de argumentos tão sofisticado, no mínimo quanto é necessário em Direito” ( TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento, p. 139).

28 Às vezes, no mesmo lugar dos dados [D], menciona-se grounds [G]. Ou seja, dados [D] ou razões/fundamentos [G] para a alegação [C]. Ver TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; e JANIK, Allan. An introduction to reasoning. 2. ed., Prentice Hall, 1984.

29 Idem, p. 136.

30 No Acórdão n. 1103-001.123, de maneira explícita.

31 Acórdão CARF n. 1103-001.123.

32 Acórdão CARF n. 1103-001.123.

33 GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense. Coleção Sapere Aude (coord. Edvaldo Brito), 2012, p. 317-318: “O usufruto constitui-se por determinação da lei, por vontade do homem e por usucapião [...]. A constituição voluntária do usufruto opera-se mediante alienação ou retenção [...]. O contrato não é a forma usual de constituição do usufruto. Emprega-se, ordinariamente, quando o concedente doa o bem, mas quer reter os direitos de usá-lo e frui-lo”.

34 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 5: direito das coisas, p. 539: “A ideia de preservação da substância é essencial à noção de usufruto”.

35 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 319: “São direitos do usufrutuário: a) o de possuir a coisa ou o direito; b) o de fruir as suas utilidades; c) o de perceber os frutos; d) o de administrá-la; e) o de ceder o exercício do usufruto”.

36 Ibidem.

37 Ibidem.

38 Ibidem.

39 Lei n. 6.404/1976, art. 114. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.

40 Lei n. 6.404/1976, art. 205. A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação.

41 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 549: “Pleno é o usufruto que compreende todos os frutos e utilidades que a coisa produz, sem exclusão de nenhum; restrito é o que restringe o gozo da coisa a alguma de suas utilidades”.

42 Processo Administrativo CVM/RJ n. 2008/6446, voto vencedor Presidente Maria Helena Santana: “[...] os autores da Lei das S.A. não poderiam antever que seria criada essa figura híbrida que é o JCP”.

43 Decisão n. 477/2001, da 4ª Turma da Delegacia Regional de Julgamento de Recife.

44 REsp n. 921.269/RS (DJe 14.06.2007).

45 XAVIER, A. Natureza jurídico-tributária dos “juros sobre capital próprio” face à lei interna e aos tratados internacionais. Revista Dialética de Direito Tributário n. 21. São Paulo: Dialética, junho de 1997, p. 8.

46 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Juros sobre o capital próprio: momento de dedução da despesa. Revista Direito Tributário Atual v. 28. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012.

47 BEUREN, Ilse Maria. Conceituação e contabilização do custo de oportunidade. Caderno de Estudos n. 08. São Paulo: FIPECAFI, abril de 1993, passim.

48 LIMA, Mariana Miranda. A natureza jurídica dos juros sobre o capital próprio e as convenções para evitar a dupla tributação. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob orientação do professor Heleno Taveira Tôrres, 2009, p. 11.

49 SCHOUERI, Luís Eduardo. Juros sobre capital próprio: natureza jurídica e forma de apuração diante da ‘Nova Contabilidade’. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (org.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). 1. ed. São Paulo: Dialética, 2012. v. 3.

50 MALHERBE, Jacques, e VETTORI, Gustavo Gonçalves. Deducting interests on equity capital: Brazilian and Belgium tax rules compared. Studi Tributari Europei n. 1, 2010.

51 Acórdão CARF n. 1201­000.386, Conselheiro Relator Regis Magalhães Soares de Queiroz, sessão de 26 de janeiro de 2011.

52 Por todos, o Acórdão CARF n. 1401-002.081: “Apesar de os dividendos e os JCP possuírem natureza jurídica e tratamentos tributários distintos, ambos dizem respeito a formas de a sociedade remunerar o acionista pelo capital por ele investido”.

53 Recurso Especial n. 1.169.202/SP.

54 SOUSA, Rubens Gomes de. Trabalhos da Comissão especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/511517>. Acesso em: 02 abril 2018.

55 Código Tributário Nacional, art. 121. “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

56 BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. Op. cit., p. 85.

57 Idem, passim.

58 TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento, p. 364: “Argumentos dentro de qualquer campo podem ser julgados por padrões apropriados dentro desse campo, e alguns não alcançarão o objetivo”.

59 BERMEJO-LUQUE, Lilian. Toulmin’s Model of argument and the question of relativism. In: HITCHCOCK, David; e VERHEIJ, Bart (ed.). Arguing on the Toulmin Model – new essays in argument analysis and evaluation. Dordrecht (The Netherlands): Springer, Argument Library, 2006. v. 10, p. 84: “This warrant may also belong to a field, and its truth-value would determine the extent to which the argument is logically good. In that sense, the whole point of stressing field-dependency would be to give an account of validity as a material, rather than as a formal matter. This is something which, in my view, is at the core of Toulmin’s criticism of classical logic as a tool for argument appraisal”.

60 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 746: A “[...] repartição de competências tributárias deixou uma série de situações de lado”.

61 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 735.

62 Ibidem.

63 SCHOUERI, Luís Eduardo. O desafio do planejamento tributário. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); e FREITAS, Rodrigo (org.). Planejamento tributário e o “propósito negocial”. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Importante, ainda, estabelecer a distância entre o abuso de formas e o “abuso do direito”, por meio do qual se exige que, a partir “[...] do exercício de um direito se atinja direito alheio”. Assim, o abuso de formas está muito mais próximo da fraude à lei do direito privado, e não o abuso do direito. No mesmo sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 735: “É íntima, com efeito, a relação entre o abuso de formas jurídicas [...] e a fraude à lei”, a se ter em conta que, a depender do fato, a prática elusiva poderá implicar fraude.

64 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 739.

65 SCHOUERI, Luís Eduardo. O Refis e a desjudicialização do planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 232. São Paulo: Dialética, p. 108.

66 BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia privada. São Paulo: Quartier Latin/Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), 2015, p. 299. Tratava-se do “[...] art. 64 do Livro de Procedimentos Fiscais”.

67 Ibidem.

68 BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. Op. cit., p. 170.

69 BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia privada. São Paulo: Quartier Latin/Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), 2015, p. 308-311: “O desafio do planejamento tributário não está na adaptação de medidas de controle presentes no Direito estrangeiro ao contexto brasileiro nem na eleição de novos requisitos de validade para referendar a economia fiscal. Está no fortalecimento dos elementos e dos institutos já existentes no ordenamento brasileiro, a exemplo do reconhecimento da importância da causa”.

70 BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. Op. cit., Ibidem.