O Problema do Tratamento Tributário dos Contratos Atípicos da Economia Digital: Tipicidade Econômica e Fracionamento de Contratos

The Problem of the Tax Treatment of Atypical Contracts of the Digital Economy: Economic Typicity and Contract Fragmentation

Victor Borges Polizelli

Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário Internacional do IBDT. Professor do Mestrado Profissional do IBDT nas matérias de Desafios da Tributação do Comércio Eletrônico Internacional e Preços de Transferência. Advogado em São Paulo. E-mail: vpolizelli@klalaw.com.br.

Luiz Carlos de Andrade Júnior

Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Professor Doutor de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CCT-Campinas). Professor da Especialização em Direito Tributário do IBDT. Advogado em São Paulo. E-mail: landrade@klalaw.com.br.

Resumo

Tomando como pressuposto que os contratos praticados no âmbito da economia digital são geralmente atípicos, o presente artigo aborda as principais teorias do direito privado para a qualificação de tais contratos e sua recondução às formas típicas para fins de definição de seu regime jurídico e também para determinar sua tributação. Questiona-se, essencialmente, quais circunstâncias levam os contratos a serem fracionados – resultando na tributação de seus elementos isoladamente – e quando, pelo contrário, devem tais elementos ser combinados para a tributação do conjunto em razão do elemento preponderante.

Palavras-chave: qualificação tributária, contratos típicos, contratos atípicos, tipicidade econômica, fracionamento de contratos, economia digital.

Abstract

Assuming that the contracts practiced in the digital economy are generally atypical, this article addresses the main theories of private law for the qualification of such contracts and their reinsertion into typical contractual forms for the purposes of defining their legal regime and also their taxation. It is essentially a question of what circumstances lead to contracts being split up – resulting in the taxation of their elements in isolation – and when, on the contrary, such elements must be combined for the taxation of the whole contract by reason of the preponderancy of one of its elements.

Keywords: qualification of contracts, typical contracts, atypical contracts, economic typicality, fragmentation of contracts, digital economy.

1. Introdução

Um dos aspectos mais intrincados e fascinantes da aplicação da legislação tributária consiste em desvendar o funcionamento da sua relação com o direito privado, especialmente no que concerne à alusão que as normas tributárias fazem a contratos típicos do direito privado. Na economia digital, tal característica se apresenta com bastante frequência, pois a maioria dos contratos celebrados na economia digital é atípica e sua recondução aos tipos contratuais do direito privado, ou melhor, às categorias de atividades tributáveis previstas pelo direito tributário, se revela uma tarefa desafiadora.

O presente artigo faz uma imersão no direito privado para buscar entender quais mecanismos são oferecidos nesta área do conhecimento para a apreciação e qualificação dos contratos atípicos. São examinadas as teorias mais comuns, que conduzem seja a um “fatiamento” do contrato atípico em distintos componentes (teoria da combinação), seja a uma medida prática de qualificação do conjunto em razão do componente que se demonstrar mais essencial (teoria da absorção).

Esta postura de fragmentação dos contratos ou unificação das suas partes frequenta muitos casos práticos cotidianos do direito tributário, reclamando do intérprete uma aplicação coerente das técnicas interpretativas. Em última análise, questiona-se, com riqueza de exemplos, se o direito tributário deve sempre ser visto como um direito de sobreposição às categorias de direito privado, ou se, numa outra perspectiva, o direito tributário configura tipos jurídicos independentes do direito privado e estruturados simplesmente sobre situações de fato.

2. A liberdade de contratar como fator de viabilidade e sucesso da economia digital

O florescimento da “economia digital” enfrentaria obstáculos jurídicos intransponíveis se as modernas legislações não conferissem, aos particulares, ampla liberdade de contratar. Entendida como a abrangente tendência de expansão dos ativos baseados no conhecimento, verificada no âmbito da transformação de todos os setores da economia proporcionada pela computarização da informação1, a economia digital somente pôde se desenvolver em ritmo acelerado, como o que se observou, porque as inovadoras práticas comerciais que a constituem puderam revestir-se de roupagens jurídicas igualmente inovadoras. Se não fosse possível a criação de novos modelos contratuais, além daqueles previstos expressamente em lei, as relações econômicas digitais travar-se-iam em contexto de insegurança jurídica, o que fatalmente frearia os ímpetos criativos de seus agentes. Daí a liberdade de contratar representar, para a economia digital, um fator de viabilidade e sucesso decisivo.

A liberdade de contratar, enquanto elemento da autonomia privada, compõe-se de três dimensões bem demarcadas: a liberdade de escolher celebrar o contrato; a liberdade de escolher qual contrato celebrar; e a liberdade de escolher o conteúdo do contrato por celebrar. A segunda destas dimensões – à qual dirigiremos o olhar na persecução dos objetivos do presente estudo – abrange a liberdade de celebrar contratos típicos e atípicos. Um contrato é típico quando, em virtude de suas características, corresponde a um modelo de regulação expressamente previsto e disciplinado em lei. São típicos, dessa feita, contratos como a compra e venda (arts. 481 a 532 do Código Civil), a locação (arts. 565 a 578 do Código Civil), a doação (arts. 538 a 564 do Código Civil) etc. São atípicos, em contrapartida, os contratos celebrados pelos particulares que, em virtude de suas características, não são reconduzíveis a qualquer tipo contratual; a liberdade de celebração de contratos atípicos encontra-se prevista no art. 425 do Código Civil2.

A maioria dos contratos celebrados no âmbito da economia digital é atípica. Tal circunstância gera dificuldades do ponto de vista tributário, pois a linguagem empregada nos enunciados das normas fiscais – geralmente alusiva a contratos típicos do direito privado – não dá conta, no mais das vezes, de precisar o tratamento tributário ao qual os contratos atípicos devem sujeitar-se. Mais especificamente, depara-se o intérprete, frequentemente, com dúvidas sobre o cabimento da tributação (ou isenção) de uma determinada operação integrante de um contrato complexo, mormente quando (quase sempre) a norma tributária não enuncia, como pressuposto de aplicação (antecedente normativo), um tal contrato complexo. Uma solução, de que não raramente se cogita, é o “fatiamento” do contrato, para a aplicação, a parcelas deste, de normas tributárias que fazem alusão a contratos típicos. É nesse cenário que se coloca a questão da fragmentação ou fracionamento de contratos – cuja relevância se acentua no plano da economia digital.

Para bem delinear a extensão dessa problemática, é pertinente examinar as vicissitudes afeitas à atipicidade no direito privado, e as soluções concebidas nesta sede, as quais, vez ou outra, inspiram propostas para o tratamento dos contratos atípicos no direito tributário.

3. O problema da atipicidade contratual no direito privado

Justamente por não se sujeitarem a modelos de regulação previamente estabelecidos em lei, a aplicação dos contratos atípicos (para solução de conflitos de interesse surgidos em torno deles) depende de um procedimento de interpretação mais sofisticado que aquele demandado pelos contratos típicos. No tempo em que era costume a locação de fitas cassetes, era fácil chegar à conclusão de que, caso se deteriorasse o vhs durante a vigência de um contrato de locação em particular, sem culpa do locatário, a este caberia pedir redução proporcional do aluguel ou a resolução do contrato (art. 567 do Código Civil). Inexistindo, neste caso, dúvidas sobre o modelo de regulação em que se enquadraria o contrato, bastaria consultá-lo para, imediatamente, encontrar a diretriz normativa pertinente. Não tão fácil, porém, seria, hoje, precisar o tratamento jurídico a ser conferido à hipótese, verificada no curso de contrato de disponibilização instantânea e contínua de mídias digitais (streaming), de indisponibilidade temporária da utilidade prometida pela parte contratada. É claro que o incidente poderia dar causa a consequências especificamente previstas nos “termos e condições de uso” do “serviço”; mas sempre que assim não fosse, surgiria a necessidade de identificar, dentre as regras legais disponíveis, qual ofereceria a melhor solução ao caso concreto.

Ao lidar com contratos típicos, o intérprete que busca a solução para um conflito de interesses tem à sua disposição três classes de elementos, com base nos quais consegue investigá-la. Os elementos essenciais, naturais e acidentais. Os elementos essenciais são os que integram a estrutura do tipo (por exemplo, o preço, a coisa e o consenso na compra e venda). Se falta um elemento essencial, o contrato ou passa a ser de outro tipo, ou torna-se atípico. Os elementos naturais são aqueles previstos em normas legais dispositivas, e serão considerados tão somente na hipótese de omissão do contrato (por exemplo, a duração do comodato ao menos pelo prazo necessário para o uso concedido). Por fim, os elementos acidentais são aqueles que, não tendo sido previstos em normas imperativas, nem sendo ilícitos ou proibidos, podem ser insertos no contrato por livre deliberação das partes (por exemplo, a condição resolutiva da doação em forma de subvenção periódica, consistente no atingimento da maioridade pelo donatário). Com base nestes elementos, o intérprete recorrerá ao modelo legal correspondente sempre que a controvérsia com a qual se depare envolver elementos essenciais ou naturais do contrato, e dele extrairá a solução aplicável.

Esse procedimento, entretanto, não se aplica aos contratos atípicos. Em primeiro lugar, isto se deve ao fato de que os contratos atípicos não têm elementos essenciais (ao menos, os elementos essenciais dos tipos legais). Certamente estes contratos possuem os elementos de existência de qualquer negócio jurídico (partes, forma e objeto). Mas os elementos essenciais propriamente ditos referem-se ao tipo, e uma vez que os contratos atípicos não são reconduzíveis a qualquer tipo, eles não têm essa classe de elementos3. Em segundo lugar, numa primeira aproximação, os contratos atípicos não contam com elementos naturais. Isto se deve à circunstância de que os elementos naturais também são descritos pela lei com especial referência a um tipo. Desse modo, não seria errado afirmar, em linha de partida, que os contratos atípicos são inteiramente contingentes, ou seja, compostos somente de elementos acidentais. A principal consequência disso é a exclusividade do conteúdo do contrato (declarado pelas partes) enquanto fonte inequívoca de pesquisa das soluções aplicáveis aos conflitos de interesse surgidos em torno dele, o que acarreta a dificuldade de suprir eventuais lacunas ou omissões do contrato com recurso a disposições legais genéricas.

Tendo em vista a dificuldade por último anunciada, e diante da premissa de que os contratos atípicos não poderiam dar origem a conflitos de interesse sem solução – sob pena de causarem-se graves prejuízos à segurança da circulação jurídica de bens e de serviços –, a dogmática buscou elaborar formulações teóricas que permitiriam aplicar, aos contratos atípicos, normas relacionadas a elementos essenciais e naturais dos contratos típicos. Propuseram-se, com esta finalidade, categorias como as dos contratos mistos, contratos indiretos4 e contratos fiduciários, as quais seriam contrapostas à categoria dos contratos atípicos puros.

Os contratos mistos são os que, resultando da combinação de elementos de diferentes tipos contratuais, formam uma espécie contratual não esquematizada em lei5; dividem-se em “contratos de tipo múltiplo” e “contratos de tipo modificado”6. Os negócios indiretos, a seu turno, são aqueles negócios típicos dos quais as partes se utilizam com vistas a atingir resultados atípicos, ou pertencentes a outro tipo7. Com o negócio fiduciário, as partes celebram, além do negócio jurídico, um pacto adjeto (pactum fiduciæ) que vincula a sua eficácia à consecução de uma finalidade específica; dessa feita, o negócio fiduciário implica como regra a transcendência dos meios sobre os efeitos, pois envolve a consensual restrição do escopo negocial para o atendimento de uma finalidade específica8. Os negócios atípicos puros, por fim, são aqueles completamente inovadores, cujas prestações não coincidem de maneira substancial com quaisquer aspectos dos contratos típicos.

A partir do manejo destas figuras técnicas, propõe-se que o intérprete estaria em condições de definir a disciplina aplicável aos contratos atípicos, valendo-se de uma operação de integração ou construção (construction). Não existe um mecanismo de integração unanimemente aceito para a identificação do regime jurídico dos contratos atípicos, cogitando a doutrina de três alternativas: a combinação, a absorção e a aplicação analógica (englobando a analogia legis e a analogia juris, esta última também chamada de criação).

De acordo com a teoria da combinação, pode-se decompor e isolar os componentes de qualquer contrato atípico, identificando nestes os elementos próprios de contratos típicos, para lhe aplicar a respectiva disciplina legal. Em vista disso, o contrato atípico seria “fatiado” em vários “pedaços de contratos típicos”, aplicando-se a cada um destes as regras pertinentes constantes do respectivo modelo de regulação9. Este mecanismo seria aplicável sobretudo aos contratos que preveem prestações independentes entre si e com peso relativamente equivalente, de modo que não seja possível vislumbrar umas como acessórias de outras10.

Para os partidários da teoria da absorção, por outro lado, deve-se assumir como ponto de partida da análise a premissa de que todo contrato atípico possui um elemento preponderante, ao qual se subordinam os demais:

“Por sua significação, esse elemento principal atrairia, para a sua órbita, os elementos secundários, sujeitando-os às regras que a ele são aplicáveis. Tal a sua força de expansão na estrutura do contrato, que neutralizaria os demais, a ponto de absorvê-los”11.

A propósito desta teoria, relatando as formulações de Lotmar, Pais de Vasconcelos esclarece que, quando presentes em um contrato, ao lado de uma prestação típica, prestações que são alheias a qualquer tipo, deverá o contrato ser subsumido às normas concernentes ao tipo dominante. Entretanto, quando se encontrarem reunidas numa só relação jurídica prestações de diferentes tipos, a qualificação do contrato deverá pender para um dos tipos através de um critério objetivo de preponderância. Isto não deve implicar o desprezo à prestação não correspondente ao tipo dominante, mas uma integração desta com as demais prestações por meio de uma combinação, a qual, contudo, não será autonomizada:

“Bem entendida, a absorção dá ao contrato a disciplina típica do tipo dominante na parte que lhe cabe e trata a parte não correspondente ao tipo dominante como cláusula acessória, cuja disciplina vem a ser concretizada de acordo com os princípios gerais”12.

A teoria da aplicação analógica, por sua vez, sustenta que a disciplina dos contratos atípicos deve ser identificada por meio da analogia, cabendo ao intérprete procurar o contrato típico do qual mais se aproxima o contrato atípico para então aplicar a este as regras pertinentes àquele (analogia legis). No caso de este procedimento falhar, o que pode suceder quando não existe qualquer tipo ao qual o contrato atípico ao menos se assemelha (contratos atípicos puros), cabe recorrer à analogia juris, invocando-se os princípios gerais do direito13 (hipótese que se aproxima da formulação de uma quarta teoria, a teoria da criação, segundo a qual quando tudo o mais não resolver, deve o intérprete buscar socorro nos princípios, cláusulas gerais e standards)14.

As teorias antes referidas, entretanto, sofrem fundadas críticas. A respeito da teoria da combinação, afirma-se que sempre que for possível “fatiar” um contrato em vários, estar-se-á diante de vários contratos, o que tornaria despropositada a consideração do contrato como unitário e atípico; logo, este método não serviria para orientar a interpretação do regime jurídico dos contratos atípicos (e, no limite, implicaria a negação da possibilidade jurídica de contratos atípicos)15. Além disso, defende-se que, a rigor, não seria adequado considerar um contrato como a justaposição de diversas peças, que, correspondendo a elementos de contratos típicos diferentes, poderiam ser desmembradas para a finalidade de definir-se a respectiva disciplina legal. Na verdade, as frações do contrato estariam interligadas e interpenetradas, de modo que somente com base num artificialismo excessivo seria possível tratá-las como independentes16. A teoria da absorção, a seu turno, pecaria por presumir a existência de um elemento dominante típico nos contratos atípicos, o qual pode faltar, não apenas porque os componentes de um contrato relacionam-se geralmente segundo uma lógica de coordenação (não subordinação), mas também porque o elemento dominante, se houver, pode ser em si atípico17. A analogia legis, no mais das vezes mostra-se insuficiente, pois não dá conta de equalizar a problemática dos contratos atípicos puros18, ao passo que a analogia juris tende a oferecer soluções aproximativas grosseiras, que podem não acomodar todas as peculiaridades do contrato, e variar excessivamente ao gosto e ao humor do intérprete. Vale lembrar, ainda, que para certos fins – como os tributários – a analogia possui aplicação restrita.

Nesse estado de coisas, sustenta-se que os mecanismos da combinação, absorção e analogia (analogia legis e criação) não são incompatíveis entre si. Não cabe falar de teorias exclusivistas, das quais uma única se deva reputar “verdadeira”, capaz de revelar a solução adequada para todos os casos envolvendo a atipicidade. Assim, cabe ao intérprete verificar no caso concreto (envolvendo contratos atípicos de tipo misto, negócios indiretos ou negócios fiduciários) qual mecanismo se mostra mais adequado, e adotá-lo, ainda que em conjunto com outro mecanismo, se as circunstâncias do problema assim sugerirem. A absorção, por exemplo, mostra-se mais adaptada para resolver problemas derivados de contratos mistos de tipo modificado, ao passo que a combinação parece funcionar melhor relativamente a contratos mistos de tipo múltiplo. Em todo caso, especialmente nos de negócios indiretos (em que há transcendência do fim sobre o meio) e negócios fiduciários (em que há transcendência do meio sobre o fim), a analogia poderá ser útil para complementar o processo interpretativo, e se nada disso bastar, será inevitável criar uma solução com base em princípios e cláusulas gerais19.

4. O problema da atipicidade contratual no direito tributário

Esta concepção teórica eclética20, conquanto possa ser aceitável para fins de direito contratual, não se afigura satisfatória para fins tributários – ao menos sem uma justificação mais robusta. O legislador tributário frequentemente se refere a tipos contratuais ao definir a incidência de tributos e a extensão da obrigação dela originada. Em virtude deste procedimento, contudo, os efeitos obrigacionais irradiados da lei tributária, em princípio, somente atingirão aqueles contratos típicos que tiverem sido expressamente mencionados no seu texto. Disto decorre uma diferença fundamental entre o direito civil e o tributário, no que tange à disciplina dos contratos atípicos: enquanto, no primeiro, não é admissível que um determinado contrato, por ser atípico, permaneça alheio ao raio de incidência das normas disciplinadoras das posições jurídicas dos contraentes, no segundo, é aceitável e trivial que um determinado contrato, não coincidente com o tipo contratual referido na norma tributária, escape à incidência desta, e até mesmo de qualquer outra (isto é, não seja causa do surgimento de qualquer obrigação tributária específica).

Insistindo-se um pouco mais neste confronto, cumpre notar que, no direito civil, a aplicação de um contrato atípico funda-se num raciocínio trifásico, composto (i) pela qualificação (etapa tipológica), (ii) pela identificação das normas que estabelecem a respectiva disciplina jurídica (etapa de imputação); e (iii) pela definição, em função das peculiaridades dos fatos concretos, da extensão dos efeitos decorrentes da aplicação das normas antes identificadas (etapa de calibragem). Se um contrato não se reconduz a um tipo qualquer, ele será qualificado (etapa tipológica) como atípico, sendo então necessário investigar, com o auxílio dos mecanismos técnicos disponíveis (absorção, combinação, analogia), quais serão as normas a que ele estará sujeito (etapa de imputação); identificadas tais normas, a etapa de calibragem será empreendida com a consideração da individualidade fática do caso. Ao final deste procedimento, o contrato continuará sendo atípico (a sua qualificação não mudará), mas ele ficará sujeito a consequências típicas (previstas para algum tipo contratual), ou atípicas (construídas a partir de princípios, cláusulas gerais etc., e não previstas para qualquer outro tipo contratual).

No direito tributário, em contrapartida, o raciocínio que dirige a aplicação da norma tributária será sempre bifásico, composto unicamente pela qualificação e pela calibragem. Isto porque no terreno tributário dá-se a absorção da etapa de imputação pela etapa de qualificação, pois, havendo o enquadramento de um fato concreto no pressuposto fático abstratamente previsto na norma de incidência, a imputação será automática e invariável21. Em virtude disso, no direito tributário, as consequências normativas serão sempre típicas (pois a legislação tributária, ao descrever o fato gerador, cria os seus próprios tipos, ainda que fazendo remissão a tipos do direito civil) sendo vedado ao intérprete supor existentes incidências fiscais a partir da analogia, qualquer que seja ela, legis ou juris22. Nessa esteira, seria, numa primeira abordagem, descabido cogitar-se da aplicação de quaisquer dos mecanismos de integração da disciplina dos contratos atípicos (absorção, combinação, analogia) no contexto da legislação tributária. O problema central a ser enfrentado na aplicação da legislação tributária aos contratos atípicos, por conseguinte, deveria restringir-se à qualificação destes (etapa tipológica); uma vez constatada a atipicidade, sendo impossível a recondução do fato concreto ao pressuposto de incidência da norma, impor-se-ia a conclusão de que aquele escapa ao raio de incidência desta.

A linha de argumentação acima delineada, embora se afigure tecnicamente consistente, deve submeter-se a um exame crítico antes de se ser acolhida em definitivo. Este exercício tende a render melhores frutos caso seja precedido de uma ilustração que permita visualizar, na prática, o resultado da negativa de aplicação de normas tributárias a contratos atípicos. Considere-se, neste desiderato, o exemplo da pretensa aplicação do art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997 a um contrato atípico. Reza o mencionado dispositivo legal:

“Artigo 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses:

I – receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras ou motores de aeronaves estrangeiros, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como os pagamentos de aluguel de contêineres, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias;

[...]”.

O contrato de afretamento é um contrato típico, descrito, em suas diversas modalidades, pelo art. 2º da Lei n. 9.432/1997:

“Artigo 2º Para os efeitos desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:

I – afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação;

II – afretamento por tempo: contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado;

III – afretamento por viagem: contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens;

[...]”.

Assuma-se que uma empresa brasileira celebrou, com uma empresa residente no exterior, um “contrato de afretamento de embarcação turística”, o qual, a despeito de sua denominação, previa que a fretadora (proprietária da embarcação) ofereceria uma série de outras prestações aos clientes da afretadora (empresa contratante do afretamento), dentre eles serviços de hotelaria (arrumação e limpeza de cabines), serviços de entretenimento (shows musicais, espetáculos de teatro, organização de festas etc.), e fornecimento de gêneros alimentícios (comidas e bebidas), dentre outras. Este contrato, adicionalmente, previa que seria devido, pela afretadora, um preço único (“pacote fechado”), o qual remuneraria todas as prestações de que a fretadora estaria incumbida.

Um contrato como o acima descrito, conforme se depreende da diversidade das prestações que o compõem, não se reconduz ao tipo legal do afretamento. O afretamento, ainda quando envolva a disponibilização de tripulação (por tempo ou por viagem), tem por finalidade viabilizar o transporte (de pessoas ou coisas); não se compreende no escopo funcional do tipo do afretamento (causa abstrata) utilidades alheias ao transporte – como as relacionadas a diversões, hotelaria, restaurantes etc. – que, devido à sua autonomia, bem poderiam ser objeto de contratos separados, cada qual prevendo um tipo de prestação e o respectivo preço. No caso do contrato hipotético de “contrato de afretamento de embarcação turística”, portanto, diante da sua unidade funcional, imposta pela contratação em “pacote fechado”, seria necessário concluir que ele é atípico (contrato misto), e, como tal, seguindo a linha argumentativa que se pretende criticar, não entraria no raio de incidência do art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997.

Esta solução, no entanto, poderia causar espécie: ainda que atípico, o “contrato de afretamento de embarcação turística” abrangeria, dentre tantas outras, prestações que corresponderiam ao tipo legal do afretamento. Por outras palavras, dir-se-ia que ele “contém” o afretamento, e, em virtude disso, uma parte do preço devido pela afretadora se destinaria a remunerar a “fatia” do contrato correspondente ao afretamento. Em razão disso, seria pertinente fracionar o preço total, imputando uma parte dele ao afretamento “contido” no contrato, para aplicar-lhe a alíquota zero prevista no art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997. Nestes termos, aplicar-se-ia a técnica da combinação para definir a disciplina tributária do contrato, o qual, conquanto atípico, submeter-se-ia parcialmente à incidência da norma tributária.

Ao intérprete entusiasta da defesa dos contribuintes, a aplicação da técnica da combinação para justificar a aplicação de uma norma que diminui a carga impositiva poderia parecer justa e necessária, pois, do contrário, decorreria a tributação de realidades não miradas pela norma impositiva, em contrariedade ao princípio da legalidade fiscal. O intérprete mais comedido, contudo, não descuraria da circunstância de que esta postura hermenêutica pode ser facilmente refutada. Por exemplo, seria igualmente plausível, no caso do “contrato de afretamento de embarcação turística”, sustentar, à luz do mesmo princípio da legalidade fiscal, que, no lugar do mecanismo da combinação, seria necessário empregar o mecanismo da absorção. O conjunto de serviços oferecidos pelo fretador figuraria como objeto principal do contrato, ao passo que o afretamento em si seria mero acessório (deveras – assim segue a argumentação – num cruzeiro turístico, os passageiros valorizam mais as utilidades oferecidas a bordo do que o transporte em si; se o transporte fosse o principal, hoje em dia, dificilmente alguém escolheria viajar longas distâncias num navio). Dessa feita, uma prestação de serviços absorveria o afretamento, devendo prevalecer para fins de definição do tratamento tributário do contrato, afastando-se, consequentemente, a aplicação do art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997.

O intérprete cuidadoso notaria, ainda, que a admissão da aplicação da técnica da combinação para a determinação da incidência de normas tributárias sobre contratos atípicos poderia levar a resultados diversos, a depender da posição (do Fisco ou do contribuinte) que se deseje defender. Pense-se num contrato de compra e venda envolvendo um bem cujo valor “normal” (praticado na localidade do negócio) seja 100, mas que, circunstancialmente, seja negociado por 50. A autoridade fiscal, constatando a partir da experiência que, em relações entre partes independentes, não é comum a concessão de “descontos” tão significativos (50% do valor normal), poderia então defender que o contrato em questão é uma combinação de compra e venda (negócio oneroso) e doação (negócio gratuito) – o que geralmente se designa contracto mixtum cum donatione. Fixada esta premissa, e por intermédio da técnica da combinação, seria plausível submeter um contrato atípico (compra e venda parcialmente gratuita), parcialmente, à incidência do ITCMD; o contrato seria “fatiado”, mediante uma operação intelectual, em dois, e um deles, a parcela gratuita da avença, seria tributada. Esta solução, defenderia a autoridade fiscal, seria justa e necessária.

No cenário assim descortinado, a linha de argumentação segundo a qual, no direito tributário, os contratos atípicos escapam à incidência de normas que prevejam, no antecedente, um contrato típico, pode ser refutada mediante uma invocação peculiar do princípio da legalidade fiscal: sempre que a aplicação de uma norma tributária a (parte de) um contrato atípico possa reduzir a carga tributária, ela deverá ocorrer, recorrendo-se, para tanto, às técnicas civilistas de definição da disciplina dos contratos atípicos que assegurem aquele resultado. Por outro lado, todavia, pode-se também argumentar que a aplicação das regras tributárias a contratos atípicos deveria ser assegurada nos casos em que a providência contrária subtraísse do raio de incidência da norma um fato que deveria sujeitar-se à tributação; neste caso, a invocação da legalidade fiscal serviria ao propósito de preservar o império da lei fiscal, de modo que ela tenha a eficácia pretendida pelo legislador, necessária à concretização plena da competência do ente tributante.

O princípio da legalidade, como se nota, seria manejado como um curinga por defensores de teses opostas, ou melhor, inspiradas por juízos de valor contrários (defesa do contribuinte contra tributação indevida x defesa do poder de tributar do Estado). Em vista deste confronto, salvo se descambar para a militância ideológica, o jurista não tem elementos objetivos que permitam escolher entre uma abordagem (aplicação da norma tributária a contratos atípicos apenas quando isto impede a tributação) e outra (aplicação da norma tributária a contratos atípicos apenas quando isto assegura a tributação). E, se estas teses inspiradas por valores contrários são equipolentes (dotadas da mesma força argumentativa), elas não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras (corretas), embora possam ser, ao mesmo tempo, falsas.

Neste ponto do discurso, um impasse se deflagra: a tese principal (inaplicabilidade das normas tributárias a contratos atípicos) não dá conforto ao intérprete; mas as teses alternativas, como visto, não oferecem melhor resultado.

5. A tipicidade econômica como chave para a equalização da atipicidade contratual no direito tributário

O impasse acima verificado sugere que uma solução dogmática mais elaborada deve ser perseguida. Assumindo como ponto de partida a premissa de que no direito tributário não devem existir soluções atípicas para casos típicos, então o problema parece ser – como antecipado na enunciação da linha argumentativa aqui criticada –, relacionado à qualificação do fato jurídico tributário. Mais especificamente, importa precisar as condições segundo as quais um contrato atípico no direito civil pode ser reputado fato típico para o direito tributário. Para a consecução desta tarefa, é etapa necessária elucidar, de maneira mais detalhada, o que se deve entender por “qualificação”.

No âmbito civil, a qualificação de um contrato é a operação indutiva pela qual este é classificado, categorizado, reconduzido a um tipo legal. Trata-se de “um juízo predicativo que tem como objeto um contrato concretamente celebrado e que tem como conteúdo a correspondência de um contrato a um ou mais tipos, bem como o grau e o modo de ser dessa correspondência”23-24. Analogamente, no direito tributário, a qualificação é o procedimento mental com base no qual um fato (ou melhor, a representação mental – conceito – de um fato25) é reconduzido ao modelo delimitado pela descrição do fato gerador.

Haveria simetria entre a qualificação civil e a tributária se o direito tributário fosse um direito de pura “sobreposição”. Se não existissem tipos especificamente tributários, o tratamento fiscal dos contratos atípicos seria muito facilmente determinado, pois eles não seriam reconduzíveis a qualquer tipo, logo, não se sujeitariam à incidência de qualquer norma tributária. Ocorre, contudo, que o fato gerador da obrigação tributária pode ser, para além de um tipo previsto em outro ramo do direito, também uma situação de fato não submetida a qualquer outra qualificação jurídica, que não a tributária, ou até mesmo uma situação de fato que, embora seja objeto de uma qualificação para fins do direito privado, submete-se a outra qualificação para fins tributários26. É isto, precisamente, o que se extrai do art. 116 do Código Tributário Nacional, que define o fato gerador como “situação de fato”, que se reputa ocorrida “desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios”; ou “situação jurídica”, que se considera aperfeiçoada “desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”.

É indispensável à adequada qualificação do fato jurídico tributário a distinção dos tipos legais tributários, candidatos à qualificação das situações fáticas ou jurídicas com as quais se venha a deparar, entre os que têm como pressuposto de incidência uma situação de fato não reconduzível a qualquer tipo de outro ramo legislativo; uma situação de fato reconduzível a um tipo de outro ramo legislativo, mas que receberá uma qualificação específica para fins tributários; e uma situação jurídica tipificada em outro ramo do direito, a qual deverá ser qualificada, para fins tributários, identicamente ao modo como qualificada no ramo jurídico em que é prevista.

Como decorrência disso, nota-se que a qualificação civil de um contrato como atípico pode, ou não, implicar a não incidência da norma tributária, a depender de como seja desenhado o fato gerador ou o pressuposto fático de incidência desta norma. Se a norma tributária tiver como pressuposto fático de incidência um contrato típico (situação jurídica), dependendo a qualificação de um qualquer contrato como típico das normas do direito civil, então se não houver enquadramento do contrato no tipo, simplesmente não haverá incidência da norma tributária. Neste caso, dir-se-á que o direito tributário se limitou a sobrepor-se ao direito civil. Agora, se a norma tributária criar um novo tipo, independente daquele previsto em outro ramo do direito, a circunstância de um fato qualificar-se como contrato típico ou atípico no direito civil será completamente irrelevante para fins tributários.

É o que sucede quando a norma tributária, embora fazendo referência a um termo também utilizado no direito civil, cria um tipo tributário não idêntico ao civil (com os mesmos elementos essenciais e naturais), cuja categoria reporta-se à operação econômica (situação de fato) que se pode associar àquele termo. O exemplo mais elucidativo desta prática legislativa é o uso da palavra “serviço”, no âmbito do ISS. Uma rápida leitura da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 permite constatar que dali constam inúmeras atividades e negócios jurídicos que não se identificam com o contrato de prestação de serviço definido e disciplinado no Código Civil (arts. 593 a 609). A empreitada, para citar um caso emblemático, é um “serviço” para fins da Lei Complementar n. 116/2003, embora não se identifique com o contrato de prestação de serviço do Código Civil, pois constitui um tipo contratual autônomo (arts. 610 a 626). A melhor explicação para a possibilidade de a empreitada ser um serviço para fins tributários, embora não o seja para fins civis, é aquela segundo a qual a palavra “serviço” não vem empregada, na legislação tributária, com um sentido que remete, estritamente, ao tipo contratual homônimo, mas, diversamente, com um sentido alusivo ao tipo de operação econômica que, por metonímia, abstrai-se daquele tipo contratual.

O que a lei tributária toma como pressuposto de incidência é uma operação econômica típica que, em última instância, é uma situação de fato, nos termos do art. 116 do Código Tributário Nacional (e, por isso, independente da tipificação do direito civil). A propósito da noção de operação econômica, salienta Gabrielli:

“A noção de operação econômica de fato identifica uma sequência unitária e composta que compreende em si o regulamento, todos os comportamentos que com este se coligam para a consecução dos resultados queridos, e a situação objetiva na qual o complexo das regras e os outros comportamentos se colocam, porquanto também tal situação contribui com a definição da relevância substancial do ato de autonomia privada.

A operação econômica, portanto, pela ductilidade que lhe é própria, postula uma maior elasticidade na definição dos elementos de que se compõe, justamente porque alguns destes não necessitam, por exemplo, ser desde o início plenamente determinados nos pontos essenciais”27.

A operação econômica, sob este ponto de vista, forma-se e assume identidade no plano pré-jurídico, motivo pelo qual esta identidade não se torna dependente dos contornos limitados dos tipos contratuais previstos na legislação civil. Ela revela-se não somente pelo que as partes falam ou escrevem, mas sobretudo pelo que elas fazem e pelos objetivos que os seus comportamentos (ações e omissões) permitem supor que são por elas perseguidos. O valor que se atribui, em primeiro lugar, à operação econômica, não é jurídico (isto é, o seu merecimento ou não de tutela jurídica), mas prático: a sua aptidão de prover, aos envolvidos, a satisfação de interesses materiais concretos. Apenas num segundo momento (lógico) se cogitará do reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico, da operação econômica realizada, e da disciplina legal que lhe deve ser dispensada.

O direito civil, ao estabelecer tipos contratuais, também tem em mira operações econômicas28. Prova disso é toda a evolução teórica a que se submeteu a noção de “causa”, hoje indissociável da ideia de função econômica (individual: causa concreta; típica: causa abstrata) do negócio jurídico. No entanto, o direito civil “recorta” a realidade econômica de uma maneira peculiar, que não é a única possível. Isto porque a finalidade do direito civil (patrimonial) é a de assegurar soluções justas a conflitos de interesses (eminentemente patrimoniais) entre particulares, que surgem em torno de operações econômicas; em virtude disto, o “recorte” que o direito privado empreende é influenciado por esta particular orientação teleológica, o que justifica descompassos entre a valoração jurídica e outras valorações econômicas possíveis dos fatos, em virtude dos quais operações econômicas equivalentes podem reconduzir-se a tipos contratuais distintos (e.g., operação de crédito mútuo com garantia real ou compra e venda com pacto de retrovenda); operações econômicas diferentes podem reconduzir-se a um mesmo tipo contratual (e.g., concessão gratuita da utilidade de um bem pelo prazo de sua vida útil, ou por prazo inferior a esta comodato); ou uma operação econômica típica pode dar azo a um negócio atípico.

Estes descompassos tendem a diminuir em razão da tendência (mais recentemente observada no direito privado, e há mais tempo familiar ao direito tributário) de tipificação de operações econômicas. Sobre este processo, vale conferir, mais uma vez, as formulações de Gabrielli29:

“Confirmação ulterior da relevância da categoria da operação econômica se identifica no sistema: a operação econômica hoje se eleva a objeto direto de regulação, independentemente do tipo ou dos tipos de contrato que passam a fazer parte do ato de autonomia privada.

As mais recentes intervenções normativas em matéria contratual se distinguem, de fato, por um emprego amplo, enquanto técnica legislativa, da noção de operação econômica, a qual, diferente do que ocorria no passado, não constitui apenas um critério hermenêutico hábil a fazer emergir, e assim dar relevância, para além do esquema formal do contrato, à operação econômica a este subjacente, mas se manifesta também como técnica legislativa para encerrar em um esquema normativo uma pluralidade de interesses, no mais das vezes dirigidos a assumirem relevância no plano da regulação do mercado.

Sob tal perfil, pode-se falar de ‘tipificação’ da operação econômica”.

Um tipo é uma forma fluida de ordenação da realidade, que, sintetizando a unidade valorativa do ordenamento jurídico30, representa, através de conjuntos de notas descritivas31, “imagens fenomênicas” de relações jurídicas32. A tipificação de uma operação econômica pode ocorrer de duas diferentes formas. Ela será direta quando a norma explicita a relevância jurídica de uma operação econômica específica, fazendo abstrações dos traços formais que ela possa apresentar. Indireta, entretanto, será ela quando o legislador, conquanto não reconheça expressamente o valor jurídico da operação econômica, a toma como pressuposto da regulação ao vedar o seu fracionamento33.

No campo do direito privado, a tipificação direta de operações econômicas pode ser exemplificada pela incorporação imobiliária, descrita pela lei como uma “atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (Lei n. 4.591/1964, art. 28, parágrafo único). Para a recondução de um fato à operação econômica típica de incorporação imobiliária não interessam as formalidades adotadas pelas partes em cada uma de suas etapas (embora a inobservância destas possa acarretar sanções), nem as minúcias práticas de como a atividade será desenvolvida, desde que as ações e omissões realizadas se encontrem finalisticamente articuladas (“atividade”) em prol da construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjuntos de edificações compostas de unidades autônomas. A seu turno, a tipificação indireta de operações econômicas pode ser ilustrada pela imposição de responsabilidade civil a todos os participantes de uma cadeia de fornecimento atuante numa relação de consumo. Neste caso, ainda que sejam distintos os fornecedores e os objetos dos fornecimentos (e.g., fornecimento de comida pelo restaurante, e fornecimento de serviços de manobrista e estacionamento pela empresa de valet parking), todos aqueles serão considerados partes de uma operação econômica unitária, e deverão responder perante o consumidor solidariamente pelos danos que lhe sejam causados (Código de Defesa do Consumidor, art. 7º, parágrafo único).

No direito tributário, dada a extensa tessitura semântica dos termos utilizados pelo constituinte para atribuir competência tributária aos entes federados, e a orientação teleológica que guia o legislador, este, olhando diretamente para o dado econômico, depara-se com outros “recortes” dos fenômenos econômicos, que não coincidem com aqueles escolhidos pela legislação privada. Em razão disso, outras tipificações de operações econômicas (diferentes das empreendidas pelo direito privado) tornam-se possíveis, e são recorrentemente observadas. Retomando o exemplo da tributação dos “serviços”, verifica-se aí que a lei tributária captura a imagem global da operação econômica pertinente à prestação de serviço, fazendo abstração de suas demais características, e, com base nesta imagem global (que será comum a muitas atividades e contratos, típicos ou atípicos do ponto de vista civil), cria um tipo tributário pela tipificação direta de uma operação econômica. Em outras ocasiões, a legislação tributária veda o tratamento fracionado de operações com naturezas distintas, tipificando indiretamente uma operação econômica. Isto sucede, por exemplo, no caso da incidência do ICMS sobre bens importados, no quanto estabelece que integra a base de cálculo do imposto o valor do “frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado” (Lei Complementar n. 87/1996, art. 13, § 1º, inciso II, letra “b”).

A concepção, aqui sustentada, de que o direito tributário pode estabelecer sua regulação em torno de tipos econômicos, não deve causar estranheza. Como demonstra Luís Eduardo Schoueri, uma “consideração econômica” da norma tributária não representa, atualmente, nada além da aplicação do método teleológico de interpretação, do qual se pode lançar mão independentemente de qualquer dispositivo legal que o preveja34. O conteúdo da consideração econômica, nestes moldes, consiste em

“apontar, atrás da forma jurídica referida pela lei tributária, para uma circunstância econômica que deve ser vista propriamente como a hipótese tributária. Ou seja: é reconhecer que a expressão utilizada pelo legislador tributário, no lugar de exigir que se faça presente o negócio jurídico ou a forma jurídica que com ela se designa, demanda a ocorrência de fatos econômicos, estes sim o verdadeiro conteúdo da hipótese tributária. A consideração econômica, neste sentido, convida o intérprete/aplicador a investigar se a hipótese tributária exige a celebração de um negócio jurídico, como pressuposto para a tributação, ou se esta se dará na ocorrência de uma série de fatos, geralmente presentes no bojo daquele negócio mas que igualmente podem ocorrer sem que o último se concretize”35.

Deve-se ter em conta, por conseguinte, que muitas vezes, ao contrário do que se poderia supor, é isto que faz a lei tributária: emprega um termo do direito privado referindo-se ao seu aspecto econômico típico, abstraindo o seu aspecto jurídico típico (delimitado por outros ramos do direito). Por este proceder, o legislador cria tipos de situações de fato, as quais podem ser identificadas tanto em contratos civis típicos como atípicos. Daí ser lícita a conclusão de que, quando o pressuposto de incidência de uma norma tributária (fato gerador) se caracteriza como uma operação econômica típica (situação de fato), é perfeitamente possível aplicá-la a contratos atípicos (para fins civis). A consideração econômica da relação jurídica permite “passar por cima dos muros” do tipo civil, para buscar no interior da cidadela as cores, matizes e contrastes dos diversos elementos do seu “organismo vivo”.

6. O fracionamento de contratos para fins tributários

Esta constatação, logo se nota, traz de volta o problema relativo a “se” e “como” segregar, numa operação econômica complexa, os diversos tipos de operações econômicas que se encontram articuladas num contrato atípico. É quase inevitável lembrar, nesta sede, das técnicas civilistas da combinação, da absorção e da analogia.

A este propósito, poder-se-ia supor, em linha de partida, que dentre estas técnicas, apenas a da combinação se mostraria adequada e admissível para a tipificação econômica de uma determinada operação para fins tributários. Isto se deveria ao fato de que, diferentemente do que ocorre com a apreciação jurídica civilística de um fato, o fator determinante da apreciação econômica (que será base para a apreciação jurídica tributária) não é a vontade manifestada pelos sujeitos que se relacionam diretamente, mas o valor (econômico) que se atribui ao fato como resultado das vontades (potenciais e atuais) de um grupo indeterminado de sujeitos. Como estas vontades podem dirigir-se, ao mesmo tempo, às partes ou ao todo, é, em regra, possível valorar economicamente cada componente de um composto, ou o próprio composto. Consequentemente, a combinação de operações econômicas simples, para apreciação de uma operação econômica complexa, seria possível na generalidade dos casos, ao passo que a absorção de uma operação econômica por outra ficaria, em geral, excluída.

Em favor desta argumentação, pense-se na operação econômica relativa à venda de um par de sapatos. O valor que, de maneira mais imediata, orientará as ações dos agentes, é o do par, mas não seria impossível identificar o valor atribuído a um único sapato, se ele fosse vendido separadamente; assim como não o seria a determinação do valor de um único sapato, quando vendido conjuntamente com outro. Por outras palavras, dir-se-ia, à luz deste exemplo, que a união de operações econômicas cria um novo valor – o da operação econômica complexa – mas não exclui o valor de cada operação econômica simples, isoladamente considerada, ainda que este sofra alterações em razão da união empreendida. Desse modo, valendo-se de outro exemplo, dir-se-ia que é mais barato comprar uma passagem aérea de ida a um destino juntamente com a passagem aérea de retorno do mesmo destino do que adquirir apenas a passagem de ida e apenas a passagem de volta. Apesar disso, não se diria que a compra da passagem de ida “absorveu” a compra da passagem de volta, pois, ainda que conjuminadas, cada operação econômica continua sendo passível de valoração individual.

A solidez lógica de tal raciocínio o torna sedutor, a ponto de quase induzir o intérprete a se esquecer de que o que se encontra em jogo, no plano da tributação de negócios atípicos, não é pura e simplesmente a atribuição de valor econômico às diversas etapas de uma operação, mas a descoberta de critérios que possam orientar a identificação de operações econômicas típicas que possam reconduzir-se aos tipos criados pela legislação tributária. A se perder isto de vista, conclusões inusitadas poderiam ser obtidas. Por exemplo, tomando-se em consideração o contrato de transporte aéreo firmado entre um passageiro e a companhia de aviação, aduzir-se-ia que, sendo possível valorar separadamente o combustível consumido na viagem, os serviços prestados pelos pilotos e pela tripulação, e a posse exercida pelo cliente sobre o seu assento, surgiriam neste cenário quatro operações econômicas distintas: venda de combustível, sujeita ao ICMS; prestação de serviços de transporte, sujeita ao ICMS; prestação de serviços de bordo, sujeita ao ISS; e locação de bem móvel, não tributável por imposto de consumo. Tal análise, reconheça-se, não se concilia com o senso comum; ela parece incorreta, e de fato é incorreta, pois descuida de um detalhe crucial: a operação econômica relevante para fins tributários não é toda e qualquer prestação passível de valoração econômica, mas aquela que é típica.

A tipicidade (a qual, conforme salientado acima, captura uma “imagem global” de um fenômeno) não se estabiliza, no plano pré-jurídico, antes de algo (uma prática, uma reação, um comportamento etc.) acontecer um certo número mínimo de vezes, envolvendo um certo número mínimo de pessoas, a ponto de estas passarem a identificar de maneira autônoma, espontaneamente, qualquer novo exemplar daquele algo, como pertencente a uma categoria própria.

Tendo isto em vista, entende-se porque não seria adequado fracionar a operação de transporte aéreo em venda de combustível, prestação de serviços e locação: simplesmente não é típica a operação de venda de combustível de aeronaves para viajantes (que não tenham seu próprio avião), assim como ninguém contrata o serviço de bordo para ser prestado em casa, e muito menos aluga um assento de um avião que não saia do lugar. A operação econômica típica, neste caso, é o “pacote completo”, que não pode ser fracionado, a não ser que se queira proceder a uma análise artificial e irreal daquilo que os agentes econômicos efetivamente realizam.

Este arrazoado não deve, advirta-se, ser tomado como defesa da adequação da técnica da absorção para a interpretação da realidade econômica. Deveras, a suposição de que uma operação absorveu outra implica uma solução aproximativa, fundada numa ficção, em que a operação absorvida é tratada como se fosse a operação absorvente. Esta aproximação conduz a resultados menos precisos, e, por isso mesmo, menos apelativos que o de outra metodologia que possa oferecer uma interpretação mais exata dos fatos. Do ponto de vista econômico, parece correto afirmar que a combinação é mais precisa que a absorção (se é que esta é viável em tal sede), devendo, portanto, ser preferida. Esta mesma ordem de razões justifica, mutatis mutandis, a preterição do expediente da analogia (que, do modo como concebida no contexto da tipicidade contratual, em que pressupõe uma lacuna a colmatar, seria totalmente inapropriada para plano dos fenômenos econômicos).

Contudo – é isto que se buscava destacar – nem sempre a técnica da combinação poderá ser adotada para avaliação de uma operação econômica complexa. Pode-se dizer, que, em geral, é medida adequada “decompor os elementos da operação econômica para sujeitá-la ao crivo de uma investigação que individualize, no seu interior, os perfis suscetíveis a valoração autônoma [...]”36. Nada obstante, o fracionamento de operações econômicas somente se justifica quando disto resulte o fracionamento da operação econômica complexa numa multiplicidade de operações econômicas (simples, ou menos complexas) típicas. Daí decorre, ademais, a constatação de que, quando não é possível fracionar a operação econômica complexa em duas ou mais operações econômicas típicas, estar-se-á diante de uma operação econômica atípica, ou, então (o que é mais comum) uma operação econômica que é típica em sua complexidade, e, por isso mesmo, constitui uma unidade classificatória mínima no sistema da tipicidade, que não pode ser reduzida a unidades mais simples. É isto, justamente, o que sucede com o transporte aéreo, antes aludido, e com tantos outros contratos que não podem ser fracionados em operações econômicas típicas mais simples, porque, em sua complexidade, são operações econômicas típicas.

Seguindo este fio condutor, deve-se chamar a atenção para o fato de que a tipicidade de uma operação econômica não é predicável em caráter absoluto, pois o contexto em que aquela se insere pode produzir interferências sobre este juízo. O conteúdo desta proposição já poderia ser bem ilustrado pelo exemplo, acima apresentado, do serviço de transporte aéreo, mas, para deixá-lo ainda mais claro, considere-se outra situação hipotética: um casal matricula seu filho numa escola infantil, e contrata com esta a prestação de serviços educacionais. Ao permanecer na escola, a criança terá aulas, participará de atividades em grupo monitoradas por funcionários da escola, e, eventualmente, tomará água de um bebedouro munido de um garrafão de cinco litros. Supor-se-ia, neste caso, que a escola estaria prestando serviços educacionais e vendendo água aos pais da criança (que reverteriam o benefício da operação à criança). A venda de água em garrafões de cinco litros, ou a granel (como a água que sai da torneira), é, sem dúvidas, uma operação econômica típica. Nem por isso, todavia, seria admissível fracionar o contrato de serviços educacionais em prestação de serviços e venda de água. Isto ocorre porque, no contexto da operação econômica complexa em questão, a venda de água não é operação econômica típica – muito embora possa sê-lo em outro contexto. A atipicidade da venda de água, neste contexto particular, decorre da circunstância de que os agentes econômicos não lhe atribuem, tipicamente (isto é, frequentemente, reiteradamente) valor específico, a ponto de ela ser costumeiramente vendida como item separado. Atente-se que tal afirmação não deve ser entendida como diagnóstico da absorção da venda de água pela prestação de serviços educacionais. O que ocorre, nesta sede, é que, embora constitua uma operação econômica distinta, a venda de água não é tipicamente tratada como uma operação distinta no contexto dos serviços prestados por uma escola, razão pela qual a operação econômica realizada (prestação de serviços educacionais) será típica enquanto complexa37.

É importante levar em consideração também se o contexto normativo de referência demanda, por alguma razão, que se privilegie uma determinada técnica de interpretação contratual em detrimento da outra. Pode haver situações em que a legislação contenha critérios próprios para a qualificação dos fatos que, excepcionalmente, convivam bem com a ficção gerada pela mecânica da absorção, resultando em que a qualificação aplicável a um determinado componente da atividade econômica se aplique a todos os demais componentes do conjunto. Um exemplo bastante singular desta situação pode ser visualizado na aplicação das Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado. Tais regras são guiadas pelo princípio da essencialidade, o qual busca identificar o produto que confere a característica essencial ao produto final e, dessa forma, tal princípio convive bem com uma situação na qual se atribui a qualificação de veículo automotor para um produto que seja um “veículo automóvel sem seu motor ou cujo interior esteja por acabar”38. Pois bem, em razão da aplicação do princípio da essencialidade, a técnica da absorção tem uma preferência natural, neste contexto normativo, sobre a técnica da combinação. Segundo as Notas Explicativas (NESH), a classificação fiscal de obras constituídas de artigos diferentes (os chamados “sortidos”) deve, tanto quanto possível, buscar identificar qual item do conjunto lhe confere a característica essencial. Por esta razão, os sortidos constituídos por um sanduíche composto de carne bovina, com ou sem queijo, num pequeno pão (posição 16.02), apresentado numa embalagem com uma porção de batatas fritas (posição 20.04), deve ser classificado como hambúrguer (posição 16.02)39.

Na esteira das precedentes considerações, pode-se, sinteticamente, estatuir o seguinte sobre a tipicidade de uma operação econômica, a ser levada em conta para fins tributários:

i) será típica a operação que for identificada pela generalidade dos agentes econômicos como dotada de valor em razão de atender a certas necessidades e interesses daqueles;

ii) em se tratando de uma operação complexa, ela poderá ser fracionada (pela técnica da combinação) em operações simples (ou menos complexas) se (1) estas se mantiverem, após o fracionamento, como típicas; e (2) o contexto normativo em que se encontra a previsão desta operação econômica não pressupor a adoção de outra técnica de interpretação, como a da absorção; e

iii) cada operação simples (ou menos complexa) que compõe uma operação complexa será típica, para fins do fracionamento referido no item “ii”, se puder assumir que, no mesmo contexto em que se encontra inserta (isto é, em conjunto com as demais operações simples – ou menos complexas – que compõem a operação complexa), ela poderia ser realizada isoladamente, sem deixar de atender ao disposto no item “i”.

A prevalência do método de combinação para a segregação de operações econômicas simples (ou menos complexas) que se encontram unidas numa operação econômica complexa é confirmada pela atual tendência de exigência, pelas normas internacionais de contabilidade, de alocação do preço de transação. A propósito do tema, o Pronunciamento Técnico CPC 47 (Receita de Contrato com Cliente), do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, com vistas a alinhar as práticas brasileiras de contabilidades às diretrizes fixadas na norma IFRS 15, do International Accounting Standards Board (IASB), requer que o preço global de uma operação econômica complexa seja segregado e alocado às diversas prestações individuais que a compõem, proporcionalmente ao preço que cada uma destas prestações ostentaria caso fossem negociadas isoladamente. Confira-se, pelo seu teor elucidativo, um trecho do referido Pronunciamento Técnico:

“73. O objetivo, ao alocar o preço da transação, consiste em que a entidade aloque o preço da transação a cada obrigação de desempenho (bem ou serviço distinto) pelo valor que reflita o valor da contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca da transferência dos bens ou serviços prometidos ao cliente.

74. Para atingir o objetivo de alocação, a entidade deve alocar o preço da transação a cada obrigação de desempenho identificada no contrato com base no preço de venda individual, de acordo com os itens 76 a 80, exceto conforme especificado nos itens 81 a 83 (para a alocação de descontos) e nos itens 84 a 86 (para a alocação de contraprestação que inclua valores variáveis).

75. Os itens 76 a 86 não serão aplicáveis, se o contrato tiver apenas uma obrigação de desempenho. Contudo, os itens 84 a 86 podem ser aplicados se a entidade prometer transferir uma série de bens ou serviços distintos identificados como uma única obrigação de desempenho de acordo com o item 22(b) e a contraprestação prometida incluir valores variáveis”.

Uma “obrigação de desempenho”, no âmbito do Pronunciamento Técnico CPC 47, consiste numa promessa de transferir ao cliente bem ou serviço (ou grupo de bens ou serviços) que seja “distinto” (item 22). A “distinção” do bem ou serviço, a seu turno, é definida nos seguintes moldes:

“27. Bem ou serviço prometido ao cliente é distinto, se ambos os critérios a seguir forem atendidos:

(a) o cliente pode se beneficiar do bem ou serviço, seja isoladamente ou em conjunto com outros recursos que estejam prontamente disponíveis ao cliente (ou seja, o bem ou o serviço é capaz de ser distinto); e

(b) a promessa da entidade de transferir o bem ou o serviço ao cliente é separadamente identificável de outras promessas contidas no contrato (ou seja, compromisso para transferir o bem ou o serviço é distinto dentro do contexto do contrato)”.

De acordo com o critério (a), o bem ou serviço é “distinto” se puder beneficiar o cliente e estiver prontamente disponível, ou seja, puder ser objeto, isoladamente, de uma operação econômica autônoma. Quanto ao critério (b), esclarece a norma IRFS 15 (item 29) que o bem ou serviço será distinto no âmbito do contrato se: (i) ele não constituir um insumo de outro bem ou serviço (consumido, pois, na “produção” deste outro bem ou serviço); (ii) ele não modifica ou personaliza outro bem ou serviço; e (iii) o bem ou serviço não é “altamente dependente de”, nem “altamente inter-relacionado” com, outros bens ou serviços prometidos no contrato, o que se evidencia, por exemplo, pela possibilidade abstrata de o cliente escolher celebrar o contrato sem incluir aquele bem ou serviço em particular.

Note-se que os critérios acima referidos, extraídos da norma contábil, orientam a própria identificação de uma obrigação de desempenho em particular. Se eles não são atendidos, a obrigação de desempenho não adquire identidade, ou seja, não existe enquanto tal. Daí que, no final das contas, ainda quando se admita que um bem ou serviço possa ser “altamente dependente de”, ou “altamente inter-relacionado” com outros bens ou serviços prometidos no contrato, a norma contábil não está pressupondo uma absorção de uma operação econômica por outra, senão a própria definição de quais são as operações econômicas existentes no contexto de um contrato.

Nessa linha de considerações, uma solução consistente parece poder-se propor para o problema da aplicação das normas tributárias a contratos atípicos, qual seja:

quando o pressuposto de incidência da norma tributária consiste num contrato típico do direito civil (situação jurídica), aquela não será aplicável a contratos atípicos; e

– quando o pressuposto de incidência da norma tributária consiste numa operação econômica típica (situação de fato), aquela será aplicada, independentemente da tipicidade ou atipicidade do negócio nos termos do direito privado, sempre que aquela operação econômica típica estiver concretamente caracterizada, isoladamente ou no contexto de uma operação econômica complexa.

Com esta solução, racionaliza-se a linha de argumentação, até aqui submetida a crítica, segundo a qual, no direito tributário, a aplicação da norma tributária será sempre bifásica, e as consequências normativas serão sempre típicas (pois a legislação tributária, ao descrever o fato gerador, cria os seus próprios tipos, ainda que fazendo remissão a tipos do direito civil), sendo vedado ao intérprete supor existentes incidências fiscais a partir da analogia, qualquer que seja ela, legis ou juris40. No momento em que se percebe que os tipos do direito tributários podem ser jurídicos ou econômicos, desaparece a perplexidade causada pela suposição de que normas que aludem a contratos típicos seriam aplicadas a contratos atípicos. No final das contas, conforme o caso, normas que aludem a contratos típicos serão aplicadas a contratos típicos, e normas que aludem a operações econômicas típicas serão aplicadas a operações econômicas típicas.

Em vista de tudo isso, nota-se ser criticável a recente decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais (Acórdão n. 9101­003.098, de 14 de setembro de 2017), a qual, ao examinar o coeficiente de lucro presumido aplicável ao contrato de franquia, decidiu que seria impossível “fragmentação do contrato de franquia em vários outros contratos, sob pena de descaracterização da natureza jurídica da própria franquia, que engloba necessariamente uma prestação de serviços e uma distribuição de certos produtos, de acordo com as normas convencionadas”. Na espécie, discutia-se seria possível aplicar o percentual de presunção de 8% para a venda de mercadorias realizada pela franqueadora ao franqueado, segregando-se esta prestação dos demais serviços englobados no contrato. Ainda que, como salientado no voto condutor do acórdão, “a comercialização desses produtos não decorre das necessidades das franqueadas (adquirentes), mas sim das imposições da franqueadora (alienante)”, isto nada mais faz que revelar a coligação negocial que se estabelece no interior da franquia, sem excluir, no entanto, a possibilidade de: (i) identificar, no âmbito da operação econômica complexa de franquia, operações econômicas típicas simples; (ii) constatar que a norma que prevê os percentuais de presunção do lucro presumido tem como pressuposto de aplicação categorias econômicas típicas; e (iii) aplicar, às categorias econômicas típicas simples que compõem a operação de franquia (complexa), individualmente consideradas, o percentual de presunção do lucro presumido adequado.

De modo que, por fim, é possível retornar ao exemplo, antes examinado, da aplicação do art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997, ao “contrato de afretamento de embarcação turística”. A norma em questão prevê a alíquota zero do IRRF para as “receitas” derivadas de afretamento de embarcações. A especificação de que é a “receita”, não o contrato em si, que aciona o gatilho de incidência da norma, permite sustentar consistentemente que o legislador teve em conta, na estipulação da regra, a manifestação de uma operação econômica (não de uma operação jurídica típica, que poderia apresentar, como elemento estrutural, preço ou retribuição, mas não “receita”). A regra, em vista disso, tem em mira uma operação econômica típica, que gera um determinado tipo de receita, não um tipo contratual. Esta operação econômica típica pode ser identificada no “contrato de afretamento de embarcação turística”, como uma específica “obrigação de desempenho”, a qual é passível de apreciação independente das demais. Demais disso, do ponto de vista contábil, seria plenamente possível segregar (alocar) as receitas pertinentes à operação econômica típica de afretamento daquelas relacionadas a outras operações econômicas (serviços de entretenimento, fornecimento de bebidas etc.). Daí que, apesar da atipicidade do “contrato de afretamento de embarcação turística” sob a perspectiva contratual, deve ser aplicada a regra do art. 1º, caput e inciso I, da Lei n. 9.481/1997, às receitas correspondentes à operação econômica típica de afretamento.

7. Alguns casos de fracionamento de contratos da economia digital

Tem-se observado com cada vez maior frequência a celebração de contratos abrangentes de “prestação de serviços” de tecnologia (contratos máster), em virtude dos quais a parte contratada (empresa de tecnologia) compromete-se a cumprir obrigações de naturezas diversas (“fornecimento” de licenças de software; manutenção e atualização de software; “fornecimento” de máquinas e equipamentos; manutenção e substituição de máquinas e equipamentos; assistência técnica a usuários – help desk; “fornecimento” e manutenção de link de internet; armazenamento e administração de bancos de dados – data center – etc.). Em alguns destes contratos, a contraprestação devida à empresa contratada consiste em um valor unitário, determinado a partir da aplicação de um percentual sobre o lucro ou a receita da empresa contratante.

Tais contratos, pela complexidade de seus objetos, apresentam desafios do ponto de vista tributário, pois, ao mesmo tempo em que deixam entrever que abrangem fatos sujeitos a tributos distintos (ISS sobre serviços em geral, ICMS sobre serviços de telecomunicações) e fatos que não sujeitam a tributação sobre consumo (locação de máquinas e equipamentos), dão origem a uma contraprestação financeira unitária (um único “preço” para todo o “pacote”), sem identificarem um critério para a segregação desta contraprestação em parcelas autônomas, a serem imputadas a cada serviço, prestação ou fornecimento. Surge, assim, a dúvida sobre qual seria o tratamento tributário que lhes seria adequadamente dispensado.

Com base nas observações precedentemente apresentadas a respeito da aplicação da técnica da combinação para o fracionamento de operações econômicas complexas, é seguro afirmar que, em se tratando de contratos máster de prestação de serviços de tecnologia, não seria possível reconduzi-los, em bloco, a um único tipo descrito na legislação tributária, senão flexibilizando excessivamente os contornos do tipo “serviço”. Para não se cair na ausência de qualquer tributação, ou na tributação de todo o contrato pelo ISS, cuja legalidade seria duvidosa, a abordagem mais adequada parece ser o fracionamento do contrato nas diversas operações econômicas típicas que o compõem.

Outra temática que tem gerado perplexidade aos tributaristas é a relacionada à chamada “Internet das Coisas” (designada comumente pela sigla IoT, acrônimo de “Internet of Things”). A IoT:

“representa uma inovação tecnológica do sistema global de redes de computadores que conectam usuários do mundo inteiro que conhecemos pelo nome de internet: (i) a internet conecta pessoas; (ii) a internet das coisas conecta dispositivos eletrônicos utilizados no dia a dia (aparelhos eletrodomésticos, eletroportáteis, máquinas industriais, meios de transporte, etc.), mediante a evolução tecnológica experimentada nas últimas décadas nos setores de wireless, inteligência artificial e nanotecnologia”41.

A sua definição jurídica pode ser encontrada no Decreto n. 8.234/2014, que descreve os “sistemas de comunicação máquina a máquina (M2M)” como “os dispositivos que, sem intervenção humana, utilizem redes de telecomunicações para transmitir dados a aplicações remotas com o objetivo de monitorar, medir e controlar o próprio dispositivo, o ambiente ao seu redor ou sistemas de dados a ele conectados por meio dessas redes”.

As atividades de IoT, em geral, compreendem serviços de telecomunicações (“transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” – Lei Geral de Telecomunicações, art. 60) e serviços de valor adicionado (SVA), assim entendidos como “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações” – Lei Geral de Telecomunicações, art. 61.

Um exemplo de negócio da IoT, outras vezes já examinado42, é o dos serviços de tecnologia de rastreamento e monitoramento veicular, os quais, mediante pagamento de um único valor, oferecem ao usuário um serviço de telecomunicações que dá suporte à conexão entre os equipamentos embarcados nos veículos, e um SVA correspondente ao rastreamento propriamente dito, além da análise dos dados gerados pelos equipamentos de rastreamento.

Diante de um contrato com estas características, seria o caso de indagar se todo o valor pago pelo usuário haveria de imputar-se à prestação de serviços de telecomunicações, ou à prestação do SVA; ou se caberia “fatiar” aquele valor, atribuindo uma de suas parcelas ao SVA, que não se confundiria com a telecomunicação. Neste particular, já se sustentou que

“nos casos em que os serviços de telecomunicações sirvam de suporte à conexão entre os equipamentos e, com base nessa conectividade entre as coisas, outras utilidades sejam oferecidas aos clientes, as receitas obtidas não deveriam ser tratadas como receitas decorrentes das atividades de telecomunicações. Nesses casos, os serviços de telecomunicações são apenas insumos para as atividades desenvolvidas”43.

Segundo este ponto de vista, os serviços de telecomunicações seriam “consumidos” no processo de prestação do SVA, o que implicaria, do ponto de vista jurídico, a absorção dos primeiros pelo segundo.

Esta linha de entendimento, conquanto fundada em premissa tecnicamente criticável (absorção), apresenta conclusão adequada, pois, no caso do serviço de rastreamento de veículos, os serviços de telecomunicações (entre veículos, ou entre veículos e a central de rastreamento) constituem uma operação econômica atípica, porquanto, no contexto em que se encontram, não são normalmente oferecidas como item separado. O conhecimento comum sobre como estas operações ocorrem informa que não há, em geral, interesse autônomo na contratação de um serviço que permita, pura e simplesmente, a comunicação entre veículos, ou entre veículos e um servidor central, sem que as informações comunicadas sejam processadas e disponibilizadas ao usuário. Dessa feita, a recondução de toda a operação econômica complexa ao tipo “serviço” é pertinente, e a tributação pelo ISS é sustentável, justamente porque, ao passo que se desenrola, neste contexto, uma atividade econômica que apresenta os traços gerais de um “serviço”, não é possível reconduzir qualquer parcela dela à operação econômica típica “serviços de telecomunicações”.

Em outras ocasiões, contudo, pode acontecer de os serviços de telecomunicações permitirem mais que a simples comunicação entre máquinas, tornando-se, deste modo, passível de apreciação autônoma, enquanto operação econômica típica. Assuma-se, por exemplo, que o mecanismo instalado nos veículos permita que o usuário, manualmente, envie uma mensagem de socorro à central de rastreamento, caso ele esteja passando por uma situação de perigo. Nesta hipótese, a telecomunicação se revestiria, perante o usuário, de valor análogo àquele apresentado por serviços de telecomunicações prestados em outros contextos (e.g., telefonia celular), de modo que seria pertinente o fracionamento do contrato, com base na técnica da combinação, para definição do seu tratamento tributário.

Estas ponderações, vale assinalar, aplicam-se em grande medida à problemática do SVA no contexto dos serviços de telefonia celular. Ali, a segregação dos valores pagos pelos clientes relativamente aos serviços de telecomunicações e ao SVA, assumindo-se como premissa que o ICMS e o ISS têm como pressupostos de incidência operações econômicas típicas, é certamente viável, ainda que seja condição, da prestação do SVA, a contratação dos serviços de telecomunicações. Ainda quando ambos os serviços (de telecomunicações e SVA) sejam prestados pela mesma empresa, continua possível vislumbrar, no contexto em questão, duas operações econômicas típicas distintas. Basta pensar, para se ter uma percepção mais clara disto, no serviço de “secretária eletrônica”, que pode ser contratado diretamente com a operadora de telefonia celular, ou ser obtido perante outra empresa, por meio de um aplicativo próprio. Tanto a prestação de serviços de telecomunicações quanto a prestação do SVA são, neste contexto, operações econômicas típicas, passíveis de serem reconduzidas, respectivamente, aos pressupostos de incidência do ICMS e do ISS.

Outro caso paradigmático, a frequentar as recentes mesas de debate em torno do assunto aqui abordado, é o tratamento tributário dos serviços de data center. A propósito dele, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil expediu a Solução de Divergência n. 6/2014, cuja ementa é a seguinte:

“Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na fonte – IRRF

Natureza das atividades executadas por data center. Prestação de serviço e não locação de bem móvel. Impossibilidade de segregação das despesas com equipamentos e sua gestão das despesas com serviços de apoio. Divergência entre a SC nº 99 – SRRF/09 e a SC nº 86 – SRRF/08: A contratação de um data center não se caracteriza como uma locação de bem móvel, mas sim como uma típica prestação de serviços. Nesse sentido, sobre as remessas para pagamento dos serviços prestados por data center devem incidir o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a CIDE/Royalties e as Contribuições PIS-importação e COFINS-importação, nos termos da legislação aplicável. Entende-se que a atividade de prestação de serviço por um data center, tendo em vista sua própria natureza, não é passível de segregação para efeitos tributários entre os equipamentos e a gestão dos serviços de apoio que a compõe, pois estes se subsumem naqueles. [...]”.

Examinando-se o inteiro teor da Solução de Divergência n. 6/2014, nota-se que o Coordenador-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil utilizou a técnica da absorção para afastar a qualificação do serviço de data center como locação. Em suas palavras:

“[a] gestão de um servidor no contexto de um data center inclui um aporte considerável de serviços envolvendo a administração de aplicativos, verificação constante da qualidade na execução dos serviços, monitoramento de todo o instrumental eletrônico, o que implica a administração de softwares dos mais variados e de outros recursos próprios do mundo da informática. Reduzir tudo isso ao conceito de uma locação revela-se uma impropriedade. Na verdade, a parte física se subsume na prestação do serviço”.

Dizer que a parte física “se subsume” na prestação do serviço é o mesmo que asseverar, por outro modo, que a disponibilização física dos servidores (máquinas e equipamentos) é absorvida pelos serviços. Esta argumentação, posto que leve a uma conclusão correta, não é tecnicamente aceitável.

Na realidade, o que se deu no caso objeto da Solução de Divergência n. 6/2014 é que, ali, não houve locação alguma. A locação de servidores é uma operação econômica típica, que pode bem ser objeto de uma contratação isolada e autônoma. Entretanto, quando não há a transferência da posse direta da coisa (como na hipótese dos fatos que engendraram a Solução de Divergência em comento), não há operação econômica de locação. Este aspecto também foi apontado no texto da consulta, mas de maneira superficial. O que importa destacar, neste particular, é que uma operação de locação de servidores seria aquela, por exemplo, em que uma empresa proprietária destes equipamentos e máquinas os disponibilizasse de maneira dedicada à outra, para que esta operasse e gerenciasse o seu próprio data center. Uma operação distinta é aquela em que o cliente quer que a empresa contratada opere e administre o seu data center, sem se preocupar com as máquinas e equipamentos que serão utilizados para tanto; nesta hipótese, não há interesse algum do cliente nas máquinas e equipamentos, mas no resultado prático do processamento de dados, o qual, desde que entregue (isto é, desde que cumprido o Service Level Agreement – SLA), pouco importa ao cliente como será executado.

No contexto desta última operação econômica (que é típica, como salientado pela Solução de Divergência), não seria natural nem normal que houvesse uma contratação, como item separado, de locação de máquinas e equipamentos. Até porque, se houvesse, algo muito estranho teria de ocorrer: os servidores seriam entregues ao cliente, e, posteriormente, seriam devolvidos à empresa de tecnologia, para que ela operasse e administrasse o data center do cliente, os utilizando como instrumento desta atividade. Esta narrativa, como se percebe, soaria artificial até mesmo a quem não conhece com profundidade o universo da tecnologia. No contexto deste tipo de operação, a apreciação autônoma da locação não se afigura típica; daí o descabimento do fracionamento do contrato (que, de mais a mais, se reconduz ao tipo “serviços técnicos”), e o acerto da conclusão estampada na Solução de Divergência n. 6/2014.

Para encerrar este tópico, uma nota sobre algo que merecerá mais espaço para reflexão e debate: a providência de fracionar uma operação econômica complexa criará ao intérprete a dificuldade de atribuir valor financeiro a cada operação econômica resultante do fracionamento, medida necessária à identificação da base de cálculo dos tributos a incidir. A importância desta questão de atribuição de valores também foi apontada pelo Supremo Tribunal Federal, quando da análise de novo caso envolvendo o aluguel de guindastes, desta feita, contratado em conjunto com os seus respectivos operadores. Provocado quanto à aplicação da Súmula Vinculante n. 31, cujo caso de suporte envolvia locação de guindaste sem operador, o Egrégio Tribunal se deparou com uma cobrança de ISS sobre uma operação que envolvia as duas atividades e cobrança de um preço único. O STF deixou claro que o fracionamento seria possível neste caso, para fazer incidir o ISS apenas sobre a parcela relativa a serviço do operador, restando incólume à tributação a parcela pertinente à locação44.

Para esta finalidade, os parâmetros ditados pelo Pronunciamento Técnico CPC 47 podem ser úteis, e se adotados numa situação concreta, conduziriam a um resultado aceitável, justamente pelo embasamento econômico que eles apresentam. Isto, porém, não impede que outros parâmetros sejam investigados, a partir das ferramentas disponibilizadas pela ciência econômica, o que, por certo, cria uma margem de insegurança. No longo prazo, a tendência (ou então, ao menos, uma legítima expectativa) é a de que a legislação tributária seja alterada de modo a passar a descrever os critérios a serem aplicados em tais casos.

8. Conclusões

A busca pelos elementos essenciais do contrato não se aplica aos contratos atípicos e provoca uma contradição em termos, pois tal classe de elementos é uma característica do tipo. Na dogmática civilista, encontram-se esforços para resolver o problema de enquadramento dos contratos atípicos, dentre os quais se destacam as teorias que enfocam os contratos mistos – aqueles que resultam da combinação de elementos de diferentes tipos contratuais e formam uma espécie contratual não esquematizada em lei – e os classificam em “contratos de tipo múltiplo” e “contratos de tipo modificado”.

No âmbito do direito privado, não existe um mecanismo de integração ou construção unanimemente aceito para a identificação do regime jurídico dos contratos atípicos, cogitando a doutrina de três alternativas: a combinação, a absorção e a aplicação analógica. A combinação envolve decompor e isolar os componentes de qualquer contrato atípico, identificando nestes os elementos próprios de contratos típicos, para lhe aplicar a respectiva disciplina legal. Na absorção, assume-se a premissa de que todo contrato atípico possui um elemento preponderante, ao qual se subordinam os demais. Já a aplicação analógica demanda que se procure o contrato típico do qual mais se aproxima o contrato atípico. Nenhuma dessas teorias se aplica de modo exclusivo no direito privado, do que exsurge uma visão eclética. A absorção, por exemplo, tem uma tendência a ser aplicada a contratos mistos de tipo modificado, ao passo que a combinação se adéqua a contratos mistos de tipo múltiplo. A analogia poderá ser útil para complementar o processo interpretativo, e se nada disso bastar, será inevitável criar uma solução com base em princípios e cláusulas gerais.

No direito tributário, uma liberdade na configuração dos fatos e contratos se afigura temerária, pois motivações ideológicas podem levar ambos, Fisco e contribuinte, a empregarem o princípio da legalidade para defender, por um ângulo, a não tributação de contratos atípicos a fim de reduzir a sua carga tributária, ao passo que o Fisco pode pretender preservar a base de tributação sustentando a prevalência de técnicas de interpretação mais generalizantes.

O direito tributário pode eleger situações jurídicas como suporte para o fato gerador e, neste caso, estruturar-se como um direito de sobreposição em relação ao direito privado. Mas no mais das vezes, o que acontece é a eleição de uma situação de fato como suporte da incidência, nos moldes do art. 116 do CTN. Pode acontecer então de se verificar uma situação de fato que seja objeto de uma qualificação para fins do direito privado e outra qualificação para fins tributários. Neste cenário, o direito tributário mira operações econômicas e não os tipos contratuais do direito privado. Quando o pressuposto de incidência de uma norma tributária (fato gerador) se caracteriza como uma operação econômica típica (situação de fato), é perfeitamente possível aplicá-la a contratos atípicos (para fins civis).

A utilização da teoria da absorção envolve uma ficção em que a operação absorvida é tratada como se fosse a operação absorvente. Esta aproximação conduz a resultados menos precisos, e menos apelativos que os da teoria da combinação, de modo que esta última tem mais aptidão para oferecer uma interpretação mais exata dos fatos. As normas contábeis (CPC 47) confirmam, no contexto normativo contábil, a prevalência do método de combinação para a segregação de operações econômicas simples (ou menos complexas) que se encontram unidas numa operação econômica complexa.

Desse modo, parece plausível a conclusão de que o tratamento tributário de contratos atípicos, como aqueles comumente verificados no âmbito da economia digital, deve ser investigado mediante o emprego da técnica da combinação, pela qual o contrato será “fatiado” em operações econômicas típicas, e estas, a seu turno, reconduzidas aos tipos econômicos previstos na legislação tributária.

Bibliografia

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1 BRYNJOLFSSON, E.; e KAHIN, B. (ed.). Understanding the digital economy – data, tools and research. Massachusetts: The MIT Press, 2000, p. 2.

2 “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

3 Esta afirmação pode ser relativizada caso se admita a possibilidade de formação de “tipos sociais”, os quais se tornam reconhecíveis a partir dos usos e costumes da comunidade. Poder-se-ia, no caso destes, cogitar de elementos essenciais do tipo social, os quais seriam, no entanto, como este, pré ou extrajurídicos (situações de fato não juridicizadas).

4 A autonomia da categoria do negócio indireto encontra-se em franco declínio. Tem-se reconhecido que os fins ulteriores perseguidos pelas partes do negócio indireto não justificam a caracterização deste como categoria sui generis. Os referidos fins ulteriores agem sobre a causa concreta, tornando-a incompatível com a causa abstrata eleita pelos contraentes (vide comentários sobre a causa do contrato mais adiante). Esta incompatibilidade, porém, não dura muito tempo pois a causa concreta orienta a qualificação da relação jurídica, logo, determina o seu enquadramento típico. Por conseguinte, se o negócio indireto desempenha a função prático-individual de outro negócio jurídico típico, é ao tipo deste que deverá ser reconduzido; haveria, em tais circunstâncias, mera falsa qualificação. Por outro lado, se os resultados práticos buscados pelos particulares são absolutamente inovadores, o negócio indireto haverá de reputar-se simplesmente atípico, diante da denominação indicada no instrumento, hipótese em que o problema da identificação da disciplina jurídica correlata perseveraria. Cf., a respeito, ANDRADE JÚNIOR, L. C. A simulação no direito civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 169-174.

5 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 121.

6 A esse respeito, sustenta Pais de Vasconcelos: “[...] As partes, em princípio, só celebram contratos atípicos quando os tipos contratuais disponíveis não satisfazem os seus interesses ou as suas necessidades. Numa perspectiva genética, pode distinguir-se dentro dos contratos atípicos mistos aqueles que são construídos a partir de um tipo, que é modificado, e aqueles que são construídos a partir da conjunção de mais de um tipo contratual.

No primeiro caso, as partes elegem um tipo contratual que desempenha o papel de instrumento de base e a cuja disciplina típica as partes se referem na contratação. A este tipo – tipo de referência – acrescentam uma convenção – pacto de adaptação – na qual estipulam o necessário para modificar a disciplina do tipo de referência [...].

No segundo caso, o contrato não é construído a partir da modificação de um modelo típico, mas da conjunção de mais de um tipo. Neste caso, não existe um tipo contratual de referência que forneça ao contrato a base da sua disciplina, mas uma pluralidade de tipos. O contrato pode ser de tipo duplo, triplo ou múltiplo consoante o número de tipos de referência” (VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 226-227).

7 Segundo Ascarelli, no negócio indireto “as partes recorrem a um determinado negócio jurídico, mas o escopo prático visado não é, afinal, o normalmente realizado através do negócio adotado, mas um escopo diverso, muitas vezes análogo àquele de outro negócio ou sem forma típica própria no sistema jurídico” (ASCARELLI, T. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 156). Para Rubino, o negócio indireto proporciona um resultado jurídico alheio ao negócio utilizado, o qual substitui no todo ou em parte o efeito típico daquele (RUBINO, Domenico. El negocio jurídico indireto. Tradução de L. Rodriguez-Arias. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1953, p. 25).

8 Cf. ASCARELLI, T. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 159; FERRARA, L. Cariota. I negozi fiduciari – trasferimento cessione e girata a scopo di mandato e di garanzia. Processo fiduciario. Padova: CEDAM, 1978, p. 40.

9 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 124.

10 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 230.

11 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 124.

12 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 231.

13 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125.

14 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 239.

15 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 230.

16 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 124.

17 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125.

18 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125.

19 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 241.

20 GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125.

21 Isto é precisamente o que ocorre, no direito civil, no caso dos contratos típicos: se um dado contrato reconduz-se a um tipo, ele é qualificado como típico (exemplo: mútuo), sendo as respectivas normas de regência determinadas imediata e automaticamente a partir das regras que a lei coleciona sob a rubrica daquele tipo (exemplo: limite de juros previsto no art. 591 do Código Civil); por último, deverá o juiz estabelecer em que medida a aplicação das normas incidentes sobre a relação contratual produzirá efeitos (exemplo: redução da taxa de juros convencionada pelas partes em 30%, para atendimento do limite legal aplicável). Aqui, como se pode notar, as consequências normativas verificadas são todas típicas, inclusive aquelas que circunstancialmente resultam da invocação de princípios e cláusulas gerais (que se manifestarão de uma forma particular no âmbito de cada tipo contratual, com variações ditadas pelas suas características específicas).

22 Art. 108 do Código Tributário Nacional.

23 VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 161-167.

24 A qualificação dá-se com base nos chamados “índices do tipo”, dentre os quais se inclui, ao lado das partes, do objeto, das circunstâncias (tempo, lugar, prazo etc.), e da causa, a vontade manifestada pelas partes acerca do nome que se deve atribuir ao contrato. Com efeito, na maioria das vezes, as partes estipulam, nos negócios que celebram, o tipo a que este deve ser reconduzido (no título ou preâmbulo do instrumento, ou numa cláusula contratual). A formação da vontade e do acordo acerca do tipo negocial ocorre já na fase pré-contratual, quando as partes entendem-se sobre o quadro de regulação com base no qual pretendem contratar. As partes indicam explicitamente um tipo ao qual o futuro negócio jurídico deve reconduzir-se (se objetivam celebrar um negócio típico). Podem, outrossim, escolher um “tipo de referência” (se querem celebrar um negócio atípico baseado numa versão modificada de um dado tipo). Por fim, podem até mesmo afastar completamente determinado tipo (se a sua intenção é a de estabelecer uma relação negocial absolutamente atípica).

A despeito de ser um índice do tipo, a qualificação eleita pelos contraentes não é absolutamente determinante. Embora, normalmente, exista harmonia entre a estipulação realizada pelas partes e os demais “índices do tipo”, bem pode ocorrer de aquela não se conciliar com estes. A estipulação do tipo pode corresponder a uma falsa qualificação sempre que a escolha do tipo não corresponda, verdadeiramente, ao tipo reclamado pela disciplina efetiva a que se submete a relação jurídica estabelecida pelas partes (VASCONCELOS, P. Pais de. Contratos atípicos. Coimbra: Almedina, 1995, p. 129 ss.).

25 Cf. SCHOUERI, L. E. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 735-736.

26 SCHOUERI, L. E. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 742.

27 GABRIELLI, E. “Operazione economica” e teoria del contratto – studi. Milano: Giuffrè, 2013, p. 20-21. Tradução dos autores; no original:

“La nozione di operazione economica infatti identifica una sequenza unitaria e composita che comprende in sé il regolamento, tutti i comportamenti che con esso si collegano per il conseguimento dei resultati voluti, e la situazione oggettiva nella quale il complesso delle regole e gli altri comportamenti si collocano, poiché anche tale situazione concorre nel definire la rilevanza sostanziale dell’atto di autonomia privata.

L’operazione economica, pertanto, per la duttilità che le è propria, postula una maggiore elasticità nella definizione degli elementi di cui si compone, proprio perché alcuni di essi non necessitano, ad esempio, di essere fin dall’inizio pienamente determinati nei punti essenziali”.

28 “O tipo contratual é, em sentido amplo, o modelo de uma operação econômica recorrente na vida de relação. A este respeito, é necessário considerar que a atividade negocial tente a uniformizar-se sob determinados modelos, os quais correspondem a necessidades recorrentes da vida de relação. O tipo contratual se distingue em legal ou social. O tipo contratual legal é um modelo de operação econômica que se traduz em um modelo normativo, isto é, um modelo de contrato previsto e disciplinado pela lei. O tipo social é, diversamente, um modelo afirmado na prática dos negócios mas não regulado especificamente pela lei” (BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – 3 – il contratto. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2000, p. 473). Tradução dos autores; no original: “Il tipo contrattuale è in ampio senso il modello di un’operazione economica ricorrente nella vita di relazione. Al riguardo occorre considerar che l’attività negoziale tende ad uniformarsi a determinati modelli che corrispondono a ricorrenti bisogni della vita di relazione. Il tipo contrattuale si distingue in legale o sociale. Il tipo contrattuale legale è un modello di operazione economica che si è tradotto in un modello normativo, cioè in un modello di contratto previsto e disciplinato dalla legge. Il tipo sociale è invece un modello affermatosi nella pratica degli affari ma non regolato specificamente dalla legge”.

Cf., ainda, ROPPO, V. Il contratto. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2011, p. 397; PIMONT, S. L’economie du contrat. Aix-Marseille: PUAM, 2004, p. 226.

29 GABRIELLI, E. “Operazione economica” e teoria del contratto – studi. Milano: Giuffrè, 2013, p. 87-88. Tradução dos autores; no original:

“Ulteriore conferma della rilevanza della categoria dell’operazione economica si rinviene nel sistema: l’operazione economica oggi assurge ad oggetto diretto della regolazione, indipendentemente dal tipo o dai tipo di contratto che entrano a far parte dell’atto di autonomia.

I più recenti interventi normativi in materia contrattuale si contraddistinguono infatti per un impiego ampio, quale tecnica legislativa, della nozione di operazione economica, la quale, rispetto al passato, non costituisce soltanto un criterio ermeneutico in grado di far emergere, e così dare rilevanza, oltre lo schema formale del contratto, all’operazione economica ad esso sottesa, ma si manifesta anche quale tecnica legislativa per racchiudere un uno schema normativo una pluralità di interessi, per lo più diretti a rilevare sul piano della regolazione del mercato.

Sotto tale profilo, può parlarsi di ‘tipizzazione’ dell’operazione econômica”.

30 LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, p. 623.

31 LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, p. 307: “[o] tipo não se define, descreve-se”.

32 LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, p. 662.

33 GABRIELLI, E. “Operazione economica” e teoria del contratto – studi. Milano: Giuffrè, 2013, p. 88.

34 SCHOUERI, L. E. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 754.

35 SCHOUERI, L. E. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 755.

36 GABRIELLI, E. “Operazione economica” e teoria del contratto – studi. Milano: Giuffrè, 2013, p. 86-87. Tradução dos autores.

37 A esta altura, é ainda cabível assinalar que o mecanismo da combinação, quando aplicado a operações econômicas, não apresentará o mesmo perfil nem os mesmos efeitos que se verificam no plano do direito privado. Neste, como já assinalado, a combinação não modifica a qualificação do contrato, que continua sendo atípico de qualquer jeito; a combinação serve como ferramenta de imputação (definição das normas aplicáveis ao contrato atípico). No direito tributário, entretanto, quando se coloquem em questão tipos econômicos, a combinação servirá para identificar as operações econômicas típicas, logo, servirá de ferramenta de qualificação. No direito privado, a combinação determina o regime jurídico da atipicidade; no direito tributário, a combinação revela a própria tipicidade dos fatos (não havendo, pois, de se cogitar de atipicidade qualquer, pois uma operação econômica complexa será fracionada em operações econômicas simples – ou menos complexas – típicas).

38 Notas explicativas do Sistema Harmonizado. Notas do Capítulo 87.

39 Não caberia implementar a teoria de combinação neste caso para segregar o preço entre hambúrguer e batata frita, tributando-os separadamente. A prevalência do princípio da essencialidade impede tal abordagem. Vide Notas Explicativas com relação à Regra Geral 3b.

40 Art. 108 do Código Tributário Nacional.

41 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Internet das Coisas (IoT) – a tributação na era digital. Disponível em: <https://jota.info/artigos/internet-das-coisas-iot-tributacao-na-era-digital-06022017>. Acesso em: 31 out. 2017.

42 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Internet das Coisas (IoT) – a tributação na era digital. Disponível em: <https://jota.info/artigos/internet-das-coisas-iot-tributacao-na-era-digital-06022017>. Acesso em: 31 out. 2017: “Tome-se, por exemplo, os serviços de tecnologia de rastreamento e monitoramento veicular, que são compostos por: (i) serviço de telecomunicações que dá suporte à conexão entre os equipamentos embarcados nos veículos; e (ii) serviço de valor adicionado correspondente ao rastreamento propriamente dito e análise dos dados gerados pelos equipamentos embarcados nos veículos.

Além disso, imagine-se que a empresa de tecnologia de rastreamento e monitoramento atuasse também disponibilizando conexão à internet para comunicação do usuário do veículo com outros usuários dos serviços de telecomunicações, funcionando como revendedora de serviço de telecomunicações, demandando a obtenção das autorizações necessárias junto aos órgãos competentes”.

43 PEROBA, L. R.; e CARPINETTI, A. C. Desafios na tributação da Internet das Coisas. Disponível em: <https://jota.info/artigos/desafios-na-tributacao-da-internet-das-coisas-08032017>. Acesso em: 31 out. 2017.

44 “Ementa: Tributário. Imposto sobre serviços de qualquer natureza. Locação de bens móveis associada a prestação de serviços. Locação de guindaste e apresentação do respectivo operador. Incidência do ISS sobre a prestação de serviço. Não incidência sobre a locação de bens móveis. Súmula Vinculante 31. Agravo regimental.

1. A Súmula Vinculante 31 não exonera a prestação de serviços concomitante à locação de bens móveis do pagamento do ISS.

2. Se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro.

3. O que a agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do tributo para refletir o vulto econômico da prestação de serviço, sem a inclusão dos valores relacionados à locação. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (ARE n. 656.709 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 14.02.2012, DJe de 08.03.2012).