Artigo Premiado no Curso de Atualização (não Submetido ao Sistema de Avaliação Double Blind Peer Review)

Tributação em Software e a Necessidade de Lei Complementar que institua Tributo por Competência Residual

Software Taxation and the Necessity of Supplementary Law to create a Software’s Tax trough Residual Competence

Wellington Antunes da Maia

Graduando em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Aluno do Curso de Atualização em Direito Tributário – IBDT. Estagiário em São Paulo (SP). E-mail: well.antunes@hotmail.com.

Resumo

Analisar-se-á a tributação de softwares através do estudo das regras-matrizes do ICMS-Mercadoria e do ISS e refletindo sobre como essas regras-matrizes não guardam relação com as operações envolvendo softwares. Para isso é necessário empenhar-se em entender a natureza jurídica dos softwares e sua evolução histórica. Esta problemática servirá de premissa para demonstração da necessidade de criação de um tributo específico para tributação de softwares, tal como fora feito no estado de Washington.

Palavras-chave: direito tributário, software, cloud computing, ICMS, ISS, Netflix.

Abstract

The software taxation will be analyzed trough the study of the matrix rule of the Value Added Tax on goods (ICMS) and Value Added Tax on services (ISS), thinking how these rules doesn’t apply on the software operations. Will be necessary understand the software’s legal nature and its historic evolution. This problematic will be useful to demonstrate the necessity of creation of a new specific tax for software’s operations, as did in Washington.

Keywords: tax law, software, cloud computing, ICMS, ISS, Netflix.

Introdução

O presente artigo abordará a necessidade de Lei Complementar para instituir por competência residual, tributo sobre os softwares. O assunto ganhou especial relevo com a criação da Lei Complementar n. 157, de 29 de dezembro de 2016, que possibilitou a cobrança de ISS sobre “serviços” virtuais, como armazenamento, hospedagem e transmissão de dados, elaboração de jogos de computador, disponibilização sem cessão definitiva de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto através da internet. Tal redação supostamente viabiliza a tributação de aplicativos famosos, tais como o Netflix e o Spotify.

Necessário destacar que tributos como o ISS e o ICMS possuem duas limitações, a primeira é a limitação no plano constitucional e a segunda limitação é a necessidade de estar contido nas listas das Leis Complementares de cada um desses tributos. Assim, apesar de um determinado item estar incluso em alguma das listas anexas de um desses impostos é possível que sua cobrança não seja constitucional.

Frente a esse cenário algumas indagações são essenciais para a melhor compreensão acerca da tributação dos softwares, tais como: (2.1.1) Software pode ser considerado mercadoria? (2.1.2) O download pode ser considerado circulação de mercadoria? (3.2.1) O programa de computador pode exercer uma prestação de serviço1?

O escopo deste artigo será a análise dos aspectos materiais do Imposto sobre circulação de mercadoria (ICMS-Mercadoria) e o Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS). Adotar-se-ão premissas que demonstrarão que não há perfeita subsunção das relações jurídicas envolvendo softwares às normas instituidoras dos referidos impostos. Cabe apontar que parte da premissa de que software não é entendido como serviço de telecomunicação2.

Antes de adentrar na matéria tributária propriamente dita, faz-se necessário analisar o conceito de software, sua natureza jurídica e sua evolução histórica.

Este trabalho adotará a interpretação estática dos conceitos de mercadoria e prestação de serviço delineados na Carta Magna. A adoção da interpretação dinâmica, inevitavelmente implicaria em resultados distintos dos aqui obtidos.

A dificuldade em compreender se os utilitários de computador são ou não serviços ou mercadorias gera um cenário de brutal insegurança jurídica. Para demonstrar tal cenário duas soluções de consultas serão analisadas, uma do Netflix e outra do Itunes, em que, apesar de realizarem operações extremamente semelhantes, foram obtidos resultados opostos.

Com base nas premissas adotadas e com a demonstração da insegurança jurídica gerada na tributação de softwares, defender-se-á a criação de tributo específico para softwares usando como exemplo uma lei de Washington, nos EUA.

Percebe-se que na Era da Informática não basta que o jurista conheça o mundo dos átomos, devendo voltar sua atenção também ao “mundo” dos bits.

1. Software

1.1. Delimitação do conceito de software e sua natureza jurídica

A definição legal de software é dada pela lei do Software3, que define programa de computador como expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada contida em algum suporte físico de qualquer natureza, cujo emprego seja necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para que possa fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. A referida lei também estabelece, em seu art. 9º que os utilitários de computador serão objetos de contrato de licença. Esta vinculação implica algumas consequências ao tratamento tributário que será conferido às operações envolvendo aplicativos de computador , conforme será analisado neste artigo.

Para Elisabeth Dias Kanthack4, software é a reunião de programas e procedimentos que efetuam o processamento de dados no computador, dá o direcionamento e a forma a qual esses procedimentos serão desenrolados, de acordo com a vontade do usuário. É o conjunto de procedimentos necessários ao processamento dos dados no computador, indispensável ao seu funcionamento, depende de programas elaborados por especialistas e transmitidos ao computador em linguagem de máquina como comandos, em sequência lógica de instruções e dados destinados a informar o usuário.

A essência do software é algo intangível, pois decorre do exercício da criatividade humana. Por decorrer da criatividade humana a natureza conferida ao software foi a de direito autoral5, possuindo tratamento igual ao do livro.

É possível estabelecer uma analogia entre o software e o livro. A parte substancial do livro é a escrita, seu substrato físico é apenas um meio de veiculação da escrita. A escrita pode ser entendida como a forma de expressão de ideias que decorrem da criatividade humana. O que atrai nos livros são seus elementos intangíveis e inerentes ao autor daquela obra. Não é normal comprar uma obra de Machado de Assis em razão de sua capa que é bonita, mas sim pelo que ali está escrito. A codificação do software está para a escrita assim como a mídia do software está para o livro6. Não é usual adquirir o Windows por entender que o CD é bonito, mas sim pelo programa que está inserido no suporte físico.

Portanto, o software é um bem intangível que decorre resultado de um esforço intelectual, não devendo ser confundido com o suporte físico (disquete, fita cassete ou chip) utilizado para sua veiculação. O software na verdade é o que está inserido no suporte, não o suporte propriamente dito. Tanto é assim que com o avanço tecnológico e avanço da internet houve a implementação do cloud computing, que mudou não só o modo de veiculação do software, mas também as formas das pessoas se relacionarem, negociarem, trabalharem etc. Dada a importância das mudanças trazidas pelos softwares, faz-se necessário entender sua evolução, desde a época em que ele era veiculado através de mídias físicas, até os tempos atuais no conhecido cloud computing.

1.2. Software e sua evolução histórica

A jurisprudência segue o entendimento firmado no Recurso Extraordinário n. 176.626/SP, o qual adota a definição dada pelo professor português Rui Saavedra em sua obra A proteção jurídica do software e a internet. Na referida obra o professor luso dividiu o software em três categorias: software de prateleira, software sob encomenda e software adaptado ao cliente.

Para Saavedra o software de prateleira (standard) é aquele que constitui um pacote de serviços bem definidos e é produzido em larga escala e, em regra, é fácil de ser adquirido em supermercados, shoppings centers etc. e que são materializados num suporte físico (CD, disquete, chip, pendrive, DVD etc.). Software por encomenda é aquele em que o autor do software cria um programa do zero, a partir de diretrizes dadas pelo contratante. A terceira classificação apontada é a do software customizado, que é uma espécie híbrida entre as duas classificações citadas. É um software com padrões preestabelecidos, mas que poderão ser atualizados, otimizados, modificados etc. com o passar do tempo.

Com base nas premissas de Saavedra, dois são os critérios para definir o software como mercadoria: (I) escala de produção e (II) finalidade mercantil. Havendo produção em larga escala e finalidade mercantil, o software poderá ser considerado mercadoria, não sendo preenchidos, poderá ser considerado uma prestação de serviço. Ocorre que a adoção de tais critérios não guarda relação com as definições constitucionais de mercadoria e prestação de serviços, conforme será mostrado ao analisar o aspecto material dos tributos estudados neste artigo.

Após a primeira metade da década do ano de 2000 os utilitários dos computadores já estavam inseridos noutra realidade, se comparada com meados dos anos 1990, sobretudo com a evolução do Windows. As relações envolvendo programas de computador tornaram-se cada vez mais sofisticadas, menos dependentes de suportes físicos e mais dependentes da internet. Algumas vezes o suporte físico é apenas uma autorização de acesso à nuvem7, para que seja realizado o download do software. Essa mudança na veiculação e na forma de relacionar-se com o software é conhecida como cloud computing.

O termo cloud computing (computação em nuvem) surgiu no ano de 2006 numa palestra da Google proferida por Eric Schidt, onde foi explicado como a empresa gerenciava seus centros de informações (data centers), locais onde são armazenados os computadores e sistemas responsáveis pelo processamento dos dados de uma organização8. Tem-se que a computação em nuvem é um conjunto de serviços de rede informática ativados e que proporcionam escalabilidade, qualidade de serviço, infraestrutura barata de computação sob demanda e que pode ser acessada de uma forma bastante simples.

Segundo um relatório feito pela consultoria Gartner9 no ano de 2009, existem cinco elementos inerentes e necessários a todo software de armazenamento em nuvem. O software de armazenamento em nuvem (I) é baseado em serviço e os serviços ou recursos são fornecidos sob medida para satisfazer as necessidades dos usuários; (II) é escalável e elástico, isso quer dizer que a utilização dos serviços ou recursos contratados são voláteis podendo aumentar ou diminuir, de acordo com a necessidade do usuário; (III) é compartilhado: os objetos do cloud computing são compartilhados entre os usuários, tornando possível maior economia, bem como aumento da eficiência; (IV) é medido por uso, ou seja, os serviços ou recursos são cobrados em detrimento do que é usado, ou ofertado dependendo do estipulado em contrato; (V) baseado no uso da internet: já que os dados não mais estarão contidos num suporte físico de armazenamento de dados, os serviços e recursos sempre se basearão em recursos que necessitam da internet.

Usualmente o software em nuvem pode admitir três classificações, “Software as a service (SaaS)”, “infrastructure as a service (IaaS)” e “platform as a service (PaaS)”10. Software como um serviço (software as a service) é o tipo de software que estamos mais habituados, são os softwares em que suas aplicações são pertencentes e estão hospedados num provedor de acesso localizado no centro de armazenamento fora da casa do consumidor. Não necessariamente o usuário deverá fazer um download do software, podendo acessá-lo através do serviço de disponibilização por streaming, onde o acesso é feito na própria nuvem, sem baixar o conteúdo. Infraestrutura como um serviço (infrastructure as a service) é característica do software que disponibiliza um local de armazenamento na nuvem, como o Google Drive11. Nas hipóteses de software como plataforma como serviço (platform as a service), o programa na verdade é um instrumento para realização de algumas funções, temos como exemplo o Microsoft Azure, que é uma plataforma com diversos instrumentos de edição, armazenamento, organização etc.

Streaming pode ser entendido como uma forma de transmissão simples de áudio ou vídeo que será escolhido pelo usuário (webcasting), ou na transmissão inalterável de um conteúdo programado de rádio ou televisão (simulcasting)12.

Apesar de a evolução tecnológica ter implicado drásticas mudanças no tocante aos softwares, tais como novas tecnologias, novas formas de softwares, novos “serviços”, novas formas de veiculação etc. o Judiciário ainda adota premissas antiquadas e que não solucionam o imbróglio da tributação em programas de computador, conforme será analisado a seguir.

2. Tributação em Softwares

Após a análise do que é software e de sua evolução histórica já é possível analisar se há ou não subsunção entre as relações jurídicas envolvendo softwares com as hipóteses de incidência do ICMS e do ISS. Nos capítulos a seguir será demonstrado como a interpretação extensiva de conceitos como o de mercadoria e prestação de serviços guarda pouca relação com os negócios envolvendo softwares e gera um cenário de insegurança jurídica brutal.

2.1. ICMS

2.1.1. O software pode ser considerado mercadoria?

Ao analisar a aplicação de Regra-matriz de Incidência Tributária é necessário analisar se há subsunção de um fato a uma norma. A norma consiste na descrição de um fato com potencial para gerar uma obrigação tributária, que ganhará concretude com a ocorrência do fato gerador (aspecto material). Segundo Schoueri, aspecto material é a definição de uma situação legalmente apta para gerar a obrigação tributária13, conforme o art. 114 do CTN, é a situação necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação tributária.

Para que ocorra subsunção dos fatos à Regra-matriz do ICMS é necessário que ocorra operação de circulação de mercadoria. A hipótese de incidência do ICMS ganha concretude quando há efetiva operação de circulação de mercadoria. Sendo assim, para que seja possível a tributação do software através do ICMS é necessário que o software seja considerado mercadoria e que as operações envolvendo softwares impliquem transferência de propriedade (operação de circulação).

Para Carrazza, mercadorias são coisas móveis, corpóreas e valem por si e não pelo que representam14. Conforme ensina José Eduardo Soares Melo, mercadoria é tradicionalmente definida como bem corpóreo destinado a atividade empresarial do produtor industrial e comerciante, cujo objetivo é a distribuição para consumo15.

As operações são relações jurídicas em que há transmissão de um direito que gere circulação da mercadoria, portanto, circulação é a mudança da titularidade de uma determinada mercadoria. Essas serão as definições utilizadas para a criação da premissa de que o software não pode ser entendido como mercadoria, no entanto, essas definições não são absolutas na doutrina.

Em sentido diverso das definições adotadas por Roque Antonio Carrazza e José Eduardo Soares Melo está a definição conferida pelo professor Marco Aurélio Greco, que entende mercadoria como coisa móvel e que seja objeto de atividade mercantil16. Para o referido professor, os bens podem ser corpóreos, incorpóreos e não corporificados, sendo os aplicativos de computador caracterizados como bens não corporificados.

Na análise de Greco, o que define uma coisa como mercadoria é o aspecto subjetivo daquele que a criou, se a coisa foi criada para uma finalidade mercantil, ela será considerada uma mercadoria, independentemente de ser corpórea ou não.

A definição de Greco não será adotada neste artigo, pois neste trabalho adota-se a premissa de que a Constituição, ao adotar conceitos específicos para mercadorias e serviços, os tornou imutáveis. Considerar-se-á como mercadoria todo bem móvel, corpóreo, que valha por si e que tenha finalidade mercantil, o que gera uma abrangência menor em relação à mercadoria entendida como toda coisa dotada de finalidade mercantil. Tal distinção é necessária, pois se mercadoria necessariamente deve ser um bem corpóreo e o software é algo incorpóreo, então não deverá haver incidência de ICMS sobre as operações envolvendo softwares.

Entendido o conceito de mercadoria e estabelecida a premissa de que sendo mercadoria coisa corpórea, não deve haver incidência do ICMS sobre as relações envolvendo software ainda é necessário examinar se download poderia configurar circulação de mercadoria.

2.1.2. O download pode ser considerado circulação de mercadoria?

De acordo com a brilhante lição do mestre Geraldo Ataliba, circular é a efetiva transmissão dos direitos de disposição sobre a mercadoria17. As operações são relações jurídicas em que há transmissão de um direito que gere circulação da mercadoria, logo, circulação é a mudança da titularidade de uma determinada mercadoria.

No entendimento fixado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 158.834/2002 (DJ 23.10.2002) foi estabelecido que na expressão “circulação de mercadorias” deve-se entender a mercadoria mudando de proprietário, havendo uma circulação mercantil.

Entendido o que é circulação, deve-se analisar o que vem a ser download e se esse pode ser entendido como operação de circulação. Download é a operação onde o adquirente recebe em seu computador, smartphone, tablet, etc., o software adquirido pela internet e que foi veiculado por um meio virtual, ou seja é o descarregamento virtual de um bem também virtual (cloud)18.

Aquele que faz o download de um software não se torna proprietário do programa, pelo contrário, ao realizar o download de um software, o usuário sujeita-se a diversas limitações ao uso do mesmo. O contrato de licença de uso do software traz um bojo enorme de restrições ao uso do utilitário, ficando nítido que não há transferência de titularidade, inviabilizando, portanto, a incidência do ICMS.

Nos casos em que há download do software não há transferência da propriedade (na verdade não há transferência da propriedade do software sequer nos casos de softwares veiculados por suportes físicos), o que há na verdade é uma possibilidade de uso do programa de computador, uso este que possui diversas limitações, o que pode caracterizar no máximo uma cessão do direito de uso do software, mas nunca uma propriedade plena.

Não havendo uma troca de propriedade do software é impossível que ocorra a circulação de mercadoria. Nas relações envolvendo aplicativos de computador o proprietário do programa sempre será aquele que detém o direito autoral do mesmo. Sendo impossível a transmissão de propriedade, tem-se que o download não configura circulação de mercadorias.

2.1.3. Abordagem jurisprudencial

A jurisprudência, de maneira geral, segue o entendimento firmado no já citado RE n. 176.626/SP. Onde há equiparação do software de prateleira à mercadoria, em decorrência de sua finalidade mercantil, um aspecto subjetivo, portanto. Atrela-se a esse fim negocial o fato de que o usuário adquire as manifestações físicas do software, com todas as prerrogativas ligadas à propriedade do programa, desde que a licença de uso tenha concedido esse título. Posicionamento idêntico foi utilizado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 199.464/SP, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão19, onde foi seguido o conceito puramente finalístico de mercadoria, entendendo que a produção em massa para comercialização e revenda de um software seria suficiente para descaracterizar a natureza de contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso.

No entanto, doutrinadores como Roque Carrazza, Hugo de Brito Machado e Aires Barreto20 discordam dessa divisão, por ser puramente econômica e sem relevância jurídica. Tal segmentação do software deveria ser criada através de lei, já que é uma lei que dá a disciplina dos softwares. Ressalta-se que para que um bem seja considerado mercadoria ele deve possuir corporeidade e finalidade mercantil.

Consonante com o que preceitua a jurisprudência, temos o ensinamento do já citado professor Marco Aurélio Greco, ao ensinar que “caminha no sentido da criação de novos tipos de incidência tributária, não mais atrelados apenas aos elementos físicos, mas a outros fatores de produção, elementos da prestação de serviços e da produção de bens, que não são captáveis fisicamente”21.

Esse posicionamento é visto com louvor no STF. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945 o Ministro Gilmar Mendes entendeu que “a mudança na realidade afeta a interpretação do texto constitucional de alguma forma, ou vai afetar ou poderá afetar”. O que demonstra a adoção da interpretação dinâmica da Constituição pelo STF22.

Data máxima vênia, vale repetir que no download há mera licença de uso do software, o que faz com que a interpretação dada por Marco Aurélio Greco, bem como a citada na jurisprudência acima, seja demasiada extensiva, fugindo dos limites constitucionais. Parecendo correto que definições anteriores à Constituição ao serem inseridas na Carta Magna tornam-se imutáveis (conceitos)23.

Cabe trazer o ensinamento do professor Luciano Amaro, que disciplina que “o exercício do poder de tributar supõe o respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela constituição [...]”24.

Vale destacar a advertência feita pelo presidente da Corte, Ministro Lewandowski, no julgamento da mesma ADI: “Em sede doutrinária, Ives Gandra Martins sustenta a impossibilidade de incidência do ICMS nas operações de licenciamento e sublicenciamento de programas de software em razão do nítido exercício de direito autoral que sustentam”.

Os ministros Lewandowski, Marco Aurélio e Celso Mello entenderam que é indevida a incidência de ICMS sobre o download de software.

No Recurso Especial n. 39.797/SP25, de relatoria do Ministro Garcia Vieira, foram levantados pontos sinérgicos com as premissas aqui estabelecidas. O ministro, corretamente, entendeu “que o software não é objeto de venda, uma vez que pertence ao seu criador”. Ainda estabeleceu três premissas, sendo elas:

“O programa de computador não se confunde com seu suporte físico; o programa de computador não é uma coisa material corpórea que assim pudesse ser considerada como mercadoria, para fins de incidência do ICMS; o programa de computador não é ‘vendido’, já que a sua exploração econômica no país é objeto de contratos de licença ou de concessão.”

Porém, mesmo com premissas corretas para não incidência do ICMS, o ministro entendeu que deveria haver incidência do ISS.

Com base nas premissas aqui estabelecidas, respeitando posicionamento contrário, tem-se que é indevida a incidência do ICMS sobre softwares, pois: (I) software não pode ser considerado mercadoria, já que é um bem intangível e com natureza de direito autoral, (II) o download não configura circulação de mercadoria, seja pelo software não ser uma mercadoria, seja por não haver transferência de propriedade, e (III) não há compra e venda de software, já que não há mudança na propriedade dos direitos inerentes ao programa.

2.2. ISS

2.2.1. O programa de computador pode exercer uma prestação de serviço?

Para entender se o software pode ser considerado prestação de serviço, é necessário antes compreender o que é prestação de serviços. Para Aires Fernandino Barreto, serviço deve ser compreendido como o esforço humano, do qual decorrerá um bem material ou imaterial passível de mensuração econômica, em favor de um terceiro – tomador do serviço. É o desprendimento de esforço com intuito de cumprir uma obrigação de fazer26.

O aspecto material do imposto sobre serviço de qualquer natureza decorrerá de um fenômeno (prestação de serviço) que seja capaz de revelar algum aspecto econômico (riqueza). O núcleo do fato gerador da hipótese de incidência do ISSQN não se limita a serviço, mas sim a uma prestação de serviço, ou seja, um negócio jurídico pertinente a uma obrigação totalmente, ou ao menos preponderantemente, de fazer27.

O cerne do aspecto material da hipótese de incidência do ISS não está no termo “serviço”, mas sim na frase “prestação de serviço”, que pode ser entendida como a atividade humana de prestar um serviço, portanto, o verbo que corresponde ao aspecto material da regra de incidência do ISS é “prestar serviço”.

Prestação de serviço deve ser entendida como uma conduta humana consistente em desenvolver um esforço visando cumprir uma obrigação de fazer. O conceito constitucional de prestação de serviço pode ser entendido como uma prestação onerosa de um fazer em favor de outrem, em regime de direito privado e que não configure relação trabalhista28.

Não basta que a obrigação de fazer contenha a definição constitucional citada acima, ela precisa também estar contida na delimitação da incidência do ISS29. A delimitação da incidência do ISS é disciplinada também na Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 200330.

Entendido o conceito de prestação de serviço, deve-se analisar se nas relações envolvendo programas de computador há desprendimento de esforço humano para cumprimento de uma obrigação de fazer, mediante contraprestação pecuniária.

O sistema lógico (software) do computador é entendido como um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, essa linguagem “comunica-se” com o hardware e o resultado dessa comunicação é o desempenho de alguma função. Por exemplo: do resultado da comunicação do software do Microsoft Office com o hardware de um computador é possível escrever um artigo.

Com base no raciocínio exposto acima, conclui-se que nas funções desempenhadas exclusivamente por utilitários de computador, não haverá efetiva prestação de serviço, pois inexiste esforço humano, existindo apenas uma comunicação entre software e hardware.

Nesses casos a prestação não é feita pelo sistema lógico do computador, mas decorre de alguma cláusula que se comprometa com manutenção, contato entre prestador e usuário etc., as hipóteses são inúmeras e demandam análise ao caso concreto31.

Aires Fernandino Barreto entende que em decorrência da cessão de uso (ou de direitos) de software, configura-se obrigação de dar, não podendo refletir uma prestação de serviços. O saudoso professor acrescenta ainda que a possibilidade de haver prestação de serviço é apenas um meio para obtenção contrato principal32.

O programa de computador após sua criação será objeto de um contrato de licenciamento ou cessão do direito de uso, já que esta é uma vinculação legal. Portanto, após a criação do utilitário haverá uma obrigação de dar, o que torna errônea a incidência do ISS33.

Em alguns casos a contratação para criação de programas personalizados é feita através de um contrato de desenvolvimento de software. O art. 4º da Lei do Software estabelece que, salvo disposição contrária entre as partes o direito autoral não pertencerá a quem prestou o serviço e criou o programa por encomenda, mas sim para quem contratou o desenvolvimento34.

No caso do software personalizado contratado através de desenvolvimento de software, há nítida obrigação de fazer e nos casos de desenvolvimento de programa de computador o criador do programa não possuirá os direitos autorais do programa, o que faz com que nesses casos fique clara a prestação de serviço, pois houve desprendimento de força humana para criação de um objeto (aplicativo), objeto este que não será de propriedade daquele que criou, já que o direito autoral já nascerá com o contratante. Nesta hipótese parece ser correta a tributação através do ISS.

Os dois raciocínios citados acima são complementares. No caso em que a contratação para criação de um software personalizado for feita na modalidade de desenvolvimento de software, haverá típica prestação de serviço, já que os direitos patrimoniais do autor já nascerão com o contratante, não havendo transferência do mesmo, sendo devida a tributação pelo ISS. Já nas demais modalidades de contratação (cessão ou licença), caracterizando-se como obrigação de dar. Noutras hipóteses, como serviços de streaming, a contratação pode ser análoga a uma locação, neste caso aplicando a inteligência da Súmula Vinculante n. 3135 a tributação seria indevida, conforme será visto mais adiante, neste artigo.

2.2.2. Abordagem jurisprudencial na tributação por ISS

Conforme foi verificado no capítulo anterior, o fato gerador do ISS é a atividade humana de prestar um serviço. A maioria dos contratos envolvendo programas de computador é de licenciamento ou cessão de uso sem natureza de contrato de desenvolvimento de software. Desta forma, grande parte dos casos a incidência do ISS ocorre sobre atividades desempenhadas pelo sistema lógico do computador, ignorando se houve ou não desprendimento de força humana.

Sendo prestação de serviços atividade tipicamente humana, em regra, é incorreta a incidência do ISS nos casos em que o consumidor usa um utilitário, visto que o “serviço” é desempenhado pelo hardware, através da comunicação com o sistema lógico do computador.

No STF o entendimento firmado no RE n. 176.626/SP foi de que incide ISS sobre software personalizado. Esse é o entendimento consolidado na jurisprudência pátria, no entanto, de acordo com as premissas aqui estabelecidas, vê-se que a incidência do ISS é tecnicamente acertada apenas nos casos de contrato de desenvolvimento de utilitários, o que é a minoria dos contratos envolvendo programas.

O STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 216.967, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, da Segunda Turma, concluiu que “nos programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência do tributo do ISS”36. Em igual sentido foi o Recurso Especial n. 633.405/RS, de relatoria do ex-Ministro do STJ Luiz Fux37.

O raciocínio adotado pela jurisprudência merece ressalvas por alguns motivos: (I) é adotado um aspecto puramente econômico para definir o que é serviço, (II) há casos em que os direitos autorais permanecem com o criador do utilitário.

O fato de existir remuneração para uma atividade desempenhada por um aplicativo não faz com que ocorra o fato gerador do ISS, ainda que exista evidência de riqueza, não haverá prestação de serviços, já que inexiste atividade humana. Nesse sentido é o ensinamento de Aires Fernandino Barreto, ao entender que o ISS deve incidir apenas na prestação de serviços (conduta humana)38, o que dá uma abrangência muito menor do que para aqueles que, erroneamente, entendem que o ISS incide sobre qualquer serviço, já que aqui não necessariamente deve haver uma conduta humana.

Nos casos em que existam atividades humanas atreladas ao contrato de licença do software o cenário será mais nebuloso, pois haverá uma atividade do sistema lógico do computador e uma atividade humana (manutenção, por exemplo) e em regra o preço da contratação é único.

Alguns casos, como o streaming, por exemplo, podem evidenciar outro cenário, cenário este análogo à locação de bens móveis, o que dá margem a outras vias argumentativas para a não incidência, como a impossibilidade de incidência do ISS sobre locação de bens móveis, conforme disciplina a Súmula Vinculante n. 31.

Conforme é possível notar o cenário de variáveis envolvendo relações com softwares é imenso, o que demonstra a fragilidade do modelo adotado para tributação em aplicativos, o que acaba gerando um cenário de insegurança jurídica brutal. Não é difícil pressupor que interpretações dinâmicas geram insegurança jurídica.

O Estado trai a confiança do contribuinte, ao tirar-lhe o poder de escolha, o contribuinte busca um resultado X através de uma conduta A e acaba por incorrer num resultado Y que decorreria de uma conduta B, o que é uma verdadeira afronta à dignidade humana39. É esse cenário que será demonstrado no capítulo a seguir, com finalidade de demonstrar a necessidade de Lei complementar que restabeleça a segurança jurídica, ao instituir um tributo por competência residual.

2.2.3. Insegurança jurídica ao adotar os critérios estabelecidos pela jurisprudência

Buscando trazer aspectos práticos aos argumentos trazidos nesse artigo, esse subitem terá como foco analisar duas soluções de consultas feitas por empresas que trabalham com “serviços” de streaming, duas condutas idênticas foram tratadas de maneiras diversas, violando o princípio da isonomia, bem como instaurando insegurança jurídica.

Aqui serão analisadas as soluções de consulta SF/DEJUG n. 17, de 2 de abril de 2013 e SF/DEJUG n. 65, de 6 de dezembro de 2012, sendo a primeira referente ao Itunes e a segunda ao Netflix. Segundo as definições aqui expostas, ambos são considerados Software as a Service, possuindo inclusive a mesma área de atuação, qual seja, a veiculação de programas audiovisuais através de Streaming.

No Netflix há uma atividade de transmissão online (streaming) que oferece para seus assinantes acesso a filmes e séries. Situação análoga à locação de filmes que era feita pelas locadoras, mudando apenas a veiculação, que é feita pela internet e sem suporte físico, e mediante um preço fixo, pago mensalmente. Ocorre que, além de não haver nenhum esforço humano na atividade de disponibilização desempenhada pelo Netflix, há a Súmula Vinculante n. 31, que preceitua “é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza ‒ ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

Apesar de não haver efetiva prestação de serviço e ainda haver uma vedação através de súmula vinculante, o município de São Paulo optou pela incidência de ISS classificando a atuação do Netflix como licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação na alíquota de 2%. O que, de acordo com as premissas aqui estabelecidas, é equivocado, pois o licenciamento é uma vinculação estabelecida pela Lei de Software e o objeto do Netflix é uma locação/streaming de filmes. O município de São Paulo tratou o licenciamento e a cessão como uma obrigação de fazer.

Na resolução de consulta do Itunes, foi entendido que nos casos em que a relação entre o Itunes e o consumidor final é uma relação direta, há na verdade uma relação de locação de bem móvel na qual não deve incidir o ISS. Ora, de acordo com essa premissa, o Netflix, que tem uma relação direta com o consumidor final também deveria ser isento de tributação em decorrência da Súmula Vinculante n. 31.

A finalidade arrecadatória é tão explícita que acaba por violar brutalmente a coerência do ordenamento jurídico e mais do que isso, romper com a segurança jurídica a ponto de que duas condutas tenham tratamentos diferentes.

Apesar de o Direito corriqueiramente ser entendido como resultado da interpretação feita por um juiz (intérprete autêntico) de um enunciado, é necessário ter cautela na hermenêutica utilizada com finalidade de atualizar definições constitucionais40, pois é possível gerar um cenário de tamanha deformidade da constituição que implique grave insegurança jurídica, como foram os casos tratados em todos os capítulos anteriores nesse artigo.

A criação de uma Lei Complementar pode ser vista como solução para esse problema, pois traria conceitos próprios para tributação em programas de computador e conseguiria resolver o problema da insegurança jurídica nas relações envolvendo programas de computador, com base em todas as premissas expostas neste artigo, bem como os problemas práticos trazidos nesse artigo. É o que se procurará demonstrar no capítulo a seguir.

3. Da Necessidade de Lei Complementar para instituir um Tributo por Competência Residual

Em que pese o entendimento jurisprudencial não ter mudado, mister destacar o apontamento feito pelos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski no julgamento da ADI n. 1.945, em que foi levantada a necessidade de Lei Complementar para dirimir os conflitos envolvendo softwares, a necessidade de proteger os direitos autorais envolvendo os mesmos, bem como a necessidade de levar o mérito para ser discutido em plenário.

Tal tema é tão importante que em 8 de junho de 2016 a citada ADI foi reinserida em pauta no STF. A tributação de bens digitais também é assunto no Action No. 1: Adressing the Tax Challenges of the Digital Economy do Base Erosion and Profit Shifting (“BEPS”) e no Task Force on the Digital Economy (“TFDE”), os dois projetos propostos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”).

A instituição de um tributo específico para as operações envolvendo softwares, através da competência residual da União, editado através de Lei Complementar parece uma das melhores soluções para o problema em questão, pois além de solucionar o imbróglio que há na subsunção dos fatos envolvendo softwares às hipóteses de incidência dos impostos objetos de estudo deste trabalho, também evitaria problemas como a guerra fiscal.

3.1. O Modelo de Washington

Tal solução não fica apenas no campo da abstração. O estado de Washington criou uma lei específica para tributação em softwares41. Na referida lei foi entendido que qualquer serviço transferido eletronicamente que use uma ou mais aplicações de programa de computador é um serviço automatizado, onde foi adotada a definição de serviço automatizado visando abarcar as novas formas nas quais os produtos digitais são entregues, acessados ou transferidos. Mais do que definir o que seria computação em nuvem ou serviços digitais, sujeitos a tributação, a referida lei trouxe uma ampla definição do que seria tributado e enumerou o que não seria objeto de tributação.

De acordo com um membro do grupo legislativo responsável pela elaboração dessa lei, eles estudaram dois anos sobre computação digital e com base nesse estudo decidiram o que tributar e o que não tributar, admitindo ainda que o conceito de cloud computing para fins tributários poderia ser ainda mais amplo do que o definido em lei42.

Ao criar uma lei que instituísse um tributo para as relações em softwares, não haveria mais interpretações tão extensivas sobre o que é e o que não é mercadoria, se o ISS incide sobre serviços ou sobre prestação de serviços, se software é mercadoria ou não, o que evitaria cenários de insegurança jurídica, conforme visto no caso do Itunes e Netflix e tal solução possui amparo em nossa Constituição Federal, em seu art. 154, inciso I.

Conclusões

De acordo com o cenário traçado nesta obra, percebe-se como é tormentoso o panorama em que a tributação em softwares está inserida e que ao admitir a tributação em softwares, da forma que a jurisprudência vem adotando, depara-se com um cenário de pouca técnica jurídica, já que praticamente inexiste correspondência entre o aspecto material dos tributos aqui analisados, com os fatos envolvendo os sistemas lógicos de computadores.

Vale destacar as premissas que aqui foram traçadas e que demonstram a impossibilidade da incidência do ICMS e do ISS em relações envolvendo programas de computador.

a) Mercadorias são bens móveis, tangíveis, dotados de finalidade mercantil e em regra veiculados através de contratos de compra e venda. Softwares são bens móveis, intangíveis, com natureza de direito autoral, equiparado aos livros e são, necessariamente, veiculados por contratos de licenciamento ou cessão de direitos. Logo, se software não se insere no conceito de mercadoria, não deve haver incidência do ICMS;

b) Se software não pode ser considerado mercadoria, tampouco pode o download ser considerado uma operação de circulação, já que no download não há inversão da propriedade;

c) Prestação de serviços é uma atividade necessariamente humana e pressupõe o desprendimento de força humana, em decorrência de uma contraprestação onerosa, para satisfazer uma obrigação de fazer. Não há desprendimento de força humana nas atividades desempenhadas pelos softwares, visto que estes são objetos, não sujeitos, portanto, não há subsunção dos fatos envolvendo softwares à norma que institui o ISS.

d) É indevida a incidência do ISS nos casos de softwares personalizados, pois ainda que exista uma obrigação de fazer – criação do software – a contratação necessariamente ocorre através de um contrato de licenciamento ou cessão de uso do software, o que caracteriza uma obrigação de dar e é sabido que não há incidência do ISS sobre relações envolvendo obrigações de dar coisa.

Aqueles que adotam outras premissas, optando pela incidência de algum dos tributos tratados neste artigo, interpretam as definições constitucionais de maneira ampliativa. Demonstrou-se através das consultas do Netflix e do Itunes que esta interpretação dinâmica gera um cenário de instabilidade jurídica, causando dois resultados jurídicos opostos para relações jurídicas idênticas.

Tais consequências corroboram com a ideia da necessidade de uma Lei Complementar que, por competência residual, institua um tributo específico para as relações envolvendo softwares, deixando clara a hipótese de incidência do referido tributo. Esta medida restauraria a segurança jurídica nas operações envolvendo softwares e ainda viabilizaria o desenvolvimento tecnológico no país. Tal prática seria extremamente acertada, levando em consideração o exemplo da lei de Washington, abordada nesta pesquisa.

Referências Bibliográficas

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1 Os números ao lado indicam os capítulos com possíveis respostas às perguntas levantadas.

2 Este é um tema que tem ganhado bastante relevo no âmbito tributário e econômico, sobretudo com os serviços Over the Top, que são serviços que se valem das infraestruturas de telecomunicação para oferecer serviços na internet, como o Netflix. Sobre esse assunto, para os que quiserem uma análise mais profunda, verificar: GERMANO, Livia de Carli. A tributação de músicas e vídeos comercializados na internet e entregues via download e streaming. Revista Direito Tributário Atual, v. 27. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012, p. 440-454, e OMORI, Felipe Jim. A tributação da disponibilidade de sons e imagens pela internet e o PLC n. 386/2012. Revista Direito Tributário Atual, v. 35. São Paulo: IBDT, 2016, p. 131- 154. Bem como <http://www.conjur.com.br/2016-ago-14/nao-incide-icms-servicos-over-the-top-iss-variavel#_ftn4>.

3 Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998.

4 PEREIRA, Elisabeth Dias Kanthack. Proteção jurídica do software no Brasil. 1. ed., 2004, p. 34.

5 Art. 2º da Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998: “O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”

6 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

7 É possível adquirir jogos e softwares em sentido estrito desta forma. Por vezes o próprio CD de um programa pode ser apenas uma chave de acesso para o download, o que pode ser facilmente constatado ao analisar o tamanho do arquivo que consta no suporte físico.

8 CAETANO, Cristiano. Teste nas nuvens. Revista Engenharia de Software Magazine. Virtual, n. 46, 8 março 2012. Disponível em: <http://www.devmedia.com.br/teste-nas-nuvensrevista-engenharia-de-software-magazine-46/23816>. Acesso em: 05 julho 2016.

9 GARTNER, Consultoria. Gartner: 5 principais atributos da computação em nuvem.

Disponível em: <http://computerworld.com.br/gestao/2009/07/02/gartner-5-principais-atributos-da-computacao-em-nuvem>. Último acesso em: 06 julho 2016.

10 EISENSTEIN, Martin I; e SLOT, Barbara J. Let the sunshine in: the age of cloud computing. Tax analysts. Disponível em: <http://www.tax.org/www/features.nsf/Articles/2128DFA5C8217C9D852579580051F965>. Último acesso em 09 maio 2016, às 13h12min.

11 A nuvem, por sua vez é a virtualização das informações fisicamente contidas em Data Centers estabelecidos, muitas vezes, em outros países que não onde o software desempenha suas atividades.

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. Livro II. São Paulo: Noeses, 2013, p. 114-115.

13 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 536.

14 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2006.

15 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 17.

16 GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 82-84.

17 Nas palavras do citado professor “Circular significa, para o direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria muda de titular, ocorre circulação para efeitos jurídicos. [...] Vê-se, portanto, que ‘circulação’, tal como constitucionalmente estabelecido (art. 155, I ‘b’) há de ser jurídica, vale dizer, aquela na qual ocorre a efetiva transmissão dos direitos de disposição sobre mercadoria, de tal forma que o transmitido passe a ter poderes de disposição sobre a coisa (Mercadoria).” (ATALIBA, Geraldo. ICMS – incorporação ao ativo – empresa que loca, oferece em “leasing” seus produtos – descabimento do ICMS. Revista de Direito Tributário, v. 52, p. 74)

18 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação na internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). Tributação na internet. São Paulo: RT, 2001, p. 277-279.

19 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 199.464/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em 02.03.1999, DJ 30.04.1999.

20 Todos na bibliografia deste trabalho.

21 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Revista Direito Tributário Atual, v. 25. São Paulo: Dialética e IBDT, 2011, p. 120.

22 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945 MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 26.05.2010, DJe 14.03.2011; BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945 MC/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 26.05.2010, DJ 14.03.2011.

23 ÁVILA, Humberto. Imposto sobre a Prestação de Serviços de Qualquer Natureza – ISS. Normas constitucionais aplicáveis. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Hipótese de incidência, base de cálculo e local da prestação. Leasing financeiro: análise da incidência. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 122. São Paulo: Dialética, 2005, p. 123-124.

24 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 104.

25 REsp n. 39.797/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 15.12.1993, DJ 21.02.1994, p. 2.138.

26 BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

27 MELO, José Eduardo Soares de. ISS – aspectos teóricos e práticos. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 301/302.

28 JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços da Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 177.

29 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2011, p. 777.

30 Lei que foi alterada pela LC n. 157/2016, citada no início deste artigo.

31 Como brilhantemente aponta GERMANO, Livia de Carli. A tributação de músicas e vídeos comercializados na internet e entregues via download e streaming. Revista Direito Tributário Atual, v. 27. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012, p. 454.

32 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 3. ed. São Paulo: Dialética, p. 143.

33 Nesse sentido conferir: STEFFENS, Luana. A questão da incidência do ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador. In: BRASIL, Vicente (coord.). Questões práticas do ISS. 1. ed. São Paulo: ÔNIXJUR, 2011, p. 385.

34 PEROBA, Luiz Roberto; ALVES, Vinicius Jucá. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 1.945 e a tributação pelo ICMS do download de programas de computador. Tributação em telecomunicações: temas atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 251.

35 Súmula Vinculante n. 31: “é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

36 REsp n. 216.967/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28.08.2001, DJ 22.04.2002, p. 185.

37 REsp n. 633.405/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 24.11.2004, DJ 13.12.2004, p. 241.

38 Cf. BARRETO, 2012, p. 340.

39 Essa opinião é corriqueiramente defendida pelo ilustre professor Humberto Ávila em diversas palestras proferidas por ele, podendo ser verificada na página 29 dos anais do IV Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual promovido pelo IBDT no ano de 2016.

40 Tive a oportunidade de discutir o tema com o professor José Maria Arruda de Andrade em sua aula proferida no dia 4 de junho de 2016 no Curso de Atualização em Direito Tributário do IBDT. O amadurecimento de minhas ideias após essa conversa foi imenso, apesar de não adotar o mesmo entendimento do referido professor, que é favorável à atualização das definições constitucionais, possibilitando a tributação em softwares. Para fins de reflexão recomenda-se a leitura do artigo de autoria do professor José Maria Arruda de Andrade (Interpretação e aplicação da lei tributária: da consideração econômica da norma tributária à análise econômica do direito), publicado em MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Interpretação e aplicação da lei tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2010, p. 182-206.

41 Código de receitas de Washington (WASH. REV. CODE § 82.04.192(3)(a) (2011)). Disponível em: <http://app.leg.wa.gov/rcw/default.aspx?cite=82.04.192>.

42 De acordo com a legislação tributária de Washington “any service transferred electronically that uses one or more software applications is a digital automated service. It adopted the definition of a ‘digital automated service’ in an effort to address shifting technology, as part of a law designed to look at the ways that digital products are delivered, accessed and transferred. Rather than define each cloud computing or digital service subject to taxation, the law enacted a broad definition and then adopted exclusions for activities it did not want to tax. According to a member of the group whose two-year study led to the law, the digital automated services definition was the Legislature’s attempt to throw a blanket over everything and say ‘we don’t know what else might be out there – but we’d like to tax it’.” (SUSSON, Matthew Adam. Thinking out cloud: California State sales and use taxability of cloud computing transactions. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2027658>. Último acesso em: 26.04.2017, às 07h63min.)