Artigos Homenagem (não Submetidos ao Sistema de Avaliação Double Blind Peer Review)

Algumas Notas em Homenagem ao Professor Alcides Jorge Costa

Certain Notes in Honor to Professor Alcides Jorge Costa

Fernando Aurelio Zilveti

Professor Doutor Livre-docente em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo. E-mail: fzilveti@zilveti.com.br.

Resumo

Este artigo traz algumas notas sobre direito tributário, extraídas de trabalhos do Professor Alcides Jorge Costa, numa crítica aos temas que ele explorou durante sua vida acadêmica. Este trabalho procura explorar a doutrina deixada pelo professor a seus alunos, num contributo para a doutrina do direito tributário.

Palavras-chave: Alcides Jorge Costa, Direito Tributário, doutrina.

Abstract

This article brings some tax law notes, collected from Professor Alcides Jorge Costa works, in critics about themes he explored during his academic life. This work try to explore the doctrine left by the professor to his students in contribution for the tax law doctrine.

Keywords: Alcides Jorge Costa, Brazilian Tax Law, tax law.

1 – Introdução

O desaparecimento de um professor deixa um vazio no mundo acadêmico que, dependendo da estatura do docente, dificilmente será preenchido novamente. Esse é o caso do Professor Alcides Jorge Costa, cuja doutrina se soma ao que é mais caro num docente, a capacidade de ensinar no melhor sentido humanista. Esse predicado foi ressaltado por Humberto Ávila em seu discurso de posse como professor titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A serenidade era, de fato, uma virtude do Professor Alcides Jorge Costa, aliada à habilidade deliberativa, que o transformava num conselheiro ímpar1.

Luís Eduardo Schoueri, sucessor e discípulo do professor como titular de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ressaltou a humildade de Alcides Jorge Costa. Por essa característica típica de cientista, Costa sempre foi procurado, seja por contribuintes seja por agentes de governo com participação ativa nos mais importantes projetos legislativos de formação do sistema tributário brasileiro2. Num ano em que o Código Tributário Nacional completa 50 anos, pode ser dito que Costa trabalhou para dar eficácia ao CTN, adequando seu texto à prática tributária. Impostos como o ICMS e o ISSQN contaram com a pena do jurista homenageado, que escreveu projetos legislativos e procurou dar racionalidade aos tributos, sendo voto vencido, infelizmente, em diversas ocasiões, como na introdução da substituição tributária do ICMS. Por outro lado, a taxatividade da lista de serviços do ISSQN foi obra sua, consciente que assim daria praticidade ao imposto.

Durante todo o período de magistério, o Professor Alcides Jorge Costa tratou de inúmeros temas do Direito Tributário, com diversos artigos publicados nas mais tradicionais revistas acadêmicas, além de contribuir em obras coletivas. Diz-se injustamente que ele pouco publicou em sua carreira docente. O que fez foi não publicar qualquer coisa, senão por absoluta convicção científica. Essa característica demanda do pesquisador de sua obra um trabalho investigativo mais cuidadoso, conquanto, muito gratificante, acedendo ao que há de melhor na doutrina do Direito Tributário.

Neste artigo são comentadas algumas notas sobre textos do Professor Alcides Jorge Costa, com uma crítica ao que ele escreveu. Muitos juristas, como ele próprio, são homenageados em vida. Por outro lado, também se homenageia juristas falecidos, em memória de sua obra acadêmica. Esse é o propósito maior deste artigo. O grande legado do Professor Alcides Jorge Costa foi ensinar seus alunos, como este autor, a pensar criticamente, mantendo o otimismo sobre como operar o sistema tributário nacional e demandar por seu contínuo aperfeiçoamento.

2 – Princípios do Direito Tributário

Sobre o princípio da progressividade, Costa lançou dúvidas quanto à sua eficácia como instrumento político de distribuição de riqueza. Em sua crítica apontou que, se a despesa pública beneficia mais as classes abastadas, a progressão não redistribui, porque a massa de recursos vai beneficiar o mesmo segmento social de onde proveio o recurso. Não há como destinar os benefícios sociais somente à determinada parcela da população, visto que todos devem ter, por força da Constituição, igual acesso aos serviços públicos. O autor entende que a capacidade contributiva é mais compatível com a progressividade do que com a proporcionalidade3. A posição de Costa sobre a progressividade reforça a ideia de que a progressividade não é um princípio, apenas ferramenta de política fiscal, útil para a retórica socialista redistributiva. A progressividade não corrige distorções do sistema tributário, apenas dá a falsa impressão de redistribuir riqueza, em atenção ao que se denominou demagogicamente de justiça social. A progressividade somente se justifica, segundo Costa, pelo argumento compensatório, elemento da política redistributiva4. Não há, porém, nessa afirmação, qualquer reconhecimento de aplicação da progressividade na capacidade contributiva.

Sobre o princípio da capacidade contributiva, Costa foi bastante cético quanto à sua eficácia, provocando seus alunos a pensar como o princípio pode ser aplicado na prática. Ao criticar o texto constitucional de 1988, Costa indagou se o art. 145 seria apenas uma norma programática. A função da norma constitucional foi, para os jurista, uma diretriz a ser seguida pelo legislador ordinário que deve perseguir a personalização dos impostos e sua graduação segundo a capacidade contributiva5.

Costa entende que não é fácil conceituar de modo concreto a capacidade contributiva. Ainda sobre o princípio da capacidade contributiva, Costa contestou sua validade para os impostos indiretos como o ICMS e o IPI, incompatíveis em função de serem tais tributos seletivos, característica que permite mitigar o efeito regressivo6. Costa preferiu instrumentos como a seletividade e a essencialidade para os tributos indiretos, por entender serem esses mais passíveis de concretizar a igualdade no sistema tributário.

Enfim, Costa procurou debater princípios no sistema tributário, criticando o excesso legislativo, vício dos agentes de política fiscal. Preocupava-se o professor paulista com a Federação e as assimetrias geradas pelo excesso de exação. Quando a Constituição proibisse a tributação, os governos recorriam à emenda constitucional, mesmo que tal recurso provocasse distorções sistêmicas na Federação, “a procura de um modelo”, segundo acertada crítica de Costa, que se incomodava com o limitado grau de autonomia dos Estados e Municípios em matéria de competência tributária7. Não via, assim, o sistema tributário nacional garantindo o chamado “pacto federativo”, expressão infeliz para designar um arreglo político frágil e assimétrico experimentado na Constituição brasileira. Assim, não há que falar de princípio federativo em tais circunstâncias.

3 – Da Obrigação Tributária

Sobre o nascimento da obrigação tributária, Alcides Jorge Costa considera apropriado definir fato gerador como um complexo de fatos, visto que dificilmente um fato isolado gera obrigação, exceto nos casos de impostos de capitação, aplicáveis pela mera existência da pessoa8. A posição de Costa sobre o fato gerador permite melhor compreensão sobre o que efetivamente dispara a criação da obrigação tributária, algo que não se resume necessariamente apenas a um fato, mas a um conjunto deles que interessam economicamente ao Fisco para extrair parcela da riqueza gerada para o custeio do Estado. Com o fato gerador nasce a obrigação tributária em seus dois elementos, ainda quando dissociados. Segundo Costa, com a ocorrência do fato gerador nasce a obrigação tributária em seus elementos dever e responsabilidade, tamanha a sua relevância para fins acadêmicos9. A tese sobre obrigação tributária defendida pelo Professor Alcides Jorge Costa é um exemplo de como fazer um trabalho acadêmico com objetividade, tratando do tema em todos seus aspectos.

Uma vez que nasce a obrigação tributária, cria-se a relação tributária determinada anteriormente pela lei. Como jurídica é a norma tributária, o que marca a relação tributária entre Estado e contribuinte é a relação de direito e não de poder. A relação tributária, na visão de Costa, é, portanto, de direito10. Segundo a doutrina de Costa, a legalidade na tributação impõe a figura diretiva da norma que una princípios formais e materiais, de modo a determinar todos os elementos essenciais da obrigação tributária, vedada a delegação da competência de criar tributo para outros poderes. O Professor Alcides Jorge Costa foi um positivista como poucos, absolutamente correto em seu modo de defender a legalidade na tributação como porto seguro do contribuinte. Assim, defendeu a Constituição rígida que pode ser alterada apenas por meio de processo legislativo complexo, ao contrário de outras jurisdições em que a Carta é mais flexível a permitir interpretação casuística11.

Costa analisa, ainda, a submissão do contribuinte ao poder exercido pelo Estado, que encontra limite na proteção do excesso. Ressalta o papel do Estado como sociedade de interesses pecuniários, e o Estado como sociedade política. A partir do século XIX o patrimônio público assumiu personalidade própria, submetido como qualquer particular às leis e à justiça. O Estado de Polícia foi substituído pelo Estado de Direito, com unidade da personalidade jurídica e, a partir do século XX, se deu o fortalecimento do Fisco com a criação do direito tributário, codificado em algumas jurisdições como a Alemanha12. A legalidade na tributação permitiu a criação de um sistema tributário capaz de captar riquezas passíveis de tributação, ao mesmo passo de conferir segurança jurídica ao contribuinte, impedindo sobreposições fiscais e conflitos de competência entre entes tributantes.

Ao tratar da interpretação da norma tributária, Costa levou em conta o tema da preponderância do direito privado sobre o direito tributário, tema tradicional na doutrina, que causou muita polêmica durante o século XX, período de afirmação dogmática desse ramo do direito nas universidades. Assim, no exame do direito tributário em geral observam-se as relações entre o direito tributário e o direito privado. Nesse exame teleológico, o operador do direito concentra-se na subordinação, ou não, do direito tributário a conceitos e institutos do direito privado13. Com isso, Costa não quis defender a autonomia do direito tributário, mas plantou uma dúvida sobre a subordinação, o que parece ser acertado, uma vez que o texto do Código Tributário Nacional não implica isso. O fato de o CTN vedar a alteração de conceitos e formas de direito privado não impede que o direito tributário não crie seus próprios conceitos e formas, num convívio absolutamente harmônico entre direito privado e direito público, como sói ocorrer nos sistemas normativos. O caráter pragmático do Professor Alcides Jorge Costa o impedia de perder-se em grandes divagações subjetivas, o que não significa que não tivesse disposição para enfrentá-las adequadamente. Sua posição sobre a polêmica entre direito privado e direito tributário não poderia ser mais adequada.

4 – Do Imposto de Renda

Costa tratou do imposto de renda desde sua origem, além de participar como um crítico aguerrido do tributo no Brasil. Nos EUA, segundo ele, o imposto de renda veio como consequência da Guerra Civil, em socorro da grande destruição provocada e, como no exemplo inglês, desapareceu para somente voltar no final do século XIX. A Suprema Corte americana considerou esse tributo inconstitucional de início, excluindo-o do ordenamento americano. Somente em 1913 o imposto veio a surgir novamente sem vícios de inconstitucionalidade14. Costa se preocupou em situar o imposto de renda na história, justamente para apurar as influências socioeconômicas na formação legislativa do imposto nas diversas jurisdições em que se observa a cobrança do tributo.

Especificamente sobre o Brasil, Costa tratou da história do tributo, efetivamente implantado pela Lei 4.625, de 31 de dezembro de 1922. Sua introdução no País se deu após diversas tentativas de cobrança do tributo em determinados casos, porém, na forma de um imposto de renda geral, foi mesmo a partir de 192215. A declaração do imposto de renda teve um histórico particular, desenvolvido na medida em que o sistema tributário nacional foi se aperfeiçoando. Bem verdade que o Brasil somente pôde contar com um sistema tributário efetivo a partir do Código Tributário Nacional, que trouxe um norte para o contribuinte. Por outro lado, mesmo que o legislador do CTN tenha feito um grande esforço para dar ao País um sistema tributário, o que se viu nos 50 anos de existência do código foi a desestruturação sistêmica promovida por agentes de política fiscal que concentraram competência tributária nas mãos da União, por meio de tributos regressivos como o PIS e a COFINS.

Acerca do ganho de capital no imposto de renda, Costa conta que o tributo foi cobrado inicialmente como imposto sobre lucro imobiliário, conforme previsto no art. 18 da Lei 4.984/1926 e no Decreto 17.390/1926. Bastante impopular na sua criação, o tributo levava em conta, como hoje, o custo de aquisição e o custo de alienação, lembrando que sua cobrança somente veio a se consolidar 20 anos após sua criação. De fato, segundo relato de Costa, não houve aceitação de se cobrar imposto de renda sobre ganhos com a alienação de bens16. Oposição semelhante pôde ser observada também em outras jurisdições, como os EUA e a Inglaterra, onde o imposto de renda foi muito combatido inicialmente, antes de se tornar o rei dos tributos, preferência entre agentes de política fiscal.

Esclarece Costa que, assim como em outras jurisdições, o imposto de renda brasileiro teria a mesma origem num tributo sobre o patrimônio, porém, sobre o rendimento do patrimônio. A base de cálculo do imposto, nos rendimentos do patrimônio somente viria a ser definitivamente modificada com a Emenda Constitucional 18, de 196517. A origem do imposto de renda explica algumas de suas características instrumentais, como a teoria do destaque, momento em que se percebe a riqueza. O caráter patrimonial do imposto de renda tem origem ancestral na Inglaterra feudal. Em que pese o Professor Alcides Jorge Costa não reconhecer expressamente a origem feudal do imposto de renda, afirmou o caráter ancestral patrimonial do tributo. Esse conceito importa didaticamente, pois facilita ao aluno pensar na renda acréscimo patrimonial como objeto do interesse do Fisco. Da mesma forma permite pensar no destaque da renda adquirida como pressuposto da tributação.

Costa deu notícia, ainda, de um tributo assemelhado ao imposto progressivo sobre a renda, ainda no século XVII em Portugal e no Brasil. A cobrança de esmolas estabelecida por bula papal denominada Santa Cruzada, mais tarde considerada uma das principais fontes de receita para Portugal. Em que pese o sistema confuso de arrecadação e fiscalização, característica da tributação lusitana, esse imposto apresentava previsão de respeito à capacidade contributiva do contribuinte18. O relato histórico de Costa importa para demonstrar que esse princípio independe de sistema tributário, inexistente na época mencionada. A necessidade de respeito ao princípio da capacidade contributiva aponta, por outro lado, uma preocupação procedimental característica dos sistemas tributários atuais. A justiça fiscal promove a capacidade contributiva, ao admitir a tributação somente após supridas as necessidades básicas do contribuinte. A renda é, assim, a melhor expressão de capacidade contributiva, de igual sorte que o imposto de renda realiza o princípio de modo cabal.

5 – Da Tributação sobre o Consumo

O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) tem um interessante histórico, segundo Costa. Os municípios podiam cobrar no passado o chamado imposto de Indústrias e Profissões. Os serviços prestados eram o objeto desse tributo, de receita atribuída constitucionalmente aos Estados. Antiquado, confuso no que diz respeito ao fato gerador e de fiscalização precária, o imposto teria surgido por meio do Alvará de 20 de outubro de 1812. Mais de um século depois, a Emenda Constitucional 18/1965 eliminou esse tributo. A EC 18/1965, que criou o ICM, originariamente municipal, também se encarregou de outorgar competência para os municípios cobrarem o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. O constituinte derivado se preocupou em limitar a competência desse tributo no limite da União e dos Estados. Atribui, ainda, ao legislador complementar a tarefa de distinguir as atividades sujeitas ao imposto. O Ato Complementar 31 se encarregou de extinguir o ICM municipal antes mesmo de entrar em vigor o novo sistema tributário nacional trazido pelo CTN. O Código Tributário Nacional tratou do tributo no art. 71 desse diploma. Havia, de início, uma grande confusão conceitual acerca do que deveriam ser serviços objeto do tributo. Também se nota a imbricação entre o ISS e o ICM. O ISS teve definido os limites com o ICM por meio do Decreto-lei 406/1968, obrigando estados e municípios a respeitar as competências ali definidas19. Do relato histórico de Costa se depreende não só a origem do ISS, mas também do próprio ICMS de hoje. Verifica-se a preocupação dos estados com perda de autonomia em relação aos municípios diante da importância do imposto sobre circulação de mercadorias como receita. Não vislumbraram que os serviços cresceriam em relevância como riqueza tributável, desbancando a mercancia em termos de receita objeto da atenção do Fisco. Com a evolução tecnológica, observa-se hoje a erosão das bases imponíveis sujeitas ao ICMS e a criação de novas bases tributárias do ISSQN. Em outras palavras, as riquezas passíveis de tributação como serviços é muito maior do que aquelas de compra e venda. A RFB tem denunciado a exaustão de fontes tributárias e parte disso é responsabilidade dos próprios agentes de política fiscal dessa instituição.

O antigo imposto sobre vendas no Brasil, afinal, apresenta curiosa característica de, uma vez extinto, ter sido reinstituído por iniciativa do próprio contribuinte20. Costa tinha um olhar particularmente apurado para detectar as ironias do destino, com um certo humor britânico em seus comentários acadêmicos. O fato de o imposto de vendas ter sido reintroduzido por iniciativa do contribuinte é efetivamente curioso, mas demonstra como a política fiscal decorre de arreglos que têm por objetivo diminuir carga fiscal de determinadas atividades econômicas e garantir poder político. Os malefícios do antigo IVC – imposto sobre vendas e consignações – foi reativado pela substituição tributária21. O ICMS foi concebido, afinal, para ser um imposto de vendas sobre valor acrescido (diferença entre o valor dos bens e serviços produzidos, diminuído do valor dos bens e serviços adquiridos para o emprego no processo de produção22. A mecânica de imposto contra imposto para apurar o valor tributável foi distorcida por ferramentas simplificadoras.

O PIS e a COFINS não cumulativos tiveram semelhante histórico, pois sua sistemática foi introduzida por iniciativa do contribuinte e até mesmo em seu próprio prejuízo. Segundo Costa, as contribuições sociais PIS e COFINS seguem a mesma estrutura constitucional dos demais tributos sobre o consumo, com proposta não cumulativa, porém na mecânica de base contra base. Em cada fase da cadeia de produção ou ciclo econômico, apenas o valor que for acrescido ao bem, serviço ou direito deve servir de base para a tributação. Evita-se, assim, uma incidência sobre a parcela que já tenha sido tributada em fase anterior da cadeia. Responde, portanto, aos problemas gerados pela cumulatividade dos impostos monofásicos. Costa considera que o cálculo do valor acrescido admite, basicamente, duas formas: a pura ou sobre a base real e a forma de cálculo sobre a base financeira23. A EC 42, de 31 de dezembro de 2003, acrescentou o § 12 do art. 195 da Constituição Federal. Estabeleceu a possibilidade legal de definição dos setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas. Tal definição segue assistemática, pois não leva em consideração a lógica da tributação brasileira como um todo. Foi concebida para garantir regalias a determinados setores econômicos, por iniciativa de grupos de pressão, o que fez dos tributos uma aberração fiscal. Os tributos conhecidos por PIS/COFINS foram desfigurados afinal, ocasionando profundas distorções no sistema tributário nacional.

Explica o Professor Alcides Jorge Costa que o regime não cumulativo do ICMS e do IPI, assim como do PIS e da COFINS, segue um sistema de compensação. Diferem os primeiros dos segundos quanto ao método de quantificação. O ICMS e o IPI seguem o sistema imposto contra imposto. O PIS e a COFINS seguem o sistema base contra base. Mais correta parece, porém, a afirmação de que o método indireto subtrativo segue uma combinação de métodos “imposto sobre imposto” e “base sobre base”24. A crítica de Costa visa demonstrar como tais tributos passaram a funcionar no País, gerando distorções difíceis de serem reparadas, com efeitos nefastos de repercussão para aqueles de menor poder aquisitivo. Enfim, o contribuinte foi traído por seus representantes sindicais que, ao promoverem a não cumulatividade, terminaram por prejudicar o setor que representam.

O constituinte de 1988 ampliou o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias os impostos sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e sobre a prestação de serviços de comunicação. A Constituição Federal delegou competência ao legislador complementar para dispor sobre substituição tributária. Essa substituição, porém, veio por convênio entre estados. Por convênio foi efetivamente prevista a possibilidade da atribuição legislativa do substituto tributário25. Numa crítica ácida ao mecanismo substituição tributária, Costa cunhou uma de suas explicações mais significativas, explicando a substituição tributária como “forçar o contribuinte a colocar a cabeça no forno e os pés na geladeira; na média o resultado seria morno”. Com isso procurou o professor paulista explicar as chamadas pautas fiscais, mecanismo para estabelecer a base de cálculo do imposto a ser pago por substituição. O preço do produto é determinado segundo uma média estabelecida artificialmente, que não guarda relação com a realidade do mercado, gerando distorções para o consumo, como a inflação. Mais uma vez, o Professor Alcides Jorge Costa esteve além de seu tempo, ao combater a tendência simplificadora que culminou por prejudicar o consumidor, que pagou a conta da substituição tributária no preço dos bens e serviços adquiridos. Costa nunca se convenceu da utilidade da substituição tributária, no que esteve acompanhado pela corrente, como este ensaísta, que via nesse mecanismo um movimento atentatório ao princípio da capacidade contributiva.

A Constituição Federal brasileira de 1988, emendada em 1993, prevê a substituição tributária expressamente. O art. 155, § 2º, XII, “b”, prevê a substituição tributária, delegado ao legislador complementar o dever de definir as hipóteses de substituição para o ICMS. A chamada substituição para frente recebe acertadas críticas de inconstitucionalidade, pois não seria aceitável tributar fato gerador ainda não ocorrido. Preocupa a variação quanto à margem de valor agregado, estimada de lucro de comerciante varejista, mediante aplicação de percentual fixado em lei. A Constituição foi emendada em 1993 para sanar inconstitucionalidade quanto à substituição tributária, principalmente por faltar núcleo e elementos adjetivos. A aplicação das regras previstas nas leis complementares não permite que se chegue a um preço efetivo em cada caso, mas a um preço resultante da aplicação de margens de valor agregado padronizado26. Em que pese reconhecer na praticidade um elemento de atendimento ao princípio da igualdade, Costa criticou os efeitos negativos da simplificação para o princípio da igualdade na tributação, tema que sempre provocou sua reflexão.

A evolução legislativa sobre o tema da substituição tributária não ceifou todas as dúvidas no que concerne à base de calculo das operações futuras27. Para Costa, a mecânica brasileira da substituição tributária, especialmente no que tange à chamada substituição para frente, contraria o princípio da capacidade contributiva e da igualdade na tributação28. Assim, mesmo sem reconhecer abertamente a validade da capacidade contributiva para os tributos indiretos, ao criticar a substituição tributária, Costa teve que recorrer ao princípio como elemento de contenção do poder de tributar.

A tributação indireta representa importante fonte de receita e de fácil arrecadação. Já representou, para algumas jurisdições, a mais importante arrecadação, em função do desenvolvimento econômico vivido num determinado período histórico. Exemplo disso pode ser notado no Brasil, até meados do século XX. Não por acaso, conforme relata Costa, na Constituinte de 1891, grande polêmica se viu em torno dos impostos sobre importação e exportação, maior fonte de receita de então. Afinal, a Constituição acabou delegando competência exclusiva para a União sobre o imposto de importação29. A lógica, porém, não é apenas de arrecadação, mas também e principalmente, em função de soberania e unidade do Estado Federal. Costa ensinava que os impostos de importação e de exportação foram de grande utilidade para a arrecadação até a segunda metade do século XX. Dizia que o imposto de renda somente passou a ser mais interessante em termos de receita tributária a partir do último quarto daquele século, quando o contribuinte brasileiro passou a ter renda efetiva. O imposto de renda passou a representar expressiva fonte de receita, justificando a preocupação dos agentes fiscais federais. Hoje a Receita Federal do Brasil tem demonstrado grande atenção sobre o imposto de renda dos profissionais do entretenimento, como artistas e jogadores de futebol.

6 – Conclusão

As notas comentadas acima revelam, afinal, a grandeza do Professor Alcides Jorge Costa, quiçá o maior tributarista brasileiro de todos os tempos, por agregar ciência e capacidade docente, características raras nos juristas, ao menos na dimensão apresentada pelo homenageado. A humildade e a atenção dispensada àqueles que o procuravam deixaram saudades, a procurar por alguém que não está mais dentre nós.

Enfim, uma forma de lembrar o Professor Alcides Jorge Costa é recorrer aos seus textos, resumidos em notas, com marcas feitas a lápis sobre comentários ouvidos em classe, palestras, seminários e, naturalmente, nas mesas de debate do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, que ajudou a fundar e tão bem soube representar e levar adiante durante toda uma vida acadêmica. Suas lições, afinal, serão lembranças constantes.

7 – Bibliografia

ÁVILA, Humberto Bergmann. Discurso de posse como professor titular. Revista da Faculdade de Direito. v. 110, 2015 (927/932).

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–. IPTU – progressividade. RDT nº 93.

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–. Da teoria do fato gerador. Curso sobre teoria do direito tributário. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Coordenação da Administração Tributária. São Paulo: Assistência de Promoção Tributária da Diretoria de Planejamento da Administração Tributária, 1975 (117/132).

–. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972.

–. Direito tributário e direito privado. In: MACHADO, Brandão (org.). Direito tributário, estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo, 1984.

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–. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008 (112/139).

–. História da tributação no Brasil. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005 (43/101).

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–. Algumas notas sobre a relação jurídico-tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito tributário. Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Apresentação. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário, homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

1 ÁVILA, Humberto Bergmann. Discurso de posse como professor titular. Revista da Faculdade de Direito. v. 110, 2015 (927/932), p. 928.

2 SCHOUERI, Luís Eduardo. Apresentação. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário, homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003, s/p.

3 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. RDT nº 55, p. 301.

4 COSTA, Alcides Jorge. IPTU – progressividade. RDT nº 93, p. 240.

5 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. RDT nº 55, p. 301. Para o autor, a norma é programática “no sentido de que o legislador ordinário deve buscar a personalização dos impostos e sua graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte, sempre que possível”.

6 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. RDT nº 55, p. 301.

7 COSTA, Alcides Jorge. Aspectos constitutivos de uma federação e a realidade brasileira. RDT nº 121, p. 35.

8 COSTA, Alcides Jorge. Da teoria do fato gerador. Curso sobre Teoria do Direito Tributário. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Coordenação da Administração Tributária. São Paulo: Assistência de Promoção Tributária da Diretoria de Planejamento da Administração Tributária, 1975 (117/132), p. 120.

9 COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972, p. 56.

10 COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972, p. 6.

11 COSTA, Alcides Jorge. Direito tributário e direito privado. In: MACHADO, Brandão (org.). Direito tributário, estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo, 1984, p. 224/225.

12 COSTA, Alcides Jorge. Algumas notas sobre a relação jurídica tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PASIN, João Bosco Coelho (orgs.). Direito financeiro e tributário comparado, estudos em homenagem a Eusébio González García (in memorian). São Paulo: Saraiva, 2014 (316/333), p. 317. O autor publicou o mesmo artigo, originariamente em Algumas notas sobre a relação jurídico tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito Tributário. Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998.

13 COSTA, Alcides Jorge. Direito tributário e direito privado. In: MACHADO, Brandão (org.). Direito tributário, estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo, 1984, p. 222.

14 COSTA Alcides Jorge. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008 (112/139), p. 124.

15 COSTA Alcides Jorge. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008 (112/139), p. 124. Dizia o texto da lei: “Fica instituído o imposto geral sobre a renda que será devido anualmente por toda a pessoa física ou jurídica, residente no território do País, e incidirá em cada caso sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem. As pessoas não residentes no País e as sociedades com sede no estrangeiro pagarão imposto sobre a renda que lhes for apurada dentro do território nacional”

16 COSTA Alcides Jorge. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008 (112/139), p. 127.

17 COSTA, Alcides Jorge. História da tributação no Brasil. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005 (43/101), p. 59.

18 COSTA, Alcides Jorge. Conceito de renda tributável. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Estudos sobre o imposto de renda (em memória de Henry Tilbery). São Paulo: Resenha Tributária, 1994 (19/31), p. 19. O autor cita Marcos Carneiro de Mendonça (Raízes da formação administrativa do Brasil. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Conselho Nacional de Cultura, 1972, tomo II, p. 517 e seguintes).

19 COSTA, Alcides Jorge. Algumas notas sobre o Imposto sobre Serviços. Revista do Advogado, ano XXXII, dezembro de 2012, n. 118 (7/12), p. 7. O autor cita a decisão do STF, pelo Tribunal Pleno, no Recurso Extraordinário 76.723-SP, com relatoria de Aliomar Baleeiro (DJU 29.11.1974, p. 8.995). Esse acórdão deu caráter de lei complementar ao Decreto-lei 406/1968.

20 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 1.

21 COSTA, Alcides Jorge. ICMS na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 7.

22 COSTA, Alcides Jorge. ICMS na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 23.

23 COSTA, Alcides Jorge. ICMS na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 25.

24 COSTA, Alcides Jorge. Palestra no XIX Congresso Brasileiro de Direito Tributário. RDT nº 99, p. 120/121.

25 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 47. Os Estados brasileiros celebraram o Convênio ICM 66/1988. Veio depois a Lei Complementar 87/1996. O art. 25, II, do Convênio 66 deu a condição de substituto ao “produtor, extrator, gerador, inclusive de energia, industrial, distribuidor, comerciante ou transportador, pelo pagamento do imposto devido nas operações subsequentes”. Esse conceito de substituto veio, ainda, expresso no art. 17, que cuida da base de cálculo a ser “utilizada pelo substituto”. Trata do acréscimo de percentual de margem de lucro fixado pela legislação.

26 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 49. A redação dessa margem estimada foi prevista pelo Decreto-lei 406/1968, art. 2º, § 9º, acrescentado pela Lei Complementar 44/1983. Esse tema ainda foi tratado pela Lei Complementar 87/1996, passando pelo disposto no art. 17 do Convênio ICM 66/1988.

27 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 50.

28 COSTA, Alcides Jorge. ICMS e substituição tributária. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 2, p. 85.

29 COSTA Alcides Jorge. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008 (112/139), p. 114.