A Dedutibilidade das Despesas com Juros Pagos em Decorrência de Empréstimos Contraídos por Empresas Holdings para Aquisição de Investimentos: Tratamento antes e depois da Incorporação da Empresa Holding na Investida

Dante Lenotti Zanotti

Advogado em São Paulo.

Resumo

A legislação do IRPJ e da CSLL impõe algumas condições para que uma despesa seja considerada dedutível da base de cálculo desses tributos. O principal desses requisitos diz respeito à necessidade da despesa para a manutenção das atividades da empresa que nela incorre. Este artigo pretende analisar o conceito de despesas dedutíveis para fins de determinar se as despesas com juros decorrentes de empréstimos realizados por empresas holdings para a aquisição de investimentos são ou não dedutíveis. Essa análise focará dois momentos distintos: (i) quando as despesas são incorridas pela própria empresa holding e (ii) quando essas despesas passam a ser incorridas pelas próprias empresas investidas, em decorrência de incorporação reversa. Além disso, abordará também uma análise da regra da sucessão universal de bens e direitos, aplicável por ocasião de incorporação de sociedades.

Palavras-chave: custos e despesas, despesas dedutíveis, dedutibilidade de despesas com juros, incorporação, empresas holdings.

Abstract

IRPJ and CSLL law provides for certain conditions that need to be observed in order to deduct an expense from the taxable basis of these taxes. The main condition to be observed refers to the necessity of the expense for the development of the company’s activities. This article intend to analyze the concept of deductible expenses in order to determine whether the interest expenses related to loan agreements entered by holding companies would be deductible or not. It will focus on two particular moments: (i) when the holding company incurs in the expenses and (ii) when such expenses are incurred by the invested company as a result of the merger of the holding company into the latter. Furthermore, this article will also analyze the universal succession rule applicable to merger transactions.

Keywords: costs and expenses, deductible expenses, deductibility of interest expenses, merger, holdings companies.

1. Introdução

O presente artigo pretende analisar o tratamento fiscal aplicável às despesas com juros decorrentes de empréstimos realizados por empresas holdings para a aquisição de investimentos. Essa análise focará em dois momentos distintos: (i) quando as despesas são incorridas pela própria empresa holding; e (ii) quando essas despesas passam a ser incorridas pelas próprias empresas investidas, em decorrência da incorporação da holding.

O tema em questão tem ganhado destaque no atual momento, especialmente em razão do elevado número de aquisições de empresas realizadas nos últimos anos e das constantes reorganizações societárias que as empresas adquirentes desenvolvem após a aquisição.

Isso porque, em uma explicação bem simplificada, a legislação fiscal permite que o ágio pago na aquisição de investimentos seja amortizado quando há a reunião desse investimento e do investidor na mesma pessoa jurídica, seja por meio de incorporação, fusão ou cisão, gerando, assim, uma econômica fiscal de aproximadamente 34% do montante do ágio pago. Por conta disso, as reestruturações societárias que resultam no desaparecimento de uma das empresas envolvidas nas operações são quase mandatórias.

Essas reorganizações costumam ocorrer por meio da incorporação de empresas, sendo muito frequentes as situações em que as holdings que tenham adquirido participações societárias sejam incorporadas nas sociedades investidas, deixando de existir - operação conhecida como incorporação reversa.

Quando da ocorrência das referidas reestruturações, é comum que haja dúvida sobre qual tratamento fiscal deve ser dado às despesas decorrentes do pagamento dos juros incidentes sobre eventuais empréstimos contraídos para a aquisição, ou seja, se essas despesas podem ser consideradas dedutíveis ou não, para fins de apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em vista disso, passamos a analisar a referida questão.

É importante esclarecer que, para fins didáticos, não abordaremos qualquer outra restrição à dedutibilidade das despesas com juros que não a regra geral de dedutibilidade.

2. Regras sobre a Dedutibilidade de uma Despesa

A diferenciação entre um custo e uma despesa se faz a partir do emprego dos recursos de uma empresa, sejam eles recursos próprios ou capitados de terceiros, como, por exemplo, empréstimos1.

De maneira simples, quando uma empresa faz uso de seus recursos para aquisição de um bem ou de um direito, esse gasto deve ser classificado como um custo. Portanto, o registro de um custo importa em uma “reorganização” dos ativos da pessoa jurídica (normalmente se troca um disponível, por exemplo, dinheiro, por outro ativo, tais como bens e direitos).

Por outro lado, quando essa mesma empresa realiza o pagamento de algo que não se reverterá em um bem constante em seu ativo, esse pagamento deverá ser tratado como uma despesa (sendo levado ao resultado, consequentemente diminuindo o patrimônio da pessoa jurídica).

Logo, a primeira etapa a ser considerada na análise do tratamento dos gastos com juros é determinar qual é a classificação correta a ser dada a esses gastos. Nesse sentido, os gastos com o pagamento de juros se assemelham muito mais ao conceito de uma despesa do que ao de um custo, inclusive na situação em análise, em que se sabe claramente que esse empréstimo foi contratado com o intuito de fornecer recursos para a aquisição de um investimento2.

Essa posição decorre do entendimento de que o pagamento de juros resulta de uma falta de capital próprio ou da conveniência da sociedade que está realizando o investimento de recorrer a recursos externos3. Portanto, o pagamento de juros resultantes do fato de a sociedade ter recorrido ao capital de terceiros ao invés do próprio deve ser classificado como despesa4 e não como um custo de aquisição do investimento realizado5.

Partindo da conclusão de que os juros devem ser classificados como uma despesa, resta-nos saber se essa despesa pode ou não ser considerada uma despesa dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em princípio, todas as despesas de uma empresa são despesas passíveis de serem deduzidas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL6. No entanto, como regra geral, o art. 299 do RIR/19997 prevê que somente as despesas que não sejam computadas nos custos e sejam consideradas necessárias e usuais ou normais à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora podem ser consideradas dedutíveis. Resta, no entanto, saber o que exatamente seriam essas despesas.

O primeiro dos requisitos faz remissão àquilo que foi discutido anteriormente nesse artigo. Trata-se da diferenciação entre os gastos que são classificados como custo e aqueles classificados como despesas. É fato que os gastos que devem ser considerados como custos não podem ser classificados como despesas operacionais - embora esses custos possam vir a se tornar despesas quando, por exemplo, em exercícios seguintes, um bem do ativo é depreciável.

Já a determinação de quando uma despesa é necessária ou não para a atividade e para a manutenção da respectiva fonte produtora é uma exigência que tem gerado controvérsias entre contribuinte e autoridades fiscais.

Tal controvérsia deriva das diversas autuações que se tem conhecimento, em que as autoridades fiscais questionavam despesas que os contribuintes haviam deduzido da base do IRPJ e da CSLL, tomando uma postura completamente subjetiva de analisar se aquelas despesas eram as mais corretas ou não. Essa postura, por exemplo, é a que autorizava questionamentos acerca da qualidade dos veículos que eram concedidos aos empregados da empresa, dos gastos com viagem etc.

Não obstante, o entendimento de que o requisito de necessidade autorizaria um juízo subjetivo acerca da decisão de se incorrer em uma despesa tem sido devidamente refutado pela doutrina e pela jurisprudência.

Para Ricardo Mariz, por exemplo, a necessidade não consiste em um critério subjetivo de análise das despesas, mas sim um critério objetivo. Isso porque, segundo esse autor, o critério de necessidade deve ser interpretado objetivamente para que se identifique tão somente a relação que liga a despesa com a atividade da empresa (ou a manutenção da fonte produtora), não se fazendo qualquer juízo de valor acerca da qualidade dessa despesa8.

Concordamos com essa opinião. O requisito da necessidade muitas vezes é interpretado no sentido de tentar atribuir ao gasto a característica de essencialidade, de indispensabilidade daquele dispêndio para que a atividade da sociedade possa ser desenvolvida. No entanto, parece-nos que uma análise nessa profundidade seria atribuição do administrador da sociedade e não das autoridades fiscais9.

Assim, julgar uma despesa necessária nos termos do art. 299 do RIR/1999 estaria muito mais relacionado com vincular essa despesa às atividades desenvolvidas, do que à necessidade, ou não, da sua existência, afinal, ninguém é mais interessado na lucratividade da sociedade do que o próprio empresário.

E mais, condicionar essa despesa à atividade e à manutenção da fonte produtora não significa limitá-las somente ao que está estritamente relacionado ao objeto social da empresa. Despesas indiretamente relacionadas com a atividade, tais como despesas administrativas, também devem ser consideradas dedutíveis nos termos do art. 299 do RIR/1999. Assim, “apenas não se poderiam aceitar despesas decorrentes de atos que fossem estranhos aos objetivos e fins econômicos ou de gestão global da empresa”10, como, por exemplo, utilizar recursos da empresa para suportar gastos de terceiros.

Esse caminho também tem sido seguido pela jurisprudência administrativa:

“Despesas com Veículos - Uso não Vinculado à Produção ou Comercialização de Bens e Serviços - Falta de Comprovação - Glosa Improcedente - Não tendo o Fisco logrado comprovar que os veículos eram utilizados pelos dirigentes da empresa em caráter particular, fora dos estritos interesses empresariais, é de se afastar a glosa das despesas. Não é o tipo de veículo, considerado isoladamente, que determina a dedutibilidade ou não das despesas a ele relacionadas, mas sim a utilização que dele se faz.” (Acórdão Carf nº 105-17091. Data da Sessão: 25.6.2008. Relator: Waldir Veiga Rocha)

3. Tratamento Aplicável aos Juros antes da Incorporação

No caso que nos propomos a analisar, a sociedade holding obtém recursos de terceiros como forma de financiar seus investimentos em participações societárias.

Grande parte das aquisições de participações é realizada por empresas que possuem como atividade única investir em outras sociedades. Por isso, na maioria das vezes, os recursos do ativo dessas sociedades são limitados aos valores que serão utilizados na aquisição.

Nessas situações, fica claro que os empréstimos assumidos são destinados a realizar as transações mencionadas, sejam esses empréstimos firmados com partes relacionadas ou com terceiros. Ou seja, é nítido que os valores obtidos são destinados à consecução do seu objeto social, qual seja, investir.

Assim, as despesas relacionadas à captação desses recursos estão estritamente vinculadas às atividades da sociedade e, portanto, de acordo com o posicionamento acima delineado, cumprem o requisito da necessidade, previsto pelo art. 299.

Mesmo na situação em que não exista essa clareza em relação à destinação dada aos recursos captados por meio de empréstimos, como poderia ser o caso de uma aquisição realizada por uma empresa que possua recursos em seu caixa em montante suficiente para que o empréstimo não fosse preciso11, ainda assim entendemos que esses empréstimos seriam dedutíveis para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Como já dito, a conveniência e a oportunidade de se usar recursos de terceiros ao invés de recursos próprios é uma decisão que cabe tão somente ao administrador da empresa e não às autoridades fiscais12. Demonstrado que a sociedade não utilizou recursos para outros fins que não àqueles atinentes às suas atividades, entendemos que as autoridades fiscais não teriam legitimidade para questionar a dedutibilidade dos juros pagos em relação aos empréstimos contraídos.

Porém, há que se ressaltar que uma situação semelhante a essa já foi objeto de uma decisão contrária do Carf13, ocasião em que se decidiu que os juros de empréstimo com coligada não seriam dedutíveis. A justificativa para referida decisão, no entanto, não partiu da relação entre os recursos captados e a sua utilização nas atividades desenvolvidas, mas sim do fato de a mutuante, sócia detentora do capital da autuada, ter escolhido fornecer os recursos por meio de um empréstimo ao invés de um aumento de capital.

Essa decisão nos parece carente de fundamentos jurídicos, já que a dedutibilidade das despesas de juros não pressupõe uma análise da opção realizada pela pessoa jurídica mutuante. No mais, a partir da introdução, na legislação brasileira, de regras objetivas de subcapitalização, é improvável que o Carf venha a construir uma jurisprudência no mesmo sentido do acórdão mencionado.

Assim, não vislumbramos, a princípio, qualquer impedimento para que essas despesas sejam deduzidas, pela holding, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Outro ponto importante nessa análise diz respeito ao benefício econômico que essa dedutibilidade vem proporcionar ao mutuário. Em muitas dessas situações, a sociedade holding que incorre nessas despesas não possui receitas diversas daquelas apuradas em decorrência do método de equivalência patrimonial - que não são sujeitas ao IRPJ e a CSLL nos termos do art. 389 do RIR/199914.

Portanto, deduzir essas despesas importaria no acúmulo de um prejuízo fiscal, que, por sua vez, não pode ser transferido à sociedade investida, caso essa venha a incorporar a holding15.

Pensando especificamente nessa situação, o legislador fiscal editou o art. 31 da Lei nº 11.727/2008:

“Art. 31. A pessoa jurídica que tenha por objeto exclusivamente a gestão de participações societárias (holding) poderá diferir o reconhecimento das despesas com juros e encargos financeiros pagos ou incorridos relativos a empréstimos contraídos para financiamento de investimentos em sociedades controladas.

§ 1º A despesa de que trata o caput deste artigo constituirá adição ao lucro líquido para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido e será controlada em livro fiscal de apuração do lucro real.

§ 2º As despesas financeiras de que trata este artigo devem ser contabilizadas individualizadamente por controlada, de modo a permitir a identificação e verificação em separado dos valores diferidos por investimento.

§ 3º O valor registrado na forma do § 2º deste artigo integrará o custo do investimento para efeito de apuração do ganho ou perda de capital na alienação ou liquidação do investimento.”

Com base nesse artigo, essas holdings podem dispensar a essas despesas o mesmo tratamento que é dado aos custos, qual seja, a sua utilização na determinação do custo de aquisição para apuração do ganho de capital na alienação ou liquidação do investimento.

4. A Incorporação e a Regra da Sucessão Universal

A incorporação está prevista no art. 228 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e no art. 1.116 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro 2002, que prescrevem essa operação como a absorção de uma ou mais sociedades por outra, que se torna sucessora em todos os direitos e obrigações16.

A incorporação importa, antes de tudo, na sucessão universal dos bens da incorporada. Ou seja, na transferência, à incorporadora, de todos os bens e direitos, bem como das obrigações, atinentes à sociedade incorporada17.

E o legislador acertou em determinar a sucessão de todos os bens e direitos. Isso porque a incorporação, embora seja uma forma de extinção da sociedade incorporada, não ocorre por meio de uma dissolução ou liquidação.

Essas últimas pressupõem o encerramento das atividades da sociedade, com a entrega do patrimônio remanescente aos sócios. Por conta disso, uma sociedade em processo de dissolução ou liquidação é obrigada a antecipar seus recebíveis, realizar o pagamento de suas dívidas, bem como tomar todas as medidas necessárias para encerrar as suas atividades, devolvendo, ao final do processo, o valor remanescente aos sócios.

A incorporação, por sua vez, pressupõe um processo diferente. Neste tipo de operação, há a agregação das atividades da incorporada às da incorporadora. Por este motivo, o legislador determinou que o processo de extinção dessa sociedade não se daria nos mesmos termos da dissolução ou liquidação. Ao estudar o assunto, Modesto Carvalhosa entendeu que18:

“A incorporação acarreta a extinção da sociedade, sem que sobre ela se apliquem os institutos da dissolução e da liquidação. A incorporação é causa direta da extinção, por força do art. 219, II. Assim, não se confunde com a liquidação, porque não há partilha de seu ativo entre os sócios. Ademais, na incorporação, não há liquidação de obrigações e de débitos previamente à extinção, pois as obrigações da incorporada passam à incorporadora no estado contratual e extracontratual em que se encontravam no momento da consumação do negócio. Ademais, por não haver liquidação, os sócios não recebem qualquer parcela desse patrimônio líquido, que, como referido, transfere-se integralmente à incorporadora. O patrimônio da incorporada agrega-se ao da incorporadora, via aumento de capital por conferência de bens e direitos (art. 8º e 9º). O grande mestre Waldemar Ferreira criticava o texto da lei de 1940: ‘Falou o texto legal em absorção; mais acertada e propriamente teria sido se houvesse qualificado a operação de agregação’.”

Assim, por a incorporação ter como característica principal a agregação da atividade da incorporada pela incorporadora, que continua o seu desenvolvimento em conjunto com as suas demais atividades, corretíssimo o entendimento do legislador de que essa incorporadora deveria se sub-rogar em todos os direitos e obrigações da incorporada, de modo a evitar qualquer solução de continuidade em relação e essas atividades.

Daí por que Carvalhosa entende que19:

“A incorporação leva à sucessão universal, compreendendo, portanto, todos os direitos, obrigações e responsabilidades da incorporada pela incorporadora. Há nítida distinção entre incorporação e dissolução também nesse particular. Isto porque, na extinção por dissolução (art. 206 a 218), os sócios, ao receberem haveres da sociedade liquidada, tornam-se responsáveis pelos vícios dessa mesma liquidação, se remanescerem direitos dos credores não satisfeitos na partilha. Já na incorporação, a incorporadora sucede em todos os seus direitos, obrigações e responsabilidades dos negócios em curso, que se mantêm íntegros quanto ao direito material que representam, nos prazos convencionais ou legais. A sucessão universal não comporta nenhum vício eventual. Muito pelo contrário, ela decorre da continuidade das obrigações e direitos que são agregados à incorporadora, assim como das responsabilidades que daí decorrem.”

E o tratamento do instituto em relação aos direitos e obrigações de cunho tributário, embora seja objeto de diversos embates, não dever ser diferente.

Mesmo a legislação fiscal tendo diversos dispositivos para regular o processo de incorporação, tais como aqueles aplicáveis à responsabilidade, ao ágio etc. referida legislação não contém uma regra geral acerca da sucessão na incorporação. E nesse aspecto, não vemos necessidade de se prever um regramento geral para essa situação, especialmente pelo fato de o Direito Societário já conter tal regramento, de forma que, ao Direito Tributário cabe apenas observar aquilo previsto pela regra da incorporação, regulamentando aquilo que, em situações específicas do Direito Tributário, deveria ter tratamento diverso.

E assim fez o legislador, quando, por exemplo, determinou qual seria o tratamento a ser aplicável ao ágio. Da mesma forma o fez quando regulamentou que a incorporação importaria no encerramento do exercício e na apuração dos impostos devidos até a data da incorporação.

Portanto, na ausência de uma regra específica que determine um tratamento diverso, a incorporadora sucederá a incorporada em todos os seus direitos e obrigações fiscais.

5. Tratamento Aplicável aos Juros após a Incorporação

Feitas todas as considerações acima, cabe agora analisar se as despesas com juros decorrentes de empréstimos realizados pela incorporada poderiam ser dedutíveis na incorporadora, especificamente no caso em que a incorporada é uma holding que detém participações societárias na incorporada.

Em uma análise superficial, poderíamos chegar ao incorreto entendimento de que as despesas com juros acima mencionadas seriam indedutíveis, visto que desnecessárias à incorporadora, pois essas despesas estão relacionadas à própria aquisição da sociedade incorporada, e, portanto, não estão relacionadas às suas atividades.

Contudo, não podemos analisar a dedutibilidade dessas despesas somente no momento em que são registradas pela incorporadora. Na verdade, esse juízo de valor deve ser feito no momento em que a sociedade realizou o mútuo, mesmo que essas despesas venham a impactar os resultados futuros da sociedade - no caso de outra sociedade.

A análise da dedutibilidade deve ser feita considerando a despesa como um todo e não a cada momento em que é incorrida. Portanto, se uma despesa foi considerada necessária à determinada atividade da sociedade, será dedutível e continuará a ter esse atributo, mesmo que essa sociedade venha a mudar de atividade e, no momento em que for levada ao resultado, essa despesa não tiver mais vinculação com as novas atividades.

Se a incorporada fosse liquidada, não haveria dúvidas que toda a despesa antecipada em razão da liquidação seria dedutível. Se a norma, por mais absurdo que possa parecer, determinasse que a incorporação desse ensejo a algum tipo de liquidação da sociedade, de modo que essas despesas tivessem que ser antecipadas, não haveria dúvidas de que esse “prejuízo” decorrente da antecipação seria sucedido pela incorporada, antes do advento da proibição já comentada.

Logo, o mesmo tratamento deveria ser aplicável às despesas que decorrem de atos da incorporada e que foram assumidas pela incorporadora. Ora, se essas despesas devem ser assumidas por conta da sucessão universal, a sua caracterização como dedutível também deve ser sucedida. Não faria o menor sentido analisar a dedutibilidade dessas despesas considerando um novo cenário totalmente diferente e que não tem a menor relação com aquele em que as despesas foram “concebidas”.

Alguém poderia alegar que o caso de incorporação reversa não permitiria a dedutibilidade porque a atividade que antes era desenvolvida pela holding deixou de existir após a incorporação.

Esse argumento não parece válido, pois a sucessão na incorporação, apesar te der origem na permissão de que a sucessora pudesse continuar as atividades da sucedida, não pressupõe, de forma alguma, que a atividade seja continuada pela incorporada. Apenas determina que a incorporadora deverá assumir todos os ativos e honrar todos os compromissos da incorporada, como se essa tivesse continuado a existir.

Tanto que, se a incorporação fosse realizada com a holding incorporando a sociedade operacional, não acreditamos que a dedutibilidade dos juros pagos pela holding seria questionado, sob o argumento de que eles não seriam mais necessários, pois a atividade de holding não seria mais exercida.

Porém, ao analisar um caso semelhante, o Carf chegou a um entendimento diverso, tratando as despesas com juros como se fossem indedutíveis. Não concordamos com esse tratamento e não acreditamos que o posicionamento desse acórdão prevalecerá, pelas razões expostas a seguir.

6. A Jurisprudência do Carf

Até o momento da elaboração deste artigo, não encontramos precedentes que permitam extrair um posicionamento do Carf sobre a questão em discussão. O caso foi, contudo, analisado por esse conselho em uma situação específica20.

Para a compreensão desse caso, é oportuno que façamos um resumo de toda a operação envolvendo a aquisição de uma determinada empresa, que chamaremos de “Empresa A”.

Assim, em um momento anterior à aquisição, foram constituídas as Holdings X e Y. Ainda antes da aquisição, foi feito um aumento de capital na Holding Y, por meio de recursos de um empréstimo bancário contraído pela Holding X, de forma que Holding X passou a deter todas as quotas da Holding Y. Nesse mesmo momento, a Holding X também teve seu capital aumentado e passou a ser detida integralmente pela Holding Z.

Em outras palavras, os acionistas pessoas físicas passaram a deter participação direta na Holding Z, que detinha participação na Holding X que, por sua vez, era dona da totalidade das quotas das Holding Y.

Realizada toda essa reorganização societária, a totalidade das quotas da Holding Y foi permutada por 29% das ações da Empresa A, de modo que a Holding X passou a ser sócia dessa empresa.

Por fim, a Empresa A incorporou a Holding X. Com essa operação, a Empresa A sucedeu a Holding X na obrigação de realizar o pagamento do empréstimo que esta empresa havia contraído.

Por conta da realização da operação supracitada, a Empresa A sofreu autuação fiscal objetivando a cobrança de IRPJ e CSLL que, no entender das autoridades fiscais, foram recolhidos a menor. Referida diferença no recolhimento do IRPJ e da CSLL seria decorrente da constatação fiscal de que a Empresa A teria deduzido indevidamente despesas referentes ao mútuo contraído pela Holding X.

A autuação foi mantida em primeira instância, principalmente pelo argumento de que a constituição das Holdings X e Y, bem como as operações posteriormente realizadas, deram-se de forma simulada objetivando tão somente a geração do ágio e a geração de despesas dedutíveis no contexto da alienação dos 29% detido pelo antigos acionista, na Empresa, para os acionistas da Holding Z.

Essa posição resulta especialmente (i) do fato de que aquelas sociedades nunca realizaram qualquer atividade operacional e (ii) dos passos que foram implementados na reestruturação do grupo e alienação das quotas.

O contribuinte, em seu recurso, alegou que as despesas incorridas foram resultado da realização de uma incorporação e que a dedutibilidade dessas despesas seria justificada pelas determinações da regra da sucessão universal de bens.

Não obstante as alegações acima, com as quais concordamos, a Primeira Câmara do Primeiro Carf decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao recurso interposto pelo contribuinte, de modo a considerar as despesas com juros indedutíveis da base de cálculo do IRPJ e CSLL da Empresa A.

Esse entendimento nos parece equivocado. Em nossa opinião, o momento de análise da dedutibilidade das despesas é aquele em que as obrigações que a geraram foram contraídas. Portanto, não haveria que se falar em despesas incorridas na aquisição de investimento em si mesma, pois a aquisição foi realizada pela Holding X e o empréstimo foi contraído por esta empresa. Logo, a despesa era da Holding X e foi realizada na aquisição de um investimento, que era atividade da sociedade incorporada, sendo sucedida após a incorporação. Portanto, o argumento de que a despesa não seria necessária por se tratar da aquisição de um investimento em si mesma não nos parece válido.

Mais adiante, acreditamos também que a análise dessa situação em específico se deu de forma superficial. Da leitura do acórdão, pode-se perceber que a decisão de considerar as despesas indedutíveis se deu muito mais em função da análise da estrutura de aquisição e reorganização realizadas pelos acionistas da Holding Z, do que da efetiva análise da necessidade das despesas incorridas pela Empresa A (e nesse aspecto, a conclusão do acórdão foi no sentido de que a criação da Holding X se deu de forma simulada. Portanto, o empréstimo, nesse caso, deveria ter sido tomado pela Holding Z e não pela Holding X, que sequer deveria existir).

Pelo fato de o Carf ter entendido que houve simulação na operação e por não ter realizado uma análise pormenorizada da questão, além de se tratar apenas do primeiro acórdão que analisa o tema, acreditamos que o posicionamento acima não dever ser entendido como aquele que prevalecerá neste conselho em relação à questão da dedutibilidade das despesas com juros após a incorporação da empresa holding que contraiu os referidos empréstimos.

7. Conclusão

Em vista do exposto, podemos concluir que os juros pagos por uma sociedade devem ser classificados como uma despesa e não um custo.

Para que esses juros sejam dedutíveis, eles devem constituir uma despesa necessária, ou seja, aquela essencial à manutenção das atividades da sociedade.

Os juros pagos por uma holding em decorrência de empréstimos contraídos e cujos fundos foram utilizados para a aquisição de investimentos em outras empresas podem ser considerados dedutíveis.

A incorporação importa na sucessão universal, o que significa que todos os bens, direitos e obrigações da empresa incorporada são transferidos e assumidos pela empresa incorporadora.

Por conta disso, entendemos que os juros decorrentes do empréstimo contraído pela holding são dedutíveis pela incorporadora, após a incorporação.

O Carf já analisou a situação, ocasião em que entendeu que esses juros não seriam dedutíveis. Contudo, esse acórdão não deve ser entendido como um posicionamento definitivo dessa corte, uma vez que não há uma análise pormenorizada da dedutibilidade dos juros e a decisão desfavorável se baseia, em sua maior parte, nas operações de reestruturação societária realizadas pelos acionistas da Holding Z no intuito de transferir as despesas com juros para a Empresa A.

1 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 670.

2 A classificação dos juros como despesa também foi objeto do Parecer Normativo nº 127/1973:

“Ementa - As despesas de financiamento decorrentes de empréstimos contraídos, quando destacadas no contrato, são consideradas despesas operacionais, independentemente do valor mutuado vincular-se ou não à aquisição de bens de capital. Executam-se a atualização monetária e as perdas de câmbio, sujeitas ao regime da Portaria nº 195, de 31 de julho de 1972, do Senhor Ministro da Fazenda.”

3 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 677.

4 Vale mencionar, contudo, que, em determinadas situações, a própria legislação fiscal permite que seja aplicado o tratamento dispensado aos custos às despesas com o pagamento de juros. Esse é o caso, por exemplo, do art. 374 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), que dispõe:

“Art. 374. Os juros pagos ou incorridos pelos contribuintes são dedutíveis, como custo ou despesa operacional, observadas as seguintes normas:

I - os juros pagos antecipadamente, os descontos de títulos de créditos, e o deságio na colocação de debêntures ou títulos de crédito deverão ser apropriados, pro rata temporis, nos períodos de apuração que competirem;

II - os juros de empréstimos contraídos para financiar a aquisição ou construção de bens do ativo permanente, incorridos durante as fases de construção e pré-operacional, podem ser registrados no ativo diferido, para serem amortizados.”

E também do art. 31 da Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008, que comentaremos em maiores detalhes mais adiante.

5 Cabe ressaltar que, de acordo com CPC 20 - Custos de Empréstimos, nem todos os gastos com juros devem ser contabilizados como despesas. Caso esses gastos sejam relativos ao financiamento de ativos qualificáveis, esses valores devem ser ativados como custo de aquisição desses ativos:

“A entidade deve capitalizar os custos de empréstimos que são diretamente atribuíveis à aquisição, à construção ou à produção de ativos qualificáveis como parte do custo do ativo. A entidade deve reconhecer os outros custos de empréstimos como despesa no período em que são incorridos.” (IUDÍCIBUS. Sérgio de et al. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010, p. 304)

6 Cf. BIANCO, João Francisco (coord.). Guia IRPJ. Procedimento nº V. 1. Disponível em http://www.guiadoimpostoderenda.com.br. Acesso em 10 de abril de 2012.

7 “Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora.

§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.

§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades de empresa.

§ 3º O disposto nesse artigo aplica-se também às gratificações pagas pelos empregados, seja qual for a designação.”

8 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 693:

“Isso é da maior importância: o referencial legal para se constatar a necessidade é a relação objetiva entre a despesa e a empresa, isto é, entre a despesa e a as atividades da empresa ou a sua fonte produtora! É isto, e nada mais, que importa para a lei! Qualquer outro referencial, que alguém queria subjetivamente utilizar, é imaterial e irrelevante perante a lei.”

9 Cf. FERNANDES, Ricardo. Estudo da dedutibilidade no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 127:

“Não cabe avaliar, por exemplo, se o empresário deveria ter escolhido a agência de publicidade mais barata ou mais cara ou se deveria ter alugado carros populares ou carros de luxo ou, ainda, se deveria ter pagado um jantar de fim de ano em uma pizzaria em vez de pagar uma festa em uma boate. São decisões administrativas que podem ser bem ou mal sucedidas e que somente podem ser questionadas por eventuais sócios, investidores ou quotistas.”

10 Cf. FERNANDES, Ricardo. Estudo da dedutibilidade no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 128.

11 Partindo do pressuposto que o dinheiro não tem carimbo. Ou seja, que não é possível determinar se os recursos que foram utilizados eram aqueles decorrentes do empréstimo ou não.

12 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 696:

“O pagamento de juros só é necessário para a empresa pela carência de recursos próprios ou porque interessa à empresa, por razões de crédito ou de política financeira, contrair empréstimos. Mas, em qualquer dessas hipóteses, a despesa é sempre necessária porque decorre da atividade da empresa.”

13 “Despesas não Necessárias. Caracterizam-se como desnecessárias e, portanto, indedutíveis do Lucro Real, as despesas de juros e variações cambiais relativas a empréstimos efetuados por meio de um contrato de mútuo, em que a mutuante é sócia-quotista que detém 99,9% do capital social da mutuaria e dispunha de recursos para integralizar o capital.” (Acórdão nº 9101-00.287. Data de julgamento: 24 de agosto de 2009. Relator: Adriana Gomes Rego)

14 “Art. 389. A contrapartida do ajuste de que trata o art. 388, por aumento ou redução no valor do patrimônio líquido do investimento, não será computada na determinação do lucro real.”

15 Conforme art. 514 do RIR/1999:

“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.”

16 “Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.

§ 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.

§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora.

§ 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.”

“Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.”

17 Cf. MUNIZ, Ian; e BRANCO, Adriano Castello. Fusões e aquisições - aspectos fiscais e societários. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 58.

18 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Tomo I - Art. 206 a 242, V. 4. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 294.

19 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Tomo I - Art. 206 a 242, V. 4. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 296.

20 Cf. Acórdão nº 101-00.120. Data de Julgamento: 18.6.2009. Relator: Valmir Sandri.