A Unanimidade das Deliberações do Confaz e a Possibilidade de Alteração por Lei Complementar

Hugo Funaro

Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários/Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado.

Resumo

O artigo tem por objetivo examinar se a Constituição Federal de 1988 impõe deliberação unânime dos Estados e do Distrito Federal para a concessão de desonerações do ICMS. A partir da análise do regramento da matéria nas Constituições atual e pretérita, conclui-se que a fixação do quórum de deliberação dos Estados e do Distrito Federal compete à lei complementar, não havendo exigência de unanimidade. Entretanto, a fixação do quórum deve ser feita de forma razoável.

Palavras-chave: desonerações, ICMS, unanimidade, quórum, Confaz.

Abstract

The article aims to examine whether the Federal Constitution of 1988 requires unanimous consent of the States and the Federal District to grant exemptions from the ICMS. From the analysis of the rules set out in the current and former Constitutions, it is concluded that fixing the voting quorum of the States and the Federal District is a task for the supplementary law. There is no requirement of unanimity. However, the quorum must be fixed in a reasonable manner.

Keywords: exemptions, ICMS, unanimity, consent, Confaz.

1. Introdução

O art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”, da Constituição de 1988 outorgou competência à lei complementar para “(...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”, em matéria de ICMS.

Como não foi editada lei complementar posterior à Constituição em vigor, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a matéria continua regulada pela Lei Complementar nº 24/1975, cuja recepção foi reconhecida pelo art. 34, parágrafo 8º, do ADCT.1-2 Tal diploma exige deliberação unânime dos Estados e do Distrito Federal para a concessão de incentivos e benefícios relacionados ao ICMS e de quatro quintos das unidades federadas para a respectiva revogação, mediante manifestação em reunião no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - Confaz.3

A unanimidade implica poder de veto, cujo exercício, muitas vezes por mero egoísmo, vem impedindo a criação regular de programas de desenvolvimento econômico, inclusive por Estados localizados em regiões menos favorecidas (devido a condições geográficas, climáticas, sociais etc.), que necessitam de estímulos para possibilitar a redução das desigualdades regionais e sociais, que é objetivo da República e princípio da ordem econômica (CF, arts. 3º, II, III e 170, IV, VII e VIII).4 Diante da dificuldade prática de obtenção de consenso unânime para a concessão de determinadas desonerações de interesse local, disseminou-se a criação de benefícios e incentivos os mais variados pelo País afora, sem a prévia anuência do Confaz. A matéria foi judicializada, ensejando uma série de discussões que vêm sendo motivo de grande preocupação e insegurança jurídica.5

Procurando alterar esse quadro, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei complementar visando modificar o quórum de deliberação do Confaz, de sorte a proporcionar um debate mais equilibrado acerca da conveniência de edição e revogação de normas de desoneração do ICMS. Alguns deles propõem, ainda, regras destinadas a compatibilizar o sistema de aprovação de convênios com o princípio da legalidade, que supõe lei estadual específica para instituir e revogar a desonerações do imposto, e a criação de sanções claras e eficazes para evitar que os Estados e o Distrito Federal tomem atitudes unilaterais, à margem do colegiado.6

Contudo, objeções têm sido levantadas, especialmente em relação à possibilidade de alteração do quórum de deliberação do colegiado.7 Alega-se, principalmente, que a unanimidade seria exigência do sistema constitucional para evitar que um Estado fosse obrigado a desonerar certas mercadorias e serviços do ICMS, por decisão da maioria. Além disso, tratando-se de imposto com abrangência nacional e perfil não cumulativo, seria necessário assegurar a uniformidade da carga tributária, de modo a evitar tratamento desigual de contribuintes, disputas entre Estados e ineficiências econômicas que afetassem a neutralidade do tributo nas sucessivas etapas do ciclo de circulação de mercadorias e serviços. Fala-se, ainda em violação ao pacto federativo e desequilíbrio concorrencial decorrente do ingresso, em determinado Estado, de mercadoria incentivada por outro, sem consenso unânime.

O presente trabalho pretende contribuir com as reflexões sobre a questão, alinhando-se àqueles que entendem que o quórum de deliberação do Confaz é matéria cuja definição a Constituição Federal reservou à lei complementar, não havendo óbice jurídico à alteração da Lei Complementar nº 24/1975 por outra norma de igual estatura jurídica.8

É o que se passa a demonstrar.

2. A Unanimidade no Sistema de Convênios Impositivos da Constituição de 1967-1969 e sua Inexigibilidade no Regime da Constituição de 1988

Inicialmente, as alegações no sentido de que a unanimidade seria necessária para evitar que alguns Estados fossem obrigados a desonerar determinadas mercadorias e serviços e para assegurar a uniformidade e a neutralidade do ICMS poderiam até fazer sentido na vigência da ordem constitucional pretérita, que impunha um verdadeiro tratamento nacional ao imposto, mas perderam sustentação com a promulgação da Constituição de 1988, que ampliou o campo de atuação dos Estados e do Distrito Federal no tocante à fixação da carga tributária do ICMS em seus territórios, como forma de atender às suas peculiaridades e necessidades.

Com efeito, o art. 23, parágrafo 6º, da Constituição de 1967 (com a redação da Emenda Constitucional nº 1/1969) previa que: “As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.” Além disso, estabelecia o parágrafo 5º do mesmo dispositivo constitucional que a alíquota do ICM “será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como nas interestaduais realizadas com consumidor final; o Senado Federal, mediante resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para cada uma dessas operações e para as de exportação”. Havia, portanto, a preocupação em se manter certa uniformidade na imposição da carga tributária do ICM.9

À luz do regime constitucional daquela época, decidiu o Supremo Tribunal Federal que: (a) os convênios eram veículos introdutores de normas concessivas ou revogatórias de isenções do ICM no ordenamento jurídico e tinham caráter impositivo para as unidades da Federação, não comportando regramento local (RE 96.545, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 1º.9.1982, RP 1.364-2, Rel. Min. Djaci Falcão, j. em 7.4.1988); e (b) os convênios deveriam observar o princípio da uniformidade, que abrangia não só as alíquotas interna e interestadual como também a base de cálculo do tributo, independentemente da qualidade do destinatário da mercadoria, o que deveria ser necessariamente observado pelos convênios (RE 95.784-7/MG, Rel. Min. Cordeiro Guerra, j. em 1º.9.1982).

Nesse contexto, fazia sentido a exigência de deliberação unânime contida na Lei Complementar nº 24/1975 para a concessão de isenções (entendida em sentido lato, como abrangente de incentivos e benefícios) de ICM. Até porque, eventual desoneração em caráter geral e obrigatório aprovada por maioria poderia afetar indevidamente as receitas de um ou outro Estado.10 Vale lembrar que o regime de governo vigente era centralizador, sendo a unanimidade, de certa forma, imposta pela União. Isso explica a celebração, à época, de convênios concessivos de incentivos regionais do imposto.11

A Constituição de 1988 não reeditou a sistemática de Convênios impositivos prevista na Carta anterior. O art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”, da CF outorgou competência à lei complementar para “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Ou seja, enquanto na Constituição de 1967-1969 a forma de deliberação dos Estados estava prevista (convênios ratificados por todos), competindo à lei complementar apenas operacionalizar o procedimento, no texto atual foi dada certa liberdade àquela para determinar o próprio modo de exteriorização da vontade dos Estados e do Distrito Federal no tocante à concessão e revogação das desonerações do ICMS.12 Exige-se, apenas, que o procedimento contemple a deliberação dos Estados e do Distrito Federal sobre a matéria. Por deliberação entende-se a “resolução de ordem coletiva, ou seja, a decisão que é tomada pela aprovação de várias pessoas, ou pelo voto da maioria delas, sobre o que se deve fazer ou determinando sobre qualquer assunto”.13 Como o termo “deliberação” exige definição quanto ao quórum a ser observado (unanimidade ou maioria), compete à lei complementar fazê-lo.

A maior flexibilidade conferida à lei complementar pela Carta de 1988 se explica porque, no regime atual, a concessão de benefícios e incentivos em matéria de ICMS (assim como dos outros tributos) depende de lei específica (CF, art. 150, parágrafo 6º)14 e não mais de mera decisão do Poder Executivo.15 A deliberação dos Estados e do Distrito Federal tornou-se etapa prévia do processo legislativo que, todavia, só se completa com a eventual ratificação pelo Legislativo estadual. Nesse sentido, há precedentes das duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os convênios celebrados na forma da Lei Complementar nº 24/1975 têm caráter autorizativo.16 Mesmo porque a generalidade dos convênios recentes assim estabelece. Por conseguinte, no regime vigente não há mais risco de serem concedidas desonerações de ICMS em caráter geral, com interferência indevida na autonomia de outros, como no regime constitucional anterior. Logo, deixou de existir a justificativa de outrora para a exigência de deliberação unânime das unidades federadas na matéria.

Por outro lado, a faculdade concedida pela Constituição de 1988 aos Estados e ao Distrito Federal para que haja ou não a implementação do que foi deliberado refuta a tese de que a aprovação unânime de incentivos seria medida necessária para uniformizar e tornar neutra a carga tributária do ICMS. Se a redução de carga tributária é optativa, obviamente não há exigência de que seja ela uniforme. Além disso, não mais vigora o sistema de alíquotas internas e interestaduais únicas. Os Estados podem fixar a carga tributária interna inclusive de forma seletiva em função da essencialidade de mercadorias e serviços, observada, no mínimo, a alíquota interestadual genérica (CF, art. 155, parágrafo 2º, III e VI).17 Já as alíquotas interestaduais podem variar em função das condições socioeconômicas de cada região (Resolução SF nº 22/1989).18 Acresce a isso que cada Estado possui regimes diferenciados de apuração e recolhimento do ICMS (estimativa, substituição tributária, diferimento etc.), podendo até haver protocolos aplicáveis apenas a alguns deles.19

Portanto, diferentemente do que dispunha a Constituição de 1967-1969, a Constituição de 1988 não exige que a carga do ICMS seja uniforme, nem que as normas desonerativas o sejam. O que se exige é a uniformidade das regras que disciplinam a apuração e repartição do imposto, de sorte a prevenir conflitos federativos, tendo em vista as interconexões entre as economias estaduais, cuja harmonização faz-se necessária para permitir a atuação do princípio da não cumulatividade. Essa a razão pela qual foi mantida a competência do Senado para dispor sobre alíquotas do ICMS20 e reservado à lei complementar o trato dos elementos estruturantes do imposto, como contribuintes, base de cálculo, regime de compensação, local da operação e da prestação, entre outros (CF, art. 155, parágrafo 2º, IV, V e XII).

Assim, embora o ICMS deva ter regramento geral veiculado por lei complementar, nada impede que a carga tributária varie no âmbito de cada Estado ou do Distrito Federal, desde que observados os limites impostos pela Constituição. Vale dizer, podem os entes tributantes, dentro do maior campo de autonomia que lhes foi assegurado pela Constituição atual, dimensionar o ICMS de forma a atender às suas necessidades e individualidades, o que implica a possibilidade de serem concedidos estímulos fiscais à realização de investimentos necessários ao respectivo desenvolvimento econômico e social. Como a instituição de tais desonerações é facultativa, não há necessidade de deliberação unânime do Confaz para esse fim.

3. A Inexistência de Quórum de Deliberação Definido na Constituição e a Necessidade de sua Fixação de Forma Razoável, por Lei Complementar

Entretanto, tem sido alegado que a maior autonomia conferida pela Constituição em vigor aos Estados e ao Distrito Federal para a fixação da carga tributária do ICMS não alcança a concessão de isenções, incentivos e benefícios, que dependeria sempre de decisão unânime. A conclusão apoia-se em normas constitucionais que estabelecem quóruns diversos para a deliberação do Senado quanto às alíquotas de ICMS, mas não aquele a ser observado pelo Confaz para estabelecer alíquotas diferentes das fixadas pelo Senado (CF, art. 155, parágrafo 2º, IV, V e VI).21 Isso significaria que a unanimidade seria o único quórum constitucionalmente admitido para o Confaz, até porque se um Estado fosse obrigado a aceitar créditos de ICMS cujo ônus tivesse sido aliviado na origem sem a sua anuência,22 as empresas estabelecidas em seu território perderiam competitividade e haveria redução de arrecadação, prejudicando a sua autonomia política, administrativa e financeira. Consequentemente, seria violado o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição.

Essa interpretação é possível. Mas não parece a que melhor reflete o conjunto das regras e princípios aplicáveis à matéria. Por várias razões.

Há certa dificuldade para aceitar a tese de que a ausência de quórum definido na Constituição possa necessariamente implicar unanimidade. Afinal, se não há quórum definido, como se pode afirmar ser ele unânime? O que se verifica da leitura do inciso VI do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição é que a fixação de alíquota interna inferior à interestadual foi considerada uma espécie de benefício fiscal e, por isso, sujeita à prévia deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma do art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”. E, como visto no tópico anterior, este dispositivo outorga competência à lei complementar para disciplinar como será manifestada a vontade colegiada, o que inclui a definição do quórum a ser observado. Note-se que a Constituição incluiu a concessão de desonerações tributárias em geral entre as limitações ao poder de tributar, ao exigir a edição de lei específica, “sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, ‘g’”. Isso reforça a competência da lei complementar para dispor sobre a matéria em sua inteireza, em face do disposto no art. 146, II, da Constituição.23

Acrescente-se que, ao dispor sobre o processo legislativo, a Constituição não exigiu unanimidade para a aprovação de nenhum dos diplomas normativos nela previstos. A alteração da própria Carta Maior se faz por decisão da maioria qualificada (3/5) das Casas do Congresso Nacional. A lei complementar de que trata o art. 155, parágrafo 2º, XII, da Constituição é aprovada por maioria absoluta. Por outro lado, as resoluções do Senado Federal em matéria de ICMS - que, fixando alíquotas internas e interestaduais, interferem diretamente com as receitas dos Estados e do Distrito Federal -, são aprovadas por maioria absoluta ou por dois terços de seus membros, conforme o caso.24 Se o Senado pode, isoladamente, decidir sobre questões afetas à autonomia dos Estados e do Distrito Federal por decisão majoritária, não parece razoável entender que os principais interessados só possam deliberar por unanimidade acerca da concessão de desonerações do ICMS.

Também é discutível o argumento de que o pacto federativo exigiria sempre decisão unânime das unidades federadas. Esse modelo não parece o único nem o ideal para estados democráticos como o nosso. O tema foi analisado com profundidade em parecer inédito proferido pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr., que, lembrando as reflexões de Kelsen (que inicialmente enxergou no pacto federativo uma exigência lógica de unanimidade e depois veio a reconhecer a incompatibilidade da autonomia absoluta do estado-membro com a hipótese de um estado federativo democrático), assim se pronunciou:

“Um pacto federativo com base em unanimidade/direito de veto lida mal com o equilíbrio entre maioria e minoria e transporta - mal -, para o plano público, uma concepção contratualista privada (na qual existe, por exemplo, o direito de retirada), mas que não se coaduna com uma concepção federalista do Estado democrático, pois subordina a vontade de todos à vontade de um (mediante o poder hegemônico do veto), em nome de uma racionalidade superior e incontestável. Pode-se dizer, nessa linha, que a instauração de mecanismos de procedimento com base em unanimidade em qualquer organismo decisório de um estado federal só faz sentido ali onde o pacto federativo conhece um viés autoritário e centralizador, sendo incompatível com uma concepção democrática do estado.

(...)

A interpretação de que a Constituição, ao exigir deliberação conjunta dos Estados e Distrito Federal para a concessão de incentivos que tenham por base e reduzam ou eliminem o ônus do imposto, a cumulação das condições, exigiria essa deliberação na forma de convênio e de unanimidade decisória conduz a formas de concessão de benefício que, sob a justificativa de favorecer a homogeneidade alargada da Federação (também Municípios) e a economia de todos os Estados-membros, na verdade desequilibra a relação econômica entre as unidades federadas, na medida em que engessam e solidificam as desigualdades ao emperrar as mudanças. Isso porque, com fundamento no princípio da homogeneidade, caso se aceite o primado da unanimidade (razão única, razão suprema, não divergente) acaba-se por desprezar o princípio da diferença e o dever de compreender as razões dos outros que informam a federação solidária.

(...)

A Constituição não exige consenso unânime nem a unanimidade é a hipótese mais adequada ao Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa. Se atentarmos para a complementação exigida pela Constituição entre Estado Democrático de Direito e federalismo de cooperação não se há de afirmar nenhuma contrariedade entre dispositivos que regulam, quanto ao ICMS, a concessão de benefícios fiscais, para eles exigindo deliberação conjunta de Estados e Distrito Federal, e a hipótese de decisão majoritária na função de fomento da atividade econômica.”25

A própria Lei Complementar n° 24/1975 prevê que a revogação de isenções e figuras afins depende da decisão de 4/5 das unidades federativas - e não da unanimidade de votos - e que a convalidação das normas desonerativas anteriores à referida lei complementar devesse ser aprovada por maioria qualificada (2/3). Ora, se se admitisse que o silêncio da Constituição quanto ao quórum de deliberação dos Estados e do Distrito Federal em relação à concessão e à revogação de isenções, incentivos e benefícios do ICMS implicasse unanimidade, seria forçoso concluir pela inconstitucionalidade das normas da Lei Complementar nº 24/1975 que estabelecem quórum diverso, não só à luz da Constituição de 1988 como também da Carta pretérita (que igualmente não definia o quórum), o que jamais foi cogitado. Portanto, o argumento prova demais.

É certo que a concessão desordenada de desonerações do ICMS pode ocasionar desequilíbrios concorrenciais entre empresas localizadas em diferentes Estados, ou mesmo a transferência de estabelecimentos de um para outro Estado, gerando ineficiências econômicas e impacto negativo nas finanças de determinados Estados. Mas tais efeitos também podem advir da não concessão de incentivos fiscais. Deve, pois, haver uma justa ponderação dos interesses envolvidos, de modo a encontrarem-se soluções legislativas para compatibilizá-los, sem aniquilar um ou outro.

De fato, há diferenças competitivas estruturais entre as várias unidades federativas que implicam natural preferência no direcionamento de investimentos privados a umas em detrimento de outras, conforme apontado em estudo da Fundação Getulio Vargas - FGV.26 Vale dizer, as unidades federadas não competem em pé de igualdade por investimentos; não há “concorrência perfeita” entre elas. Ao contrário, determinados Estados apresentam condições mais vantajosas para investimentos do que outros. Mesmo no interior de cada unidade federativa há áreas que necessitam de investimentos para acompanhar o crescimento das demais. Assim, se não houver estímulos à realização de investimentos de maior vulto nas áreas que apresentam condições menos favoráveis, a tendência é o aumento da concentração econômica nas localidades mais desenvolvidas e o empobrecimento constante das demais, prejudicando as empresas lá instaladas e a autonomia dos respectivos governos. O papel do incentivo fiscal é justamente reduzir custos tributários para induzir a iniciativa privada a direcionar investimentos às localidades que deles necessitem.

Portanto, quando se fala que a concessão de incentivo pode prejudicar a concorrência e transferir receitas de um Estado para outro, deve-se levar em consideração que sua não concessão também pode produzir efeitos similares, criando uma situação perversa de concentração econômica que a Constituição Federal nitidamente quer evitar. Em outras palavras, o incentivo, por vezes, é necessário para que determinados Estados possam obter receitas essenciais para a execução de serviços públicos e possibilitar a geração de empregos que permitam a subsistência digna de suas populações.

Assim, a busca da máxima eficiência econômica, inerente ao regime de livre mercado, deve ser ponderada em face da necessidade de desenvolvimento socioeconômico equilibrado do País, o que justifica a concessão de incentivos fiscais destinados a estimular a realização de determinadas atividades especialmente em localidades onde, sem eles, isso não ocorreria. Destaque-se que, na ausência de ações eficazes por parte do Governo Federal, os incentivos de ICMS foram a mola propulsora do desenvolvimento regional, conforme apontam dados do IBGE.27 Como demonstra estudo da FGV, isso se explica porque os incentivos fiscais, quando bem estruturados, podem gerar efeitos multiplicadores sobre o PIB, o emprego e a arrecadação, os quais se difundem para as diversas regiões, devido à interconexão de suas economias, beneficiando o País.28

Nem se argumente que somente a União poderia conceder incentivos fiscais visando promover o desenvolvimento equilibrado do País, nos termos do art. 151, I, da Constituição Federal.29 Parece demasiado inferir de regra que preconiza o tratamento tributário isonômico das ordens parciais de governo em matéria de tributos federais e admite a concessão de incentivos destinados a promover desenvolvimento socioeconômico equilibrado das diferentes regiões do País que os Estados e o Distrito Federal não pudessem conceder incentivos de ICMS no âmbito dos respectivos territórios.

Na realidade, a regra constante da parte final do art. 151, I, da Constituição, que permite à União conceder incentivos regionais, dá concreção, em matéria de tributos federais, ao objetivo fundamental da República de reduzir as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III e 170, IV, VII e VIII). O que não impede - mas impõe - que os demais entes políticos adotem as medidas que lhes caibam no âmbito das respectivas jurisdições para atingir tal objetivo, que deve ser perseguido por todos.

Coerentemente, a Constituição permite a concessão de desonerações de ICMS pelos Estados e o Distrito Federal (art. 150, parágrafo 6º c/c o art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”). O que se veda são ações unilaterais, sem obediência à prévia deliberação dos Estados e do Distrito Federal (a chamada “guerra fiscal”). Tal deliberação deverá ser tomada na forma do previsto em lei complementar. Como há várias possibilidades e pode haver conflitos de interesses, a fixação do quórum a ser observado é uma decisão política, que encerra uma opção do legislador. Isso não significa a ausência de qualquer baliza constitucional. A questão deve ser decidida de forma razoável, ponderando-se os interesses envolvidos e as vantagens e desvantagens da adoção de um ou outro sistema deliberativo, a fim de que se tenha, enfim, uma competição fiscal lícita.

Nesse juízo de ponderação, deve o legislador levar em consideração que, no plano dos fatos, a unanimidade inviabilizou a obtenção de autorização para a instituição de programas de incentivo estadual baseado no ICMS. De fato, não há notícia de qualquer programa estadual destinado ao fomento de atividades econômicas que tenha sido criado com autorização do Confaz, após a Carta de 1988. Em decorrência, a permissão constitucional para a concessão de incentivos tornou-se ineficaz e alimentou-se a chamada “guerra fiscal”. Como as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas de forma a obter-se a sua máxima eficácia, seria recomendável a fixação de outro quórum de deliberação para os fins do art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”, da Constituição. Advirta-se, porém, que se o quórum for deliberadamente fixado de modo a favorecer determinados Estados ou regiões, haverá inconstitucionalidade, por violação à isonomia que decorre do pacto federativo.

Quer dizer, o quórum de deliberação dos Estados e do Distrito Federal não deve ser tão rígido a ponto de possibilitar a “ditadura da minoria” (ou de um só), o que pode inviabilizar a própria concessão de isenções, incentivos e benefícios, especialmente os de interesse dos Estados menos favorecidos, como vem ocorrendo na prática (não há notícia de qualquer incentivo de interesse restrito que tenha sido concedido com autorização do Confaz após a Constituição de 1988), nem tão flexível que permita acordos que possam implicar redução sistemática e generalizada da carga tributária. Também devem ser estabelecidas regras que impeçam a formação de blocos regionais que possam fazer prevalecer a vontade de Estados localizados em determinadas regiões sobre a de Estados localizados em outras.

Pode-se imaginar, por exemplo, que a deliberação acerca do tema possa ser tomada por maioria qualificada (2/3, 3/5, 4/5) cumulada com a anuência de um ou mais Estados de cada uma das cinco regiões do País. Dessa maneira, seriam eliminadas resistências injustificadas da minoria e evitada a formação de uma maioria que pudesse oprimir e prejudicar os interesses de determinados Estados.

4. Conclusão

Em síntese, a competência outorgada à lei complementar para “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” (CF, art. 155, parágrafo 2º, XII “g”), compreende a fixação do quórum de deliberação a ser observado.

É perfeitamente admissível, portanto, que a Lei Complementar nº 24/1975 venha a ser alterada por outra lei complementar para possibilitar que a concessão e a revogação de isenções, incentivos e benefícios de ICMS sejam deliberadas por maioria, conforme dispuser o Congresso Nacional. Mais do que permitida, trata-se de medida desejável e necessária para viabilizar a criação de um ambiente de competição fiscal lícita entre os Estados e o Distrito Federal, inclusive para viabilizar o alcance dos objetivos preconizados pelo art. 3º, III, da Constituição Federal, cuja eficácia deve ser assegurada pelo legislador. O quórum de deliberação, porém, deverá ser fixado de forma a compatibilizar os interesses envolvidos, evitando favorecimentos de qualquer ordem, sob pena de inconstitucionalidade.

2 Confiram-se, entre outras, as seguintes decisões: ADI nº 2.549/DF, Rel. Min. Ricardo Lewan­dowski, j. em 1º.6.2011; ADI nº 2.157/BA, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 10.4.2003; ADI nº 1.247-MC/PA, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 17.8.1995; ADI nº 1.179-MC/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 29.2.1996; ADI nº 2.155-9/PR, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 15.2.2001.

3 Órgão criado pelo Convênio ICMS nº 133/1997, editado com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 24/1975.

5 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido da inconstitucionalidade de desonerações fiscais concedidas unilateralmente pelos Estados e o Distrito Federal, sem prévia anuência do Confaz, ressalva feita aos incentivos da Zona Franca de Manaus, cf. art. 40 do ADCT c/c art. 15 da Lei nº 24/1975 (ADI nº 310/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 19.2.2014). Entretanto, ainda não há definição na jurisprudência acerca dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em relação aos contribuintes localizados nas unidades de origem (que agiram de acordo com as normas editadas pelo Estado concedente das vantagens fiscais, ainda que posteriormente declaradas inconstitucionais) e de destino (sujeitos à cobrança do ICMS creditado nas operações interestaduais, a despeito de o imposto dispensado ser de competência do Estado de origem).

6 Tramitam no Senado Federal: PLS-C nº 240/2006, PLS-C nº 85/2010, PLC-S nº 170/2012, PLS-C nº 375/2012. Tramitam na Câmara dos Deputados: PLP nº 85/2011, PLP nº 188/2012 e PLP nº 275/2013.

7 Vejam-se as posições de Roque Antonio Carrazza (ICMS. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 558, 565-567) e de Ives Gandra da Silva Martins (“Estímulos fiscais no ICMS e a unanimidade constitucional e a concessão de isenções”. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. Paulo de Barros Carvalho; e Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Noeses, 2012, pp. 1 a 22). Confiram-se, ainda, as manifestações apresentadas pelo Estado de São Paulo, pela Advocacia-Geral da União, pelo Ministério Público Federal e pelo Senado Federal, nos autos da ADPF nº 198, em que o Distrito Federal questiona a constitucionalidade da Lei Complementar nº 24/1975.

8 Esse é o entendimento manifestado por Paulo de Barros Carvalho (“Concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS”. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. Op. cit., pp. 23-94). Vide também as manifestações dos Estados da Paraíba, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, além do Distrito Federal, na referida ADPF nº 198.

9 A regra não era absoluta, tendo em vista a possibilidade de cada Estado ter suas próprias alíquotas internas e interestaduais, desde que uniformes. Além disso, as alíquotas de exportação poderiam ser diversas. Em qualquer caso, porém, havia um limite máximo definido pelo Senado (vide, e.g., as Resoluções do Senado nos 129/1979 e 364/1983).

10 É o que observa Alcides Jorge Costa: “A título de esclarecimento, acrescentamos que a aprovação de todos os Estados, implícita ou explicitamente dada, é decorrência lógica da inevitável aplicação a todos eles dos convênios. Se as decisões fossem tomadas por maioria, qualquer dos Estados poder-se-ia ver gravemente prejudicado pela concessão de isenções. Pode-se imaginar o resultado, para a Bahia, de uma isenção total para o cacau, para o Paraná, do café e assim por diante.” (ICM na Constituição e na Lei Complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 130)

11 É o caso do Convênio ICM nº 02/1983, cuja cláusula primeira dizia: “Ficam os Estados da Região Nordeste autorizados a conceder isenção do ICM, nos termos deste convênio, no fornecimento da alimentação e bebidas nos restaurantes e bares de hotéis, desde que, classificados como empreendimentos de interesse turístico, sejam portadores de certificados de registro na Empresa Brasileira de Turismo - Embratur.”

12 Confira-se comentário de Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao art. 155, parágrafo 2º, XII, “g”, da CF: “Decorre desta regra que a lei complementar federal apenas regulará a forma pela qual o Estado (ou o Distrito Federal) concederá, evidentemente no âmbito de sua competência, isenções, incentivos ou benefícios fiscais em matéria de ICMS. Assim, a decisão sobre conceder ou não esses benefícios é unilateral, cabendo exclusivamente ao poder competente para tributar, entretanto, está sujeita, ao procedimento que estabelecer a lei complementar. Nota-se que, portanto, não é mais necessário convênio para a concessão de isenções, como estava no art. 23, § 6º, da Emenda n. 1/69.” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 131)

13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 427.

14 A norma foi introduzida pela EC nº 03/1993. Embora ela não exija lei específica também para a revogação de desonerações fiscais, é evidente que somente por lei isso poderá ocorrer. No tocante ao ICMS, havendo autorização dos Estados e do Distrito Federal, é razoável entender que, na sua vigência, cada unidade federativa possa não só instituir como também revogar isenções, incentivos e benefícios por lei local, de acordo com suas conveniências, até mesmo para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo, na hipótese de haver deliberação colegiada pela revogação da autorização anterior, mediante o procedimento previsto em lei complementar, as leis locais perderão sua validade, ficando automaticamente revogadas, independentemente de ser editada lei estadual que assim determine.

15 Em decisões anteriores à Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal considerava “válida (...) a ratificação do Convênio por decreto do Poder Executivo”, não vislumbrando “ofensa ao princípio da legalidade” (RE nº 106.796-9/SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra, j. em 12.11.1985). Mesmo após o advento da nova Constituição, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chegou a entender que “esta ratificação pode ser por decreto” (REsp nº 9.432-7/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 30.11.1992). Todavia, em precedentes mais recentes, tem entendido o Supremo Tribunal Federal que os convênios constituem “instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas”, que não dispensam a edição de “lei específica” para a concessão de qualquer tipo de desoneração de ICMS, tendo em vista a exigência do art. 150, parágrafo 6º, da atual Constituição Federal (ADIMC nº 1.247/PA, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 17.8.1995; ADIMC nº 1.296/PE, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 10.8.1995). Assim, “embora a Lei Complementar 24 se refira à publicação de decreto pelo Chefe do Poder Executivo, a disposição não pode prejudicar a atividade do Poder Legislativo local. Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente federativo efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio” (cf. voto vencedor do Min. Joaquim Barbosa, nos autos do RE nº 539.130/RS, j. em 4.12.2009). Vale dizer, “os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário.” (RE nº 630.705, AgR/MT, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 11.12.2012)

16 1ª Turma, RMS nº 26.328/RO, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 18.9.2008; 2ª Turma, REsp nº 709.216/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 22.2.2005.

17 Cf. ADI nº 2.021 MC/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 4.8.1999.

18 Embora de constitucionalidade discutível, há Resoluções do Senado que fixam alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade e a origem da mercadoria ou serviço (vide Resolução SF nº 95/1996 e Resolução SF nº 13/2012).

19 Por exemplo, o art. 9º da Lei Complementar nº 87/1996, ao tratar da substituição tributária nas operações interestaduais deixa claro que tal depende de “acordo específico celebrado pelos Estados interessados”. Ou seja, não é necessário que todos participem do acordo, mas apenas aqueles que tenham interesse em fazê-lo.

20 Além da fixação de alíquotas interestaduais e de exportação (estas não mais subsistem, em face da imunidade ampla às exportações assegurada pela EC nº 42/2003), o Senado Federal pode estabelecer alíquotas internas mínimas e máximas, nas condições do inciso V do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição Federal.

21 “Art. 155 (...)

(...)

§ 2º (...)

(...)

IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

V - é facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, ‘g’, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais.”

22 Essa situação pode ocorrer sempre que o Estado de origem adote mecanismos que, embora não dispensem o lançamento e destaque do ICMS incidente na operação ou prestação interestadual (como seria o caso de isenção pura e simples), impliquem o não pagamento do montante do tributo. Exemplos: crédito presumido, devolução do imposto, postergação do prazo de pagamento sem a correção monetária devida. Nesses casos, há incidência do ICMS de acordo com a alíquota interestadual aplicável e, nada obstante o remetente da mercadoria ou prestador do serviço não suporte integralmente o respectivo ônus, o adquirente ou tomador efetua o crédito do imposto destacado na nota fiscal. Registre-se que a legitimidade do creditamento integral do ICMS nessas situações pende de definição pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 628.075/RS).

23 “Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

(...)”

24 Recorde-se que a Resolução SF 22/89 estabelece alíquotas interestaduais diferenciadas (7% ou 12%) conforme as condições socioeconômicas das regiões de localização dos Estados de origem e destino das mercadorias. De tal forma que os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do Espírito Santo, possam arrecadar mais do que os Estados das Regiões Sul e Sudeste (excluído o Espírito Santo), nas transações interestaduais realizadas entre os respectivos contribuintes.

25 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Parecer”. São Paulo, 31 de maio de 2012.

26 Estudo intitulado “Análise de incentivos fiscais estaduais e isonomia competitiva entre Estados no Brasil”, de 13 de dezembro de 2012, explica que fenômenos de aglomeração, produtividade de mão de obra, infraestrutura e custos de distribuição e logística são os responsáveis pela concentração industrial no Brasil. Há uma tendência natural de instalação de empresas em áreas que já são economicamente mais adiantadas e têm maior proximidade com os centros consumidores, já que os custos envolvidos são menores. Assim, a concentração econômica sempre tende a aumentar. Neste contexto, a concessão de incentivos fiscais é decisiva para a atração de novos investimentos e realização de projetos pioneiros “que atraem mão de obra qualificada, fortalecem a infraestrutura física e reorientam a configuração das redes logísticas no país”. Dessa maneira, é possível alavancar o desenvolvimento econômico de localidades que, não possuindo condições geográficas favoráveis e mão de obra qualificada, envolvem investimentos e custos operacionais maiores. Segundo a Fundação, “concessão de incentivos tributários por si só tem o potencial de desencadear o ‘círculo virtuoso’ de adensamento e aglomeração, bem como de gerar externalidades positivas para os estados vizinhos”.

27 Estudos divulgados pelo IBGE relativos às contas regionais do Brasil no período de 1995 a 2007 mostram que houve redução da participação dos Estados mais industrializados do país (SP, MG, RS, PR, RJ, SC, BA e AM) na indústria de transformação nacional, de 88,7% (1995) para 87,2% (2007). Os mesmos estudos apontam que a soma dos oito maiores PIBs (SP, RJ, MG, RS, PR, BA, SC e DF) foi reduzido de 81,5% em 1995 para 78,7% em 2007 (1% do PIB em 2007 equivale a 26,6 bilhões de reais). Ou seja, os outros 19 Estados tiveram um aumento de 18,5% para 21,3% do PIB. Ainda de acordo com o IBGE, “este processo foi impulsionado por investimentos regionais ou mesmo pela guerra fiscal, ou ainda pela procura de mão-de-obra mais barata em outras unidades da federação”. Disponível em http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&idnoticia=1497&busca=1&t=ibge-releases-regional-accounts-2007. Acesso em 10 de janeiro de 2014.

28 No estudo intitulado “Impactos socioeconômicos da suspensão de incentivos fiscais”, de 16 de setembro de 2011, foram analisadas 12 plantas industriais criadas com incentivos de ICMS concedidos por oito Estados, responsáveis por 1,2% do PIB nacional em 2010. Além dos impactos diretos gerados pela implantação e operação das fábricas, há relevantes impactos indiretos e induzidos, por meio das cadeias produtivas e de consumo. No agregado entre os projetos, o impacto sobre o PIB gerado pela implantação se multiplica por 4,4, e o impacto anual gerado pela operação se multiplica por 4. Os impactos sobre o emprego se multiplicam por 85,6 na implantação e 14,1 na operação. É notável também a contribuição para a arrecadação tributária, já que 2% dos impostos sobre a produção arrecadados no país foram gerados direta ou indiretamente pelos projetos analisados. Disponível em http://www.adialbrasil.com.br/adial/anexo/documentos/Estudo_FGV_Incentivos_Fiscais.PDF. Acesso em 10 de janeiro de 2014.

29 “Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.”