Limite à Compensação de Prejuízos Fiscais na Extinção de Pessoa Jurídica - um Caso para Solução através de Redução Teleológica (ou notando a Existência de Silêncio Eloquente)

Ricardo Mariz de Oliveira

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo.

Resumo

Este artigo analisa a questão da compensação de prejuízos fiscais na ocorrência da extinção de pessoas jurídicas, inclusive nos casos de incorporação, fusão e cisão, face à jurisprudência administrativa. São analisadas as fases dessa jurisprudência e indicada a solução através de redução teleológica da norma jurídica, ou pela percepção da existência de silêncio eloquente.

Palavras-chave: prejuízos fiscais, interpretação literal e restritiva, interpretação extensiva, analogia, redução teleológica, silêncio eloquente, direito adquirido.

Abstract

This article aims the tax treatment on tax losses when a corporate taxpayer is liquidated, including through merger, fusion or spin-off. Different periods of the administrative jurisprudence are considered and a solution is proposed by means of teleological reduction or by observing the existence of eloquent silence.

Keywords: tax losses, literal and strict interpretation, extensive interpretation, analogy, teleological reduction, eloquent silence.

I - Panorama Legislativo e Jurisprudencial

Quando, nos anos 90 do século passado, a legislação tributária brasileira foi mais uma vez alterada no tocante à compensação de prejuízos fiscais para fins de determinação do lucro real tributável pelo imposto de renda das pessoas jurídicas (o termo “prejuízo fiscal” será aqui utilizado também para a base de cálculo negativa da contribuição social sobre o lucro), reacenderam-se velhas discussões sobre este elemento formador da grandeza sujeita à tributação.

Em síntese, depois de uma breve passagem por norma anterior, o art. 15 da Lei n. 9.065, de 20 de setembro de 1996, fixou o limite de 30% do lucro líquido ajustado do período-base, para compensação de prejuízos fiscais formados em períodos anteriores, sem limitação quanto a estes e sem limitação de prazo, a partir da formação desses prejuízos ou da existência de lucros, para a sua compensação.

Houve, pois, sensível alteração no regime, que até então não estabelecia limite de valor para compensação em cada período-base, e prescrevia o prazo de quatro anos para que a mesma fosse efetuada.

No novo cenário, de pronto se apresentou novamente a questão constitucional da possibilidade de a lei vedar, limitar ou condicionar a compensação, colocando-se o conceito de renda como obstáculo a qualquer destes impedimentos, sob a argumentação de que a não compensação integral representaria tributação do patrimônio, e não da renda. Ao lado dessa tese mais ampla, apresentou-se a da irretroatividade da nova norma, que não poderia ser aplicada sobre prejuízos fiscais formados anteriormente a ela.

Este artigo não pretende adentrar nesses dois temas, inclusive porque a posição do seu autor consta do livro Fundamentos do Imposto de Renda, Capítulo XV.1

Pelo contrário, este artigo pressupõe a validade da limitação, para que possa ser enfrentada apenas a sua inaplicabilidade nas situações de extinção de pessoas jurídicas, pois, se a limitação fosse inconstitucional, não se aplicaria nessas situações tanto quanto em quaisquer outras, e não existiria o problema relacionado exclusivamente às extinções.

O tema das extinções de pessoas jurídicas, além da situação de encerramento de atividades com extinção e liquidação, apresenta-se também nos casos em que uma pessoa jurídica seja incorporada por outra, na qual ocorre extinção sem liquidação, do mesmo modo que aparece nas situações de fusão e cisão total, e ainda no caso de cisão parcial, em que não existe extinção, mas a vida fiscal da pessoa cindida sofre um corte semelhante ao da extinção, como se houvesse uma extinção parcial, dado que nele, assim como no de cisão total, incorporação e fusão, a lei expressamente veda a transferência de saldos de prejuízos fiscais para a respectiva sucessora (Decreto-lei n. 2.341, de 29 de junho de 1987, art. 33). Na prática, o assunto também se estendeu aos casos de liquidações extrajudiciais de instituições financeiras, nos quais, contudo, há outra ordem de questão a ser considerada em outra oportunidade.

A jurisprudência administrativa enfrentou a questão da limitação em três fases distintas.

Na primeira fase, após divergência entre duas câmaras do 1º Conselho de Contribuintes, a Câmara Superior de Recursos Fiscais posicionou-se pela inaplicabilidade da chamada “trava” nas extinções de pessoas jurídicas, primeiramente através de decisão proferida por 14 votos contra dois, e depois pela unanimidade dos seus 16 conselheiros (Acórdãos ns. CSRF/01-04258 e CSRF/01-05100).

Em virtude disso, numa segunda fase, pacificou-se a jurisprudência nas câmaras ordinárias do 1º Conselho, em inúmeros casos julgados ao longo dos anos.

A terceira fase iniciou-se em outubro de 2009, quando a Câmara Superior de Recursos Fiscais abruptamente decidiu em contrário à jurisprudência estratificada, por voto de desempate do conselheiro que naquela sessão ocupou a presidência na ausência do seu titular (Acórdão n. 9101-00401).

Esta fase perdurou com incertezas nas câmaras ordinárias do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, à espera de um novo pronunciamento da Câmara Superior de Recursos Fiscais, o que veio a ocorrer somente em outubro de 2013, novamente por voto de desempate em favor da aplicabilidade da trava num caso de incorporação (Acórdão n . 9101-001760).

Considerando que tais decisões decorreram da polarização entre as representações da Fazenda Nacional e dos contribuintes, é previsível que novos processos venham a receber a mesma conclusão, transferindo a discussão para o Poder Judiciário.

É, pois, um bom momento para abordar o tema, mesmo porque ele representa uma rara oportunidade para, em um caso prático e atual, abordar-se questão jurídica de cunho teórico a qual, por sua vez, também raramente é levantada ou cabe ser levantada, e se projeta para o futuro nesta específica discussão e na de outros temas.

II - A Discussão, como Posta

Lamentavelmente, as duas decisões da Câmara Superior não combinam entre si em termos de fundamentação, tendo em comum apenas o resultado favorável à aplicação do limite de compensação na extinção de pessoas jurídicas, além de que os dois respectivos processos abordaram extinções em incorporações.

Realmente, no 1º Conselho de Contribuintes e na Câmara Superior, naquela primeira fase da jurisprudência administrativa, as duas teses que se enfrentaram foram as seguintes, em breve síntese dos argumentos centrais:

- pela aplicabilidade da trava: (1) a ausência de norma expressa autorizando a sua não aplicação nos casos de extinção; (2) a obrigatoriedade de interpretação literal face ao art. 111 do CTN, por se tratar de incentivo fiscal, conforme decisões dos tribunais superiores; e (3) quando a lei quis excluir a aplicação do limite, ela o fez expressamente, que são casos de empresas rurais e programas Befiex;

- pela inaplicabilidade da trava: (1) a limitação de 30% foi estabelecida prevendo a continuidade da empresa, tanto que revogou o limite de quatro anos para a compensação; (2) a exposição de motivos alude à possibilidade de compensação integral.

III - Breve Crítica à Discussão, como Desenvolvida

Antes de prosseguir, cabe uma breve crítica às razões que se opuseram na discussão do problema em pauta.

Realmente, a ausência de norma expressa não significa inexistência de norma (lacuna), a qual, entretanto, se houvesse, poderia ser preenchida no caso, eis que a integração não estaria vedada pelo art. 108 do CTN. Ademais, a ausência de regra expressa pode significar a existência de uma norma implícita, ou, mais, a existência de norma na própria norma instituidora da limitação, como veremos no próximo segmento.

Em segundo lugar, embora acórdãos (ou votos) da jurisprudência judicial tenham aludido à permissão da compensação como sendo um incentivo fiscal, esta colocação, ainda que imprópria e não técnica, foi feita no contexto de validação da norma limitadora da compensação, considerada em sua generalidade, sem adentrar na situação específica de extinção, e para afirmar que cabe à lei ordinária em vigor em cada exercício conceder ou não a compensação, sem ferir o conceito de renda quando não a conceda, ou a conceda sob limites ou condições.

Ademais, mesmo que fosse incentivo fiscal, a norma relativa à compensação não estaria sujeita ao art. 111 do CTN, por não corresponder às hipóteses de incidência deste.

Não bastasse, doutrina e jurisprudência há muito tempo são uníssonas em afirmar corretamente que o art. 111 veda interpretação extensiva, e não literal, porque as normas por ele abrangidas, assim como quaisquer outras, não podem se submeter apenas a este insuficiente processo exegético.

Em terceiro lugar, a alusão às normas excepcionais relativas às empresas rurais e aos programas Befiex representa o uso de um falso argumento, pois elas excepcionam a trava para as pessoas jurídicas por elas alcançadas quando estejam em atividade, ao passo que a discussão que se trava é quanto às pessoas jurídicas que chegam ao seu momento final pela descontinuidade das suas atividades.

Em quarto lugar, a invocação de qualquer exposição de motivos é possível para ajudar na interpretação, mas não determinante, pois se conhece mais de um caso em que as exposições de motivo disseram algo que não encontra ressonância na norma posta no ordenamento.

Ademais, no caso, há que se reconhecer que a frase da exposição de motivos, trazida para o debate, permite mais de uma interpretação, quais sejam: (i) o limite não exclui a compensação integral porque esta poderá ser tomada em qualquer período futuro, sem prazo, ou (ii) porque, e quando, o lucro líquido ajustado do primeiro período já seja suficiente para a absorção total do prejuízo, de uma só vez.

Assim, o argumento precisaria de melhor emprego, dele se retirando apenas a inequívoca intenção do legislador de estabelecer tão somente limitação em cada período, como medida protetora do fluxo da arrecadação, mas complementando tal percepção da “intentio legislatoris” com a demonstração de como ela se manifesta na “mens legis”.

O mesmo se pode dizer quanto ao argumento de que a lei previu o limite apenas para empresas em continuidade.

Finalmente, o último acórdão da Câmara Superior praticamente afastou argumentos usados no seu acórdão anterior desta terceira fase jurisprudencial, o qual inaugurara em 2009 a dissidência com a jurisprudência até então pacífica, e se baseou principalmente na ideia de que se trataria de incentivo fiscal a demandar interpretação literal, e na afirmação da inexistência de norma que expressamente exclua a trava no caso de incorporação.

A pobreza técnica do acórdão de 2009, inaceitável e injustificável em assunto de magna importância como este, e na circunstância de contrariar expressivos pronunciamentos anteriores da própria instância máxima do processo administrativo, não se verifica no acórdão de 2013.

Porém, o voto vencedor deste último reflete a concentração do debate no tema do conceito de renda, que, como dito inicialmente, é inapropriado porque excludente do próprio tema específico das empresas extintas, e até porque não seria tema a ser solucionado na esfera administrativa, por importar em negativa de aplicação da norma legal, em sua generalidade e total extensão, em virtude da sua discutida inconstitucionalidade.

Ao contrário, a tese jurídica em debate em torno de pessoas jurídicas extintas pressupõe que a norma seja válida, e somente questiona o seu alcance por meio da sua interpretação, o que é muito diferente de discutir o conceito de renda ou de tributação do patrimônio, sendo, portanto, passível de ser apreciada pelo Carf e pela CSRF.

A meu ver, o derradeiro acórdão aqui mencionado aborda corretamente os argumentos da validade da lei e da inocorrência de incentivo fiscal, e não se fixou na argumentação em torno do sentido da exposição de motivos, mas concluiu singelamente pela inexistência de norma excludente (sem esgotar o assunto), inclusive acenando para que as decisões judiciais que deram pela validade da trava, embora não tenham tratado das situações de extinção de pessoas jurídicas, indicariam que a matéria é de índole constitucional, que não poderia ser apreciada na instância administrativa (o que não foi justificado nem avaliado em toda a extensão necessária).

IV - Solução através de Redução Teleológica (passando pelo Silêncio Eloquente)

Por óbvio, com a crítica feita no segmento anterior não se pretende dizer que todos estivessem errados, o que seria desrespeitoso a tantos juristas que se debruçaram sobre as questões invocadas e que se envolveram na discussão do tema. Ademais, seria pretensão injustificável.

O que se pretende é tomar o partido da antiga jurisprudência, e, inclusive como já apontado no segmento anterior, apenas acrescentar o embasamento teórico que explica (ou ao menos pretende explicar) porque ela estava correta.

Na verdade, aquela corrente de pensamento aplicou, sem o dizer, talvez apenas o intuindo, o embasamento que parece definir a discórdia: trata-se da redução teleológica.

É bom tomar o rumo deste preceito começando pela indevida invocação do art. 111 do CTN, o qual, já dito, é irrelevante para a solução da questão da trava porque trata de normas sobre outros objetos. Outrossim, mesmo que fosse aplicável, a interpretação restritiva (não a exclusivamente literal) que ele preconiza não elimina a utilização de todos os métodos de intelecção da norma.

Porém, o que impende destacar é que a interpretação restritiva, ou não ampliativa, consiste em não estender uma norma a hipóteses não contempladas no seu antecedente, sobre o que não resta qualquer dúvida ou controvérsia.

Ocorre que a interpretação restritiva nada tem a ver com dizer que na hipótese de incidência de determinada norma não está incluída uma determinada situação, que é o que está em cogitação no caso da trava.

Aliás, mesmo uma percepção superficial já traz à luz que são coisas diametralmente diversas, pois uma trata de extensão e outra de redução da norma.

Melhor explicando, o art. 111 trata de suspensão ou exclusão do crédito tributário, de outorga de isenção e de dispensa de obrigação acessória, e estatui o impedimento de que qualquer norma sobre alguma destas matérias seja estendida a situações por ela não abarcadas, significando que a concessão de um destes tratamentos é feita em caráter restrito às situações contempladas pela respectiva norma. Ou seja, não é possível ampliar o alcance dessa norma concessiva de um destes tipos de suspensão ou exclusão do crédito tributário ou de dispensa do cumprimento de obrigação acessória.

Todavia, o art. 15 da Lei n. 9.065 não trata de suspensão ou exclusão do crédito tributário, de isenção ou de dispensa de obrigação acessória, pois seu objeto é tão somente um dos componentes da base de cálculo, igualmente ao que ocorre com inúmeras outras regras jurídicas que tratam de receitas, despesas, provisões, período competente etc.

Portanto, a discussão em torno do art. 15 não é no sentido de estender a sua disposição, mas, sim, ao contrário, tende a reduzir o seu alcance, por redução teleológica, ou, segundo alguns autores, pela verificação de que uma norma implícita no ordenamento determina exatamente o inverso da ampliação, pois determina a sua não aplicação.

O Acórdão n. 9101-00401 sustentou, com base em trecho de Lourival Vilanova, o uso do argumento a contrário senso, declarando-o como perfeitamente válido em se tratando de norma exceptiva. Para chegar a isto, o acórdão admitiu em tese que não se estaria tratando de benefício fiscal, e transcreveu o seguinte trecho do professor pernambucano:

“A norma jurídica exceptiva só abrange os antecedentes que especifica, não outros, delineando conjunto-unimembre ou conjunto-multimembre de sujeitos ou ações que caem fora da órbita de abrangência (da extensão em sentido lógico) ou âmbito-de-validade da norma geral.

(...)

Não consta, é certo, na enumeração das normas para preenchimento das lacunas, ao lado da inferência analógica, a inferência a contrario, mas ela está implícita em cânones, como meras diretivas (normas, ainda que sem a estrutura de verdadeiras normas de Direito Positivo), como a de que ‘inclusão de um, importa na exclusão de outro’, ou no preceito já mencionado do art. 6º da antiga Introdução ao Código Civil, segundo o qual a lei que abre exceções a regras gerais só abrange os casos que especifica. Com isso, o legislador quis incorporar o adágio ‘exceptiones strictissimae interpretationis sunt’, ou indicar normativamente ao intérprete que, no Direito especial, como no Direito excepcional, não se deve pregar a extensão analógica, mas a excludência do que não está implícita ou explicitamente regulado, mediante a via do argumento a ‘contrario sensu’. Dizendo com F. Ferrar ‘pois se o legislador, por considerações especiais de utilidade, dispôs limitadamente a certos fatos ou pessoas, nos outros casos entendeu que o mesmo tratamento não tivesse lugar’ (As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo, 1ª Edição, Ed. Max Lemonad, páginas 263, 265 e 266).” (Os destaques e a remissão são do acórdão)

Em verdade, essa doutrina está refletida no art. 111 do CTN, e, portanto, nada acrescenta em termos práticos para o deslinde da questão, pois ela não impede que se procure o verdadeiro conteúdo da norma que deve ser interpretada e aplicada, sem procurar ampliá-la.

Neste sentido, vale lembrar Carlos Maximiliano, para quem “também na órbita das normas excepcionais orienta-se o hermeneuta pela perspectiva do resultado provável deste ou daquele modo de agir, atende às consequências decorrentes da interpretação liberal, ou rigorosa, do texto. (...) Decretos de anistia, os de indulto, o perdão do ofendido e outros atos benéficos, embora envolvam concessões ou favores e, portanto, se enquadrem na figura jurídica dos privilégios, não suportam exegese estrita”.2

Não cabe aqui contrapor à posição de Vilanova excerto de Maximiliano, tal como se houvesse alguma contradição entre eles, o que seria representativa de diferentes opiniões doutrinárias, mas que efetivamente não ocorre, pois um preconiza a não extensão das normas excepcionais, e outro não prega a extensão, mas exegese não estrita, iluminada pelo resultado que se teria através de uma interpretação rigorosamente literal do texto.

Enfim, a recomendação ofertada por Carlos Maximiliano é a mesma que a doutrina e a jurisprudência dão quanto à expressão “interpretação literal” que consta do art. 111, entendida que é, como deve ser, não no sentido de interpretação exclusivamente pela literalidade da lei, mas, sem alargá-lo, interpretação com emprego de todos os métodos de exegese aplicáveis ao caso.

De fato, é exatamente neste sentido que a doutrina e a jurisprudência há tempos vêm compreendendo e aplicando o art. 111,3 mas certamente a mais significativa manifestação a respeito desse dispositivo foi dada por Gilberto de Ulhôa Canto, que, com a sua autoridade de membro da Comissão Especial elaboradora do projeto do CTN, disse de viva voz em 27 de abril de 1985, quando proferiu aula no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco para o curso de atualização em Direito Tributário promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT, que a redação final do art. 111 traiu a intenção dos seus redatores, que não pretendiam manietar o processo mental de reconhecimento do sentido das leis, mas apenas dizer que, nas matérias submetidas àquele dispositivo, a interpretação deveria ser restritiva, e não extensiva ou ampliativa.

Nesta toada, assume relevância o magistério de Maximiliano para demonstrar que as normas excepcionais também devem ser interpretadas em seu espírito e finalidade, sem que isto signifique ampliá-las. E cabe destacar que Vilanova trata de norma exceptiva para dizer que ela só abrange os antecedentes que especifica, passando ao modo de preenchimento das lacunas com alusão à inferência analógica e à inferência a contrário, esta no sentido de que, conforme Ferrara, “se o legislador, por considerações especiais de utilidade, dispôs limitadamente a certos fatos ou pessoas, nos outros casos entendeu que o mesmo tratamento não tivesse lugar”.

Ora, quanto ao art. 15 da Lei n. 9.065, não estamos frente a uma norma exceptiva, nem estamos perante um caso de lacuna a ser preenchida por inferência analógica ou por inferência a contrário senso. Há lacuna, sim, como exporei, mas de outra ordem, e cujo preenchimento certamente não se pode processar por analogia, por inexistência de uma norma que possa ser análoga, bem como encontra dificuldade para preenchimento a contrário senso.

Com efeito, com relação ao argumento a contrário senso, o art. 15 refere-se genericamente à compensação de prejuízos fiscais, sem qualquer especificação sobre a condição ou o estado atual da pessoa jurídica. Por exemplo, se ele tivesse se referido explicitamente às pessoas jurídicas em continuidade, por evidente as não em atividade estariam excluídas da sua hipótese de incidência, tanto quanto a exceção relacionada às empresas rurais diz necessariamente que nela não se enquadram as não rurais. Mas, não fazendo qualquer distinção quanto a isto ou aquilo, o art. 15 não abre possibilidade para interpretação a contrário.

Quer dizer, o art. 15 não exprime uma norma de exceção, a justificar a invocação daquela passagem doutrinária, mas uma norma que estatui regra, e regra geral relativa à compensação de prejuízos fiscais na formação das bases de cálculo dos tributos que incidem sobre os acréscimos patrimoniais das pessoas jurídicas.

Destarte, o que temos nesse artigo é uma regra ao mesmo tempo concedente e limitadora da compensação quanto ao seu valor, com transferência do saldo não compensável num período para compensação integral em períodos posteriores, até se esgotar. E essa norma, por sua compreensão teleológica finalística, precisa ser vista na perspectiva das pessoas jurídicas em continuidade, contrariamente à perspectiva de uma pessoa jurídica em extinção, que não mais terá como compensar o saldo de prejuízos excedente do limite estabelecido em caráter geral.

Ademais, essa norma é regra, não exceção. Em outras palavras, não se trata de criar uma exceção à regra geral, mas de determinar o verdadeiro alcance da mesma e própria norma geral que autoriza a compensação, isto é, determinar o seu antecedente ou hipótese de incidência.

Por isso, este aspecto em torno das normas excepcionais pode ser bem aplicado aos casos em que a lei, expressamente e através de normas especiais, cria exceções à regra geral, como os citados casos de atividades rurais e programas Befiex, os quais representam exceções à regra geral contida no art. 15.

Assim, diferentemente das exceções, no caso de extinção da pessoa jurídica, não se trata de criar uma nova exceção à regra geral, por via de interpretação ampliativa das exceções existentes, mas, sim, ao contrário, de perceber que, independentemente das exceções, o fato extinção não cabe no antecedente da norma geral (conforme Vilanova), o que se conclui pela interpretação desta através dos meios recomendados pela boa hermenêutica jurídica, ou seja, pela via dos métodos teleológico, sistemático, lógico, histórico e outros cabíveis (conforme Maximiliano).

Destarte, contrariamente à interpretação extensiva, o que se faz é uma interpretação redutiva da disposição do art. 15, à qual chegaremos mais adiante depois de passarmos por um ponto importante, que é pertinente ao chamado “silêncio eloquente”, o qual também demonstra a impropriedade da argumentação baseada no art. 111 ou em normas excepcionais, afastando aquele engano de que o art. 15 não excepciona expressamente as extinções do limite 30%.

Ademais, esta questão do “silêncio eloquente” também é importante porque o Acórdão n. 9101-00401 aludiu ao Recurso Especial n. 307389/RS, para dele destacar que o silêncio da lei não cria direitos, e ainda porque esta questão vem muitas vezes atrelada às lacunas legais.

É preciso muito cuidado para não generalizar o que o STJ disse naquele julgamento, em que sua afirmação era perfeita em relação à evolução legislativa em debate e à tese defendida pela parte no respectivo processo, de que haveria indevida tributação do patrimônio.

Realmente, não cabe generalizar porque muitas vezes o silêncio não significa ausência de norma, e, pois, não importa em situação de lacuna.

Com razão, doutrina e jurisprudência reconhecem a existência do que convencionaram significativamente intitular “silêncio eloquente”.

É certo que o princípio da legalidade exige norma para a definição do fato gerador e da sua base de cálculo, e é exatamente por isso que o art. 108 do CTN, a despeito de admitir o emprego da analogia para integração (preenchimento de lacunas) da legislação tributária, não o admite quando daí resultar a exigência de tributo não previsto em lei (parágrafo 1º), cuja regra deve ser entendida corretamente no sentido de ser vedada a analogia para determinação de qualquer exigência tributária em desacordo com quaisquer dos aspectos da obrigação tributária descritos na norma de regência dessa obrigação. Assim como, no contraponto da proibição do emprego da analogia para cobrar tributo sem lei, a equidade não pode justificar a dispensa de tributo previsto em lei, conforme dispõe o parágrafo 2º.

Isto é, o art. 108 trata de verdadeiras lacunas, as quais não dispensam o juiz de julgar e a autoridade administrativa de exercer suas funções.

Porém, a questão da lacuna traz à baila outro elemento exegético de grande valor, que é o “silêncio eloquente da lei”, ou seja, o silêncio da lei, dentro de um contexto normativo de normas expressas, pode significar a existência de uma norma implícita cujo teor se subtrai das normas expressas.

A este respeito, seguindo a doutrina do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Greco escreveu o seguinte:

“O mesmo fenômeno ocorre e a mesma dificuldade se apresenta ao intérprete do Direito. Diante de uma previsão legal cujas palavras, não alcancem determinadas hipóteses, cumpre verificar se estamos perante uma ‘insuficiência’ do texto, ou ‘lacuna’ que admitiria integração, de modo a assegurar seu real alcance; ou se a não previsão corresponde ao que o Supremo Tribunal Federal examina sob a denominação de ‘silêncio eloquente’, assim entendida a não-previsão voluntariamente feita e que corresponde a uma norma de não incidir. O silêncio eloquente vem referido expressamente no RE nº 135.637 e no RE nº 130.552, onde se afirma que ‘(...) só se aplica a analogia quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam ‘silêncio eloquente’ (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia’. Nesta última hipótese (‘silêncio eloquente’), a não-previsão não é fortuita ou indesejada, e, por consequência, o Poder Judiciário, se quiser estender o significado do termo estará extrapolando a mera integração do dispositivo e se arvorando em ‘legislador positivo’, o que atenta contra a separação de poderes e a garantia da legalidade.”4

Trata-se de fenômeno facilmente perceptível, entre outras circunstâncias, quando uma norma é dirigida para várias situações referidas taxativamente, ou seja, a enumeração “numerus clausus” significa que situações não contidas na lista legal não se submetem à respectiva norma, independentemente de isto ser dito na lei: daí o silêncio eloquente. E silêncio eloquente não se confunde com lacuna na lei, pois lacuna é falta de norma, enquanto que silêncio eloquente é norma derivada da omissão de inclusão de determinado objeto no comando da lei.

Este aspecto ficou bem demonstrado por Karl Larenz:5

“Em contrapartida, não existe uma lacuna - tampouco uma lacuna ‘oculta’ - no sentido do nosso conceito de lacuna, quando a lei quis regular conclusiva e exaustivamente uma determinada questão, como por exemplo, a dos fundamentos que tornam possível a interdição ou a deserdação - naqueles casos em que o silêncio da lei é ‘eloquente’.”

E mais adiante:6

“Em contrapartida, quando se impõe o argumento inverso, isso equivale quase sempre à declaração de que não existe uma lacuna que possa ser preenchida por analogia ou por um argumento ‘a maiore ad minus’; é o caso das enumerações exaustivas e dos preceitos excepcionais rigorosamente delimitados.”

Daí a ligação entre a lacuna e o silêncio eloquente, pois, a lacuna requer preenchimento, tal como previsto no art. 108 do CTN ao mencionar os meios de integração - não de interpretação - da lei, a qual ocorre exatamente quando haja lacuna na lei. As próprias palavras do art. 108 denunciam isto: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; (...).”

Portanto, é relevante distinguir lacuna de silêncio eloquente, pois aquela pode ser preenchida, inclusive por analogia, guardados os limites do próprio art. 108,7 enquanto que o silêncio eloquente não comporta analogia porque não significa ausência de norma, mas, pelo contrário, existência de norma inserida no silêncio da lei sobre determinada situação que deveria estar abarcada expressamente por alguma norma.

Neste sentido, em 4 de junho de 1991, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 131.013-8/SP, tendo dito:

“Sucede, porém, que só se aplica a analogia quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam ‘silêncio eloquente’ (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia. (...) Portanto, ao não se referir o artigo 114 da Constituição, em sua parte final, aos litígios que tenham origem em convenções ou acordos coletivos, utilizou-se ele do ‘silêncio eloquente’, pois essa hipótese já estava alcançada pela previsão anterior do mesmo artigo, ao facultar à lei ordinária estender, ou não, a competência da Justiça do Trabalho a outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ainda que indiretamente.”

Também a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sentenciou no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 971.016/SC, em 14 de outubro de 2008:

“Se as normas que regulam a compensação tributária não preveem a forma de imputação do pagamento, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916) e não se pode concluir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloquente do legislador que não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado.”

No âmbito da jurisprudência administrativa, o tema foi objeto do Acórdão n. 103-22441, da 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, o qual afastou a aplicação das regras de preços de transferência, relativas a juros ativos, para as bases de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS, dizendo:

“Contudo, pela especialidade da lei em exame, a única que trata do tema, percebo que não se aplica a regra geral do artigo 3º, I, da Lei n. 9.718, de 1998, ao deparar-me com o silêncio eloquente da Lei n. 9.430, de 1996, no que toca ao PIS e à Cofins. Não tenho dúvidas de que o legislador só quis a incidência da CSSL e do IRPJ sobre a diferença entre os juros (...).”

Portanto, repita-se, silêncio eloquente não se confunde com lacuna na lei, pois lacuna é falta de norma, enquanto que no silêncio eloquente há norma não expressa, mas cuja existência implícita pode ser determinada através de adequada interpretação do ordenamento.

A todo rigor, em sua concepção original, o silêncio eloquente existe nas disposições que descrevem hipóteses taxativas, porque, nestas, as hipóteses não enumeradas não foram desejadas pelo legislador. Entretanto, é possível dizer que as disposições numerus clausus são as que melhor configuram (ou melhor explicam) o silêncio eloquente, mas não as únicas em que este possa existir. Realmente, numa relação taxativa o que nela não está expresso não pode ser incluído, sendo o silêncio quanto ao que nela não está uma disposição implícita negativa. Mas mesmo numa relação exemplificativa, há um tipo de disposição silenciosa afirmativa, no sentido de que pode ser incluído algo que não esteja mencionado expressamente, desde que se compatibilize com a norma.

Assim, o silêncio eloquente pode ser afirmativo ou negativo de norma não expressa, e o conceito pode ser ampliado, para atingir normas que regulem “conclusiva e exaustivamente uma determinada questão” (Larenz) que se esgote numa única hipótese, e não para ser aplicada a mais de uma hipótese. Por outro lado, no caso do Recurso Extraordinário n. 131.013-8/SP, foi detectada a existência de silêncio eloquente numa norma, em virtude de a matéria estar tratada em outra. In casu, não deixa de haver uma situação de silêncio eloquente, eis que o art. 15 da Lei n. 9.065, por sua teleologia e por sua aplicação sistemática com o art. 33 do Decreto-lei n. 2.341, contém norma não escrita, mas existente, no sentido de que não se aplica às situações de incorporação, fusão e cisão da pessoa jurídica. Emprestando os termos do último julgado acima transcrito, o silêncio eloquente significa que o legislador não quis aplicar às extinções a regra do art. 15, isto tendo em vista a “ratio legis” e a totalidade do ordenamento jurídico.

Todavia, a averiguação segura da existência de silêncio eloquente não é matéria fácil e infensa a controvérsias quando não se está perante norma que seja perceptivelmente exaustiva, como pode ocorrer com uma norma que se limite a descrever uma situação hipotética.

Quer dizer, sobre uma norma que simplesmente descreva uma situação hipotética à qual dirige sua consequência normativa, dificilmente, a não ser em situações especiais, principalmente quando confrontada com outras normas, se pode dizer que silenciosamente não tenha querido regular um determinado fato que esteja compreendido na situação que nela está descrita como hipótese de incidência.

Deste modo, o silêncio eloquente não é meio adequado e seguro para a solução do alcance do art. 15, embora conduza ao mesmo resultado que se obterá por outra via, via esta a que chegamos não porque seja caminho que conduz a determinado resultado desejado (atitude apriorística inaceitável na exegese), mas porque se amolda admiravelmente à situação ora apreciada, e porque, inclusive, esteve subjacente à jurisprudência (mas nela não explicitada) que se fincou até o Acórdão n. 9101-00401, cuja jurisprudência merece respeito, não fosse por outro motivo, pelo fato de ter sido produzida por centenas de votos e dezenas de acórdãos proferidos por um sem número de cabeças judicantes ao longo de mais de uma década.

Esta é a via da chamada “redução teleológica”, a qual se afeiçoa apropriadamente à compreensão do art. 15 da Lei n. 9.065, e mais precisamente do que a teoria do silêncio eloquente. Ademais, na exegese de uma norma não convivem o silêncio eloquente e a redução teleológica, porque naquele há norma implícita e, portanto, não há lacuna, ao passo que para a redução teleológica falta norma plenamente adequada, ou melhor, há norma que não exclui expressamente fato incompatível com a teleologia (o espírito) dela mesma. Ou ainda, há norma positiva, e falta norma de negação da aplicação da norma positiva em determinadas situações.

Destarte, embora, ambas as figuras possam prestar-se à interpretação do direito aplicável à situação de extinção de pessoa jurídica, isto no sentido de que, por uma ou por outra, se chega à mesma conclusão, elas são necessariamente excludentes, o que exige uma tomada de posição, a qual, no caso do art. 15, é decisivamente pelo caminho da redução teleológica.

Essa figura foi muito bem tratada especialmente por Karl Larenz, ao qual retornamos.8

Esse autor, depois de discorrer longamente sobre lacunas, inclusive separando o que chama de “lacunas da regulamentação”, ou “falsas lacunas”, segundo Zitelmann (existentes não numa proposição individual, mas na incompletude da totalidade da regulamentação), discorre sobre várias noções e expõe que, para se saber se uma regulamentação é incompleta, é decisiva a intenção do legislador perante o fim imanente da lei, e aqui se deve desde logo observar que, sob este ponto de vista, a intenção do legislador da Lei n. 9.065, inequivocamente, não foi impedir a compensação da totalidade dos prejuízos.

Larenz também alude à diferença entre lacuna de regulamentação e “defeito”, novamente ensinando que a fronteira entre as duas figuras se estabelece pelos fins imanentes da lei, sendo específico em dizer que “existe uma lacuna da regulamentação quando falta uma regra de que pode esperar-se a existência segundo a ideia fundamental e a teleologia imanente da regulamentação legal”.

Ele ainda distingue, entre as lacunas, as “patentes” e as “ocultas”, as primeiras quando falta uma ordenação positiva que o fim da regulamentação faz esperar, e as segundas quando falta na lei uma restrição duma determinada regra, ou seja, uma ordenação negativa.

Adotando estas classificações, e entendendo com a jurisprudência que a norma do art. 15 não se aplica às situações de extinção de pessoas jurídicas, temos uma “lacuna da regulamentação” ou “falsa lacuna”, porque a falta não existe numa proposição individual, mas na incompletude da totalidade do ordenamento, ao não fazer expressamente a exclusão daquelas situações quando da aplicação da norma nele existente. E é lacuna de regulamentação exatamente porque falta esta regra de exclusão, cuja existência, contudo, pode-se perceber segundo a teleologia da regulamentação legal expressada no ordenamento. E arremata-se a categorização teórica com a noção de que se trata de lacuna oculta porque diz respeito à falta de restrição ao art. 15, isto é, à falta de uma ordem negativa.

Mas estas são noções que se antecipam à conclusão que somente poderá ser atingida após a continuidade da interpretação, as quais, entretanto, estão colocadas neste momento para que seja bem fixada a compreensão sobre que tipo ou espécie de lacuna haveria, lacuna esta que, como dito, não pode ser facilmente preenchida pelo argumento a contrário, e certamente não por analogia.

E, votando a Larenz, é a partir da explicação sobre as lacunas que ele afirma não existir lacuna, em qualquer sentido, nos casos em que o silêncio da lei é eloquente, convindo relembrar mais uma vez que o silêncio eloquente não convive com redução teleológica, que pressupõe lacuna.

São também palavras desse jurista: “Posto tudo isto, podemos dizer que uma lacuna da lei (‘de lege lata’) existe sempre e só quando a lei, a avaliar por sua própria intenção e imanente teleologia, é incompleta e, portanto, carece de integração, e quando a sua integração não contradiz limitação (a determinados fatos previstos) porventura querida pela lei.”

A este propósito, repita-se, no caso do art. 15 da Lei n. 9.065, a lacuna consiste na falta de uma ordenação negativa quanto à hipótese de extinção de pessoa jurídica, e a sua integração está conforme à intenção do legislador e à teleologia imanente da norma exprimida naquele dispositivo legal, sem contraditar qualquer limitação existente na lei. Nem apresenta contrariedade com o art. 108 do CTN, por não incidir nos seus parágrafos e albergar-se no seu caput.

Tal procedimento está de acordo com a atitude preconizada por Karl Larenz para a integração de lacunas ocultas (isto é, as que refletem falta de ordenação negativa), cuja integração deve ser feita através de redução teleológica da norma incompleta, explicando o seguinte:

“Existe uma ‘lacuna oculta’ quando, segundo a teleologia imanente da lei, a regra legal carece de uma restrição que a lei não formula. A ‘integração’ da lacuna faz-se então pelo aditamento da restrição postulada, de harmonia com o sentido da lei. Como, por este processo, a regra demasiado ampla que a lei contém é reduzida ao âmbito de aplicação que lhe cabe segundo o fim ou o contexto significativo da lei, falamos a este propósito de uma ‘redução teleológica’. Esta está para a ‘interpretação restritiva’ como a analogia singular para a ‘interpretação extensiva’. Ambas são, simplesmente, a continuação da interpretação para além da fronteira desta - o significado literal possível; e em ambas essa fronteira é ‘fluida’. A jurisprudência gosta de designar este procedimento por ‘interpretação restritiva’, mas trata-se, na verdade, de uma ‘redução teleológica’.

Se a justificação da analogia reside no imperativo da justiça de tratar igualmente o que é igual, a da redução teleológica consiste no de tratar desigualmente o que é desigual, isto é, de fazer as distinções que sejam necessárias numa perspectiva de valor. A distinção pode resultar do sentido e fim da própria norma a limitar, ou de uma outra norma, ou ainda de um princípio imanente à ordem jurídica, ao qual se deva atribuir primazia, à luz da valoração global.”

Este trecho está transcrito em itálico porque ele, dentro do amplo contexto da obra de Larenz, resume o ponto essencial a ser compreendido em torno do assunto.

O que temos, então, no caso da trava?

Temos a regra do art. 15 da Lei n. 9.065, que autoriza a compensação de prejuízos fiscais dentro de limite porcentual do lucro de cada período, sem pretender impedir a compensação integral, e sem prever expressamente qualquer exclusão da sua aplicação. E temos a regra do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341, que veda a transferência de prejuízos para a sucessora, nas hipóteses de incorporação, fusão e cisão, igualmente sem exceção.

Neste quadro legislativo, havendo lacuna pela inexistência de exclusão expressa do fato extinção, esta é de natureza oculta, ou seja, falta a restrição de aplicação da norma do art. 15 às situações de extinção da pessoa jurídica, e a lacuna deve ser integrada pelo aditamento dessa restrição.

Mas, segundo Larenz, o aditamento da restrição tem que ser feito “de harmonia com o espírito da lei”. Como o espírito do art. 15 não foi vedar a compensação integral, mas apenas protraí-la, qualquer integração somente pode ser produzida no sentido de assegurar a compensação sem o limite de 30% nas situações de extinção da pessoa jurídica, e também naquelas em que, em virtude de outra norma (no caso, o art. 33), a limitação frustra qualquer outra possibilidade de compensação do excedente.

Mais ainda, “se a justificação da analogia reside no imperativo da justiça de tratar igualmente o que é igual, a da redução teleológica consiste no de tratar desigualmente o que é desigual, isto é, de fazer as distinções que sejam necessárias numa perspectiva de valor”.

Destarte, perante esse imperativo, não poderia haver ampliação teleológica no caso do art. 15, para incluir nele as hipóteses de extinção de pessoas jurídicas, porque estas são absolutamente desiguais àquelas de pessoas jurídicas em continuidade de operação, que poderão compensar futuramente o que não puderem compensar presentemente. Mas pode haver a redução teleológica, que necessariamente deve importar em reconhecer que o fato extinção deve ser excluído da limitação do art. 15, porque representa situação desigual à das pessoas que continuam a operar.

Larenz ainda adita quanto à distinção entre os fatos, necessária na redução teleológica: “A distinção pode resultar do sentido e fim da própria norma a limitar, ou de uma outra norma, ou ainda de um princípio imanente à ordem jurídica, ao qual se deva atribuir primazia, à luz da valoração global.”

Em todos os casos de extinção, a distinção resulta do sentido e fim da própria norma contida no art. 15, e ainda do princípio imanente da isonomia, além de que, na situação de incorporação, fusão ou cisão de pessoa jurídica, a distinção de sentido e fim não resulta apenas do próprio art. 15, mas de outra disposição legal, que é o art. 33.

Em conclusão, tendo havido omissão do legislador do art. 15, em tratar expressamente da hipótese de extinção, o que representa uma lacuna, seu preenchimento pode ser feito por redução teleológica do art. 15, porém com observação do imperativo de tratamento desigual para situações desiguais, o que impõe a impossibilidade de tratar por igual pessoas jurídicas em continuidade e pessoas jurídicas em extinção, inclusive no caso de serem absorvidas por outra, quanto a estas sendo pertinente a vedação do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341.

Esta última, certamente, foi a linha seguida pela jurisprudência ao longo de mais de 10 anos, e é a que se apresenta como a mais consentânea com o ordenamento jurídico integral.

Por fim, convém espancar qualquer relevância, para a devida interpretação do art. 15 da Lei n. 9.065, de qualquer indagação em torno de direito adquirido, porque tal indagação representaria apenas um aspecto da questão constitucional sobre a invalidade da limitação, quando confrontada com o conceito de renda, e pertinente apenas quando se trata de prejuízos formados antes dessa lei.

É que já houve a defesa da aplicação do limite nos casos de extinção de pessoas jurídicas sob o argumento de que o art. 33 do Decreto-lei n. 2.341, impeditivo da transferência de prejuízo fiscal nos casos de sucessão por incorporação, fusão e cisão já foi dado como válido, assim como o foi o art. 32 do mesmo Decreto-lei n. 2.341, que veda a compensação se houver mudança de controle e de ramo de atividade da mesma pessoa jurídica. Alegou-se, então, que a validade desses dispositivos representaria o reconhecimento da inexistência de direito adquirido à compensação de prejuízos fiscais.

Este, contudo, é outro falso argumento, porque na discussão da aplicação do art. 15 não se está afirmando o direito à compensação integral porque haveria um direito adquirido desde a formação dos prejuízos, ou porque seriam inconstitucionais as restrições da lei ordinária à compensação.

Nada disso, pois se trata exclusivamente da norma do art. 15 no período-base em que haja lucro para absorver os prejuízos e ocorra o encerramento da pessoa jurídica, para o que se considera o art. 15 como vigente e eficaz nesse período, e sendo ele afastado não porque prejuízos tenham sido formados antes dele, ou porque haveria um suposto direito adquirido e incondicional à sua compensação, mas, sim, porque a lei aplicável nesse período, devidamente interpretada, não incide sobre as situações de extinção.

Não se trata, pois, de direito adquirido, mas de devida consideração do conteúdo normativo da lei em vigor e eficácia.

É como decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 2ª Turma, nos Embargos de Declaração na Apelação em Mandado de Segurança n. 97.02.39536-4, decididos em 22 de março de 2011, com referência à Lei n. 8981, que havia tratado do assunto antes da Lei n. 9.065.

Disse a corte regional, com perfeita noção do problema submetido ao seu julgamento:

“1. Em decorrência da incorporação havida, é legítima a pretensão da impetrante em ver compensada, na determinação das bases de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro da empresa incorporada, a totalidade dos prejuízos fiscais e das bases de cálculo negativas desta última, apurados até 31 de dezembro de 1994, já que não pode compensar os prejuízos fiscais da sucedida, consoante os termos do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341.

2. Esta circunstância não compromete a conclusão de que são constitucionais os artigos 42 e 58 da Lei n. 8.981/95, que reduziram a 30% a parcela dos prejuízos sociais de exercícios anteriores, suscetível de ser deduzida no lucro real, para apuração dos tributos em referência.”

1 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

2 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 286.

3 A este respeito, poder-se-ia apresentar uma extensa lista de autores e julgados, mas bastam alguns, como: BORGES, José Souto Maior: “Determinar a interpretação literal é praticamente mutilar a interpretação, ou mesmo suprimi-la, porque essa restrição pode situar o exercício da função interpretativa aquém da extensão total do preceito de lei. Para obedecer-se ao comando de interpretação literal, há de desobedecer-se muitas vezes a ‘mens legis’.” (Isenções tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, p. 125). Superior Tribunal de Justiça, 1a Turma, Recurso Especial n. 14.400/SP, julgado em 20.11.1991: “O real escopo do art. 111 do Código Tributário Nacional não é impor a interpretação meramente literal - a rigor impossível - mas evitar que a interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma.”

Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, Recurso Especial n. 163.529/MG, decidido em 4.10.2001: “A ‘interpretação literal’ preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas; cabe, entretanto, ao intérprete mostrar o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o incentivo.” Ainda a 2ª Turma, Recurso Especial n. 217948/SP, em 2.5.2000: “Há de haver cautela na interpretação da letra da lei, para que não ocorra um exacerbado rigorismo interpretativo que afaste o hermeneuta do melhor processo de compreensão da vontade real do legislador.”

Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, Recurso Extraordinário n. 183.403-0/SP, julgado em 7.11.2000: “Abandona-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico.” Gilmar Mendes, quando Advogado-geral da União, subscreveu o Parecer n. AGU/SF/01/2000, de 28.9.2000, cujo item n. 201 explicou que a norma do art. 111 do CTN, ao falar em interpretação literal, prescreveu a interpretação restritiva e não ampliativa (DOU-I-E de 1º.11.2000, p. 10). Também assim se manifestou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Parecer PGFN-CAT n. 1.495/2001, de 9.8.2001, o qual, confrontando norma instituidora de incentivo fiscal com o art. 111 do CTN: “22. Não se defenda a interpretação absurdamente restritiva, ou excessivamente apegada à literalidade da lei, porque não nos parece ser esse o método hermenêutico mais inteligente e consentâneo com a Ciência do Direito. Com efeito, o exame da norma, mesma a concessiva de favor fiscal, deve valer-se de todos os elementos interpretativos, de forma a se aproximar o máximo possível do seu verdadeiro sentido e alcance. Entendo, particularmente, não ser o mandamento do art. 111 do CTN impeditivo do exame percuciente da norma jurídica.” (DOU-I de 24.6.2003, p. 16). A jurisprudência administrativa também contém inúmeros precedentes relativos à leis de incentivos fiscais interpretadas finalisticamente, como o Acórdão n. 108-06529, de 23.5.2001, da 8ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, e os Acórdãos ns. 201-74439, de 17.4.2001, e 203-07602, de 15.8.2001, do 2º Conselho de Contribuintes, respectivamente 1ª e 3ª Câmaras.

4 GRECO, Marco Aurélio. “Cofins na venda de imóveis”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 51. São Paulo: Dialética, 1999, p. 128.

5 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, p. 435.

6 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Ob. cit., p. 450.

7 No Direito Civil, o preenchimento de lacunas através da analogia está previsto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual determina peremptoriamente e sem ressalvas: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

8 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Ob. cit., pp. 427 e seguintes.