Artigos de Autores Convidados, Anais de Congressos, Resenhas

Regime Fiscal das Reorganizações Internacionais e no Âmbito da União Europeia1

Carlo Garbarino

Professor de Direito Tributário da Universidade Bocconi, de Milão.

Resumo

O presente artigo faz uma análise das reorganizações societárias transacionais, tanto levadas a cabo no âmbito da União Europeia como internacional, a partir de sua classificação e regulação pela Diretiva 2009/133/CE, chamada de “Diretiva sobre Reorganizações”, cujo objetivo principal é assegurar a neutralidade fiscal das reorganizações societárias ocorridas no âmbito europeu. Primeiramente procede-se a uma classificação geral a partir do objeto das reorganizações e do tipo de caráter transfronteiriço (europeu ou internacional). Analisam-se as reorganizações pela perspectiva do fluxo dos bens e investimentos nelas envolvidos, bem como se distinguem aquelas ocorridas no âmbito europeu, daquelas “externas”. Após uma aproximação geral das reorganizações europeias sob diversas perspectivas, são dissecadas e diferenciadas as reorganizações que tenham por objeto: bens de primeiro grau, bens de segundo grau e sujeitos (pessoas jurídicas).

Palavras-chave: reorganizações, neutralidade fiscal, União Europeia, Diretiva sobre Reorganizações.

Abstract

This article analyses corporate reorganizations, both executed in the realm of the European Union and international ones, grounded on its classification and regulation by Directive 2009/133/CE, the so called “Reorganization Directive”, which main scope is to ensure the fiscal neutrality of corporate reorganizations within the European Union. First it proceeds to a general classification based on its objects and its transnational features (intraeuropean and international). The reorganizations of corporations are analyzed under the perspective of the capital and investment flow (inbound and outbound) and they are differentiated whether they take place in the realm of the European Union or beyond it as well. After a general approach of the European reorganizations under different perspectives, three classes of them are differentiated and separately analyzed according to its objects: first grade assets, second grade assets and subjects (legal entities).

Keywords: reorganizations, fiscal neutrality, European Union, Reorganizations Directive.

1. Reorganizações Societárias: um Quadro Geral e Sistemático

1.a. Reorganizações relativas a bens de primeiro grau, bens de segundo grau ou a sujeitos

A expressão reorganizações designa um conjunto de operações de que são parte sujeitos diversos, fazendo ou não parte do mesmo grupo, e que têm por objeto bens de primeiro grau (os ativos patrimoniais e, particularmente, os estabelecimentos empresariais e os ativos que os integram), bens de segundo grau (participações societárias, que incluem quotas sociais ou ações) ou mesmo sujeitos (sujeitos ao imposto sobre as sociedades ou mesmo pessoas físicas empreendedoras).

Constituem reorganizações relativas a bens de primeiro grau as cessões de ativos e a conferência de atividades e estabelecimentos empresariais ou elementos de empresa. Constituem reorganizações relativas a bens de segundo grau as cessões de participações e a troca de participações (as quais assumem a forma de permuta de participações ou de conferência de participações). Por fim, constituem reorganizações relativas a sujeitos as fusões, as cisões, as transformações e as liquidações.

Em meio às operações relativas a bens (de primeiro ou de segundo grau), estão compreendidos os atos de gestão, que, a depender do caso, podem gerar ou não ganho de capital tributável, enquanto as operações relativas a sujeitos estão entre aqueles atos de reorganização de empresas e, portanto, não geram, por si só, renda tributável, já que tais operações não se dirigem a modificar o valor fiscal dos bens e dos outros fatores que influenciam a determinação da renda.

Disso decorre que o tratamento tributário das reorganizações relacionadas a sujeitos é predominantemente marcado pelo princípio da neutralidade fiscal das reorganizações, de modo que dois aspectos são cruciais:

a) a situação prévia à reorganização é tendencialmente igual àquela posterior à reorganização no que concerne à tributação da renda produzida pelo exercício da empresa;

b) a mais-valia latente está sujeita a diversas formas de “continuidade fiscal dos valores reconhecidos para fins fiscais” (continuità fiscale dei valori fiscalmente riconosciuti).

Essas operações constituem também um fato extraordinário, e por isso são comumente percebidas também como operações extraordinárias, exatamente para evidenciar sua particularidade e excepcionalidade em relação às operações societárias comuns.

As reorganizações podem apresentar “elementos de estraneidade” (elementi di estraneità - seja em relação aos bens de primeiro ou segundo grau objeto da reorganização, seja em relação aos sujeitos da reorganização) no que diz respeito ao ordenamento tributário de um estado-membro, de modo que, de acordo com o tipo do elemento de estraneidade em relação ao um estado-membro (e, portanto, de conexão com outros estados-membros da União Europeia ou até membros externos à União), elas podem se distinguir em: (1) organizações domésticas; (2) reorganizações no âmbito da União Europeia; (3) reorganizações internacionais.

1.b. Reorganizações domésticas e transnacionais (no âmbito da UE e internacionais)

As reorganizações domésticas são aquelas que não apresentam elementos de estraneidade em relação a um estado-membro (e, portanto, não possuem elemento de conexão com outros Estados da União Europeia ou externos a ela). Tais reorganizações (relativas a bens de primeiro ou segundo grau, ou a sujeitos) são objeto de normas internas de um só estado-membro.

As reorganizações no âmbito da União Europeia são aquelas que apresentam elementos de estraneidade em relação a um estado-membro, de acordo com a Diretiva 2009/133/CE e com normas internas de recepção (e, portanto, possuem elementos de conexão com outros estados da União Europeia de acordo com a Diretiva 2009/133/CE e normas internas de recepção). As reorganizações europeias são objeto da Diretiva 2009/133/CE, concernente ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, conferência de ativos e permutas acionárias de sociedades de estados-membros diversos aceitas nos estados-membros.

As reorganizações internacionais são aquelas que apresentam elementos de estraneidade em relação a um estado-membro diversos daqueles previstos pela Diretiva 2009/133/CE e normas internas de recepção (e, portanto, possuem elementos de conexão com estados externos à União Europeia ou com outros estados-membros da UE, mas sendo esses elementos diversos daqueles previstos pela Diretiva 2009/133/CE e normas de recepção). As reorganizações internacionais (relacionadas a bens de primeiro ou segundo grau, ou a sujeitos) são objeto não só de normas internas de um estado-membro que se aplicam às reorganizações domésticas, mas também de normas internas de estados em relação aos quais se fazem presentes elementos de conexão.

As reorganizações se distinguem, pois, de acordo com o seu objeto. As reorganizações europeias podem ter por objeto bens de primeiro grau (os ativos patrimoniais e, especialmente, os estabelecimentos e elementos de empresa), bens de segundo grau (participações societárias) ou, ainda, sujeitos societários “qualificados”.

Constituem reorganizações europeias relativas a bens de primeiro grau a conferência de bens e ativos empresariais disciplinados pela Diretiva 2009/133/CE e pelas normas internas de recepção. Constituem reorganizações europeias relativas a bens de segundo grau as cessões de participações (não disciplinadas pela Diretiva 2009/133/CE) e as permutas de participações (as quais assumem a forma, seja de troca de participações, seja de conferência de participações) disciplinadas pela Diretiva 2009/133/CE e pelas normas internas de recepção. Por fim, constituem reorganizações europeias relativas a sujeitos as fusões e cisões disciplinadas pela Diretiva 2009/133/CE e pelas normas internas de recepção.

As reorganizações internacionais podem ter por objeto bens de primeiro grau (elementos do ativo patrimonial e, especialmente, estabelecimentos e elementos de empresa), bens de segundo grau (participações societárias), ou ainda sujeitos societários “qualificados”. Constituem reorganizações internacionais relativas a bens de primeiro grau as cessões de estabelecimentos e a conferência de estabelecimentos e elementos de empresa disciplinadas pelas normas de um estado-membro e de outros estados com os quais o fato tributável apresente elementos de conexão, sejam relativos a sujeitos (que dão causa ou que tem como causa), sejam relativos a bens de primeiro grau objeto de transferência, mas não disciplinados pela Diretiva 200/133/CE e pelas normas internas de recepção.

Constituem reorganizações internacionais relativas a bens de segundo grau as cessões de participações e as trocas de participações (as quais assumem alternativamente a forma de permuta de participações societárias ou de conferência de participações) disciplinadas pelas normas de um estado-membro e de outros estados com os quais o fato tributável apresente elementos de conexão, sejam relativos a sujeitos, sejam relativos a bens de segundo grau objeto de transferência, mas não disciplinados pela Diretiva 2009/133/CE e pelas normas internas de recepção.

Por fim, constituem reorganizações internacionais relativas a sujeitos as fusões e cisões disciplinadas pelas normas de um estado-membro e de outros estados com os quais o fato tributável tenha elementos de conexão, relativos aos bens de primeiro ou segundo grau envolvidos na operação, mas não disciplinados pela Diretiva 2009/133/CE e pelas normas internas de recepção.

2. Tipologia das Reorganizações Transnacionais

As reorganizações no âmbito da União Europeia e internacionais pertencem à categoria mais ampla das reorganizações transnacionais, isto é, as reorganizações que apresentam elementos de estraneidade relativos a um estado-membro (e, portanto, apresentam vínculos com outros estados da União Europeia ou externos a ela). No âmbito da Diretiva das Reorganizações o sujeito que transfere ativos é denominado “sociedade conferente” (società conferente), enquanto o sujeito que recebe é denominado “sociedade beneficiária” (società beneficiaria).

Em todas essas reorganizações transnacionais há um sujeito cedente (soggetodante causa) e um sujeito cessionário (soggetto avente causa) e, em diversos modos, comparando-se a situação anterior à reorganização (momento t1) com aquela que a sucede (momento t2), se individualizam uma “organização originária” (momento t1) e uma “organização derivada” (momento t2), vinculada a eventuais modificações da “organização originária” (em tal momento t2).

A principal (mas não única) característica transnacional das reorganizações transnacionais é que a “organização originária” é residente de um estado diverso daquela em que se situa a “organização derivada”, ou ainda que os bens objeto da reorganização estão localizados em um estado diverso daquele de residência dos sujeitos.

Elas se podem distinguir da seguinte maneira:

a) a “reorganização originária” seja residente do Estado A e a “organização derivada” seja residente de outro estado, assim chamada “reorganização de saída” (riorganizzazione in uscita);

b) a “organização originária” seja residente do Estado A (e a “organização derivada” seja residente de outro estado), assim chamada “reorganização de ingresso” (riorganizzazione in entrata);

c) seja a “organização originária” ou a “organização derivada” residente de um estado diverso do Estado A, que seja potencialmente interessado em tributar a reorganização, assim chamada reorganização “externa” (riorganizzazione externe);

d) seja a “organização originária” ou a “organização derivada” residente do estado A, mas os bens (de primeiro ou segundo grau) objeto da reorganização estejam localizados no exterior ou afetados a uma sociedade estrangeira, assim chamada “reorganização doméstica com ativos no exterior” (riorganizzazione domestica concespitiesteri).

2.a. Reorganização “de saída”

Ocorre uma reorganização “de saída” quando, na situação seguinte à reorganização, os bens (de primeiro ou segundo grau) da “organização originária”, residente no Estado A, tornam-se integrantes de uma “organização derivada”, não residente desse Estado A.

Concretamente:

a) a organização originária (residente no Estado A) é a sociedade fundida ou incorporada, cindida, conferente ou cedente;

b) a organização derivada (não residente no Estado A) é a sociedade incorporadora ou resultante da fusão, beneficiária (na cisão), investida na conferência de bens ou beneficiária (na troca de participações e na cessão de estabelecimentos ou atividades).

É evidente que em tais hipóteses ocorre uma transferência de bens a um sujeito não residente do Estado A, implicando que:

a) se os bens permanecem no Estado A (normalmente sob a forma de um estabelecimento permanente) após a reorganização, o Estado A permanece titular da potestade tributária territorial (como estado da fonte) sobre tais bens;

b) se os bens não permanecem no Estado A (isto é, são transferidos ou permanecem no exterior) após a reorganização, o Estado A não será mais titular de qualquer potestade tributária, nem como estado da fonte nem como estado da residência.

2.b. Reorganizações “de ingresso”

Ocorre uma reorganização “de ingresso” quando, na situação seguinte à reorganização, os bens (de primeiro ou segundo grau) da “organização originária” (não residente do Estado A) tornam-se afetados a uma “organização derivada” (residente do Estado A). Concretamente:

a) a organização originária (não residente do Estado A) é a sociedade fundida ou incorporada, cindida, conferente ou cedente de ativos;

b) a organização derivada (residente do Estado A) é uma sociedade incorporadora ou resultante de uma fusão, beneficiária (em uma cisão), investida (numa conferência de ativos ao capital social) ou cessionária (na troca de participações ou na cessão de estabelecimentos ou atividades).

Em tais hipóteses, ocorre a transferência de bens a um sujeito residente do Estado A, com a consequência de que, independentemente da localização dos bens a partir da reorganização (os bens podem permanecer no Estado A como ativos operacionais ou estarem no exterior como estabelecimento permanente da “organização derivada” residente do Estado A), o Estado A se torna o novo titular da potestade tributária universal (como Estado da residência) sobre tais bens, que estarão, portanto, sujeitos ao regime fiscal dos ativos de empresa do Estado A.

2.c. Reorganização “externa”

Ocorre uma organização “externa” quando, na situação seguinte à reorganização, os bens (de primeiro e segundo grau) da “organização originária” (não residente do Estado A) tornam-se afetados a uma “organização derivada” (não residente do Estado A) e, portanto, possuem uma conexão com o Estado A, sobretudo se estão ali situados (prevalentemente sob a forma de um estabelecimento permanente).

Em tais hipóteses, a transferência de bens ocorre de um sujeito não residente do Estado A para um outro sujeito não residente do Estado A, implicando que, se os bens permanecerem no Estado A ou forem para lá transferidos (normalmente sob a forma de um estabelecimento permanente) após a reorganização, esse Estado A permanece (se os bens antes da reorganização já estivessem situados no Estado A) ou torna-se (se os bens forem transferidos ao Estado A após a reorganização) titular da competência tributária territorial (como estado da fonte) sobre tais bens.

Uma posterior consequência é que se os bens não estiverem no Estado A após a reorganização (isto é, forem transferidos ao exterior ou lá permanecerem), o Estado A não será titular de potestade tributária alguma, nem como estado da fonte, nem como estado da residência.

As normas internas e as normas de recepção da Diretiva 2009/133/CE, como se verá a diante, abarcam as questões de competência tributária de estados-membros com relação a reorganizações de saída, de ingresso e externas, nos diversos casos de operações com ativos (de primeiro e segundo grau) e de operações com sujeitos (fusões e cisões).

2.d. Reorganizações “domésticas com ativos no exterior”

Nas reorganizações “domésticas com ativos no exterior”, tanto a “organização originária” com a “organização derivada” são residentes do Estado A, mas os bens (de primeiro e segundo grau), objeto da reorganização estão localizados no exterior. Tais reorganizações podem ser, por sua vez, “de saída” ou “de ingresso” em relação a um estado-membro, a depender de, após a operação, os bens sujeitarem-se à potestade tributária desse estado-membro ou dela escaparem.

Naturalmente há as “reorganizações domésticas com ativos no exterior” em que os bens permanecem no exterior. Em todas as hipóteses cogitadas, o Estado A permanece titular de uma potestade tributária universal (como estado da residência) sobre os bens, que estarão, portanto, sujeitos ao regime fiscal dos ativos empresariais do respectivo estado-membro.

3. As Reorganizações Europeias em Geral

3.a. Evolução da Diretiva sobre Reorganizações

A Diretiva 2009/133/CE, de 19 de outubro de 2009 (Diretiva sobre Reorganizações), prevê a não incidência de impostos sobre os atos das operações, garantindo, consequentemente, uma integração cada vez maior em direção a um mercado único entre os Estados da União Europeia, sempre tutelando os interesses dos Estados a quem pertencem as sociedades conferentes ou adquiridas e, negando, no entanto, qualquer benefício em casos em que o objetivo da operação sejam a fraude ou evasão fiscais.

Referida Diretiva sobre Reorganizações constitui um dos principais instrumentos para eliminar os principais obstáculos tributários ao reagrupamento de sociedades residentes dos diversos estados-membros. Os problemas relacionados às operações de reorganização se manifestaram primeiramente no seio da Comissão Europeia, no projeto da Diretiva de 1969, em meio a um documento do Conselho e, finalmente, se aprofundou na Diretiva 90/434/CEE, sucessivamente modificada pela Diretiva 19/2005/CE e consolidada pela Diretiva 2009/133/CE.

O objetivo da Diretiva sobre Reorganizações, como salientado nos “considerando” dela própria, é definir um regime fiscal neutro comum aos estados-membros relativo às operações de fusão, cisão, cisão parcial, conferência de bens, permuta de ações e transferência de sede das sociedades europeias (SE) ou das sociedades cooperativas europeias (SCE), visando garantir o bom funcionamento do mercado único, além de assegurar a paridade de tratamento entre as operações intracomunitárias e aquelas domésticas, permitir uma avaliação homogênea do regime fiscal aplicável ao ganho de capital, ao reconhecimento de perdas pregressas e a todas as situações relevantes fiscalmente na realização dessas operações.

Ao regime previsto na Diretiva sobre Reorganizações corresponde uma disciplina societária comum entre os estados-membros, exceto da fusão transfronteiriça, objeto da proposta da X Diretiva do Conselho, proposta em 14 de janeiro de 1985 e tornada definitiva com a Diretiva 56/2005/CE, de 26 de outubro de 2005.

A Diretiva sobre Reorganizações é composta por 19 artigos divididos em 7 capítulos, mais um anexo que elenca as formas jurídicas de sociedades às quais se aplica a Diretiva, tal qual definidas essas formas no Direito nacional de cada estado-membro. A estrutura da Diretiva sobre Reorganizações, em síntese, a seguinte:

- Capítulo I - arts. 1 a 3: contém normas de caráter geral, tais quais as definições de fusão, cisão, cisão parcial, conferência de bens, permuta de ações, transferência de sede social, sociedade beneficiária, sociedade adquirida, sociedade adquirente e ramo de atividade.

- Capítulo II - arts. 4 a 8: contém as regras aplicáveis a fusões, cisões, cisões parciais e permutas de ações, enquanto o art. 9 inclui as regras aplicáveis à conferência de ativos.

- Capítulo III - art. 10: disciplina a conferência ou transferência de um estabelecimento permanente.

- Capítulo IV - art. 11: disciplina o caso particular das sociedades transparentes.

- Capítulo V - arts. 12 a 14: disciplinam a transferência da sede social de uma sociedade europeia ou uma sociedade cooperativa europeia.

- Capítulo VI - arts. 15 a 19: trazem as disposições finais e transitórias, inclusive as normas antiabuso.

Antes da consolidação da Diretiva sobre Reorganizações, fora emanada a Diretiva 2005/19/CE, de 17 de fevereiro de 2005, que ampliava o âmbito subjetivo da Diretiva 90/434/CEE e modificava inúmeras partes dessa. Em particular, a Diretiva 2005/19/CE modificou os sujeitos e passou a compreender uma nova tipologia, como a sociedade europeia e a cooperativa europeia, que puderam ser constituídas a partir de 2004 e 2006, respectivamente, por permitir às empresas que operassem em mais de um estado-membro, constituírem-se como uma única entidade, de acordo com as leis comunitárias, bem como sujeitos de direito específicos, como sociedades sem capital dividido em ações, cooperativas, caixas econômicas, sociedades de crédito, fundos e associações que exercessem atividades comerciais.

Além disso, a Diretiva 2005/19/CE continha um novo regime de neutralidade fiscal, para os casos de cisões parciais e de transferência da sede matriz de uma sociedade europeia ou de uma cooperativa europeia de um estado-membro para outro, bem como os casos de transformações de sucursais em filiais. A Diretiva 2005/19/CE ainda previa novas regras para impedir a dupla tributação resultante de diversas avaliações de ações e dos ativos objeto de fusões e cisões transfronteiriças. Essas disposições foram transfundidas para a Diretiva 2009/133/CE.

3.b. Sujeitos

Os requisitos substanciais que as sociedades devem possuir para serem consideradas “sociedades de um estado-membro” são indicadas pelo art. 3, letras “a”, “b” e “c”. São eles: a forma societária contida no Anexo da Diretiva sobre Reorganizações; o domicílio fiscal em um estado-membro; a sujeição, no estado de domicílio, de um dos impostos indicados no art. 3, “c”. No âmbito da Diretiva sobre Reorganizações, o sujeito cedente é denominado “sociedade conferente” (ou conferente), enquanto o sujeito cessionário é denominado “sociedade beneficiária” (ou beneficiária).

3.c. Operações disciplinadas

As operações vêm definidas individualmente pela Diretiva sobre Reorganizações, que especifica as características de cada uma, enquanto nenhum requisito, em si, é exigido dos sócios das sociedades, que podem ser, por sua vez, sociedades ou pessoas físicas, residentes do mesmo estado de uma das sociedades participantes da operação, em um estado diverso ou em um terceiro estado não integrante da União Europeia. No âmbito da Diretiva sobre Reorganizações, o sujeito cedente é denominado “sociedade conferente” (ou conferente) e o sujeito cessionário é denominado “sociedade beneficiária” (ou beneficiária).

O art. 2, “a”, por sua vez, identifica três tipos de fusão:

- Por transferência da totalidade do patrimônio de uma ou mais sociedades a uma outra sociedade preexistente;

- Pela transferência da totalidade do patrimônio de uma ou mais sociedades a uma outra sociedade constituída para isso;

- Pela transferência da totalidade do patrimônio de uma sociedade a uma outra sociedade, integralmente controladora da primeira.

Já o art. 2, “b”, define as cisões como operações de transferência do ativo e passivo a duas ou mais sociedades preexistentes ou concomitantemente constituídas de parte de uma sociedade que se extingue.

Por força do art. 2, “c”, entra no âmbito de aplicação da Diretiva sobre Reorganizações também a cisão parcial, que é definida como a operação mediante a qual uma sociedade transfere, sem ser encerrada, mantendo ao menos um ramo de atividade, um ou mais ramos de atividade a uma ou mais sociedades preexistentes (cisão parcial por incorporação) ou novas (cisão parcial mediante constituição de uma nova sociedade), por meio da atribuição aos próprios sócios, de forma proporcional, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da conferência de ativos e, eventualmente, de um saldo positivo, desde que não exceda 10% do valor dos títulos.

O art. 2, “d”, define a conferência de ativos como as operações de aporte da totalidade ou de alguns ramos da atividade empresarial a uma outra sociedade, sem que a sociedade conferente se extinga, mediante a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária.

O art. 2, “e”, define a permuta de ações como a operação mediante a qual uma sociedade adquire uma participação no capital social de outra sociedade e cujo efeito seja a assunção de uma posição majoritária dos direitos de voto dessa sociedade, ou, caso já disponha dessa posição de controle, adquire uma posterior participação, em troca da atribuição aos sócios dessa última, em troca dos seus títulos, de títulos representativos do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de um saldo que não ultrapasse 10% do valor nominal desses títulos ou, na falta desse valor, da equivalência contábil dos títulos atribuídos em troca.

Por fim, o art. 2, “k”, define a transferência da sede social como uma operação mediante a qual uma sociedade europeia, ou uma sociedade cooperativa europeia, transfere sua sede social de um estado-membro a um outro estado-membro, sem ser dissolvida nem criar uma nova pessoa jurídica.

Visando à aplicação da Diretiva sobre Reorganizações, é essencial que as operações sejam efetuadas no âmbito da União Europeia e apresentem o caráter da transnacionalidade, vale dizer, que envolvam sociedades de dois ou mais estados-membros. Esse último pressuposto compreende que, na fusão, a sociedade resultante e pelo menos uma das sociedades incorporadas residam em estados-membros distintos; o mesmo vale para na cisão, para a sociedade cindida e para ao menos uma das beneficiárias; na conferência de ativos pela sociedade conferente e a beneficiária e na permuta de ações pela sociedade adquirente e adquirida.

3.d. Princípios fundamentais

A Diretiva sobre Reorganizações estabelece os princípios fundamentais em matéria de tratamento fiscal das reorganizações no âmbito europeu. Esses podem ser sintetizados como segue. A combinação do disposto nos arts. 4 a 8 e no art. 9 estabelece uma série de critérios comuns aplicáveis a todas as hipóteses de reorganizações europeias. De fato, os arts. 4 a 8 são relativos a fusões, cisões e permuta de participações, enquanto o art. 9 regula a conferência de ativos.

O art. 4 institui o princípio da neutralidade fiscal, conjugando tal princípio com o princípio subsidiário da continuidade dos valores fiscais, isto é, a não sujeição, para fins fiscais, aos impostos direitos, de eventuais mais-valias decorrentes da diferença entre o valor contábil do patrimônio líquido da sociedade objeto de reorganização e o relativo valor fiscal, pelo qual a sociedade beneficiária calcule as novas amortizações e mais-valias ou menos-valias inerentes aos elementos do ativo e do passivo, sob as mesmas condições nas quais seriam calculadas pela sociedade conferente. O art. 4 estende tal regime aos sócios da sociedade conferente nos casos em que essa seja fiscalmente transparente, com base na legislação do estado da residência. A neutralidade se aplica sob a condição de que o sócio não atribua à soma dos títulos recebidos e daqueles detidos da sociedade conferente um valor fiscal superior ao valor que os títulos detidos na sociedade conferente teriam imediatamente antes da cisão parcial.

O art. 5 estabelece o princípio da continuidade das reservas com desoneração de impostos, dispondo a não tributabilidade das provisões e das reservas regularmente constituídas em favor da sociedade conferente e que sejam recuperáveis sem que se realize qualquer rendimento tributável por parte da sociedade beneficiária, salvo aqueles provenientes de estabelecimentos permanentes no exterior. O art. 6 estabelece o análogo princípio do reconhecimento das perdas, prescrevendo que, sempre que os estados-membros aplicarem disposições que permitam o reconhecimento de perdas em caso de operações entre sujeitos nacionais, tais disposições devem ser iguais em relação à sociedade beneficiária, que poderá assim recuperar as perdas da sociedade conferente.

O art. 7 e o art. 8 contêm princípios relativos à irrelevância fiscal de saldos positivos ou negativos, especificamente aplicáveis a fusões, cisões e permuta de participações (para os quais não opera essa extensão à conferência de ativos, por força do art. 9). O art. 7, por outro lado, dispõe para as operações de fusão, cisão e permuta de ações a não imponibilidade dos ganhos de capital derivados da anulação da participação da sociedade beneficária na sociedade conferente, cujos saldos de fusões ou cisões, exceto no caso de a participação ser inferior ou igual a 25%. Os estados-membros têm a faculdade de derrogar o parágrafo 1, em caso de a participação detida pela sociedade beneficiária no capital da sociedade conferente ser inferior a 15%. A partir de 1º de janeiro de 2009, o percentual de participação mínima é de 10%.

O art. 8 prevê que as novas ações da sociedade beneficiária nas fusões, cisões (totais ou parciais) e permutas de participações atribuídas ao sócio não são tributáveis, salvo em caso de não ser atribuído a elas um valor superior àquele valor fiscal que os títulos permutados tivessem antes da operação. O art. 8 contém também disposições particulares que se aplicam ao caso de um estado-membro considerar um sócio transparente para fins fiscais. Por outro lado, os estados-membros podem tributar o ganho resultante da sucessiva cessão dos títulos recebidos, do mesmo modo que o ganho resultante da cessão dos títulos existentes antes da aquisição.

O art. 9 remete aos arts. 4, 5 e 6, em relação à conferência de ativos, fazendo aplicáveis a tais hipóteses os princípios prescritos de modo geral para as fusões, cisões e permutas de participações. O art. 10 trata do caso particular de conferência de um estabelecimento permanente, em caso de fusões, cisões e conferência de ativos.

O art. 11 disciplina as hipóteses de sociedades transparentes, isto é, aquelas sociedades que, sendo qualificadas como sociedades de capital no estado da residência, são qualificadas como sociedades de pessoas (e, portanto, fiscalmente transparentes) no estado da residência dos sócios. Tal alteração é resultado da ampliação da categoria de sujeitos incluídos no anexo da Diretiva. Isso implica, portanto, que para fins de remoção dos obstáculos fiscais à realização de um mercado comum, a neutralidade de um fenômeno reorganizador deve ser garantida, seja pelo estado da residência da sociedade, seja pelo estado da residência dos sócios, caso esse último considere a sociedade não residente como transparente para fins fiscais. Os arts. 12 e 13 trazem normas aplicáveis à transferência da sede social de uma sociedade europeia.

Outras disposições, por fim, limitam os efeitos daquelas precedentes; por exemplo, é exigido que os elementos patrimoniais avaliados para determinação do ganho de capital (art. 5) sejam atribuídos a um estabelecimento permanente da sociedade beneficiária situada no estado da sociedade conferente, ou que as amortizações sejam calculadas com os mesmos critérios que teriam sido utilizados na ausência da operação (art. 4). Com base no art. 15, um estado-membro pode se recusar a aplicar no todo ou em parte as disposições dos arts. 4 a 14 ou a revogar o benefício, no caso de uma das operações ter como objetivo principal a elisão ou a evasão fiscal; o fato de a operação não ser praticada por razões econômicas válidas, tal como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades participantes da operação, pode constituir uma presunção de que essa última tenha como objetivo principal, ou como um dos objetivos principais, a elisão ou a evasão fiscal.

4. Operações Transnacionais sobre Bens de Primeiro Grau

4.a. Cessão de estabelecimentos europeias e internacionais

A cessão de atividades ou de estabelecimentos de empresa não é incluída nas operações disciplinadas pela Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, ainda que se dê no âmbito da União Europeia, está sujeita às normas internas e comunitárias. O art. 13 (2) da Convenção Modelo da OCDE dispõe que os ganhos decorrentes da alienação de bens móveis integrantes de estabelecimentos permanentes que uma empresa de um estado-contratante tenha em outro estado-contratante (ou ainda, os bens móveis pertencentes a uma base fixa até 2000), do qual um residente de um estado-contratante dispõe no outro estado-contratante para o exercício de uma profissão autônoma, compreendidos os ganhos derivados da alienação do próprio estabelecimento permanente (isoladamente, juntamente com toda a empresa ou apenas de tal base física), são imponíveis pelo outro estado.

O parágrafo 2 trata dos bens móveis que constituam parte dos bens comerciais de uma atividade contínua de uma empresa (ou pertençam a uma base fixa, utilizada para efetuarem-se prestações pessoais de trabalho autônomo). O parágrafo esclarece que as normas relativas a isso se aplicam quando sejam alienados os bens móveis de uma atividade contínua (ou de uma base fixa) e também quando forem alienadas atividades contínuas (isoladamente, juntamente com toda a empresa e sua base fixa) enquanto tais.

4.b. Conferência de estabelecimentos empresariais no âmbito da União Europeia

Característica típica da conferência de ativos é que a sociedade conferente não é dissolvida após a operação. Por não ser mais titular do estabelecimento empresarial cedido, tal sociedade recebe em troca ações ou quotas da sociedade beneficiária. Também no caso de todo o patrimônio ser conferido, como previsto pela Diretiva, a sociedade não se dissolve, senão transforma-se em uma holding. Esse aspecto distingue a operação de cisão da conferência de ativos. De fato, na conferência, a ações da sociedade beneficiária são atribuídas à sociedade conferente; na cisão, contudo, são atribuídas aos sócios da sociedade cindida, que se dissolve em caso de cisão total.

Com base no art. 2, número 1, “d”, da Diretiva, a conferência de ativos é “a operação mediante a qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, a totalidade ou um ou mais ramos de sua atividade a uma outra sociedade, mediante a entrega de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da conferência”. O art. 2, número 1, “e”, da Diretiva, define como “sociedade conferente” a “sociedade que transfere a totalidade ou um ou mais ramos de sua atividade” e como “sociedade beneficiária” a sociedade que os recebe.

O art. 2, número 1, “j”, da Diretiva, define como “ramo de atividade” “o complexo de elementos ativos e passivos de um setor de uma sociedade que constituam, do ponto de vista organizacional, um estabelecimento independente, isto é, um complexo capaz de funcionar pelos próprios meios”. Para poder sujeitar-se ao regime especial previsto pelas normas comunitárias, a conferência de ativos deve ter por objeto um ramo de atividade assim descrito.

A Corte de Justiça da União Europeia decidiu que a noção de ramo de atividade contida no art. 2, número 1, “j”, e aquela contida no art. 2, número 1, “d”, ambos da Diretiva sobre Reorganizações, são extremamente conexas, pelo que, não se configurando um ramo de atividade, não se configura tampouco uma conferência de ativos, cabendo ao juízo nacional, com base nas circunstâncias do caso concreto, avaliar se estar-se ou não diante de uma hipótese de conferência. Em particular o art. 2, número 1, “d” e “j”, da Diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se trata de conferência de ativos, no sentido da Diretiva, quando uma operação, por exemplo, preveja a manutenção, a cargo da sociedade conferente, do capital de uma prestação consistente contatada por essa última, e a transferência à sociedade beneficiária das relativas obrigações.

Um outro requisito dessas operações a se verificar, ainda que não expresso na Diretiva sobre Reorganizações, é que após a operação se possa vir a constituir um estabelecimento permanente da sociedade beneficiária no estado de residência da sociedade conferente. Após a operação, a sociedade conferente não é mais titular do complexo de bens do estabelecimento empresarial, mas recebe em contrapartida ações ou quotas da sociedade beneficiária. É por isso que a Diretiva sobre Reorganizações exige que a sociedade conferente não se dissolva no ato da conferência, sendo assim expressamente admitidos casos em que seja transferido todo o complexo de estabelecimentos para a empresa beneficiária, restando após, então, uma holding.

O elemento seguinte é o caráter transnacional da operação, isto é, a conferência deve se dar entre “sociedades de dois ou mais estados-membros”, como prescrito pelo art. 1 da Diretiva. Portanto, tanto a sociedade conferente como a sociedade beneficiária, além dos requisitos subjetivos, devem residir em estados-membros diversos.

4.c. Conferência internacional de estabelecimentos

A conferência de estabelecimentos ou ramos de atividade que ocorre entre sujeitos, dos quais ao menos um seja não europeu, não é incluída entre as operações disciplinadas pela Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, é sujeita às normas internas e convencionais. A operação tem elementos de transnacionalidade nos casos em que o conferente dos bens é residente do Estado A e o beneficiário é residente em um estado estrangeiro (conferência de saída), ou quando o conferente dos bens é residente de um estado estrangeiro e o beneficiário é residente do Estado A (conferência de ingresso). Por fim, a conferência de estabelecimento de empresa ou ramo de atividade empresarial tem elementos internacionais no caso em que, por ser residente do Estado A, esteja o sujeito conferente ou beneficiário dos bens situado em um outro estado (conferência da Itália ou para a Itália ou conferência exterior).

5. Operações Transnacionais com Bens de Segundo Grau

5.a. Cessão internacionais de participações

A cessão de participações não é incluída nas operações da Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, mesmo ocorrendo no âmbito da União Europeia estará sujeita a normas internas e convencionais. Havendo convenções, as normas internas que eventualmente adotem como elemento de conexão a residência da sociedade em cuja participação é cedida, são derrogadas pelo princípio da prevalência das normas dos tratados, por força da regra formal instituída pelo art. 13 (4) da Convenção Modelo, que atribui competência tributária exclusiva sobre os ganhos de capital transnacionais ao estado da residência do sujeito preceptor do ganho.

Na presença de um tratado, portanto, todos os ganhos derivados de participações societárias estão fora da competência do estado da fonte, já que, de acordo com as normas convencionais, o estado da fonte carece de jurisdição nas hipóteses previstas no art. 13 (4). Disso decorre que as normas substanciais internas não são aplicáveis aos não residentes em tais casos.

Em face de um tratado, o estado da residência é, portanto, dotado de competência tributária exclusiva sobre todos os ganhos de capital produzidos no exterior e, portanto, não sobra competência ao estado da fonte. Ocorre, no entanto, uma dupla não tributação por via convencional, se o estado da residência abre mão de tributar o ganho no âmbito do regime de participation exemption, enquanto o estado da fonte não tem competência para tributá-lo.

5.b. Permuta de participações no âmbito europeu

A Diretiva sobre Reorganizações qualifica a “permuta de ações” como a “operação mediante a qual uma sociedade adquire uma participação no capital social de outra sociedade, que tem por efeito conferir-lhe o direito à maioria de votos dessa sociedade ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação majoritária, adquire nova participação mediante a atribuição aos sócios da outra sociedade, em troca de seus títulos, de títulos representativos do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de um saldo em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contábil dos títulos atribuídos em troca”.

As características da permuta de ações são, portanto:

- o resultado, porquanto a operação tem como resultado aquele de atribuir (ou consolidar) a uma sociedade (sociedade adquirente) a maioria dos direitos de voto de uma outra sociedade (sociedade adquirida); as letras “g” e “h” do art. 2 da Diretiva sobre Reorganizações, que definem a sociedade adquirida como a sociedade na qual uma outra adquire uma participação mediante a troca de títulos e a sociedade adquirente como a sociedade que adquire uma participação mediante permuta dos títulos;

- o instrumento, porquanto a sociedade adquirente obtém a maioria dos direitos de voto, por meio da aquisição da participação correspondente pelos sócios da sociedade adquirida, mediante a atribuição a esses, em troca da sua participação, de títulos representativos do capital social da sociedade adquirente;

- o limite, porquanto eventual ágio pago pela sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não deve ser superior a 10% do valor nominal dos títulos ou, na falta desse, do seu valor contábil.

Permuta de participações europeia

No caso de permuta de participações, a sociedade adquirente (i) recebe do sócio da sociedade adquirente (sujeito conferente) a posição de controle (ou incrementa uma posição de controle) na sociedade adquirida; e (ii) atribui em troca (isto é, em permuta) aos sócios da sociedade adquirida (sujeito conferente) participações próprias (no sentido de ações representativas do próprio capital dessa mesma adquirida).

Verifica-se, portanto, uma permuta entre sociedade adquirente e sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente), tendo por objeto a posição de controle da sociedade adquirida, de propriedade dos sócios dessa sociedade e as participações próprias da sociedade adquirente. Essa hipótese pressupõe, assim, que a sociedade adquirente detenha em sentido técnico “ações próprias”, que possam ser permutadas com as ações da sociedade adquirida.

Conferência de participações no âmbito europeu

No caso da conferência de participações, a sociedade adquirente (i) recebe do sócio da sociedade adquirida a posição de controle da sociedade adquirida (ou incrementa uma posição de controle); e (ii) emite em contrapartida ao sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente) participações próprias (no caso de ações representativas do próprio capital que não sejam por essa adquiridos). Trata-se de conferência “in natura”.

Na permuta de participações mediante a conferência de ativos, a sociedade beneficiária é sociedade adquirente, na medida em que obtém (ou consolida) o controle da sociedade adquirida em seguida à conferência, por parte do sujeito conferente, da participação (de controle) da sociedade adquirida. Concomitantemente, o sujeito conferente se torna sócio da beneficiária, adquirente de participações na sociedade adquirida.

Tanto na conferência de ativos, como na permuta de participações, a troca deve garantir à sociedade o controle da sociedade adquirida, no sentido de, por exemplo, se aperfeiçoar o controle mediante a aquisição de uma participação que, juntando-se à participação já detida pela sociedade adquirente, permita a essa exercitar o controle da sociedade adquirida (por exemplo, a passagem da detenção de 49 a 50, 1% do capital social).

A Diretiva sobre Reorganizações faz, de fato, expressa referência a uma participação cujo efeito seja o de conferir à sociedade adquirente a maioria dos direitos de voto. Com referência ao conceito de controle, a Diretiva sobre Reorganizações refere-se genericamente à maioria “dos direitos de voto”, sem especificar o tipo de direito de voto, se aqueles exercitáveis em assembleia ordinária ou em assembleia extraordinária.

Na permuta de ações, os sujeitos que realizam a operação são três:

a) a sociedade adquirente, isto é, a sociedade que recebe do sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente) as participações de controle da sociedade adquirida (seja na permuta seja na conferência de participações);

b) a sociedade adquirida, qual seja a sociedade cujas participações são recebidas pela sociedade adquirente e que, portanto, são objeto da permuta ou da conferência;

c) o sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente), ou seja, o sujeito que transfere (confere ou permuta) à sociedade adquirente a própria participação na sociedade adquirida e recebe em troca, da sociedade adquirente, participações nessa última.

Com vista à aplicabilidade do regime europeu, a sociedade adquirente e a sociedade adquirida devem pertencer a dois estados-membros diversos e devem cumprir o requisito subjetivo previsto na Diretiva sobre Reorganizações (forma societária dentre aquelas previstas no anexo, residência fiscal em um estado-membro, sujeição aos elencados impostos sobre a renda de tal estado).

O sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente) pode não pertencer a um estado-membro e pode não preencher o requisito subjetivo previsto pela Diretiva (forma societária dentre aquelas previstas no anexo, residência fiscal em um estado-membro, sujeição aos elencados impostos sobre a renda de tal estado). Disso decorre que o sócio da sociedade adquirida (sujeito conferente) pode residir no mesmo estado-membro de residência da sociedade adquirida, ou em um terceiro estado, não integrante da União Europeia, bem como ser uma pessoa física. De fato, a Diretiva sobre Reorganizações nada dispõe acerca dos requisitos dos sócios do sujeito conferente.

5.c. Permuta internacional de participações

A permuta internacional de participações (tanto sob a forma de permuta como de conferência de ativos), que ocorre entre sujeitos dos quais pelo menos um seja residente de um estado não integrante da União Europeia, não está incluída nas operações disciplinadas pela Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, está sujeita às normas internas e convencionais. Havendo convenção a respeito, se aplicam as normas relativas à cessão de participações.

6. Operações Transnacionais Relacionadas a Sujeitos

6.a. Fusões no âmbito europeu

A definição de fusão fornecida pela Diretiva sobre Reorganizações compreende:

a) a fusão própria, na qual duas ou mais sociedades se fundem em uma terceira sociedade constituída a partir dessa operação;

b) a fusão por incorporação, na qual uma ou mais sociedades são incorporadas por uma outra. A fusão por incorporação, pois, pode ocorrer com permuta ou sem permuta, verificando-se esse último caso quando a sociedade incorporadora detém a integralidade do capital social da incorporada.

A fim de que uma fusão possa entrar no âmbito de aplicação do regime europeu, portanto, é necessário que essa seja relativa a “sociedades de dois ou mais estados-membros”; esse requisito é referido sobretudo às sociedades participantes da fusão, isto é, as sociedades incorporadas ou fundidas e a sociedade incorporante resultante da fusão. Nenhum requisito é, no entanto, exigido em relação aos sócios, os quais podem ser sociedades “qualificadas”, podendo, inclusive, não ter forma societária, tratando-se, por exemplo, de pessoa física ou entidades não empresariais. Além disso, não importa tampouco o estado de residência dos sócios, podendo esses residir também em um terceiro estado, não integrante da União Europeia.

Para fins de aplicação do regime comunitário não é exigido que todas as sociedades participantes da fusão sejam residentes em estados diversos, mas apenas que pelo menos duas sociedades tenham domicílio em estados-membros diversos. A Diretiva sobre Reorganizações é, de fato, focada na diversa residência de sociedades incorporadoras ou resultantes da fusão e sociedades fundidas ou incorporadas, desde que ambos os estados sejam membros da União Europeia (requisito da dualidade).

Diversa é a hipótese na qual alguma (ou mais de uma) das sociedades incorporadas ou fundidas sejam domiciliadas no mesmo estado da incorporadora ou resultante da fusão, sempre que alguma outra (ou mais de uma) das incorporadas ou fundidas sejam domiciliada em um estado distinto. Nessa hipótese, a fusão em si mesma é qualificada como transnacional, na medida em que o requisito da dualidade é considerado mínimo, no sentido em que ao menos uma das sociedades incorporadas ou fundidas deve residir em um estado diverso da incorporadora ou resultante da fusão, pois que de outro modo a fusão seria considerada “doméstica”.

Nas fusões próprias e nas incorporações em que o incorporador não detém a totalidade das ações da incorporada e os sócios da sociedade fundida ou incorporada recebem ações da sociedade incorporadora ou resultante da fusão, em troca das ações da sociedade fundida ou incorporada, que são extintas. A irrelevância dos rendimentos derivados da troca de ações em relação aos sócios é expressamente prescrita pela Diretiva sobre Reorganizações.

Há cinco distintas hipóteses de fusões europeias.

Tanto na primeira como na segunda hipótese (fusões “de saída”), a sociedade incorporada ou fundida é residente no Estado A e a sociedade incorporadora ou resultante da fusão é residente no exterior, mas enquanto na primeira hipótese resulta um estabelecimento permanente no Estado A, da sociedade incorporadora, ou resultante da fusão residente no exterior; na segunda hipótese resulta um estabelecimento permanente no exterior, da sociedade incorporadora ou da fusão residente no exterior.

Seja na terceira, seja na quarta hipótese (fusão “de ingresso”), a sociedade incorporadora ou resultante da fusão é residente do Estado A e a sociedade incorporada ou fundida é residente no exterior, mas enquanto na terceira hipótese resulta a manutenção de um estabelecimento empresarial situado no Estado A (que anteriormente era um estabelecimento permanente no Estado A pertencente à sociedade incorporada ou fundida residente no exterior), na quarta hipótese resulta a criação de um estabelecimento permanente situado no exterior (que anteriormente era um estabelecimento empresarial da sociedade incorporada ou fundida residente no exterior).

Já na quinta hipótese (fusões “externas”), tanto a sociedade incorporadora ou resultante da fusão, como a sociedade incorporada ou fundida, são residentes no exterior, mas, após a fusão, resulta no Estado A um estabelecimento permanente da sociedade incorporadora ou resultante da fusão (preexistente ou constituída no bojo da operação).

Em geral, nessas fusões, o estabelecimento empresarial da sociedade estrangeira que é absorvido se transforma em um estabelecimento permanente e os ativos operacionais daquele estabelecimento farão parte do novo estabelecimento permanente. Todavia, se tais condições não se verificarem, poderá ser tributável a mais-valia por força da saída ao exterior dos ativos.

6.b. Fusões internacionais

As fusões que podem ser definidas como “internacionais” são aquelas que se dão entre sujeitos dentre os quais ao menos um seja não europeu. Essas não são compreendidas nas operações disciplinadas pela Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, são sujeitas a todas as normas internas e convencionais. Nos tratados para evitar a dupla tributação não há normas específicas sobre a matéria.

Os diversos tipos de fusão internacional são, em tudo, similares aos tipos de fusão no âmbito europeu. Essas operações são inspiradas pelo princípio da neutralidade fiscal, mas o estado da fonte pode impor “exit taxes” e, nesse caso, a sociedade incorporada e a incorporadora são residentes em dois estados distintos, dos quais um não é residente da União Europeia.

As hipóteses verificáveis são as seguintes:

- fusões internacionais “de saída”, nas quais a fusão resulta em um estabelecimento permanente situado no Estado A (isto é, o estado da incorporada) e pertencente à incorporadora situada fora da União Europeia;

- fusões internacionais “de ingresso”, nas quais a fusão resulta, a depender do caso, em um estabelecimento permanente situado em um estado não membro da União Europeia (isto é, o estado da incorporada) e pertencente à incorporadora situada no Estado A;

- fusões internacionais “externas”, nas quais a sociedade incorporada e a incorporadora não europeias residem em estados distintos e não integrantes da União Europeia e a fusão resulta, a depender do caso, em um estabelecimento permanente no exterior ou no Estado A.

6.c. Cisões no âmbito da União Europeia

O art. 2, “b”, da Diretiva sobre Reorganizações define a cisão como a operação pela qual uma sociedade transfere, por força e no ato da dissolução sem liquidação, a totalidade do seu próprio patrimônio, ativa e passivamente, a duas ou mais sociedades preexistentes ou constituídas para tanto, mediante a atribuição aos próprios sócios, de forma proporcional, de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da conferência de ativos e, eventualmente, de um saldo de até 10% do seu valor nominal ou, na falta desse valor, do valor contábil de tais títulos.

O art. 2, “c”, da Diretiva define a cisão como a operação por meio da qual uma sociedade transfere, sem ser dissolvida, mantendo ao menos um ramo de atividade, um ou mais ramos de atividade a uma ou mais sociedades preexistentes ou novas, mediante a atribuição, aos próprios sócios, de forma proporcional, de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da conferência de ativos e, eventualmente, de um saldo não superior a 10% do seu valor nominal ou, na falta desse, do valor contábil desses títulos.

Há cinco distintas hipóteses de cisões no âmbito da União Europeia.

Tanto na primeira como na segunda hipótese (cisão europeia “de saída”), a sociedade beneficiária é residente no exterior, mas entre a primeira e a segunda hipóteses resulta um estabelecimento permanente no Estado A, da sociedade residente no exterior, a segunda hipótese resulta em um estabelecimento no exterior da sociedade beneficiária e residente no exterior.

Tanto na terceira como na quarta hipótese (cisão europeia “de entrada”), a sociedade beneficiária é residente no Estado A e a sociedade cindida é residente no exterior. Mas enquanto a terceira hipótese resulta na manutenção de um estabelecimento situado no Estado A (que anteriormente era um estabelecimento permanente no Estado A da sociedade cindida residente no exterior), a quarta hipótese resulta na criação de um estabelecimento permanente situado no exterior (que anteriormente era um estabelecimento de um residente no exterior).

Na quinta hipótese, tanto a sociedade beneficiária como a sociedade cindida são residentes no exterior (cisão europeia “externa”), mas após a cisão resulta no Estado A um estabelecimento permanente da sociedade beneficiária.

Existem ainda algumas simplificações com fins explicativos: em primeiro lugar, se assume que o estabelecimento se transforma em um estabelecimento permanente, em segundo lugar, se presume que todos os ativos fazem parte do estabelecimento de empresa ou do estabelecimento permanente, a depender do caso.

6.d. Cisões internacionais

As cisões que possam ser definidas como internacionais são aquelas que ocorrem entre sujeitos dentre os quais ao menos um seja não europeu. Essas não estão incluídas dentre as operações disciplinadas pela Diretiva sobre Reorganizações e, portanto, estão sujeitas às normas internas ou convencionais.

Há diversos tipos de cisão internacionais, em tudo similares aos tipos de cisão europeia. Essas operações são inspiradas pelo princípio da neutralidade fiscal e, por ele, as sociedades cindida e beneficiária são residentes em dois estados distintos, dos quais um não é europeu. Nos tratados para evitar a dupla tributação não há normas específicas sobre a matéria.

As hipóteses verificáveis são as seguintes:

- cisões internacionais “de saída”, mediante as quais a cisão resulta em um estabelecimento permanente situado no Estado A (isto é, o estado da cindida) e pertencente à beneficiária residente em um estado não pertencente à União Europeia;

- cisões internacionais “de ingresso”, mediante as quais a cisão resulta, a depender do caso, em um estabelecimento permanente situado em um estado não integrante da União Europeia (isto é, o estado da cindida) e pertencente à beneficiária, residente do Estado A;

- cisões internacionais “externas”, por meio das quais a sociedade cindida e a beneficiária externas à União Europeia residem em dois estados diversos, não integrantes da União Europeia, e a cisão resulta, a depender do caso, em um estabelecimento permanente localizado no exterior (ou mesmo no Estado A).

1 Tradução de Paulo Victor Vieira da Rocha. Advogado. Mestre e Doutorando em Direito Tributário na Universidade de São Paulo. Pesquisador Visitante na Universidade de Heidelberg (Alemanha) (Doutorado Sanduíche).