Eireli e o Regime Simplificado de Tributação

Ives Gandra da Silva Martins

Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - Eceme, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia). Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC/Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal). Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP. Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.

Resumo

Trata-se de estudo no qual se constata que as Cooperativas estão incluídas nas exceções do parágrafo 5º do artigo 3º da LC nº 123/2006, sendo que seus associados que se transformarem em Eirelis (lei posterior à LC nº 123/2006) gozarão dos mesmos direitos, por exercerem as mesmas funções de transportadores que exerciam antes de tal transformação podendo, portanto, usufruírem do regime simplificado de tributação.

Palavras-chave: cooperativismo, associado, empresa individual, interpretação.

Abstract

It is a study which notes that cooperatives are included in the exceptions to § 5, Article 3, the LC 123/2006, and their associates who turn into Eirelis (law subsequent to the LC 123/2006) shall enjoy the same rights, for exercising the same functions of carriers who exercised before such processing can therefore take advantage of the simplified system of taxation.

Keywords: cooperativism, associate, individual company, interpretation.

1. Introdução

Analisarei o tema sob a ótica específica das cooperativas de transporte de pessoas e cargas cujos associados, pessoas físicas, criam empresas individuais (Eirelis) compreendendo, assim, o direito que essas cooperativas possuem de manterem o regime simplificado de tributação, por força do parágrafo 5º do artigo 3º da Lei Complementar nº 123/2006.

Para tanto, é importante compreender a atividade da cooperativa, razão pela qual passo a descrevê-la.

Cada cooperado possui o direito de atuar com veículo próprio no serviço prestado à municipalidade. O repasse é feito pela Prefeitura à cooperativa que, por sua vez, repassa aos seus cooperados, excluindo-se o rateio de despesas, os valores recebidos em pecúnia e os valores despendidos com insumos. Atualmente todo ônus tributário é incidido sobre a Pessoa Física do cooperado permissionário, que tem o dever de registrar as pessoas físicas a seu serviço (motorista/cobrador), arcando com o ônus tributário e trabalhista desta relação.

Diante deste quadro de incidência tributária sobre a Pessoa Física do cooperado, ora permissionário, existe uma inviabilidade da atividade, sobretudo pela impossibilidade de cumprimento de deveres ao Fisco e sociais, destacando-se por relevante registro em CTPS de todos seus colaboradores.

Partindo da premissa acima,, as cooperativas passaram a implantar o sistema de Eireli, qual seja, a instituição de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Lei nº 12.441/2012) pelo cooperado, nos termos exatos da lei, com o fulcro de que, este Empresário Individual possa ter enquadramento tributário mais justo, no caso, o enquadramento no sistema de tributação do Simples Nacional (Lei Complementar nº 123/2006 e alterações); eis que tratam-se de motoristas profissionais autônomos, organizados em cooperativa, o que caracteriza de fato o empresário individual. Desta feita, entendeu-se que o Empresário Individual nada mais é que uma pessoa física personificada como pessoa jurídica e não uma sociedade empresária mercantil.

É certo que as Eirelis, ora em análise, possuem em seu objeto social a seguinte atividade: “Transporte rodoviário coletivo de passageiros com itinerário fixo, municipal”, em conformidade com o inciso XIII, parágrafo 5º-B, do artigo 18 da LC nº 123/2006. A própria Receita Federal emitiu no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ o Código e descrição da atividade econômica principal - CNAE o número 49.21-3-01.

Por outro lado, referidos Empresários Individuais estão inscritos na Prefeitura Municipal com o código de serviço 02429, cuja atividade é: “Transporte de pessoas, por qualquer meio, dentro do território do município”, conforme consta do anexo 1, da Instrução Normativa SF/Surem nº 8, de 18 de julho de 2011, que dispõe sobre os códigos de serviço, cálculo, livro, declaração e documentos fiscais do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, e dá outras providências.

Ocorre que há entendimentos contrários (caso do departamento jurídico da OCB - Organização das Cooperativas Brasileiras), entendendo que se Eireli, na qualidade de associada, integralizar capital social na entidade cooperativa, perde o direito de se manter no sistema de tributação no Simples Nacional.

Tal entendimento, além de causar transtornos na entidade de classe, proporciona insegurança jurídica quanto a eventuais fiscalizações da Receita Federal.

A OCB entende, basicamente, que ao se associar à cooperativa, a Eireli estaria impedida de ser enquadrada no Simples, por conta da vedação do artigo 3º, parágrafo 4º, inciso VII, da LC 123/2006, que proíbe que a pessoa jurídica que participe do capital social de outra pessoa jurídica seja beneficiada pelo Simples.

Entretanto, para a análise da referida vedação, é primordial que se considere a natureza jurídica especial da cooperativa que não pode ser confundida com uma pessoa jurídica comum e com fins lucrativos.

Como características próprias das cooperativas temos que nelas o principal é o homem e não o capital, como numa sociedade mercantil. A cooperativa é uma sociedade simples, regida por legislação própria, cujo objetivo é a melhoria da qualidade de vida dos cooperados, ao contrário das sociedades mercantis, que são sociedades de capital, onde o objetivo é o lucro.

A cooperativa, portanto, não possui capital social na acepção pura e simples da palavra, razão pela qual, obviamente não se deve dar a ela - cooperativa - o mesmo tratamento jurídico dispensado às pessoas jurídicas mercantis em geral.

Para a boa análise do tema, centrar-me-ei na interpretação do parágrafo 5º do artigo 3º da Lei Complementar nº 123/2006, cuja redação reproduzo:

“§ 5º O disposto nos incisos IV e VII do § 4º deste artigo não se aplica à participação no capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de subcontratação, no consórcio referido no art. 50 desta Lei Complementar e na sociedade de propósito específico prevista no art. 56 desta Lei Complementar, e em associações assemelhadas, sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte.”

Antes, faz-se necessário, todavia, tecer algumas considerações preliminares sobre determinados temas, quais sejam: o cooperativismo, as Eirelis e a interpretação das normas tributárias. Senão, vejamos.

2. Do Cooperativismo

A primeira consideração a ser feita diz respeito ao cooperativismo.

Presidi, de 1962 a 1964, o diretório metropolitano de São Paulo do Partido Libertador, único partido que, na época, ostensivamente, colocava, em seu ideário, dois temas considerados essenciais para que a democracia fosse aperfeiçoada na sua respeitabilidade política e no seu desenvolvimento econômico, ou seja, o parlamentarismo e o cooperativismo1.

O movimento cooperativista jamais pretendeu alijar de seu perfil a economia de mercado, mas completá-la, com o que forjaram-se três linhas de ação claras para o progresso da Economia, a saber: a da livre empresa, a das cooperativas e a do terceiro setor. A primeira e mais relevante, onde o Estado apenas deve complementar a atuação preferencial do segmento privado empresarial2; a segunda, permitindo que grupos se formem com interesses comuns para viabilizar empreendimentos com custos inferiores3 e a terceira para, com o apoio das desonerações tributárias, fazer na assistência social e educação o que os governos deveriam fazer com os nossos tributos e não o fazem4.

Embora incipiente, o cooperativismo, à época da minha presidência do PL - o mesmo ocorrendo, no início do regime de exceção estabelecido em 1964, quando grandes figuras de economistas conduziram a política econômica do País (Bulhões, Roberto Campos, Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen) -, veio a crescer gradativamente, desembocando na Lei nº 5.764/1971.

E a própria evolução do movimento impactou de tal forma os contribuintes que mereceu tratamento diferencial tanto na ordem econômica como no sistema tributário. Assim é que o artigo 146, III, letra “c”, e o parágrafo 2º do artigo 174 da Carta Maior têm a seguinte dicção:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(...)

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”5

“Art. 174. (...)

§ 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.”6

Como se percebe, buscou, a legislação suprema, impor ao legislador ordinário ou complementar tratamento tributário mais favorável e disciplina econômica permissiva de vantagens e estímulos, para que o cooperativismo crescesse no País.

A partir da Constituição de 1988, a própria Lei nº 5.764/1971 passou a ter uma exegese mais condizente com as sinalizações do texto constitucional.

Na hermenêutica constitucional, é comum que um diploma recepcionado por uma nova determinação constitucional, seja interpretado à luz de maior abrangência, se tal abrangência foi permitida pelo novo texto, adequando-se as disposições à conformação pretendida pelo constituinte. A mesma redação passa a ter uma dimensão mais alargada para adaptar-se ao novo texto, conformando-se, pois, à intenção do constituinte7.

Ora, o movimento cooperativista objetiva permitir que determinados interesses comuns facilitem o desempenho econômico dos que se agregam, seja na produção, seja na oferta de serviços, seja no consumo. Fundaram-se, pois, cooperativas nas mais variadas áreas, neste intento de facilitar o fluir da economia.

Reduzir custos, ofertar eficiência e permitir que profissionais, microempresários, consumidores de renda menor, promovam aquelas atividades que, sem a colaboração comum, dificilmente prosperariam, faz com o que o cooperativismo esteja umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa humana8.

O cooperativismo, na legislação que o conformou, deve ser, pois, visto, como desejam o constituinte e o legislador ordinário, como movimento a ser estimulado, devendo, a legislação que lhe pertine, ser sempre interpretada a favor do cooperado e do ato cooperativo e não contra eles9.

3. Das Eirelis

A segunda consideração preliminar diz respeito às Eirelis.

A Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que o instituiu, é posterior à Lei Complementar nº 123/2006, que conformou o estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte.

A Lei Complementar nº 123 não cuidou de um tipo de empresa constituída de uma só pessoa, pois, à época, as sociedades deveriam ser, no mínimo, de duas pessoas. Vale dizer, na interpretação da LC nº 123/2006, é de se levar em consideração a sua adequação, no que couber, à Lei ordinária nº 12.441/2011. Tanto é assim que a própria Lei nº 12.441/2011, no parágrafo 6º do novo artigo 980-A do Código Civil, declara que:

“§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.” (Destaques meus)

A expressão “no que couber” abre um imenso leque de alternativas “no que não couber” para este tipo de empresa criada, por exigência de realidades econômicas novas, que deveriam ser regulamentadas.

Não que não houvesse empresas individuais no passado. É que a realidade econômica, tributária, previdenciária, trabalhista etc. da atualidade sofreu profundas modificações, inclusive determinada pela importância que se deu ao segmento dos serviços em relação à produção industrial e agropecuária e, finalmente, pela informatização de todas as operações e adaptações às exigências burocráticas, a medida em que se verificou a mudança do tecido social e das relações econômicas10.

Saliento que o legislador ordinário manda aplicar às empresas individuais as regras previstas para as sociedades limitadas, inclusive as da Lei Complementar nº 123 dedicadas ao Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, apenas no que couber.

Quando as exigências forem geradoras de obstáculos ao escopo criado para facilitar a criação de empresas individuais, não cabe a sua aplicação, pois, nitidamente, contrária à “intentio legis”.

Para que foi criado o estatuto civil da empresa individual? Para facilitar o trabalho de inúmeras pessoas físicas que tenham suas atividades tolhidas por não poderem adquirir conformação empresarial. Por outro lado, o objetivo era não tirar destas pessoas físicas, trabalhadoras quase sempre individuais e sem empregados, a sua condição de trabalhador autônomo, mas com estatura de empresa.

Está na linha da norma constante do artigo 179 da CF, assim redigido:

“Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”11

A empresa individual, portanto, é uma empresa “sui generis”, não conformando a forma de uma sociedade igual às demais, mas ganhando o perfil de empresa, por força do novo diploma, para facilitar seu desempenho e desenvolvimento como uma “pessoas física empresarial”. Daí a razão de o parágrafo 6º admitir tratamento diferencial próprio e, apenas no que couber, a aplicação da lei das sociedades por responsabilidade limitada.

Nitidamente, a Eireli foi criada para atribuir a profissionais autônomos a possibilidade de alargar, com facilidades tributárias e de outra natureza, sua atuação, sem restrições que dificultem seu empreendorismo. Não há mudança de perfil entre um profissional autônomo e Eireli na sua atuação, apenas tendo o legislador permitido a nova forma, para que melhor pudesse atuar, com vantagens destinadas a propiciar-lhe um empreendorismo maior12.

Ora, à evidência, não poderia a lei, que objetiva melhorar o perfil jurídico de um profissional autônomo, ser utilizada para prejudicá-lo, atrapalhar o seu empreendimento, onerar a sua atuação e obstaculizar seu desenvolvimento.

Por esta razão, a interpretação da Eireli deve ser feita à luz de que veio para beneficiar e não para prejudicar o empreendedor individual13.

4. Da Hermenêutica Tributária

Uma terceira consideração faz-se necessária.

A lei tributária deve ser interpretada conforme a hermenêutica geral do Direito, mas com as especificidades próprias dos artigos 107 a 112 do CTN. O tratamento dado pela lei civil a institutos deste ramo do Direito não pode ser alterado por força de disposições tributárias, no máximo podendo a lei tributária atribuir-lhes efeitos pertinentes de Direito Tributário (artigos 109 e 110). A integração analógica é admitida para beneficiar o contribuinte, mas não para permitir ao Fisco utilizá-la para obter imposição maior do que a lei autoriza (artigo 108, inciso I e parágrafo 1º). A equidade (artigo 108, inciso IV) beneficia o pagador de tributos, sendo sempre, na dúvida, beneficiado o contribuinte com a interpretação a seu favor, no caso de exigência tida por desconforme (artigo 112)14.

Em outras palavras, o exame das disposições colocadas no segmento dedicado à hermenêutica tributária revela-se um autêntico estatuto de defesa do contribuinte, pois as disposições são voltadas a não permitir excesso de exação, interpretações coniventes ou convenientes a favor do Fisco, mas a estrita obediência da lei, e, na dúvida, sempre a favor do pagador de tributos15.

Mesmo no caso das desonerações - não é o caso do Simples - a interpretação que a doutrina e a jurisprudência vieram a dar ao vocábulo “literal” é de que se deve ler “estrito”, mas nunca meramente gramatical, o mais pobre entre os instrumentos exegéticos conhecidos.

Deve, pois, o intérprete da lei tributária buscar orientar-se pela intenção do legislador, pelo texto da lei, por seu enquadramento no sistema, pela história dos eventos que levaram à elaboração legislativa, pela finalidade do dispositivo e, principalmente, para que a norma produza os efeitos que o legislador pretendeu ao aprová-la, no campo de sua concretude à ordem fática16.

E tal exegese deve ser realizada à luz de que as normas objetivam mais defender o pagador de tributos, que o Poder Público, principalmente nos casos em que a lei é nitidamente conformadora da situação que se pretende incentivar, proteger ou beneficiar. Em outras palavras, a interpretação abrangente nunca pode desconhecer todos os elementos que levou o legislador à elaboração de lei, mesmo que as palavras sejam pobres em exteriorizá-las17.

Desta forma, interpreta-se o Direito Tributário.

5. Do Regime Simplificado de Tributação

Uma quarta consideração faz-se necessária, reproduzindo eu o parágrafo 5º do artigo 3º, uma vez mais:

“§ 5º O disposto nos incisos IV e VII do § 4º deste artigo não se aplica à participação no capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de subcontratação, no consórcio referido no art. 50 desta Lei Complementar e na sociedade de propósito específico prevista no art. 56 desta Lei Complementar, e em associações assemelhadas, sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte.

Passo a dissecá-lo.

O parágrafo 4º declara que:

“§ 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: (...)

VII. que participe do capital de outra pessoa jurídica; (...).”18

Pelo referido dispositivo, não poderá beneficiar-se do regime simplificado de tributação as Eirelis que participem do capital de outra pessoa jurídica.

O parágrafo 5º, todavia, cria inúmeras e abrangentes exceções, permitindo a participação no capital de:

a) cooperativas de crédito;

b) centrais de compras;

c) bolsas de subcontratação;

d) consórcios do artigo 50 da LC nº 123/200619;

e) sociedade de propósito específico prevista no artigo 56 da mesma lei20;

f) associações assemelhadas;

g) sociedades de interesse econômico;

h) sociedades de garantia solidária;

i) outros tipos de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das

1) microempresas

e

2) empresas de pequeno porte.

Como se percebe, todo o elenco de exclusão das diversas hipóteses oferta um elastério de situações definidas ou semelhantes, todas elas com o claro objetivo de fortalecer os interesses das microempresas e as empresa de pequeno porte e, principalmente, sua eficiência.

É de se observar que a lei é anterior à criação das Eirelis e, por esta razão, não pode definir que estas também estariam no campo de exclusão, por preencherem os requisitos estipulados pelo legislador complementar.

Quais são estes requisitos?

“a defesa dos interesses econômicos de microempresas e de empresas de pequeno porte”.

O objetivo dos tipos de empresas nomeados é, exclusivamente

“a defesa dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte”21.

Neste grau, estão as

1) associações assemelhadas;

2) as sociedades de interesse;

3) sociedades de garantia solidária;

4) e outros tipos de sociedades com objetivo social de defesa exclusiva dos interesses das referidas micro e pequenas empresas.

A leitura dos eminentes pareceristas do Sistema OCB, de que, ao citar as cooperativas de crédito, as demais teriam sido excluídas, “data maxima venia”, não se compagina com as numerosas exceções apontadas, nas quais

1) todas as associações assemelhadas;

2) toda as sociedades de interesse econômico;

3) todas as sociedades de garantia solidária;

4) todos os outros tipos de sociedades admitidas.

Desde que para a Defesa Específica dos Interesses Econômicos da Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte estão também citadas.

Que é o movimento cooperativista de produção e serviços, senão um movimento para a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte22?!

Que é uma cooperativa pela definição do artigo 3º da Lei nº 5.764/1971, senão uma Sociedade?! E se é uma sociedade, por que não estaria entre os outros tipos de sociedade, desde que para a defesa dos interesses econômicos da microempresa23?!

E por que se fala em defesa? Porque, de rigor, é a cooperativa de transporte que permite a eficiência do sistema e a defesa dos interesses de cada uma das Eirelis que dela participam24.

Como declarar que, apesar de ser a cooperativa uma sociedade e apesar de estar constituída, em 1º lugar, para a defesa dos interesses econômicos de seus associados, não estaria incluída entre outras sociedades destinadas a defesa dos interesses econômicos de seus associados? Qual é a lógica de opor-se à clareza do texto legal?

Pergunta-se mais. Cooperativas de serviços são ou não assemelhadas a outras cooperativas, inclusive às cooperativas de crédito, no seu objetivo? São ou não assemelhadas aos outros tipos de sociedade enunciados no parágrafo 5º do artigo 3º da LC nº 123/2006?

“Assemelhada” não quer dizer igual, mas parecida. “Associações assemelhadas” são associações que estão integradas na exclusão referida pelo parágrafo 5º, por força do parágrafo 1º do artigo 108 do CTN, inciso I, assim redigido:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia; (...).”25

Terminando estas considerações preliminares, é de se lembrar que as duas soluções de consultas, referidas pelo sistema OCB, não analisam, sequer, a parte mais relevante do parágrafo 5º, que é a razão de ser da exclusão, ou seja, a

“Defesa dos interesses econômicos do microempresário ou das empresas de pequeno porte.”

Em outras palavras, a cooperativa é uma sociedade, mas pelo fato de a OCB considerá-la uma sociedade “sui generis”, nega-lhe o direito de ser assemelhada às sociedades em geral!!! O objetivo de defesa dos interesses econômicos de associados não foi sequer referido e a interpretação de que, “se quisesse, o legislador, referir-se a outras formas de cooperativas o teria feito”, desconhece o elastério das hipóteses para exclusão, a impor a integração analógica a partir da dicção “associações assemelhadas (...)”.

Uma única interpretação que amputa a razão de ser do cooperativismo para hipóteses assemelhadas, fulmina a criação das Eirelis muito depois da LC nº 123/2006, prejudica o microempresário e empresas de pequeno porte e desqualifica a intenção abrangente e clara do legislador, que foi nitidamente a de beneficiar, com a Eireli, o empresário individual. Jamais pretendeu impedi-lo de beneficiar-se, de filiar-se à associação (cooperativa) que tem por objeto a defesa de seus interesses econômicos, de dar-lhe potencialidade, reduzindo-lhe custos e permitindo-lhe melhorar sua “performance”, nítido objetivo tanto do cooperativismo, quanto da criação da Eireli, de acordo com o artigo 179 da CF, a proteger o pequeno empresário26.

Não perceberam, os intérpretes da OCB, que a não participação do microempresário em outras sociedades, sem a característica de defesa do pequeno empresário, objetivava, na LC nº 123/2006, apenas evitar a Fraude, a Multiplicação de Pequenos Empresários Subordinados a um Interesse Maior de um Macroempresário, vale dizer, não permitir a adoção de relações dissimuladas.

Por isto a exceção fala em sociedade com o intuito de defesa, proteção e ajuda ao desenvolvimento do pequeno empresário.

Ver de forma contrária é reconhecer que a lei anterior, “profeticamente”, prevendo a criação das Eirelis, pretendeu, desde o início, inviabilizar o sistema idealizado pelo legislador para proteção e desenvolvimento do empresário individual, devendo desfiliarem-se os cooperados das cooperativas de serviços, desde que se transformassem em Eirelis27!!!!

Por respeitar a inteligência do legislador, que buscou, com as Eirelis, fortalecer, e não enfraquecer os profissionais que se transformaram em empresas individuais, e não destruir o cooperativismo para tais empresários - a única interpretação que me parece possível, além dos argumentos já expendidos pelo Professor Alexandre de Moraes, pelo Doutor Alexandre Marcos Ferreira e pela Doutora Andrea Hitelman - Ferreira & Hitelman Advogados, é aquela de que podem as empresas individuais (Eirelis) associarem-se às cooperativas, sem perderem o direito à disciplina do Simples, que é usufruído por todas as pessoas físicas que atuam de idêntica maneira e são associadas às Cooperativas.

6. Conclusão

Em minha opinião, os cooperados da Cooperativa, motoristas, profissionais autônomos, que criarem suas Eirelis, estão enquadrados nas diversas exceções a que se referem o parágrafo 5º do artigo 3º da LC nº 123/2006, desde as associações assemelhadas até às outras sociedades de defesa dos interesses econômicos de seus associados28.

Há uma lógica elementar, que nem a Receita, nem a OCB enfrentaram, a saber:

1) o cooperativismo objetivou permitir a junção de interesses para reduzir custos, aumentar eficiência nas soluções econômicas - inclusive às cooperativas de consumo - tendo sido estimulado, o movimento, pela Constituição Federal, seja à luz do sistema tributário (artigo 146, letra “c”)29, seja da ordem econômica (artigo 174, parágrafo 2º);

2) As Eirelis foram criadas para permitir que empresas individuais fossem formadas objetivando facilitar as vantagens do “status” de empresa para profissionais ou trabalhadores autônomos, com estímulos próprios de variada natureza;

3) A proibição do inciso VII do parágrafo 4º do artigo 3º, de que uma Eireli não pode participar de outra sociedade, teve por intento, exclusivamente, evitar fraudes, simulações jurídicas diversas ou contornar a ultrapassagem dos tetos de receita além dos limites permitidos pelo Estatuto da Micro e Pequena Empresa;

4) O parágrafo 5º, todavia, abre um enorme elenco de exceções, sempre que a integração a uma outra sociedade ou associação seja exclusivamente para a defesa dos interesses econômicos;

5) Ora, todas as cooperativas que tenham por objetivo a defesa dos interesses econômicos de seus associados estão enquadradas nas inúmeras hipóteses de exceções, desde as associações assemelhadas, até os outros tipos de sociedade de defesa de interesses econômicos de seus associados;

6) Por defesa exclusiva dos interesses econômicos é de se entender que as cooperativas devem cuidar apenas dos interesses econômicos de seus associados.

7) Sendo a cooperativa, por seu estatuto, entidade de defesa de interesses econômicos de seus associados, está entre aquelas associações ou sociedades que podem receber participação, no seu capital, de seus cooperados (a Ocesp é a organização das cooperativas do Estado);

8) Sem perder o direito de usufruto do regime simplificado de tributos, as Eirelis podem participar de cooperativas que tenham por objeto a defesa de seus interesses econômicos, entre eles o de simplificar e facilitar sua atuação30;

9) Seria um verdadeiro contrassenso que, pretendendo o governo e o legislador, beneficiarem o cooperativismo, a formação de Eirelis, o desenvolvimento das micro e pequenas empresas, nos termos dos artigos 146, letra “d”, 170, inciso IX e 174, parágrafo 2º e 179, venha exatamente prejudicá-los, ao ponto de que, transformar-se em Eireli para qualquer cooperado, seria mais oneroso do que manter-se como pessoa individual. Ora, manter-se como pessoa individual, em vista de exigências crescentes tributárias, trabalhistas etc., torna, cada vez mais difícil, a permanência no ramo de transportes individuais;

10) Em outras palavras, se algum cooperado, pessoa física, transformasse seu negócio em Eireli, como pretenderam as soluções de consulta e o parecer OCB, teria mais dificuldades e seria mais onerado do que se continuasse como pessoa física autônoma, nada obstante todos os problemas que tem e que levou o governo a criar as Eirelis;

11) Uma lei para beneficiar visaria, na interpretação da Receita e da OCB, simultaneamente, prejudicar o cooperativismo, se as Eirelis não pudessem associar-se, assim como as próprias Eirelis se se associassem, pois não gozariam do regime simplificado de tributação31.

Parece-me, pois, “data máxima vênia” em relação às opiniões da Receita Federal e da OCB, que as Cooperativas estão incluídas nas exceções do parágrafo 5º do artigo 3º da LC nº 123/2006, sendo que seus associados que se transformarem em Eirelis (lei posterior à LC nº 123/2006) gozarão dos mesmos direitos, por exercerem as mesmas funções de transportadoras que exerciam antes de se transformar em Eirelis. E, portanto, podem usufruir a disciplina fiscal intitulada “Simples”.

Decididamente, a Lei nº 12.441/2012 objetivou beneficiar e não prejudicar os empresários individuais.

1 Na comemoração dos 80 anos do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, editou aquela Corte o livro Paulistânia Eleitoral - Ensaios, memórias, imagens, tendo solicitado que narrasse o que fora minha presidência do PL (pp. 263/272). O Desembargador Walter de Almeida Guilherme, presidente do TRE de São Paulo, assim se referiu no prólogo da obra: “Ives Gandra da Silva Martins, jurista de escol, evidencia-nos uma face pouco conhecida de sua abandonada vida de experiências: a de dirigente de uma agremiação partidária na capital paulista do início dos anos 1960.” (Tribunal Regional Eleitoral, Imprensa Oficial, 2011, p. 8)

2 Escrevi: “Toda a ordem econômica está voltada a um liberalismo-social ou a um socialismo liberal, que, no dizer de Miguel Reale e Oscar Corrêa, compõem a terceira via da economia moderna. Ambos mostram que a economia de mercado perfilada pelo constituinte de 1988 está temperada por valores sociais, ao ponto de os dois fundamentos maiores do artigo 170 referirem-se, de um lado, à valorização do trabalho humano e, de outro, à livre iniciativa. Esta última só é possível em face da livre concorrência (art. 170, inciso IV) e balizada por dois mecanismos de cerceamento de desvios, quais sejam, na ponta da produção e circulação de mercadorias e serviços, ao controle do abuso do poder econômico (art. 173, § 4º da C.F.), e na ponta do consumo, à proteção ao direito do consumidor (5º, inciso XXXII e 170, inciso V).” (Tratado de Direito Administrativo, vol. 1, Saraiva, São Paulo, 2013, p. 187)

3 Renato Lopes Becho esclarece: “A empresa social por excelência é a empresa cooperativa, pois nela há o predomínio do social sobre o individual. Isso é totalmente cooperativista, como se destaca da distribuição dos resultados de maneira tão distinta das empresas lucrativas.

Vimos, por tudo isso, que o cooperativismo cumpre claramente os princípios constitucionais mais profundos, além de estar ajustado com as novas diretivas éticas do ordenamento jurídico brasileiro.” (Direito Tributário Cooperativo, MP, São Paulo, 2008, p. 19)

4 O Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, lembra que: “As imunidades tributárias são criadas em função de determinados valores da sociedade (políticos, econômicos ou culturais), que se tornaram relevantes dentro de um contexto histórico e que o texto constitucional resolveu preservá-las.

A Seção da atual Constituição Federal reservada à assistência social foi promulgada num contexto histórico em que os Estados ocidentais reconheciam seu dever de produzir bens sociais, mas delegavam a execução das respectivas políticas à iniciativa privada.” (Pesquisas tributárias - nova série 15, Disciplina legal tributária do terceiro setor, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, coedição CEU/RT, São Paulo, p. 54)

5 Paulo de Barros Carvalho explica: “As sociedades cooperativas não são sociedades comerciais, a despeito do seu fundamento econômico e de sua atividade de mediação.

O característico fundamental neste tipo de sociedade é a cooperação, com o objetivo de trazer para os cooperados as vantagens que terceiros obteriam se os interessados não ‘se cooperassem’.

Assim, constituem-se cooperativas de produção, com vistas a diminuir o custo desta, oferecendo maior proveito aos produtores cooperados; constituem-se cooperativas de consumo, que buscam eliminar os intermediários, propiciando melhores preços aos consumidores cooperados; constituem-se cooperativas de crédito com a finalidade de obterem-se financiamentos a menor custo etc.” (Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 20, Saraiva, São Paulo, 1978, p. 412)

6 Celso Bastos interpreta: “O estímulo ao cooperativismo encontra inspiração muito visível nas Constituições portuguesa e espanhola. Tal como na nossa, o que ali se procura é fomentar essa modalidade associativa, que apresenta, sem dúvida nenhuma, um grande alcance social, quando levada a efeito, debaixo de um autêntico espírito cooperativo.” (Comentários à Constituição do Brasil, 7º vol., 2ª ed., Saraiva, São Paulo, 2000, p. 101)

7 Carlos Maximiliano lembra que: “O grau menos adiantado de elaboração científica do Direito Público, a amplitude do seu conteúdo, que menos se presta a ser enfeixado num texto, a grande instabilidade dos elementos de que se cerca, determinam uma técnica especial na feitura das leis que compreende. Por isso, necessita o hermeneuta de maior habilidade, competência e cuidado do que no Direito Privado, de mais antiga gênese, uso mais freqüente, modificações e retoques mais fáceis, aplicabilidade menos variável de país a país, do que resulta evolução mais completa, opulência maior de materiais científicos, de elemento de certeza, caracteres fundamentais melhor definidos, relativamente precisos. Basta lembrar como variam no Direito Público até mesmo as concepções básicas relativas à idéia de Estado, Soberania, Divisão de Poderes etc.

A técnica da interpretação muda, desde que se passa das disposições ordinárias para as constitucionais, de alcance mais amplo, por sua própria natureza e em virtude do objeto colimado redigidas de modo sintético, em termos gerais.” (Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1979, p. 304 - destaques nossos)

8 Renato Lopes Becho esclarece: “O cooperativismo está umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa humana. Gostaria de recordar, aqui, o meu exemplo mais marcante, da Cootravipa, de Porto Alegre. Trata-se de uma sociedade que congrega, entre outros, ex-prostitutas, ex-presidiários e ex-usuários de drogas. Ela funciona há mais de 20 anos. Soube, por um seminário que participei há vários anos, que fizeram uma enquete junto aos associados para saber o que era mais importante para eles na cooperativa. A resposta pode ser resumida a uma: dignidade. Com a cooperativa, eles passaram a ser reintegrados à sociedade, voltaram a ter um nome (estampado no crachá, que faziam questão de usar), usavam com muito orgulho o uniforme da cooperativa, porque era a exteriorização que provava que eles faziam parte de um grupo. Esse, para mim, é o principal exemplo de dignidade da pessoa humana e valorização social do trabalho.” (Direito Tributário Cooperativo, ob. cit., pp. 11/12)

9 Escrevi sobre cooperativismo os seguintes pareceres: (1) “Comercialização de flores por método decrescente de preços - ampla tradição de sua utilização na Holanda - não tem a natureza nem se assemelha a leilão público - parecer” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Constituição aplicada, vol. 8, Cejup, Belém, 1993, pp. 84-97); (2) “O regime jurídico das cooperativas para efeito dos reflexos na legislação do imposto sobre a renda - a transferência pelos cooperados de bens adquiridos da cooperativa por valor patrimonial - o fundo de comércio da cooperativa inexiste, pois este é exclusivo dos cooperados - parecer” (não publicado); (3) “Imposição para custear a previdência social com base no artigo 195 § 4º da Constituição Federal, que não tem natureza jurídica de contribuição social, nem pode ter base de cálculo e fato gerador próprios de outros impostos - Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 84/96 - parecer” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Questões de Direito Constitucional, Celso Bastos/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, São Paulo, 1998, pp. 153-177); (4) “Coisa julgada. Repetição de indébito procedente. Correção monetária. Índices representativos da inflação real. Cessão parcial do crédito. Art. 78 do ADCT (EC30/0) cessionário. Substituto processual na execução. Possibilidade de execução do crédito mediante compensação. Inexistência de ofensa à coisa julgada - parecer.” Cliente: Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda. - Cooxupé (não publicado); (5) “Planos de saúde de cooperativa médica objetivando atendimento exclusivamente por médicos cooperados e instituições hospitalares por eles indicados e onde exercem suas atividades - ato cooperativo típico”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 86, Dialética, São Paulo, novembro de 2002, pp. 144-155; (6) “Sociedade cooperativa de prestação de serviços médicos - conceito de ato cooperativo”. Cliente: Unimed - Sociedade Cooperativa. Revista Dialética de Direito Tributário nº 106, Dialética, São Paulo, julho de 2004; (7) “Contabilização de pendências judiciais tributárias pelo sistema Unimed - Opção de registro contábil instituída pela Instrução Normativa n. 20/08 da Agência Nacional de Saúde - responsabilidade dos cooperados em face da I.N. n. 20/08, da Lei n. 5764/71 e do Código Civil - inteligência dos efeitos da I.N. n. 20/08 da A.N.S. sobre o sistema”. Cliente: Unimed Paulistana. Dr. Jarbas Machioni - advogado. Revista Dialética de Direito Tributário nº 164, Dialética, São Paulo, maio de 2009, pp. 138-151.

10 É interessante notar que a proteção das Eirelis é de tal ordem, que no caso de exclusão de uma empresa por ter receita brutal superior ao teto legal, mesmo assim o STJ mudou a decisão, exigindo processo administrativo de exclusão para garantir o direito de defesa: “STJ - Ag: 1.371.738, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Data de Publicação: DJ 08/02/2011:

Agravo de Instrumento. Mandado de Segurança. Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições Devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional. Lei Complementar n. 123/2006. Exclusão. Receita Bruta Superior ao Limite Legal. Acórdão a Quo que entende Necessário Prévio Procedimento Administrativo para a Exclusão. Recurso Especial que não ataca o Fundamento do Acórdão Recorrido. Inadmissibilidade. Verificação de Violação do Art. 1º da Lei n. 12.016/2009 Obstada pela Súmula n. 7 do STJ. Agravo de Instrumento não Provido.”

11 Cretella assim comenta o artigo 179 da CF: “As microempresas e as empresas de pequeno porte, definidas em lei, como tais, terão tratamento jurídico diferenciado por parte da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, discriminação que tem por objetivo incenti­vá-las, em suas atividades.” (Comentários à Constituição 1988, vol. VIII, 1ª ed., Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1993, p. 4.161 - destaques meus)

12 A Lei nº 12.441/2011 conforma o novo artigo 980-A do Código Civil para mostrar a diminuta dimensão da Eireli desenhada no seu “caput” e 3 primeiros parágrafos:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão ‘Eireli’ após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.”

13 Por esta razão, se o artigo 179 da CF impõe tratamento mais benéfico, não podendo, numa interpretação canhestra da Lei nº 12.441/2011, o legislador pretender dificultar tal tratamento. Sobre a supremacia da Constituição, Celso Bastos escreve: “Portanto, não se dá conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se para a explicitação de conceitos opera sempre ‘de cima para baixo’, o que serve para dar segurança em suas definições.

O postulado da supremacia da Constituição repele todo o tipo de interpretação que venha de baixo, é dizer, repele toda a tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é sempre o contrário, vale dizer, procede-se à interpretação do ordenamento jurídico a partir da Constituição.” (Hermenêutica e interpretação Constitucional, 3ª ed., Celso Bastos, São Paulo, 2002, p. 172 - destaques meus)

14 Estão os dispositivos assim redigidos:

“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

(...)

IV - a eqüidade.

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

(...)

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

(...)

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”

15 Antonio J. Franco de Campos lembra que: “Conclusão vigésima: art. 112 - nada mais justo que a interpretação mais favorável ao sujeito passivo (a expressão ‘acusado’, primitiva redação, não nos pareça própria), máxime no campo da ilicitude e em casos de dúvida.” (Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, 7ª ed., coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, Saraiva, São Paulo, 2013, p. 166)

16 Sérgio Feltrin Corrêa, ao interpretar o regime hermenêutico do CTN assim conclui: “A regra a ser observada, portanto, é que, em existindo dúvida, e sendo esta justificada, beneficia-se o contribuinte. Há no dispositivo forte cunho social, mormente em se tratando de pessoas jurídicas e suas lógicas finalidades sociais, evitando-se quanto possível exigências fiscais que muitas vezes poderão obstar atividades produtivas.” (Código Tributário Nacional comentado, RT, São Paulo, 1999, p. 474)

17 Carlos Maximiliano lembra: “41 - A palavra é um mau veículo do pensamento; por isso, embora de aparência translúcida a forma, não revela todo o conteúdo da lei, resta sempre margem para conceitos e dúvidas; a própria letra nem sempre indica se deve ser entendida à risca, ou aplicada extensivamente; enfim, até mesmo a clareza exterior ilude; sob um só invólucro verbal se aconchegam e escondem várias idéias, valores mais amplos e profundos do que os resultantes da simples apreciação literal do texto.

Não há fórmula que abranja as inúmeras relações eternamente variáveis da vida; cabe ao hermeneuta precisamente adaptar o texto rígido aos fatos, que dia a dia surgem e se desenvolvem sob aspectos imprevistos.” (Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1979, p. 36)

18 Está o artigo 12 assim redigido: “Art. 12. Fica instituído o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional.”

19 O artigo 50 da LC nº 123/2006 está assim disposto: “Art. 50. As microempresas e as empresas de pequeno porte serão estimuladas pelo poder público e pelos Serviços Sociais Autônomos a formar consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho.”

20 É a seguinte a dicção do “caput” do artigo 56 da LC nº 123/2006:

“Art. 56. As microempresas ou as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão realizar negócios de compra e venda de bens, para os mercados nacional e internacional, por meio de sociedade de propósito específico, nos termos e condições estabelecidos pelo Poder Executivo federal.”

21 Francesco Ferrara em seu Interpretação e aplicação das leis (2ª ed., Coimbra, 1963, p. 129) criticava aquele intérprete que procurava tirar da norma o que nela estava por rejeição pessoal ou incluir na norma o que nela não estava por preferência. No caso, não há possibilidade de desconhecer o escopo da exclusão qual seja “a defesa de interesses econômicos das micro e pequenas empresas”.

22 Sob o título de Direito Tributário Cooperativo (MP, São Paulo, 2008), Brasil P. P. Salomão, Marcelo Viana Salomão e Rodrigo Forcenette coordenaram livro de estudos escritos por Renato Lopes Becho, Paulo César Andrade Siqueira, Guilherme Krueger, Marco Túlio de Rose, André Branco de Miranda, Naila Gonçalves Lopes, Ivanete Regoso, José Aparecido Moreno dos Santos, Eliseu Alves Fortes, Élson Sugigan, Jonathan Barros Vita, Marcelo Viana Salomão, Ives Gandra da Silva Martins, Fernanda de Castro Juvêncio, Brasil P. P. Salomão, Charles William McNaughton, Thiago Strapasson, Paulo Roberto Cardoso Braga, Fábio Canazaro, Rodrigo Forcenette, Fábio Pallaretti Calcini, Maria Rita Ferragut e Ricardo Augusto Bernardes Toniolo. Todos os autores, todos, sem exceção, mostram que o movimento cooperativo busca a defesa dos interesses econômicos de seus associados.

23 Está o artigo assim disposto: “Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” (Destaques meus)

24 Os artigos 1º e 2º da Lei nº 5.764/1971 têm claramente este escopo:

“Art. 1º Compreende-se como Política Nacional de Cooperativismo a atividade decorrente das iniciativas ligadas ao sistema cooperativo, originárias de setor público ou privado, isoladas ou coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interesse público.

Art. 2º As atribuições do Governo Federal na coordenação e no estímulo às atividades de cooperativismo no território nacional serão exercidas na forma desta Lei e das normas que surgirem em sua decorrência.

Parágrafo único. A ação do Poder Público se exercerá, principalmente, mediante prestação de assistência técnica e de incentivos financeiros e creditórios especiais, necessários à criação, desenvolvimento e integração das entidades cooperativas.” (Destaques meus)

25 Hugo de Brito Machado esclarece: “Analogia: É o meio de integração pelo qual o aplicador da lei, diante de lacuna desta, busca solução para o caso em norma pertinente a casos semelhantes, análogos. O legislador nem sempre consegue disciplinar expressa e especificamente todas as situações. O mundo fático é complexo e dinâmico, de sorte que é impossível uma lei sem lacunas. Assim, diante de uma situação para a qual não há dispositivo legal específico, aplica-se o dispositivo pertinente a situações semelhantes, idênticas, análogas, afins”, continuando: “Qualquer lacuna na legislação tributária pode, e deve, ser preenchida pelo recurso à analogia, respeitada apenas a ressalva do § 1º do art. 108, já mencionada.” (Curso de Direito Tributário, 30ª ed., Malheiros, São Paulo, prefácio meu, 2009, p. 107 - destaques meus). A ressalva do parágrafo 1º é de não permitir ao Fisco impor por analogia. Está assim redigido o parágrafo 1º do artigo 108 do CTN: “§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”

26 Celso Ribeiro Bastos assim comenta o artigo 179: “Este artigo dá aplicação ao disposto em nível principiológico no art. 170, IX, da Carta, que manda que se proporcione tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

De fato, a Constituição foi sensível à realidade irrecusável de que o excesso de normatividade do Estado tem gerado um nível de burocratização não suscetível de cumprimento pelas empresas pequenas. De outra parte, não se pode esquecer a importância que essas empresas de pequeno porte desempenham na economia, sobretudo como absorvedoras de mão-de-obra. A insistência do Estado em cobrar-lhes uma quantidade de procedimentos burocráticos que não estão em condições de satisfazer acelera, por certo, a acentuada tendência já identificada na nossa economia para a passagem à clandestinidade, ou, se se preferir, à economia invisível ou informal. Note-se que o referido princípio não cuida tão-somente da desburocratização, já que fala em tratamento favorecido.

O preceito sob comento faz tanto referência às empresas de pequeno porte, já referidas anteriormente, como também às microempresas.

É, sem dúvida, uma sofisticação, uma classificação feita dentro do que poderíamos chamar empresas de pequeno porte em geral, que compreenderiam tanto as microempresas quanto as empresas de pequeno porte propriamente ditas.” (Comentários à Constituição do Brasil, 7º vol., 2ª ed., Saraiva, São Paulo, 2000, pp. 165/7)

27 Embora não seja o único método hermenêutico, o método teleológico permite determinar o fim da norma. Vicente Rao esclarece: “O método teleológico considera o direito como uma ciência finalística e daí o considerar o fim desejado pelas normas jurídicas como o meio mais hábil para a descoberta do sentido e do alcance dos preceitos jurídicos normativos, meio que permite ao jurista as aplicações diversas e sucessivas de que a fórmula é suscetível.” (O direito e a vida dos direitos, 6ª ed., RT, São Paulo, 2004, p. 543)

28 Caio Mário da Silva Pereira assim define o trabalho do intérprete: “A posição correta do intérprete há de ser uma posição de termo-médio. Sem negar a supremacia da lei escrita como fonte jurídica, pois nisto está a idéia fundamental do ordenamento jurídico regularmente constituído, deverá tomar da escola científica a idéia de que a lei é um produto da sociedade organizada, e tem uma finalidade social de realizar o bem-comum. A pretexto de interpretar, não pode o aplicador pender para o campo arbitrário de julgar a própria lei, de recusar-lhe aplicação ou de criar um direito contrário a seu texto. Se interpretar a lei não é indagar o que alguém disse, mas o que está objetivamente nela consignado, e se na omissão do texto devem-se invocar as forças criadoras dos costumes sociais, da equidade, da jurisprudência, das necessidades sociais - a sua aplicação há de atender à sua finalidade social e às exigências do bem-comum.” (Instituições de Direito Civil, vol. I, 12ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 145)

29 Pinto Ferreira, ao comentar o artigo 146, letra “c”, da CF, escreve: “Afinal cabe à lei complementar conceder tratamento tributário adequado aos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas.”

Elucida Milton Paulo de Carvalho:

“As sociedades cooperativas não são sociedades comerciais, a despeito do seu fundamento econômico e da sua atividade de mediação.

O característico fundamental neste tipo de sociedade é a cooperação, com o objetivo de trazer para os cooperados as vantagens que terceiros obteriam se os interessados ‘não se cooperassem’.

Assim, constituem-se cooperativas de produção, com vistas a diminuir o custo desta, oferecendo maior proveito aos produtores cooperados; constituem-se cooperativas de consumo, que buscam eliminar os intermediários, propiciando melhores preços aos consumidores cooperados; constituem-se cooperativas de crédito com a finalidade de obterem-se financiamentos a menor custo, etc.” (Comentários à Constituição Brasileira, 5º vol., Saraiva, São Paulo, 1992, p. 287)

30 O próprio estatuto da Cooperativa demonstra que seus cooperados são pequenos empresários. Assim está redigido o artigo 4º: “Poderão associar-se à Cooperativa, salvo se houver impossibilidade técnica de prestação de serviços, quaisquer pessoas que se dediquem à atividade objeto da Entidade e que possuam Carteira Nacional de Habilitação e 01 (um) veículo com capacidade para, no mínimo, 05 (cinco) pessoas, ou ainda veiculo de Carga habilitação categoria ‘E’, e habilitação categoria ‘D’ com observação ‘exerce atividade remunerada’ para transporte de passageiros e Curso de Formação de Condutores sem que prejudique os interesses e objetivos dela, nem com eles colidir.”

31 É de se lembrar que o Regime Simplificado de Tributação foi criado por força do artigo 179 da CF.