Definição do Município Competente para cobrar o ISSQN sobre os Serviços de Elaboração de Projetos: a Inaplicabilidade do Recurso Especial n. 1.117.121/SP na Vigência da Lei Complementar n. 116/2003

Definition of the Municipality Authorized to charge the Service Tax Levied on Project Design Services Inapplicability of the Superior Court of Justice’s Ruling on Special Appeal n. 1.117.121/SP under Supplementary Law n. 116/2003

Henry Gonçalves Lummertz

Doutor em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado. Rio Grande do Sul. E-mail: henry.lummertz@soutocorrea.com.br.

Recebido em: 14-01-2019

Aprovado em: 03-05-2019

Resumo

Esse artigo busca identificar qual o Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, com devida atenção para a aplicabilidade da decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP.

Palavras-chave: serviços de elaboração de projetos, ISSQN, competência tributária, Lei Complementar n. 116/2003, Recurso Especial n. 1.117.121/SP.

Abstract

This article aims to identify the municipality authorized to charge the service tax levied on project design services under Supplementary Law n. 116/2003, with due attention given to the applicability of the Superior Court of Justice’s ruling on Special Appeal n. 1.117.121/SP.

Keywords: project design services, service tax, tax competence, Supplementary Law n. 116/2003, Special Appeal n. 1.117.121/SP.

Introdução

Persiste intenso debate acerca da definição do Município para o qual deve ser recolhido o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos1 previstos no subitem 7.03 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003, sendo frequente a cobrança do imposto tanto pelo Município onde está situado o estabelecimento prestador do serviço como pelo Município onde está localizada a obra de construção civil a que os projetos elaborados estão relacionados.

Em geral, a disputa surge porque, apesar de a Lei Complementar n. 116/2003 prever que o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos deve ser recolhido ao Município onde está localizado o estabelecimento do prestador (ou, em sua falta, ao Município onde está localizado o domicílio do prestador), os Municípios em que estão localizadas as obras pretendem cobrar o imposto com base na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática de recursos repetitivos, no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, em que restou consignado que, “seja sob a égide do DL 406/68, seja ao advento da Lei Complementar 116/2003, o ISS incidente sobre os serviços de engenharia consultiva, obedecendo-se à unidade da obra de construção, deve ser recolhido no local da construção”.

A cobrança em duplicidade do imposto em relação à mesma prestação de serviços gera intensa insegurança jurídica e deságua, no mais das vezes, em disputas administrativas e judiciais.

O presente artigo busca identificar qual o Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, com especial atenção para a aplicabilidade da decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP.

1. O município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos

1.1. A autonomia dos serviços de elaboração de projetos em relação ao serviço de execução de obra de construção civil

Em obras de grande porte, é comum a participação de diversas empresas, cada uma prestando os serviços de sua especialidade, tendo em vista que as expertises envolvidas nesse tipo de empreendimento são bastante diversas e dificilmente são detidas por uma mesma empresa. Pode, então, ser celebrado um único instrumento contratual ou diversos instrumentos contratuais, estipulando as obrigações das diversas empresas que participam do empreendimento e prevendo as diferentes etapas necessárias para a consecução final da obra de construção civil. Mesmo nesse caso, contudo, as fronteiras de cada etapa poderão ser perfeitamente demarcadas e delimitadas, diferenciando-se cada etapa das demais.

Não há que se falar, portanto, em universalidade ou indivisibilidade das diversas etapas necessárias para a final consecução da obra de construção civil. Não há uma universalidade, com a confusão de etapas e atividades. Não há impossibilidade de se diferenciar as atividades e os serviços prestados. Não há, tampouco, qualquer dificuldade para se identificar os diversos prestadores de serviço, para a fiscalização da prestação dos serviços ou para a arrecadação do ISSQN sobre eles incidente. Mesmo que ligadas, todas as etapas podem ser especificadas e segregadas.

E cada uma das etapas deverá receber o tratamento tributário previsto na legislação aplicável, não havendo fundamento jurídico para se pretender dar a todas as etapas e atividades abrangidas na execução de uma obra de construção civil o mesmo tratamento tributário.

Para o presente estudo, é importante destacar a autonomia dos serviços de elaboração de projetos em relação ao serviço de execução de obras de construção civil. Essa autonomia já era indicada por Bernardo Ribeiro de Moraes, que salientava a necessidade de se distinguir duas etapas que poderiam estar abrangidas no contrato de construção que tivesse por objeto a execução da obra de construção civil, quais sejam, “a parte dos serviços relativos ao projeto de engenharia, ou de arquitetura, de alçada do engenheiro ou arquiteto e a parte dos serviços relativos à execução da obra, contido no projeto, de responsabilidade do construtor”2, recordando o autor que, no caso de a mesma pessoa contratar o projeto e a execução da obra, ter-se-ia “duas incidências distintas do ISS (a de serviços do profissional liberal e a do construtor da obra), tendo em vista serem dois serviços específicos e distintos, previstos pelo mesmo imposto”3. Em outro momento, o autor reitera essa distinção entre os serviços de elaboração de projetos e o serviço de execução de obras de construção civil:

“Para a boa compreensão do item em apreço, mister se faz estabelecermos a dicotomia entre dois tipos de atividades:

a) a atividade técnica, ligada ao exercício técnico da profissão de engenheiro. Nesta hipótese, o engenheiro atua como planejador, fazendo estudos, cálculos, elaboração de especificação técnica, lay-out, projetos, fiscalização de execução de obras, etc. O engenheiro ou arquiteto que se limita a projetar, a planejar ou a fiscalizar, limita-se a exercer uma atividade técnica, ao exercício da profissão liberal;

b) a atividade econômica, ligada à execução da obra, ao empreendimento econômico da construção. Nesta hipótese, a pessoa preocupa-se com a exploração econômica da obra.”4

Assim, a elaboração dos projetos constitui serviço distinto e autônomo em relação ao serviço de execução de obras de construção civil. Pode ser realizada prévia ou concomitantemente a essa, mas com ela não se confunde e nem pode ser confundida. E cada uma delas deve receber o respectivo tratamento tributário.

1.2. Os serviços de elaboração de projetos no Decreto n. 406/1968 e na Lei Complementar n. 116/2003

A disciplina a que estava submetido o ISS incidente sobre o serviço de elaboração de projetos na vigência do Decreto-lei n. 406/1968 foi substancialmente alterada pela Lei Complementar n. 116/2003.

Na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, a elaboração de projetos era tributada como serviço de engenharia consultiva, tal como definida no parágrafo único do art. 11 do citado Decreto-lei, que incluía, entre outros, a “elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia”, e a “elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia”5.

Enquanto serviço de engenharia consultiva, a elaboração de projetos era enquadrada no item 32 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei n. 406/1968, com a redação dada pela Lei Complementar n. 56/1987, mesmo item em que era enquadrada a execução de obras de construção civil:

“32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM);” (Destacou-se)

E, estando o serviço de “engenharia consultiva” enquadrado no item 32 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei n. 406/1968, podia-se cogitar da aplicação do disposto na alínea “b” do art. 12 deste mesmo Decreto-lei n. 406/1968, que determinava que se considerasse como “local da prestação do serviço”, “no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação”. Destaque-se que o referido dispositivo, ao definir os serviços em relação aos quais o ISS deveria ser recolhido ao “local onde se efetuar a prestação”, referia-se de forma absolutamente genérica a “construção civil”, sem especificar qualquer serviço e sem se referir expressamente à execução da obra de construção civil. Pela sua generalidade e dependendo da interpretação que se desse à regra extraída desse dispositivo, a referência à “construção civil” nele contida era capaz de abarcar todos os serviços vinculados à construção civil, aí incluídos aqueles de “engenharia consultiva”, que, como se viu, abrangia os serviços de elaboração de projetos.

Com o advento da Lei Complementar n. 116/2003, os serviços de elaboração de projetos passaram a estar previstos de forma autônoma no subitem 7.03 da Lista de Serviços, subitem distinto daquele relativo à execução de obras de construção civil, prevista no subitem 7.02 da Lista de Serviços:

“7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

7.03 – Elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia.”

Note-se que os serviços que antes eram agrupados sob a rubrica genérica de “engenharia consultiva” são excluídos do subitem 7.02 da Lista de Serviços, mantendo-se apenas a efetiva execução da obra de construção civil, sem que sejam incluídos os serviços de engenharia ou os serviços auxiliares ou complementares referidos na sistemática anterior.

Destaque-se igualmente que a Lei Complementar n. 116/2003 revogou expressamente o art. 11 do Decreto-lei n. 406/19686, cujo parágrafo único incluía os serviços de elaboração de projetos entre os serviços de “engenharia consultiva”.

Também no que tange ao local em que se considera prestado o serviço e devido o ISSQN, os serviços de elaboração de projetos recebem da Lei Complementar n. 116/2003 tratamento distinto daquele dispensado à execução de obras de construção civil.

Com efeito, em relação ao serviço de execução de obras de construção civil, previsto no subitem 7.02 da Lista de Serviços, a Lei Complementar n. 116/2003 abre uma exceção, determinando que se deverá considerar prestado o serviço no local “da execução da obra”:

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:

[...]

III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;” (Destacou-se)

Vale destacar que, ao contrário da alínea “b” do art. 12 do Decreto n. 406/1968, que se referia genericamente a “construção civil”, expressão esta que poderia ser tida como englobando os mais diversos serviços relativos à construção civil, o inciso III do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 se refere especificamente aos “serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19”, evidenciando que abrange apenas e tão somente aqueles serviços previstos nestes subitens da Lista de Serviços, e não todos os serviços vinculados à construção civil. Nesse ponto, vale recordar a lição de Carlos Maximiliano, segundo a qual as disposições que preveem exceções “não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente”7. Assim, a competência do Município onde está localizada a obra para cobrar o ISSQN está limitada aos serviços previstos no subitem 7.02 da Lista de Serviços, que, como se viu, deixou de abranger os serviços antes agrupados no conceito de “engenharia consultiva” e passou a englobar apenas os serviços vinculados à execução da obra de construção civil.

Já em relação aos serviços de elaboração de projetos, a situação é diversa. De fato, o caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 fixa a regra geral de que o serviço é considerado prestado “no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”8, na qual se enquadram os serviços de elaboração de projetos enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços, aos quais não se aplica qualquer das exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003.

Evidente, por conseguinte, a distinção entre o tratamento dispensado ao ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos sob a vigência do Decreto-lei n. 406/1968 e o tratamento dispensado ao ISSQN incidente sobre estes serviços pela Lei Complementar n. 116/2003.

2. Inaplicabilidade da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP

2.1. A decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP e seu contexto fático-jurídico

O caso analisado no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP dizia respeito exclusivamente a fatos ocorridos no período de vigência do Decreto-lei n. 406/1968 e guardava algumas particularidades fáticas, como a circunstância de os serviços de elaboração de projetos e de gerenciamento das obras de construção civil serem objeto de um único e mesmo contrato, celebrado com o mesmo prestador de serviço.

A circunstância de os fatos analisados naquele julgamento haverem se passado sob a égide do Decreto-lei n. 406/1968 revela-se na leitura do seguinte trecho do relatório do acórdão:

“Pretendendo recolher o ISS incidente sobre os serviços prestados ao Município de Presidente Prudente e verificando que ambos os municípios estavam a exigir a exação, tanto o município da situação de sua sede, como o município onde foi prestado o serviço, ajuizou a empresa ação de consignação em pagamento contra os dois municípios, de São Paulo e de Presidente Prudente, com o fito de que fosse autorizado o depósito de ISS, correspondendo a 5% da nota fiscal emitida em 28 de fevereiro de 2001.” (Destacou-se)

A datação dos fatos que integravam a lide naquele julgamento pode ser extraída também da qualificação do serviço analisado, que é sempre definido como “engenharia consultiva”, expressão que era utilizada pelo Decreto-lei n. 406/19689 e que não é encontrada na Lei Complementar n. 116/2003.

Já a natureza dos serviços e do contrato de prestação de serviços pode ser extraída da leitura do voto proferido pela Ministra Eliana Calmon, em que se afirma se tratar de caso em que a mesma empresa – a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), com sede no Município de São Paulo –, firmara com o Município de Presidente Prudente contrato cujo objeto compreendia simultaneamente a “prestação de serviços técnicos especializados de engenharia para elaboração dos projetos executivos de implantação, material licitatório, assessoria na licitação e gerenciamento das obras de construção do Centro de Ressocialização – CR de Presidente Prudente”. Assim, o contrato abrangia não apenas o serviço de elaboração de projetos, mas também diversos outros serviços, entre os quais o gerenciamento de obras de construção civil. Ainda em relação aos serviços objeto do contrato, a Ministra Eliana Calmon anotou que “alguns não podem ser realizados na sede da empresa, como por exemplo o Gerenciamento das Obras de Construção, que só pode ocorrer no local da edificação, ou seja, no Município de Presidente Prudente”. Por fim, o contrato não previa um valor específico para cada serviço, mas apenas o “valor total da obra”, como consta no voto da Ministra Eliana Calmon.

No que tange ao Município competente para cobrar o ISS sobre o serviço de elaboração de projetos, consta já na ementa do acórdão proferido naquele julgamento:

“[...]

3. Mesmo [que] estabeleça o contrato diversas etapas da obra de construção, muitas das quais realizadas fora da obra e em município diverso, onde esteja a sede da prestadora, considera-se a obra como uma universalidade, sem divisão das etapas de execução para efeito de recolhimento do ISS.

[...]”

No mesmo sentido, a Ministra Eliana Calmon, em seu voto, afirma:

“[...] pouco importa tenha o contrato estabelecido o valor total da obra, sem discriminar onde seria realizada cada etapa, porque o fato relevante e a ser levado em consideração é o local onde será realizada a obra e para onde direcionaram-se todos os esforços e trabalho, mesmo quando alguns tenham sido realizados intelectual e materialmente na sede da empresa, sendo certo que a obra deve ser vista como uma unidade, uma universalidade.”

Com base nesse argumento, a Ministra Eliana Calmon concluiu que, “seja sob a égide do DL 406/68, seja ao advento da Lei Complementar 116/2003, o ISS incidente sobre os serviços de engenharia consultiva, obedecendo-se à unidade da obra de construção, deve ser recolhido no local da construção”.

Assim definidos os contornos da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, cumpre agora determinar seu alcance.

2.2. O alcance da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial
n. 1.117.121/SP

2.2.1. Limites impostos pelo princípio da demanda

O alcance da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP deve ser definido, inicialmente, a partir de limitações derivadas do princípio da demanda.

O princípio da demanda envolve a faculdade das partes de estabelecer os limites da lide submetida ao Poder Judiciário, formulando as alegações fático-jurídicas que integrarão o mérito da causa10 e a necessidade de que a decisão tenha sempre como parâmetro a demanda posta em juízo11, impondo limites objetivos à decisão judicial12. O princípio da demanda materializa-se em disposições como as dos arts. 2º, 128, 262 e 460 do Código de Processo Civil de 1973 (vigente quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP) e dos arts. 2º,141 e 492 do atual Código de Processo Civil.

O princípio da demanda manifesta-se também no âmbito dos recursos, em que a matéria devolvida ao Tribunal está restrita ao quanto impugnado pelas partes13-14tantum devolutum quantum appellatum –. Como anota o Superior Tribunal de Justiça, “a profundidade do conhecimento das matérias pelo tribunal está limitada pela extensão do recurso (art. 515 do CPC)”, regra esta que “é reflexo das normas processuais relativas à obrigatoriedade de correlação entre o pedido feito pela parte e a decisão do juiz”15. Nesse sentido, as disposições do art. 515 do Código de Processo Civil de 1973 e do art. 1.013 do atual Código de Processo Civil.

Assim, em se tratando de Recurso Especial, o conhecimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria posta nos autos está limitado ao que foi devolvido àquele Tribunal pela parte recorrente. Consoante assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o efeito devolutivo do recurso especial é restrito à matéria impugnada nas razões recursais16. O recurso especial deve ser analisado nos exatos limites da insurgência17. A matéria não suscitada pelo recorrente nas razões do recurso especial não constitui objeto do recurso e não pode ser conhecida e apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça18. O Superior Tribunal de Justiça “está limitado ao pedido formulado pelo recorrente nas razões de recurso especial, não podendo julgar questões que não foram especificamente impugnadas”19.

Pois bem, a causa levada ao Poder Judiciário pelo contribuinte no Recurso Especial n. 1.117.121/SP dizia respeito à definição do Município competente para cobrar o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos por ele prestado no período em que vigia o Decreto-lei n. 406/1968.

Diga-se, aliás, que não havia razão para o contribuinte submeter ao Poder Judiciário qualquer questão relativa à Lei Complementar n. 116/2003, na medida em que, de acordo com a disposição contida no art. 144 do Código Tributário Nacional, o lançamento é regido pela lei vigente no momento da ocorrência do fato gerador, “ainda que posteriormente modificada ou revogada”. Assim, se os fatos geradores postos na lide ocorreram sob a vigência do Decreto-lei n. 406/1968, nesse diploma deveriam ser buscadas as normas que regiam o lançamento do crédito tributário – aí incluída a definição do respectivo sujeito ativo –, não havendo justificativa para se trazer aos autos qualquer discussão envolvendo a Lei Complementar n. 116/2003, que não era aplicável à época da ocorrência dos referidos fatos geradores.

Logo, afirmar que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.117.121/SP, decidiu acerca do período sob a vigência da Lei Complementar n. 116/2003, significaria afirmar que proferiu decisão extra petita, já que aquele Tribunal não foi provocado pelas partes para decidir sobre essa matéria, impondo-se o reconhecimento de que, em relação a essa matéria, a decisão seria nula20.

Já por essa razão, não podia o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, emitir decisão acerca do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003.

2.2.2. Limites impostos pela cláusula de reserva do plenário

O alcance da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP encontra limites também na denominada “cláusula de reserva do plenário”, consagrada no art. 97 da Constituição Federal, que prevê: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

De fato, ao tempo do Decreto-lei n. 406/1968, a conclusão de que o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos era devido ao “local da obra” dependia apenas da inclusão dos serviços de “engenharia consultiva” – nos quais estavam subsumidos os serviços de elaboração de projetos – na hipótese da alínea “b” do art. 12 do Decreto-lei n. 406/1968, que se referia genericamente a “construção civil”. E essa inclusão não requeria maior esforço, na medida em que todos os serviços relacionados à construção civil – aí incluída a “engenharia consultiva” – estavam previstos no mesmo item da Lista de Serviços. Tratava-se, fundamentalmente, da interpretação da disposição contida na alínea “b” do art. 12 do Decreto-lei n. 406/196821.

Tudo se passa diferentemente no âmbito da Lei Complementar n. 116/2003. Com efeito, a conclusão de que o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços é devido no local da obra não pode ser construída a partir da interpretação da Lei Complementar n. 116/2003, na medida em que o caput do art. 3º desse diploma complementar é expresso ao determinar que o ISSQN incidente sobre estes serviços – que não se enquadram em nenhuma das exceções referidas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 – é devido “no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”, e o inciso III deste mesmo art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 prevê que apenas o ISSQN incidente sobre os serviços enquadrados nos subitens 7.02 e 7.19 da Lista de Serviços – e não o ISSQN incidente sobre os serviços enquadrados no subitem 7.01 da Lista de Serviços – é devido no local da “execução da obra”.

Para se chegar à referida conclusão é preciso afastar a incidência da regra do caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/200322. Com efeito, se o caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 determina que, em relação aos serviços enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços – que não estão incluídos em qualquer das exceções contidas nos incisos deste dispositivo complementar – o ISSQN é devido “no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”, e se afirma que o ISSQN incidente em tais serviços é devido não no local do estabelecimento do prestador ou do domicílio do prestador, mas sim no “local da obra”, está-se necessariamente afastando a incidência da regra do caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003.

Ocorre que, para se afastar a incidência da regra do caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, faz-se necessário reconhecer sua invalidade, por violação à norma de hierarquia constitucional, como o princípio da territorialidade.

Isso, no entanto, não poderia haver sido feito no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, que foi examinado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que, como se viu, o art. 97 da Constituição Federal determina que a declaração de inconstitucionalidade só pode ser levada a cabo pelos órgãos plenos ou especiais dos tribunais, que, no caso do Superior Tribunal de Justiça, corresponderia à sua Corte Especial.

Vale recordar que, de acordo com a Súmula Vinculante n. 1023, a decisão do órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei, afasta sua incidência, no todo ou em parte, viola a cláusula de reserva de plenário, inscrita no art. 97 da Constituição Federal.

Anote-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal reconhece a violação do art. 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante n. 10, mesmo naqueles casos em que o acórdão recorrido, ao afastar a aplicação do dispositivo legal ou ao deixar de o aplicar, não indica expressamente violação a dispositivo ou princípio constitucional nem aplica critério extraído da Constituição Federal, desde que se constate que tal inaplicação só se justificaria se o Tribunal de origem considerasse que o referido disposto legal fosse incompatível com a Constituição Federal24.

Portanto, a decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP não poderia versar sobre o período de vigência da Lei Complementar n. 116/2003, pois, em virtude da denominada “cláusula de reserva do plenário”, não era Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça competente para afastar a incidência do caput art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, estando tal competência reservada à Corte Especial daquele Tribunal.

Entender que o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP afastou a incidência da regra contida no caput art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 conduziria à nulidade deste acórdão25, por violação ao art. 97 da Constituição Federal e por desrespeito à Súmula Vinculante n. 1026.

Também por essa razão não podia o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, decidir que, na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos seria devido ao Município onde está localizada a obra.

2.2.3. A “questão de direito” objeto do Recurso Especial n. 1.117.121/SP

Pelas razões até aqui expostas, entende-se que a “questão de direito” que foi decidida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP diz respeito exclusivamente à definição do Município competente para cobrar o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência do Decreto-lei n. 406/1968 e que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o referido recurso, não emitiu decisão sobre a matéria referente à definição do Município competente para cobrar o ISSQN sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003. Mais, ainda que pretendesse decidir sobre esta matéria, não poderia fazê-lo validamente, tendo em vista tanto as regras processuais derivadas do princípio da demanda como a denominada “cláusula de reserva do plenário”.

As referências feitas pelo Superior Tribunal de Justiça naquele julgamento à Lei Complementar n. 116/2003 devem ser tidas meros obter dicta. Com efeito, constituem obter dicta aquelas informações que não são necessárias para a decisão tomada pelo órgão julgador27. Da mesma forma, caracterizam-se como obter dicta os pronunciamentos relativos à causa de pedir não invocada pela parte28 e as menções a normas impertinentes ou inaplicáveis ao caso em julgamento29.

Pois bem, a referência à Lei Complementar n. 116/2003 claramente não é necessária para a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, na medida em que se estava decidindo um caso relativo a fatos geradores ocorridos na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, de modo que, em virtude da disposição expressa do art. 144 do Código Tributário Nacional, esse seria o diploma que regeria o lançamento tributário.

E, evidentemente, a Lei Complementar n. 116/2003 não integra a causa de pedir da ação submetida ao exame do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o pedido estava restrito a crédito tributário cujo fato gerador havia ocorrido na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, não havendo, em consequência, razão para se incluir a Lei Complementar n. 116/2003 entre os fundamentos jurídicos manejados pelo autor naquele processo.

Passa-se agora a verificar se a decisão tomada no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, porque proferida na sistemática de recursos repetitivos, deve ser aplicada a casos em que se discute a definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003.

2.3. Os limites da aplicação das decisões proferidas na sistemática dos recursos repetitivos: a “idêntica questão de direito”

A sistemática de recursos especiais repetitivos, prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973 e no art. 1.036 do atual Código de Processo Civil, prevê um procedimento especial para o julgamento de casos em que se verifica uma multiplicidade de recursos “com fundamento em idêntica questão de direito”.

Assim, a decisão formada na sistemática de recursos repetitivos possui vocação para ser aplicada às lides que versem sobre “idêntica questão de direito”. Vale dizer: é preciso que a outra ação “esteja inserida em um cenário homogêneo para a sua vinculação ao julgamento por amostragem30. Se o caso disser respeito a questão de direito diferente daquela que foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, não há como se pretender aplicar o precedente formado no julgamento do recurso representativo da controvérsia.

Essa diretriz é reforçada pela disposição do inciso V do § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil, que afirma não se considerar fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. Para que se possa aplicar o precedente a um determinado caso, é preciso, portanto, que se demonstre que o caso sob julgamento se ajusta aos fundamentos determinantes do precedente31, porque “o precedente não pode ser aplicado senão em circunstâncias que assemelham os casos do ponto de vista fático-jurídico”32, e porque “[v]iola a igualdade o comportamento do tribunal que aplica um precedente a uma situação substancialmente distinta daquela que gerou a ratio decidendi33. Assim, “se a questão não for idêntica ou não for semelhante, isto é, se existirem particularidades fático-jurídicas não presentes e por isso não consideradas – no precedente, então é caso de distinguir o caso do precedente, recusando-lhe aplicação”34. E, vale recordar, o § 1º do art. 927 do Código de Processo Civil determina expressamente que os Tribunais, ao decidirem com base em julgamento de recurso especial repetitivo, devem observar as disposições do § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, para que se aplicasse a decisão tomada no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP a casos em que esteja em discussão a definição do Município competente para a cobrança do ISSQN incidente sobre o serviço de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, seria necessário que as circunstâncias jurídicas presentes no caso em que foi proferido aquele julgamento e nesses casos fossem as mesmas.

Isso, contudo, não ocorre. De fato, como se viu, o tratamento da matéria relativa à definição do Município competente para cobrar o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos no Decreto-lei n. 406/1968 – “questão de direito” que foi objeto de discussão no Recurso Especial n. 1.117.121/SP – apresenta significativas diferenças em relação àquele dispensado a esta matéria pela Lei Complementar n. 116/2003. Vale dizer, a “questão de direito” debatida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP é absolutamente distinta daquela que se coloca quando se examina a definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos sob a égide da Lei Complementar n. 116/2003.

Por outro lado, como igualmente se viu, as referências à definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003 contidas na decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP constituem meros obter dicta, valendo recordar a lição de Guilherme Amaral35, segundo a qual:

“Ao invocar o precedente, é dever do órgão julgador demonstrar por que sua ratio decidendi se amolda ao caso concreto e como ela se amolda, e para tanto, mostra-se essencial distinguir a ratio dedidendi (questões que necessariamente devem ser enfrentadas para se chegar à decisão do precedente) dos meros obter dicta (questões que, apesar de enfrentadas, não são essenciais à decisão.”

Assim, dadas as profundas diferenças entre a “questão de direito” que foi objeto de decisão no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP e a “questão de direito” relativa à definição do Município competente para cobrar o ISSQN sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, e considerando que as referências à Lei Complementar n. 116/2003 contidas na referida decisão constituem meros obter dicta, a decisão tomada no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP – ainda que proferida sob a sistemática de recursos repetitivos e que faça referência à matéria relativa à definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos na vigência da Lei Complementar n. 116/2003 – não se reveste, em relação a essa matéria, dos efeitos das decisões proferidas sob a sistemática de recursos repetitivos, não tendo vocação para ser aplicada aos demais casos que versam sobre esta “questão de direito”36.

2.4. A superação do posicionamento adotada no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP

Vale observar, por fim, que a decisão tomada no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP fundou-se no entendimento então prevalente no Superior Tribunal de Justiça de que, na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, o ISSQN seria devido ao Município onde houvesse sido prestado o serviço.

É o que fica claro já na ementa do acórdão, em que se consignou que, “[a] competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12)”. É o que se vê também no voto da Ministra Eliana Calmon, em que se lê: “Sobre o tema a jurisprudência do STJ, ao tempo da vigência do Decreto-lei 406/68, era uníssona e reiterada no sentido de reconhecer que o ISS deveria ser recolhido no município onde se deu o fato gerador do tributo, isto é, no local em que os serviços foram prestados”.

Deve-se anotar que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ia de encontro à disposição do art. 12 do Decreto-lei n. 406/196837, que determinava que, em regra, o serviço seria considerado prestado não no local da prestação do serviço, mas no local “do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”, com exceção apenas do ISSQN devido em relação à construção civil, que seria devido – esse sim – no “local onde se efetuar a prestação”, e do ISSQN incidente sobre o serviço de exploração de rodovia mediante cobrança de preço dos usuários, que seria devido a cada Município “em cujo território haja parcela da estrada explorada”.

Ocorre que esse entendimento foi superado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC igualmente sob a sistemática de recursos repetitivos, do qual podem ser extraídas três importantes diretivas jurisprudenciais.

A primeira diz respeito à alteração do entendimento do Superior Tribunal de Justiça – aí incluído aquele adotado no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP – em relação ao local onde se considera ocorrido o fato gerador do ISS no período de vigência do Decreto-lei n. 406/1968, deixando aquele Tribunal de considerar que o fato gerador do ISS ocorreria no local da prestação do serviço e passando a considerar que ele ocorre no local do estabelecimento prestador do serviço38.

A segunda diz respeito ao cânone interpretativo a ser adotado na exegese das regras fixadas pela legislação complementar que define o local de ocorrência do fato gerador do ISSQN. Nesse ponto, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça que, cabendo à Lei Complementar a definição do local da ocorrência do fato gerador do ISSQN (CF, art. 146, III), inclusive para prevenir eventuais conflitos de competência tributária entre os Municípios (CF, art. 146, inciso I), e havendo o legislador complementar adotado como critério para definir o local de ocorrência do fato gerador do ISSQN o “local do estabelecimento prestador”, não pode o Poder Judiciário, a pretexto de interpretar a regra complementar, abandonar sua literalidade e adotar outro critério, nem ampliar as hipóteses em que a legislação complementar prevê o pagamento do ISSQN em Município distinto do local do estabelecimento prestador, sob pena de usurpar a função do legislador e violar o princípio da legalidade tributária, além de causar intensa insegurança jurídica39.

Finalmente, a terceira diretriz jurisprudencial diz respeito ao local em que se considera ocorrido o fato gerador do ISSQN na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, identificado como sendo o local do estabelecimento prestador do serviço, tal como definido no art. 4º da Lei Complementar n. 116/2003, ou seja, “o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional [...]”40.

Anota-se que, nesse ponto, o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ecoa a lição de Karl Larenz, segundo a qual não é dado ao intérprete ultrapassar a literalidade do dispositivo interpretado, pois “uma interpretação que se não situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido”41. A interpretação, ainda que permita a alteração do significado atribuído ao texto normativo, jamais pode escapar à sua literalidade. A partir do momento em que a norma extraída pelo intérprete não mais guarda a mínima conformidade com o texto normativo, não se está mais no campo da interpretação, está-se, isso sim, legislando.

Destaque-se, outrossim, que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não obstante adotado em caso relativo a leasing, é aplicável aos demais casos em que se discute a definição do Município ao qual é devido o ISSQN. Essa ressalva já constava no voto do Ministro Mauro Campbell Marques no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC, que indica ser “oportuno registrar que a alteração da jurisprudência da Primeira Seção/STJ atinge não apenas os feitos nos quais se discute a incidência do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, mas todos os casos em que a competência para a cobrança do ISS é definida pelo revogado art. 12, ‘a’, do Decreto-lei 406/68”. E consta também em outras decisões do Superior Tribunal de Justiça, como se vê na ementa do acórdão proferido no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.390.900/MG, em que se lê: “as premissas estabelecidas nesse precedente aplicam-se a todos os casos que envolvam conflito de competência sobre a incidência do ISS em razão de o estabelecimento prestador se localizar em municipalidade diversa daquela em que realizado o serviço objeto de tributação”; e também na ementa do acórdão proferido no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 466.825/MG, em que consta que “[a] nova orientação ficou estabelecida não apenas para as hipóteses de leasing, como também para qualquer espécie de serviço submetido à incidência do ISS”42.

Pois bem, partindo-se do entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC, tem-se que o ISSQN incidente sobre o serviço de elaboração de projetos enquadrado no subitem 7.03 da Lista de Serviços, que não se enquadra em qualquer das exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, deve ser recolhido, nos termos da regra geral contida no caput desse dispositivo complementar, ao Município em que estiver localizado o “estabelecimento prestador” assim entendido como “o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional”.

Anote-se que, aceitar que o ISSQN devido em relação aos serviços de elaboração de projetos enquadrado no subitem 7.03 da Lista de Serviços seja devido não ao Município onde está localizado o estabelecimento prestador do serviço, mas ao Município em que está localizada a obra, seria incidir no mesmo equívoco já corrigido pelo Superior Tribunal de Justiça, interpretando a norma para além de sua literalidade, em violação ao princípio da legalidade e com usurpação da função do legislador: se a Lei Complementar n. 116/2003, ao não incluir o subitem 7.03 da Lista de Serviços em qualquer das exceções previstas nos incisos de seu art. 3º, determina que o ISSQN incidente sobre os serviços ali descritos é devido “no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”, afirmar-se que o ISSQN incidente sobre tais serviços é devido no local da execução da obra é ignorar a literalidade do dispositivo, estender a exceção contida no inciso III do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 a hipótese nele não prevista (aos serviços enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços, no caso), em afronta ao princípio da legalidade, e usurpar a função do legislador.

Assim, seguindo-se a atual orientação do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que os serviços de elaboração de projetos enquadrados no subitem 7.03 não se encaixam em qualquer da exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, deve-se aplicar a regra geral prevista no caput do referido dispositivo complementar, sendo o ISSQN incidente sobre tais serviços devido “no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”.

Conclusão

Na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, a definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços se dá a partir da regra geral contida no caput do art. 3º desse diploma complementar, segundo a qual o imposto é devido no local onde está situado o estabelecimento prestador do serviço – assim entendido como o “local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional [...]”, nos termos do art. 4º da Lei Complementar n. 116/2003 –, ou, na ausência de estabelecimento, no local do domicílio do prestador.

O entendimento adotado no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP, segundo o qual o Município competente para cobrar o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos seria aquele onde estivesse localizada a obra não é aplicável na vigência da Lei Complementar n. 116/2003.

Isso porque, em virtude das regras derivadas do princípio da demanda e da denominada “cláusula de reserva de plenário”, inscrita no art. 97 da Constituição Federal e consagrada na Súmula Vinculante n. 10, o alcance da referida decisão está limitado aos fatos geradores ocorridos na vigência do Decreto-lei n. 406/1968. As referências feitas na referida decisão à Lei Complementar n. 116/2003 constituem meros obter dicta.

Assim, a parcela da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP que, sob a sistemática dos recursos repetitivos, tem a vocação para ser aplicada aos casos que envolvam a mesma “questão de direito” é exclusivamente aquela que diz respeito à definição do Município competente para cobrar o ISS incidente sobre os serviços de elaboração de projetos sob a égide do Decreto-lei n. 406/1968. A parcela da decisão referente à definição do Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos sob a vigência da Lei Complementar n. 116/2003 não se reveste dos efeitos das decisões proferidas sob a sistemática de recursos repetitivos, não possuindo vocação para balizar a decisão dos casos que versem sobre essa “questão de direito”.

Não bastasse isso, o entendimento adotado no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP foi superado quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC, também sob a sistemática de recursos repetitivos. Além de superar o entendimento até então adotado pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao Município competente para cobrar o ISS na vigência do Decreto-lei n. 406/1968, abandonando a tese de que o imposto seria devido ao local da prestação do serviço e passando a adotar o entendimento de que o ISS, como regra geral, seria devido ao Município onde estivesse localizado o estabelecimento prestador, nos termos da alínea “a” do art. 12 do Decreto-lei n. 406/1968, o Superior Tribunal de Justiça fixou o cânone interpretativo a ser adotado na exegese das regras fixadas pela legislação complementar que define o local de ocorrência do fato gerador do ISSQN, reconhecendo que, cabendo à Lei Complementar a definição do local da ocorrência do fato gerador do ISSQN (CF, art. 146, III), inclusive para prevenir eventuais conflitos de competência tributária entre os Municípios (CF, art. 146, inciso I), e havendo o legislador complementar adotado como critério para definir o local de ocorrência do fato gerador do ISSQN o “local do estabelecimento prestador”, não pode o Poder Judiciário, a pretexto de interpretar a regra complementar, abandonar sua literalidade e adotar outro critério, nem ampliar as hipóteses em que a legislação complementar prevê o pagamento do ISSQN em Município distinto do local do estabelecimento prestador, sob pena de usurpar a função do legislador e violar o princípio da legalidade, além de causar intensa insegurança jurídica. Ainda neste julgamento, o Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que, na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, o local em que se considera ocorrido o fato gerador do ISSQN e onde é devido o imposto é, em regra, aquele em que está situado o estabelecimento prestador do serviço, nos termos do caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/003, excepcionando-se aquelas hipóteses expressamente previstas nos incisos desse dispositivo complementar.

Assim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – aí incluída a decisão proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP – não pode ser utilizada como justificativa para que, na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, se afirme que o Município competente para cobrar o ISSQN incidente sobre os serviços de elaboração de projetos, enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços, é aquele onde está localizada a obra, senão que, pelo contrário, reforça a aplicação da regra geral do caput do art. 3º desse diploma complementar, segundo a qual o imposto é devido ao Município onde está localizado o estabelecimento prestador, tendo em vista que tais serviços não estão incluídos em qualquer das exceções do referido dispositivo complementar.

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1 No presente artigo, utilizaremos, de forma genérica, a expressão “serviços de elaboração de projeto”, para nos referirmos ao conjunto de serviços descritos no subitem 7.03 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003, que abrangem os serviços de elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia.

2 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A incidência do ISS nos serviços de construção civil. Revista dos Tribunais ano 66, v. 503. São Paulo, set. 1977, p. 37-45, p. 38.

3 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A incidência do ISS nos serviços de construção civil. Revista dos Tribunais ano 66, v. 503. São Paulo, set. 1977, p. 37-45, p. 40.

4 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do Imposto sobre Serviços. São Paulo: RT, 1975, p. 229-230.

5 “Art. 11 [...]

Parágrafo único – Os serviços de engenharia consultiva a que se refere este artigo são os seguintes:

I – elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia;

II – elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia; [...]”

6 O Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido que o art. 11 do Decreto-lei n. 406/1968 não havia sido recepcionado pela Constituição Federal, que veda as denominadas isenções heterônomas (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 647.979/SP; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 219.694/SP; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 361.829 /RJ; Recurso Extraordinário n. 280.294/MG).

7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 184.

8 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 527; BERGAMINI, Adolpho. Curso de ISS. São Paulo: RT, 2017, p. 139; CARVALHO, Rubens Miranda de. ISS: a Lei Complementar nº 116/2003 e a nova lista de serviços. São Paulo: MP, 2006, p. 102; HARADA, Kiyoshi. ISS: doutrina e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 85; MARTINS, Ives Gandra da Silva; e RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. O ISS e o local da prestação de serviços – Lei Complementar 116/2003. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; e MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). ISS: LC 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004, p. 247; MARTINS, Sergio Pinto. Manual do Imposto sobre Serviços. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 106; MELO, José Eduardo Soares de. ISS: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 270.

9 “Art. 11. A execução, por administração, empreitada e subempreitada, de obras hidráulicas ou de construção civil e os respectivos serviços de engenharia consultiva, quando contratados com a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e empresas concessionárias de serviços públicos, ficam isentos do imposto a que se refere o art. 8º.

Parágrafo único. Os serviços de engenharia consultiva a que se refere este artigo são os seguintes:

I – elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia;

II – elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia;

III – fiscalização e supervisão de obras e serviços de engenharia.

[...]

32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM); [...]” (Destacou-se)

10 BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 1º a 317 – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 68-69; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 1, p. 270.

11 ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais. t. 1. São Paulo: RT, 2015. v. 2, p. 939-940; BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 1º a 317 – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 72 e 74; DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 2, p. 358.

12 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 2, p. 359.

13 BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 1º a 317 – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1, p. 441-442 e 633; NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 428-429; DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 2, p. 358-359.

14 Com exceção daquelas matérias sujeitas à remessa necessária (CPC, art. 496).

15 Recurso Especial n. 1.391.818/ES.

16 Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.155.302/PB; Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.151.208/SP; Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 470.292/RJ; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 736.723/RS; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 531.507/SP; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 813.752/PR; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 609.271/RJ; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 546.398/SP.

17 Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.063.551/PR.

18 Agravo Regimental no Recurso Especial n. 774.639/RS; Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.151.208/SP.

19 Agravo Regimental no Recurso Especial n. 774.639/RS; Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.507.320/RS.

20 Agravo Interno no Recurso de Mandado de Segurança n. 43.443/RS; Recurso Especial n. 1.426.239/RS; Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recuso Especial n. 536.806/RS; Recurso Especial n. 1.352.461/DF; Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança n. 28.467/MS; Recurso em Mandado de Segurança n. 22.266/RN; Recurso em Mandado de Segurança n. 18.655/SC; Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.463.385/RN.

21 Observe-se que, no caso da decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca da determinação do Município competente para cobrar o ISSQN sobre os serviços relativos à elaboração de projetos sob a égide do Decreto-lei n. 406/1968, o afastamento da disposição expressa da alínea “a” do art. 12 do Decreto-lei n. 406/1968, sob o pretexto de sua incompatibilidade com o princípio da territorialidade do ISS não estava submetida à cláusula da reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal. Isso porque, em se tratando de texto normativo editado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o juízo a ser realizado diz respeito à recepção das normas extraídas do texto normativo pela atual ordem constitucional, envolvendo a análise da compatibilidade do texto normativo com as normas constitucionais supervenientes, juízo este que pode ser levado a cabo pelos órgãos fracionários dos Tribunais, e não um juízo declaratório de inconstitucionalidade, cuja competência, essa sim, estaria atribuída ao plenário ou órgão especial dos Tribunais. Nesse sentido é a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental na Reclamação n. 14.307/SP; Agravo Regimental na Reclamação n. 15.786/PE; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 669.872/RS; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 808.037/PR; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 813.558/SC; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 861.439/RS; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 705.316/DF; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 852.976/PE; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 831.166/PR; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 278.710/RS).

22 PATROCÍNIO, José Antônio. Imposto sobre Serviços: questões polêmicas. 2. ed. São Paulo: FISCOSoft, 2013, p. 41.

23 Súmula Vinculante 10

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” (DJe n. 117, de 27.06.2008, p. 1)

24 Nesse sentido, as seguintes decisões do Supremo Tribunal Federal: Agravo de Instrumento na Reclamação n. 8.150/SP; Segundo Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 464.257/RS; Agravo de Regimental no Agravo de Instrumento n. 849.152/MG.

25 Medida Cautelar na Reclamação n. 313.396/SP.

26 Diga-se que incorrem nesse vício as decisões que aplicam a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP a casos em que se discute a competência para cobrar o ISSQN incidente na prestação do serviço de elaboração de projetos no período sob a vigência da Lei Complementar n. 116/2003, todas maculadas pela nulidade decorrente da usurpação de função reservada pela Constituição Federal aos órgãos plenos ou especiais dos respectivos tribunais, em frontal contrariedade à disposição do art. 97 da Constituição Federal.

27 CROSS, Ruppert; e HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 1991, p. 77; DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 2, p. 444; MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 214-215; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 278.

28 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 278.

29 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 2, p. 445.

30 BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Revista Jurídica ano 58, n. 387. Porto Alegre, jan. 2010, p. 21-52, p. 28.

31 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficácia na prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al (coord.). Processo em jornadas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 329; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. v. 2, p. 494; MOTTA, Otávio Verdi. Justificação da decisão judicial: a elaboração da motivação e a formação do precedente. São Paulo: RT, 2016, p. 204; NERY JUNIOR, Nelson; e NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.156; WAMBIER, Teresa Aruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 796.

32 MOTTA, Otávio Verdi. Justificação da decisão judicial: a elaboração da motivação e a formação do precedente. São Paulo: RT, 2016, p. 204.

33 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficácia na prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al (coord.). Processo em jornadas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 329.

34 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. v. 2, p. 615.

35 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 594.

36 Vale mencionar a impossibilidade de se aplicar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP a outros casos poderá se fundar ou ser acentuada pela distinção entre o contexto fático do caso então julgado – como a circunstância de os serviços de elaboração de projetos e os serviços de execução de obras de construção civil serem objeto de um mesmo contrato e serem prestados pela mesma empresa – e o substrato fático dos casos a que se pretenda aplicar essa decisão.

37 “Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. (Incluída pela Lei Complementar nº 100, de 1999)”

38 É o que se vê no voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que atuou como Relator naquele julgamento:

“15. O art. 12 do DL 406/68, com eficácia de lei complementar, posteriormente revogado pela LC 116/2003, estipulou muito claramente que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador.

16. Para solucionar conflitos de competência tributária entre os Municípios optou-se pelo critério da localização do estabelecimento do prestador dos serviços, tendo sido especificadas pontualmente as exceções.

17. Todavia, tem sido historicamente entendido por esta Corte, mesmo na vigência do DL 406/68, como local de cobrança da exação, o lugar onde o serviço é efetivamente prestado [...].

[...]

19. Ouso divergir desse posicionamento. [...]

[...]

21. No entanto, a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade.

No mesmo sentido manifestou-se o Ministro Mauro Campbell Marques em seu voto vista, de que se colhem os seguintes excertos:

“Por outro lado, em relação à competência para se efetuar a cobrança do tributo, ressalto que no julgamento do REsp 1.117.121/SP (1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 29.10.2009 – recurso submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC) consignou-se que: ‘A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).’

[...]

Contudo, há muito a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que ‘a cobrança do ISS norteia-se pelo princípio da territorialidade, nos termos encartados pelo art. 12 do Decreto-lei nº 406/68, sendo determinante a localidade aonde foi efetivamente prestado o serviço e não aonde se encontra a sede da empresa’ [...].

[...]

Malgrado os precedentes dos quais fui Relator e adotei a tese então prevalente no âmbito da Primeira Seção/STJ, sem olvidar da repercussão da alteração dessa jurisprudência, entendo que, no ponto, assiste razão ao Ministro Relator.

[...]

Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de definir como local da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (art. 12, ‘a’, do Decreto-lei 406/68), não é possível que a interpretação atribuída ao dispositivo em comento altere a própria definição estabelecida pelo legislador complementar, pois não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-lei 406/68 autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao princípio da legalidade tributária.”

E não foi outro o entendimento adotado pelo Ministro Benedito Gonçalves em seu voto-vista:

“Ressalto, desde logo, que não desconheço a jurisprudência construída pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o DL 406/68 teria privilegiado o princípio da territorialidade e, por isso, o ISS pertenceria ao município onde praticado o fato gerador e não onde se encontra a sede da empresa prestadora. [...]

Essa posição também foi reafirmada no julgamento do recurso especial repetitivo que decidiu acerca da tributação do ISS sobre os serviços de construção civil. [...]

[...]

Entretanto, entendo que esse entendimento não deve mais prevalecer. Com efeito, o art. 12, alínea a, do DL 406/68 dispunha que o ‘local da prestação do serviço’ é ‘o do estabelecimento prestador, ou na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador’. Excetuam essa regra as atividades de construção civil (alínea b) e de exploração de rodovia (alínea c).

A literariedade desse dispositivo legal, recepcionado como lei complementar, privilegia a municipalidade onde está situado o prestador de serviços, elegendo, em primeiro plano, seu estabelecimento, ou, na falta deste, seu domicílio.

Tendo em vista que a matéria relativa à sujeição ativa do ISS, porquanto não disciplinada expressamente na Carta Política, está reservada à legislação complementar (art. 146, III, da CF), deve ser observado o critério escolhido pelo legislador, o qual buscou destinar a legitimidade de exigir essa tributação ao município em que sediado o prestador de serviço. Tenho, portanto, que eventual mudança dessa clara opção política, relativa ao pacto federativo por influenciar no volume de arrecadação do ISS pelos municípios, deve ser promovida diretamente junto ao Poder legiferante, cabendo ao magistrado, sobretudo por se tratar de matéria tributária, fazer cumprir, de maneira estrita, o comando legal preconizado.

[...]

Com essas breves digressões, acompanho o eminente ministro relator para dar parcial provimento ao presente recurso especial, a fim de consolidar as seguintes teses: a) incide o ISS sobre o arrendamento mercantil, conforme decidido pelo STF (RE 592.905/SC); b) à luz do art. 12, a, do DL 406/68, o imposto é devido ao município onde localizado o estabelecimento prestador ou, na falta deste, do domicílio do prestador.”

Em idêntico diapasão, ainda, o voto-vista proferido pelo Ministro Teori Albino Zavascki, em que se lê:

“[...] Se assim é, têm razão os votos já proferidos nesse julgamento, que, revisando os precedentes da 1ª Seção do STJ sobre o tema, são no sentido da aplicação da norma estabelecida no art. 12 do Decreto-lei 406/68, segundo o qual ‘Considera-se local da prestação do serviço: [...] o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador’. As exceções a essa regra são apenas as hipóteses de construção civil e de exploração de rodovias (letras b e c do dispositivo).

Por fim, é o que se colhe também na ementa do voto-vista proferido pelo Ministro Herman Benjamin, em que restou consignado:

9. Tanto na vigência do DL 406/1968 como na da LC 116/2003, o legislador reconheceu que o ISS é devido no local do fato gerador. Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível identificar esse local sem critérios normativos objetivos, determinou-se a ficção legal de que ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do serviço, como regra.

10. Segundo o art. 12, caput, ‘a’, do DL 406/1968: ‘Considera-se local da prestação do serviço [...] o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador’. Da mesma forma, nos termos do art. 3º da LC 116/2003, ‘O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador’.

11. A única distinção entre as duas normas refere-se às exceções. O art. 12 do DL 406/1968 trazia apenas duas, em suas alíneas ‘a’ e ‘b’. Já o art. 3º da LC 116/2003 apresenta 22 exceções, enumeradas em seus incisos.

[...]

14. Esse posicionamento não pode prevalecer, não apenas por desconsiderar o disposto expressamente no art. 12 do DL 406/1968 e no art. 3º, caput, da LC 116/2003 (que indicam o estabelecimento do prestador), mas também por distanciar-se das premissas fixadas pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 547.245/SC e o RE 592.905/SC.”

39 É o que se vê no voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em que foram trazidas lições de Humberto Ávila e Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Martins Rodrigues:

“22. São relevantes, nesse sentido, as observações do jurista Humberto Ávila sobre o tema, encartadas em parecer onde se consignou, o seguinte:

2.2.1.4. Não é o momento para avaliar criticamente essa posição do Superior Tribunal de Justiça, pois ela é irrelevante para o caso em pauta, como será demonstrado. Dois breves comentários são, porém, necessários. Um: o Poder Judiciário não pode interpretar as leis além do seu sentido literal possível. As hipóteses de extensão teleológica (a hipótese da norma é considerada muito restrita em relação a sua finalidade) e de restrição teleológica (a hipótese da norma é considerada muito ampla em relação a sua finalidade) são condicionadas a um rigoroso processo de justificação, fundamentação e comprovação. Além disso, elas não podem implicar o abandono da hipótese da regra. Ao contrário, elas interpretam-na com base na finalidade e respeitando os princípios fundamentais do setor ao qual pertence a regra objeto de interpretação. Interpretação teleológica de regra que abandona a sua hipótese transforma a regra num princípio. Assim procedendo, o intérprete toma o lugar do legislador.

[...]

23. Confira-se, ainda, a opinião de Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, que, comentando sobre aspectos relevantes do ISS, observaram o seguinte:

A clareza do dispositivo na norma legal, contido no art. 12 do Decreto-lei 406/68, com as alterações da Lei Complementar 100/99, agora revogado, não deixava margem a dúvidas quanto à interpretação, no sentido de considerar o Município, ser o Município do local do estabelecimento prestador ou do domicílio do prestador dos serviços.

[...].

Verifica-se do art. 12 do Decreto-lei 406/68, que o legislador complementar, em consonância com o art. 146, I da CF/88, adotada como regra para a solução de conflitos de competência tributária entre os Municípios o critério da localização do estabelecimento prestador dos serviços.

Tanto é assim que, quando pretendeu o legislador complementar que se adotasse critério diverso desta regra, o fez de forma expressa, nas alíneas b e c do art. 12 do Decreto-lei 406/68.

[...]

Ocorre que, na vigência do art. 12 do Decreto-lei 406/68, o Superior Tribunal de Justiça, em diversas decisões, como, por exemplo, nos Embargos de Divergência 130.792/CE, entendeu que a incidência do ISS deveria ocorrer no Município onde o serviço fosse prestado (onde ocorreu o fato gerador) e não no local do estabelecimento prestador.

[...]

Com todo o respeito que merece o STJ, essa decisão feriu – em entendimento do titular deste escritório – o princípio da legalidade, ou seja, dispositivo literal de lei, no caso de lei com eficácia de complementar (DL 406/68), de normas gerais de Direito Tributário. A decisão do STJ, todavia, terminou prevalecendo.

[...]

A interpretação que o STJ atribuiu ao art. 12 do Decreto-Lei 406/68, além de violar o princípio da legalidade, fez que empresas prestadoras de serviços tivessem que recolher o ISS em cada um dos mais de 5.500 Municípios brasileiros, subordinando-se a suas legislações muitas vezes conflitantes, com obrigações de emitir Notas de Serviços, em locais onde não possuem estabelecimento, além de correrem o risco de lhes ser exigido ISS, também, no Município onde possuem os seus estabelecimentos, ficando as empresas sujeitas à chamada guerra fiscal entre os diversos Municípios, que certamente não foi o que pretendeu o legislador constituinte, nem o legislador complementar, para efeito de exigência do ISS. [...]”

Em idêntico diapasão o voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques:

“Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de definir como local da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (art. 12, ‘a’, do Decreto-lei 406/68), não é possível que a interpretação atribuída ao dispositivo em comento altere a própria definição estabelecida pelo legislador complementar, pois não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-lei 406/68 autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao princípio da legalidade tributária.”

E não foi outro o entendimento do Ministro Benedito Gonçalves em seu voto-vista:

“Tendo em vista que a matéria relativa à sujeição ativa do ISS, porquanto não disciplinada expressamente na Carta Política, está reservada à legislação complementar (art. 146, III, da CF), deve ser observado o critério escolhido pelo legislador, o qual buscou destinar a legitimidade de exigir essa tributação ao município em que sediado o prestador de serviço. Tenho, portanto, que eventual mudança dessa clara opção política, relativa ao pacto federativo por influenciar no volume de arrecadação do ISS pelos municípios, deve ser promovida diretamente junto ao Poder legiferante, cabendo ao magistrado, sobretudo por se tratar de matéria tributária, fazer cumprir, de maneira estrita, o comando legal preconizado.”

40 É o que se vê nos seguintes trechos do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que atuou como Relator naquele julgamento:

“25. A LC 116/2003 adotou um sistema misto, considerando o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, no local do domicílio do prestador e, para outras hipóteses definidas o local da prestação do serviço, do estabelecimento do tomador ou do intermediário (art. 3º).

26. Ao definir estabelecimento prestador emprestou-lhe alcance bastante amplo, quando assinalou, em seu art. 4º que: considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

27. Assim, após a vigência da LC 116/2003, em alguns casos, é que se poderá afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço no Município onde a prestação do serviço é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo. [...]

[...]

29. Concluindo este tópico, tem-se que o Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a cobrança do ISS [...].”

No mesmo sentido, o voto-vista proferido pelo Ministro Herman Benjamin:

“9. Tanto na vigência do DL 406/1968 como na da LC 116/2003, o legislador reconheceu que o ISS é devido no local do fato gerador. Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível identificar esse local sem critérios normativos objetivos, determinou-se a ficção legal de que ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do serviço, como regra.

10. Segundo o art. 12, caput, ‘a’, do DL 406/1968: ‘Considera-se local da prestação do serviço [...] o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador’. Da mesma forma, nos termos do art. 3º da LC 116/2003, ‘O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador’. [...]”

41 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997, p. 454.

42 Nesse ponto, entende-se ser equivocado o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental n. 1.428.118/ES, em que o Ministro Herman Benjamin apontou que o entendimento adotado no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC não seria aplicável ao caso então examinado, que dizia respeito à definição do Município competente para a cobrança do ISSQN incidente sobre os serviços de “engenharia consultiva” (sic), na medida que existiria precedente específico proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, que seria o Recurso Especial n. 1.117.121/SP. Primeiro, diante da inclusão do entendimento adotado no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121/SP como integrante do posicionamento que foi alterado no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC (Recurso Especial n. 1.060.210/SC, votos dos Ministros. Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves). Segundo, porque esse entendimento entra em contradição com as manifestações no sentido de que, não obstante o novo entendimento tenha sido fixado adotado em caso relativo à incidência do ISSQN sobre o leasing, ele é aplicável aos demais casos em que se discute a definição do Município ao qual é devido o ISSQN (Recurso Especial n. 1.060.210/SC, voto do Ministro Mauro Campbell Marques; Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.390.900/MG; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 466.825/MG). Terceiro, porque esse posicionamento entra em conflito com o entendimento adotado pelo próprio Ministro Herman Benjamin no julgamento do Recurso Especial n. 1.060.210/SC, no sentido de que, ressalvadas as exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 – entre as quais, recordamos, não se inclui os serviços enquadrados no subitem 7.03 da Lista de Serviços –, o ISSQN é devido ao Município onde está localizado o estabelecimento prestador.