A Tributação dos Dividendos: Análise Comparativa da Incidência do Imposto de Renda das Empresas no Brasil com os Países Membros da OCDE
Taxation of Dividends: a Comparative Analysis of the Incidence of Corporate Income Tax in Brazil with the OECD Member Countries
Gileno G. Barreto
Mestrando em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. MBA pela FGV-SP. Ex-Conselheiro do CARF (2005-2014). Membro da Câmara Superior de Recursos Fiscais (2007-2010). Advogado em São Paulo. E-mail: gileno.barreto@barretolaw.com.br.
Resumo
O objetivo desse artigo é discutir os impactos na política tributária internacional brasileira da tributação implícita do Imposto sobre Renda incidente sobre os lucros distribuídos aos acionistas, e sobre a conveniência da reinstituição da tributação sobre os dividendos no Brasil, sob a premissa de ser um país importador de capitais, ainda que no contexto de exacerbação da competição internacional no novo cenário econômico inaugurado pela aprovação do Tax Cuts and Jobs Act (TCJA) dos EUA, por meio do qual foram reduzidas significativamente as alíquotas nominais e efetivas tanto do imposto de renda sobre o lucro das empresas, quanto do imposto de renda incidente sobre a distribuição de dividendos.
Palavras-chave: dividendos, tributação, imposto de renda, concorrência internacional.
Abstract
The objective of this article is to discuss the impacts on the Brazilian international tax policy of the implied Taxation of Income Tax on the profits distributed to the shareholders, and on the convenience of the reinstitution of the taxation on the dividends in Brazil, under the premise of being a the capital-importing country, even in the context of an exacerbation of international competition in the new economic scenario inaugurated by the approval of the US Tax Cuts and Jobs Act (TCJA), which significantly reduced the nominal and effective rates of both income tax on the profits of the companies, and of the income tax on the distribution of dividends.
Keywords: dividends, taxation, income tax, international competition, TCJA.
1. Introdução
Recentemente têm sido publicadas na imprensa e apresentadas em seminários e palestras, diversas propostas de retorno da tributação dos dividendos no Brasil. Essa defesa tem sido promovida majoritariamente por economistas, enquanto os juristas têm permanecido em silêncio, diante da ausência de melhores estudos ou evidências que suportem uma opinião.
Em especial, tramita no Senado Federal o PLS n. 588, de 2015, que pretende retornar a incidência da tributação direta dos dividendos pelo imposto de renda e pela Contribuição Social sobre o Lucro, para empresas nos regimes do lucro real, presumido e arbitrado – excetuando as empresas do Simples, à alíquota de 15% (ou 25% no caso de remessa para o exterior para países de tributação favorecida), mais 9% de incidência da Contribuição Social sobre o Lucro, ou seja, acrescendo a tributação de mais 24% a 25%, ou a 34%, a depender da interpretação que se faça do texto do PLS, caso aprovado na forma em que se encontra). Isso resulta que, caso não seja dedutível do próprio imposto de renda e da CSL, a tributação sobre o lucro das empresas no Brasil alcançaria estratosféricos 58% em termos de alíquota nominal.
A justificação do Projeto reflete bem o nível da discussão ora mantida tanto no meio legislativo quanto nos meios econômico e jurídico. Afirma, litteris:
“O sistema tributário brasileiro é regressivo e, por essa razão, injusto. Os impostos sobre o consumo e os serviços (chamados de indiretos) têm peso muito alto. Representam mais de 50% da arrecadação, enquanto os impostos sobre a renda e a propriedade alcançam apenas 22% da carga tributária. Um sistema tributário progressivo e justo deve arrecadar de acordo com a capacidade contributiva dos cidadãos, das instituições e das empresas. E isso é identificado nas suas declarações de rendas e propriedades. Então, por exemplo, taxar o consumo é muito injusto porque ricos e pobres diante de um caixa de supermercado não são diferenciados – e a injustiça ocorre contra os pobres porque têm que pagar a mesma alíquota que os ricos pagam. O resultado dessa estrutura de tributação é que os mais pobres pagam mais impostos que os mais ricos. Os 10% mais pobres do País gastam 32,8% de seus rendimentos com impostos. Para os 10% mais ricos, a carga é de apenas 22,7%, segundo estudo do IPEA. [...]”
Ou seja, a discussão é permeada por argumentos retóricos, de tributação da renda por ricos ou pobres, a partir da generalização da composição da arrecadação tributária do imposto sobre a renda, que supostamente refletiria a regressividade do sistema.
Conquanto correções sejam justificáveis, pretendemos nesse artigo desmistificar algumas conclusões desses estudos, e apresentar os métodos e técnicas estudados e adotados em outros países, como o mínimo necessário para que o referido debate transcenda o atual maniqueísmo político.
Ainda, considerando que a tributação de dividendos é diretamente ligada ao Direito Tributário Internacional e influi diretamente na aplicação dos tratados, e mais, uma vez que a tributação dos dividendos pode ser considerada “implícita”, ou seja, está contida na carga tributária total derivada do imposto de renda sobre o lucro das empresas, questiona-se nesse texto se a defesa da restauração pura e simples da tributação sobre os dividendos não seria contraproducente no contexto de uma competição internacional pela atração de capitais – nesse caso, se a política adotada pelo Brasil há 23 anos não estaria alinhada com a moderna teoria econômica da tributação, em especial quanto a essa hipótese de incidência.
2. Contexto histórico do Brasil
O Brasil tem longo histórico de tributação de dividendos.
Importante estudo elaborado pela Consultoria Legislativa1 da Câmara dos Deputados apresentou um histórico bem delineado, até chegarmos à atual legislação.
Dividiram os consultores sua análise em três períodos: (a) o período em que havia incidência tributária sobre a distribuição de lucros e dividendo e o imposto de renda da pessoa física (IRPF) era cobrado por meio de cédulas (de 1923 a 1988); (b) um período de transição (de 1989 a 1995); (c) e o período atual, em que se estabeleceu a completa desoneração fiscal da distribuição de lucros e dividendos (de 1996 em diante).
2.1. Período cedular (1923 a 1988)
Da Lei n. 4.783, de 31 de dezembro de 1923, até a edição da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, o IRPF incidiu sobre os chamados rendimentos cedulares, diferenciados entre si conforme a natureza (origem) das receitas obtidas pelo contribuinte.
O art. 3º da Lei n. 4.783, de 1923, previa inicialmente quatro categorias de rendimentos:
“Art. 3º O imposto sobre a renda, creado pelo art. 31 da Lei n. 4.625, de 31 de dezembro de 1922, recahirá, sobre os rendimentos produzidos no paiz e derivados das origens seguintes:
1ª categoria – Commercio e qualquer exploração industrial, exclusive a agricola.
2ª categoria – Capitaes e valores mobiliarios.
3ª categoria – Ordenados publicos e particulares, subsidios, emolumentos, gratificações, bonificações, pensões e remunerações sob qualquer titulo e fórma contractual.
4ª categoria – Exercicio de profissões não commerciaes e não comprehendidas em categoria anterior. [...]”
Em 1925, a tributação por categorias foi substituída por cédulas, até que em 1947 foi criada a cédula H, completando a lista de cédulas que foi utilizada até 1988, quais fossem:
Cédula A: Capitais aplicados em títulos públicos;
Cédula B: Capitais e valores mobiliários;
Cédula C: Trabalho assalariado com vínculo empregatício;
Cédula D: Trabalho autônomo sem vínculo empregatício;
Cédula E: Aluguéis;
Cédula F: Lucros e dividendos;
Cédula G: Exploração agrícola e das indústrias extrativas vegetal e animal;
Cédula H: Outros rendimentos, não incluídos nas cédulas anteriores (inclusive variação patrimonial a descoberto e distribuição disfarçada de lucros).
Segundo apurado pelos autores, até 1963, o cálculo do IR era feito em duas etapas. Primeiro, calculava-se o imposto relativo a cada uma das cédulas, cada qual com seu rol de deduções permitidas e com a alíquota proporcional aplicável. Depois, somavam-se os rendimentos líquidos cedulares, diminuídos os abatimentos gerais, para cálculo do imposto complementar, mediante aplicação da tabela progressiva anual. Para o ano-base de 1963, por exemplo, as alíquotas cedulares eram 3%, 10%, 1%, 2%, 3% e 5% para as cédulas A, B, C, D, E e H, respectivamente, estabelecendo um patamar mínimo de cobrança, denominado imposto cedular. As cédulas F (lucros e dividendos) e G não se sujeitavam a essas alíquotas proporcionais. Os contribuintes sem distinção da natureza da renda (dependentes, educação, saúde etc.), sujeitava-se à tabela progressiva, que, entre 1962 e 1964, continha a alíquota máxima de 65%, a mais elevada de todos os tempos.
Após 1963 até 1988, as cédulas foram mantidas para fins de cálculo das deduções específicas admitidas para cada fonte de rendimentos, mas o imposto cedular (mínimo) foi revogado. Afirmam os autores que até 1974, os lucros e dividendos auferidos de participações societárias em pessoas jurídicas eram integral e obrigatoriamente oferecidos à tributação na cédula F, que não previa deduções específicas. Sujeitavam-se, portanto, à alíquota progressiva do IRPF.
A partir de 1975 até 1988, a distribuição de lucros e dividendos passou a sofrer retenção na fonte, podendo o contribuinte optar por oferecê-los à tributação na cédula F, compensando o imposto retido, ou considerá-los tributados exclusivamente na fonte.
No ano-calendário de 1988, a incidência composta do IRPJ e do IRRF poderia chegar a 70% (25% + 35% + 10%) do lucro distribuído. Uma vez que a alíquota progressiva marginal do IRPF naquele ano foi de 45%, a incidência marginal poderia, em tese, chegar a 90% (35% + 10% + 45%), hipótese que dificilmente ocorria na prática, pois os contribuintes optavam por considerar o lucro tributado exclusivamente na fonte.
Na apuração de resultados pelo lucro presumido, consideravam-se distribuídos, no mínimo, 50% do lucro apurado mediante aplicação dos coeficientes de presunção sobre a receita bruta da pessoa jurídica.
No caso de sociedades civis de profissão legalmente regulamentada, o lucro anual era considerado integralmente distribuído aos sócios. O quinhão de cada um deles ficava sujeito ao IRRF, calculado à alíquota progressiva do IRPF, retenção considerada como antecipação do devido.
A distribuição de lucros e dividendos a sócio ou acionista pessoa jurídica sofria tributação na fonte à alíquota inicialmente de 15% e depois elevada para 23%, podendo o IRRF retido ser compensado quando a empresa recipiente (investidora) distribuísse lucros e dividendos a seus próprios sócios, pessoas físicas ou jurídicas. O recebimento de lucros e dividendos por parte de pessoas jurídicas não tinha impacto fiscal sobre seu próprio imposto (o IRPJ). Caso a participação societária fosse considerada relevante, a investidora ficava obrigada a avaliar o investimento pelo valor do patrimônio líquido da investida, sendo sua variação positiva (ou negativa) excluída (ou adicionada) no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR). O recebimento de lucros e dividendos era registrado como redução do patrimônio líquido da investida e não influenciava a conta de resultados da investidora. Se o investimento não fosse relevante, a participação societária era avaliada pelo custo de aquisição, sendo os dividendos recebidos registrados como diminuição desse custo. Portanto, também não influenciavam o resultado da investidora.
2.2. Período de transição (de 1989 a 1995)
Em 1986, o Congresso norte-americano aprovou o Tax Reform Act (Public Law 99-514), nele, a maior alíquota da tabela do imposto de renda dos indivíduos foi reduzida de 50% para 28%, a menor alíquota foi elevada de 11% para 15%, o número faixas de incidência foi reduzido para três e várias deduções foram eliminadas. A alíquota do imposto de renda das corporações foi reduzida de 50% para 35%.
O Brasil, em sequência, modificou o regime tributário dos dividendos por meio da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Nela, foram fixadas apenas duas alíquotas de incidência do IRPF: 10% e 25%. Somente duas naturezas de despesas continuaram dedutíveis da sua base de apuração: dependentes e gastos médico-hospitalares. Em sequência, houve a malfadada criação do Imposto sobre o Lucro Líquido (ILL), instituído pelo seu art. 35.
Ele incidia à alíquota de 8% sobre o lucro líquido comercial ajustado por algumas adições, exclusões e compensação de prejuízos, independentemente de efetiva distribuição. Entretanto, em 1995, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 172.058/SC, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do referido artigo, no que se refere ao acionista de sociedade anônima.
Quanto às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a incidência ou não do ILL dependeria do que dispusesse o contrato social quanto à distribuição de rendimentos. A edição da Resolução do Senado Federal n. 82, de 22 de novembro de 1996, suspendeu a execução do dispositivo legal na parte refutada pelo STF.
De qualquer sorte, a cobrança já havia sido modificada pela Lei n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que determinou sua não aplicação aos lucros formados a partir de 1º de janeiro de 1993, garantindo a não incidência do imposto sobre o que fosse distribuído a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no País (art. 75). Estabeleceu, no entanto, imposto à alíquota de 15% na distribuição de lucros para residentes no exterior (art. 77). A Lei n. 8.541, de 23 de dezembro de 1992, por sua vez, estabeleceu que apenas os rendimentos pagos a sócios ou titular de empresa individual que ultrapassassem o valor do lucro presumido, deduzido do IRPJ, seriam tributados na fonte e na declaração anual dos referidos beneficiários (art. 20), sistemática mantida pela Lei n. 8.981, de 20 de janeiro de 1995 (art. 46).
A distribuição de lucros e dividendos voltou a ser tributada com a aprovação das Leis n. 8.849, de 28 de janeiro de 1994, e n. 9.064, de 20 de junho de 1995, à alíquota de 15%, aplicando-se aos lucros formados a partir de 1994 por empresas optantes pelo lucro real. Para beneficiário pessoa física, o imposto descontado era deduzido do imposto devido na declaração de ajuste anual, assegurada a opção pela tributação exclusiva; para pessoa jurídica optante pelo lucro real, era considerado como antecipação a ser compensada com o IRRF que a beneficiária, tributada com base no lucro real, tivesse que recolher pela distribuição de seus lucros e dividendos; nos demais casos, era definitivo.
3. Regime atual da tributação de lucros e dividendos no Brasil
A aprovação da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, estabeleceu a isenção na distribuição de lucros e dividendos vigente até a atualidade, de forma ampla.
Naquele momento, assim explanou a exposição de motivos, sobre as razões que justificaram tal isenção, no contexto também da inclusão dos dispositivos de tributação de lucros no exterior:
“12. Com relação à tributação dos lucros e dividendos, estabelece-se a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-se quando do recebimento pelos beneficiários. Além de simplificar os controles e inibir a evasão, esse procedimento estimula, em razão da equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, o investimento nas atividades produtivas.
13. As regras para a tributação dos rendimentos auferidos fora do País constam dos arts. 24 a 27. O Projeto alcança unicamente os lucros, permitindo a compensação do imposto de renda que sobre eles houver incidido no exterior, e determinando a obrigatoriedade de apuração do imposto com base no lucro real, para as pessoas jurídicas que obtiverem lucros no exterior.”
Não encontramos textos que detalhassem quaisquer estudos ou pesquisas, ou mesmo discussões sobre as razões de decidir do Executivo, ao propor essa nova regra, que veio em conjunto com a mudança paradigmática da tributação brasileira de bases territoriais para a tributação em bases universais – ou seja, possível concluir que essa regra fora condizente com a política fiscal brasileira.
4. Contexto econômico dos EUA
4.1. ... – 1984
A discussão sobre a tributação de dividendos não é nova, e já não o era quando iniciou-se a discussão nos EUA, em 1983. À época, Poterba e Summers (1984) lançaram paper intitulado “The economics efects of the dividends taxation”2, onde discutiram, a partir da experiência inglesa, qual seriam os potenciais efeitos da imposição dessa tributação.
À época, desenvolveram o estudo analisando as três principais óticas dominantes no pensamento microeconômico, sobre como a tributação dos dividendos afeta as decisões por empresas e acionistas.
A primeira, denominada de “visão da irrelevância fiscal”, argumentava que, ao contrário de opiniões mais “ingênuas”, as empresas pagadoras de dividendos não são “penalizadas” pelo mercado. No caso dos EUA, em função de detalhes do código tributário, os investidores marginais (não institucionais) não exigem retornos maiores antes da tributação para que decidam adquirir ações que paguem mais dividendos. Isso porque enquanto alguns são isentos de tributação da renda dos dividendos, outros têm altos custos de transação e, mesmo sendo isentos, entendem que dividendos são mais atrativos do que ganhos de capital, por razões extrafiscais. Assim, mudanças nas regras de tributação podem não afetar o valor total da empresa investida ou suas decisões de investimento. Em resumo, sob esse ponto de vista, reduzir a tributação de dividendos não afeta o valor das ações, as decisões de investimento das empresas ou o capital social de longo prazo da economia. Miller e Scholes (1978, 1982) são os principais defensores desse ponto de vista, de acordo com Mackenzie e Thompsom (1996)3.
A segunda teoria também defende que a tributação sobre os dividendos não distorce as decisões dos agentes. Denominada “hipótese de capitalização dos impostos”. Ainda de acordo com esses autores, essa teoria, que tem como maiores expoentes Auerbach (1979), Bradford (1981), e King (1977), adota a premissa de que o único meio para empresas consideradas maduras para devolver recursos aos acionistas através do “véu corporativo” é pagando dividendos tributáveis. O valor de mercado dos ativos corporativos é, portanto, igual ao valor presente dos dividendos após impostos que as empresas devem pagar.
Além disso, como esses impostos futuros são “capitalizados”, ou imputados aos valores de ações, os acionistas são indiferentes entre as políticas corporativas de reter lucros ou pagar dividendos. Assim, aumentar os impostos sobre dividendos resultaria em um declínio no valor de mercado do capital social das empresas na economia. No entanto, os impostos sobre dividendos não impactariam o incentivo “marginal” da empresa para realizar novos investimentos. Resultaria apenas em ganhos adicionais aos investidores, sem alterar os incentivos aos investimentos.
A terceira e mais tradicional teoria é a que os trata como sendo “impostos adicionais sobre os lucros das empresas”. Essa visão, segundo os autores, está implícita em vários estudos dos defensores da “tributação integrada”, por exemplo, McClure (1977). Seus defensores afirmam que apesar da carga tributária mais pesada sobre os dividendos do que sobre os ganhos de capital, as empresas seriam “recompensadas” pelo pagamento de dividendos, porém, não resta claro qual seria essa recompensa. Em resumo, sugerem que a carga tributária mais relevante para as empresas que avaliam seus investimentos seria o total do imposto incidente sobre os retornos do investimento, tanto no nível do acionista quanto no nível corporativo.
Logo, as reduções de carga tributária sobre dividendos aumentariam o valor das ações e incentivariam o investimento de capital, eis que reduziriam o retorno antes da incidência dos impostos. Afetariam, portanto, o investimento de longo prazo da economia.
Os resultados desse estudo apontam para algumas conclusões interessantes para a tomada de decisão pelos formuladores de políticas fiscais.
Primeiramente, que a carga tributária total sobre a renda considera tanto os próprios impostos corporativos quanto os dividendos e ganhos de capital como incidentes sobre os acionistas das empresas. Assim, os dividendos são tributados em dobro. Uma redução nas alíquotas sobre dividendos aumentaria pagamento desses dividendos e o nível de investimento da empresa, assim como resultaria em um menor custo de capital das empresas.
Os resultados também sugeriram que medidas para aliviar a carga tributária sobre os dividendos reduziriam as ineficiências associadas à dupla tributação da renda de capital corporativo – considerando que os ganhos de capital foram anteriormente lucros já tributados. Essas ineficiências seriam as distorções causadas na alocação de capital, se para uso corporativo ou não corporativo, distorções nas decisões entre o consumo no presente ou no futuro (poupança), distorções nas decisões sobre o orçamento financeiro e nas políticas de risco.
4.2. 1984 – 2016
Após essas discussões, em janeiro de 2003, o presidente Bush propôs eliminar o imposto duplo sobre os lucros das empresas. Em maio de 2003, o Congresso aprovou, e o Presidente assinou, a Lei de Reconciliação do Alívio Fiscal de Emprego e Crescimento de 2003, que reduziu a “dupla tributação” sobre os lucros corporativos, baixando a alíquota de dividendos e ganhos de capital para 15%. Os lucros das empresas ainda permaneceram submetidas a um duplo nível de tributação nos Estados Unidos.
As alíquotas mais baixas sobre dividendos e ganhos de capital expirariam em final de 2010, o que trouxe nova e acalorada discussão, pois, caso ocorresse, as alíquotas sobre ganhos de capital subiriam para 20% e a alíquota sobre os dividendos subiria para 39,6%. Calculava-se, então, que a maior alíquota efetiva aumentaria de 50% para 68% em 2011, uma taxa muito mais alta do que a cobrada em outros G-7 e nações da OCDE.
Estudos apontaram que a redução sincronizada das alíquotas ajudou a impulsionar a economia durante a recuperação econômica após a recessão de 2000-2001. Ajudaram a manter o nível dos mercados acionários após o estouro da bolha da internet em 2000, auxiliaram no desenvolvimento de regras de governança corporativa e impulsionaram o nível de investimento da economia, promovendo pois o crescimento econômico a longo prazo, por ter reduzido o custo do capital. Economicamente, um menor custo de capital ajuda na formação bruta de capital fixo, o que eleva a produtividade do trabalho.
De acordo com Chetty e Saez (2010)4 diversos autores documentam quatro resultados decorrentes da reforma, a partir de estudos empíricos:
i) A distribuição regular de dividendos subiu acentuadamente após o corte de impostos de 2003, com uma elasticidade de pagamento de dividendos de 0,75.
ii) A resposta do setor privado foi muito rápida (o total de pagamentos de dividendos aumentou em 20% no ano de publicação da lei e foi mais forte entre as empresas com altos níveis de ativos.
iii) A resposta foi muito maior nas empresas em que os principais executivos possuíam stock options em circulação.
iv) A resposta foi muito maior entre as empresas com grandes acionistas no corpo de diretores.
À época, permaneceram de difícil conciliação as conclusões dos antigos modelos com os resultados verificados a partir da reforma dos EUA.
Em uma primeira análise, o aumento dos níveis de distribuição de dividendos seria condizente com a denominada “visão antiga”, pois os dividendos não deveriam reagir a mudanças permanentes na legislação, como previa a “nova visão”. Por outro lado, a resposta rápida do nível dos dividendos poderia ser explicada pela incorporação da sinalização conferida pela lei (Poterba e Summers (1985)), porém, nem os modelos antigos nem os novos prediziam diretamente o que se verificou quanto aos itens (iii) e (iv) acima, decorrentes da estrutura da propriedade do capital da empresa.
Assim, Chetty e Saez (2010) realizaram importante estudo onde propuseram um modelo alternativo simples de tributação da renda e dos dividendos que buscou explicar as quatro constatações acima, com base na “teoria da agência” (Michael C. Jensen e William H. Meckling (1976) apud Chetty e Saez (2010)), a partir das decisões e interesses divergentes entre os administradores e os acionistas.
Os principais estudos até então ignoravam as decisões internas, e concentravam-se em modelos que previam a racionalidade dos agentes (neoclássico), em modelos que previam a busca eterna pela maximização dos lucros, em detrimento do poder dos gestores como determinante do comportamento das empresas.
Buscaram antão analisar uma “agência modelo”, com foco na busca do custo de eficiência da tributação dos dividendos. A partir daí, verificaram que a tributação dos dividendos tem custos de eficiência de primeira ordem quando os interesses dos gerentes diferem dos acionistas e quando as empresas são de propriedade de acionistas difusos – o que no caso dos EUA é a conformação mais comum das corporações atuais.
Tal pesquisa sugeriu que a principal fonte de ineficiência resultante do aumento da alíquota do imposto de renda sobre os dividendos seria a má alocação de capital pelos gestores devido à redução do nível de monitoramento de suas atividades, e não a distorção do nível geral dos investimentos da empresa, como sugerido pelos modelos da “visão antiga”. Conclui no sentido de que, “de uma perspectiva política, se prevalecerem as distorções decorrentes das decisões individuais em uma empresa, a tributação dos dividendos não deve ser utilizada, exceto se o governo tiver outras ferramentas para utilização conjunta – por exemplo, tributação progressiva dos dividendos integrada à tributação da empresa – que poderiam alcançar os mesmos objetivos distributivos, mas sem criar outras distorções de primeira ordem.
Conjuntamente, os estudos formulados após o corte dos tributos sobre os dividendos demonstraram e apresentaram fortes e persuasivos argumentos a favor dessa redução, ainda que não ao nível “zero”, e que tributar a receita de dividendos dos indivíduos encoraja os investidores a manter as suas posições acionárias por meio de investidores institucionais isentos de impostos, como fundos de pensão. Estes fundos são grandes o suficiente para pagar os custos fixos resultantes do monitoramento e disciplina necessários ao controle dos gestores.
5. Contexto global
Uma vez que os EUA tomaram a decisão no sentido de reduzir as alíquotas sobre os dividendos (recentemente ainda mais reduzidas pelo TCJA), outros países europeus também aprofundaram suas análises.
Importante a análise do estudo de Lazar (2012)5 intitulado “Alívio da dupla tributação dos dividendos: uma nova visão na perspectiva do imposto de renda das empresas”.
Sob a perspectiva europeia, o estudo apresenta sete distintos modos de redução da carga tributária sobre os dividendos, que adotam desde isenções a reduções, em nível pessoal ou em nível corporativo.
1. Método clássico: a empresa está sujeita a imposto de renda corporativo, dividendos distribuídos aos acionistas entram na composição da renda e são tributados sob o imposto de renda da pessoa física. Este é o caso da Suíça, da Irlanda e da Romênia;
2. Método clássico modificado: semelhante ao anterior, a única diferença sendo que os rendimentos de dividendos são tributados a uma taxa inferior à aplicada a outros rendimentos da pessoa física. O objetivo é compensar parcialmente (no nível do acionista) o imposto pago pela empresa. A alíquota de tributação dos dividendos é escolhida de tal forma que a pressão fiscal decorrente do imposto pago pela empresa e do imposto sobre dividendos fica próxima do resultado da tributação do rendimento no limite máximo da alíquota marginal. Assim, para indivíduos de alta renda, a dupla tributação deve ser evitada quase completamente, enquanto para indivíduos de baixa renda ela pode permanecer, embora não no mesmo nível do sistema clássico. É o caso dos EUA, da Áustria, da Bélgica, da Dinamarca, do Japão, da Polônia, de Portugal;
3. Método de imputação integral: o imposto pago pela empresa é cobrado dos acionistas, que agem como agente de antecipação dos pagamentos, à conta do imposto de renda da pessoa física sobre os rendimentos de dividendos. Assim o total do imposto pago será reduzido na proporção da diferença entre o imposto devido em circunstâncias normais e o imposto pago pela empresa, mas cobrado dos acionistas. Tal situação é encontrada na Austrália, no México, na Nova Zelândia, na Espanha;
4. Método de imputação parcial: os acionistas recebem um crédito fiscal por dividendos em porcentagem do imposto pago pela empresa, que é subtraído do pagamento total de impostos (Canadá, França, Reino Unido);
5. Método de isenção total: os dividendos são totalmente isentos de imposto de renda pessoal. Isto é o caso da Grécia e do Brasil;
6. Método de isenção parcial: os dividendos são parcialmente isentos (geralmente 50%) no caso do imposto sobre a renda da pessoa física. É o caso da Alemanha e do Luxemburgo.
7. Método de dedução parcial: a empresa deduz do imposto de renda um percentual fixo, representando o imposto sobre dividendos que os acionistas devem pagar, correspondente à parcela do lucro distribuído como dividendos. Esta solução, mais difícil de ser posta em prática, encontra-se na República Checa;
Exemplificativamente, o estudo demonstra o impacto dessas sistemáticas sobre os valores distribuídos, transcritos na Tabela 1 adiante, em que acrescentamos a coluna da direita:
Tabela 1: Demonstração dos impactos dos métodos de distribuição de lucros
Nº |
|
Método “Clássico” |
Método “Clássico” Modifi- |
Método de Imputação Direta |
Método de Imputação Parcial (50%) |
Método de Isenção Total |
Método de Isenção Parcial |
Método Brasileiro PL n. 588/2015 |
1 |
Lucro Antes do Imposto de Renda |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
2 |
Alíquota do IR (%) |
35 |
35 |
35 |
35 |
35 |
35 |
34 |
3 |
Lucro Líquido Base Dividendos (1-2) |
65 |
65 |
65 |
65 |
65 |
65 |
66 |
4 |
Base de Cálculo do Imposto sobre Dividendos |
65 |
65 |
100 |
100 |
0 |
32,5 |
100 |
5 |
Imposto s/Dividendos (40% Normal) (20% Reduzida) (24% Brasil) |
26 |
13 |
40 |
40 |
0 |
13 |
24,0 |
6 |
Crédito Fiscal |
|
|
35 |
17,5 |
|
|
|
7 |
Tributação Efetiva (5-6) |
26 |
13 |
5 |
22,5 |
0 |
13 |
24,0 |
8 |
Dividendos Líquidos (3-7) |
39 |
52 |
60 |
42,5 |
65 |
52 |
42,0 |
9 |
Países |
Romênia, Suíça, Irlanda |
EUA, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Japão Polônia, Portugal |
Austrália, México, Nova Zelândia, Espanha |
Canadá, França, Reino Unido |
Grécia, Brasil |
Alemanha, Luxemburgo |
Brasil |
Elaboramos e demonstramos, na última coluna, como seria o cálculo dos tributos sobre os dividendos caso aprovado o retromencionado Projeto de Lei. O acionista brasileiro pagaria uma alíquota efetiva de 58%. Isso ocorre pois da leitura dos dispositivos, simplesmente o pagamento dos dividendos não seria dedutível, o que resulta na aplicação das alíquotas de 15% (IR) mais 9% (CSL), diretamente sobre o Lucro Antes do Imposto de Renda6.
Prosseguindo, anualmente a OCDE elabora tabela informativa contendo as alíquotas do imposto de renda sobre os rendimentos de dividendos.
Elaboramos tabela comparativa das alíquotas efetivas previstas para 2018 com o exercício de 2017, e verificamos que ela já reflete o efeito estimado para 2018 do TCJA dos EUA (Tabela 2). A OCDE entende que haverá uma redução da tributação efetiva de uma alíquota média de 58,32 para 47,52, inferior à alíquota efetiva que se pretenderia para o Brasil.
6. Análise do caso brasileiro
A partir da pesquisa elaborada, podemos inicialmente verificar que são poucos os estudos feitos no Brasil acerca da tributação dos dividendos, como anteriormente afirmado. Nenhum, entretanto, se propôs a analisar sob a ótica estritamente econômica – considerando as peculiaridades e os dados brasileiros – se seria oportuno o retorno à tributação dessa modalidade de renda, pois mesmo nos estudos elaborados em outros países, podemos constatar que há um trade-off claro de política fiscal entre concentrar a tributação no indivíduo ou direcionar a carga tributária em direção ao consumo.
Isso demonstra que a discussão promovida atualmente no Brasil, além de não dispor dos instrumentos e análises adequados – eis que em nossa pesquisa apenas encontramos estudos exclusivamente jurídicos ou economicamente “retóricos”, esses últimos por fazerem uma mera comparação entre a alíquota efetiva paga no Brasil e as alíquotas efetivas dos países da OCDE.
Entendemos que essa comparação é absolutamente inconclusiva, pois não há evidência que nos permita classificar esse ou aquele país como comparável ao Brasil em termos de matriz macroeconômica, matriz fiscal ou mesmo de carga tributária total.
Caso inseríssemos o Brasil na tabela da OCDE, e a reclassificássemos, o Brasil ainda não seria o país de menor tributação sobre a renda, considerada a tributação total, renda da empresa mais dividendos, o que é outra má retórica dos estudos brasileiros: afirma-se enviezadamente que o Brasil é o país de menor tributação de dividendos pois simplesmente compara-se a tributação de dividendos com dividendos, e não a tributação total sobre a renda, como seria o adequado. Veja Tabela 2 adiante:
Tabela 2: Carga tributária total sobre a renda de dividendos – atual
Ano 2018 |
2017 |
|||||||
Unidade Percentual |
||||||||
Alíquota efetiva sobre rendimentos de dividendos |
Alíquota do IR sobre Lucros Distribuídos |
Alíquota do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) |
Alíquota Efetiva do IRPF + Alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) |
IRPJ/IRPF + IRPJ |
IRPF/IRPF + IRPJ |
Alíquota efetiva do IRPF + IRPJ |
IRPJ/IRPF + IRPJ |
IRPF/IRPF + IRPJ |
País |
||||||||
Irlanda |
12,50 |
51,00 |
57,13 |
21,88 |
78,12 |
57,13 |
21,88 |
78,12 |
Coreia do Sul |
27,50 |
40,28 |
56,70 |
48,50 |
51,50 |
52,88 |
45,76 |
54,24 |
Canadá |
26,80 |
39,34 |
55,60 |
48,20 |
51,80 |
55,54 |
48,07 |
51,93 |
Dinamarca |
22,00 |
42,00 |
54,76 |
40,18 |
59,82 |
54,76 |
40,18 |
59,82 |
França |
34,43 |
30,00 |
54,10 |
63,64 |
36,36 |
69,82 |
66,03 |
33,97 |
Bélgica |
29,58 |
30,00 |
50,71 |
58,34 |
41,66 |
53,79 |
63,19 |
36,81 |
Portugal |
31,50 |
28,00 |
50,68 |
62,15 |
37,85 |
49,24 |
59,91 |
40,09 |
Reino Unido |
19,00 |
38,10 |
49,86 |
38,11 |
61,89 |
49,86 |
38,11 |
61,89 |
Israel |
23,00 |
33,00 |
48,41 |
47,51 |
52,49 |
44,52 |
53,91 |
46,09 |
Alemanha |
(P) 29,83 |
(P) 26,38 |
(P) 48,33 |
(P) 61,71 |
(P) 38,29 |
48,33 |
61,71 |
38,29 |
Estados Unidos |
25,84 |
29,24 |
47,52 |
54,37 |
45,63 |
56,32 |
69,08 |
30,92 |
Austrália |
30,00 |
24,28 |
47,00 |
63,83 |
36,17 |
47,00 |
63,83 |
36,17 |
Noruega |
23,00 |
30,59 |
46,55 |
49,41 |
50,60 |
46,62 |
51,48 |
48,52 |
Áustria |
25,00 |
27,50 |
45,63 |
54,80 |
45,20 |
45,63 |
54,80 |
45,20 |
Suécia |
22,00 |
30,00 |
45,40 |
48,46 |
51,54 |
45,40 |
48,46 |
51,54 |
Japão |
29,74 |
20,32 |
44,02 |
67,57 |
32,43 |
44,20 |
67,81 |
32,19 |
Itália |
24,00 |
26,00 |
43,76 |
54,84 |
45,16 |
43,76 |
54,84 |
45,16 |
Holanda |
25,00 |
25,00 |
43,75 |
57,14 |
42,86 |
43,75 |
57,14 |
42,86 |
Finlândia |
20,00 |
28,90 |
43,12 |
46,38 |
53,62 |
43,12 |
46,38 |
53,62 |
Espanha |
25,00 |
23,00 |
42,25 |
59,17 |
40,83 |
42,25 |
59,17 |
40,83 |
México |
30,00 |
17,14 |
42,00 |
71,43 |
28,57 |
42,00 |
71,43 |
28,57 |
Luxemburgo |
26,01 |
21,00 |
41,55 |
62,60 |
37,40 |
42,39 |
63,88 |
36,12 |
Grécia |
29,00 |
15,00 |
39,65 |
65,91 |
34,09 |
39,65 |
73,14 |
26,86 |
Eslovênia |
19,00 |
25,00 |
39,25 |
48,41 |
51,59 |
39,25 |
48,41 |
51,59 |
Suíça |
21,15 |
21,14 |
37,81 |
55,93 |
44,07 |
37,81 |
55,93 |
44,07 |
Islândia |
20,00 |
22,00 |
37,60 |
53,19 |
46,81 |
36,00 |
55,56 |
44,44 |
Chile |
25,00 |
13,33 |
35,00 |
71,43 |
28,57 |
35,00 |
71,43 |
28,57 |
Turquia |
22,00 |
17,50 |
35,00 |
61,17 |
38,29 |
34,00 |
58,82 |
41,18 |
Polônia |
19,00 |
19,00 |
34,39 |
55,25 |
44,75 |
34,39 |
55,25 |
44,75 |
Brasil |
34,00 |
0,00 |
34,00 |
100,00 |
0,00 |
34,00 |
100,00 |
0,00 |
Nova Zelândia |
28,00 |
6,94 |
33,00 |
84,85 |
15,15 |
33,00 |
84,85 |
15,15 |
República Tcheca |
19,00 |
15,00 |
31,15 |
61,00 |
39,00 |
31,15 |
61,00 |
39,00 |
República Eslovaca |
21,00 |
7,00 |
26,53 |
79,15 |
20,85 |
26,53 |
79,15 |
20,85 |
Hungria |
9,00 |
15,00 |
22,65 |
39,74 |
60,26 |
22,65 |
39,74 |
60,26 |
Estônia |
20,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
Lituânia |
20,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
23,50 |
63,83 |
36,17 |
Fonte: Dados da OCDE, 2017 e 2018, com recálculo pelo autor para inserção do Brasil. (P) Alíquota provisória.
É possível constatar que o Brasil encontra-se no grupo de países do leste europeu, exceto Nova Zelândia, majoritariamente formado por países em desenvolvimento, o que significa que o país não está fora da curva quando se considera que são países importadores de capital.
Caso reclassificássemos o Brasil na mesma tabela da OCDE de acordo com uma nova alíquota efetiva de dividendos, subiríamos mais uma vez ao topo do ranking mundial da tributação: teríamos a maior alíquota conjunta de tributação da renda das empresas, comparada aos países da OCDE. Veja Tabela 3, adiante:
Tabela 3: Carga tributária total sobre os rendimentos de dividendos – PLS n. 588
Ano 2018 |
2017 |
|||||||
Unidade Percentual |
||||||||
Alíquota efetiva sobre rendimentos de dividendos |
Alíquota do IR sobre Lucros Distribuídos |
Alíquota do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) |
Alíquota Efetiva do IRPF + Alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) |
IRPJ/IRPF + IRPJ |
IRPF/IRPF + IRPJ |
Alíquota efetiva do IRPF + IRPJ |
IRPJ/IRPF + IRPJ |
IRPF/IRPF + IRPJ |
País |
||||||||
Brasil |
34,00 |
24,00 |
58,00 |
58,62 |
41,38 |
34,00 |
100,00 |
0,00 |
Irlanda |
12,50 |
51,00 |
57,13 |
21,88 |
78,12 |
57,13 |
21,88 |
78,12 |
Coreia do Sul |
27,50 |
40,28 |
56,70 |
48,50 |
51,50 |
52,88 |
45,76 |
54,24 |
Canadá |
26,80 |
39,34 |
55,60 |
48,20 |
51,80 |
55,54 |
48,07 |
51,93 |
Dinamarca |
22,00 |
42,00 |
54,76 |
40,18 |
59,82 |
54,76 |
40,18 |
59,82 |
França |
34,43 |
30,00 |
54,10 |
63,64 |
36,36 |
69,82 |
66,03 |
33,97 |
Bélgica |
29,58 |
30,00 |
50,71 |
58,34 |
41,66 |
53,79 |
63,19 |
36,81 |
Portugal |
31,50 |
28,00 |
50,68 |
62,15 |
37,85 |
49,24 |
59,91 |
40,09 |
Reino Unido |
19,00 |
38,10 |
49,86 |
38,11 |
61,89 |
49,86 |
38,11 |
61,89 |
Israel |
23,00 |
33,00 |
48,41 |
47,51 |
52,49 |
44,52 |
53,91 |
46,09 |
Alemanha |
(P) 29,83 |
(P) 26,38 |
(P) 48,33 |
(P) 61,71 |
(P) 38,29 |
48,33 |
61,71 |
38,29 |
Estados Unidos |
25,84 |
29,24 |
47,52 |
54,37 |
45,63 |
56,32 |
69,08 |
30,92 |
Austrália |
30,00 |
24,28 |
47,00 |
63,83 |
36,17 |
47,00 |
63,83 |
36,17 |
Noruega |
23,00 |
30,59 |
46,55 |
49,41 |
50,60 |
46,62 |
51,48 |
48,52 |
Áustria |
25,00 |
27,50 |
45,63 |
54,80 |
45,20 |
45,63 |
54,80 |
45,20 |
Suécia |
22,00 |
30,00 |
45,40 |
48,46 |
51,54 |
45,40 |
48,46 |
51,54 |
Japão |
29,74 |
20,32 |
44,02 |
67,57 |
32,43 |
44,20 |
67,81 |
32,19 |
Itália |
24,00 |
26,00 |
43,76 |
54,84 |
45,16 |
43,76 |
54,84 |
45,16 |
Holanda |
25,00 |
25,00 |
43,75 |
57,14 |
42,86 |
43,75 |
57,14 |
42,86 |
Finlândia |
20,00 |
28,90 |
43,12 |
46,38 |
53,62 |
43,12 |
46,38 |
53,62 |
Espanha |
25,00 |
23,00 |
42,25 |
59,17 |
40,83 |
42,25 |
59,17 |
40,83 |
México |
30,00 |
17,14 |
42,00 |
71,43 |
28,57 |
42,00 |
71,43 |
28,57 |
Luxemburgo |
26,01 |
21,00 |
41,55 |
62,60 |
37,40 |
42,39 |
63,88 |
36,12 |
Grécia |
29,00 |
15,00 |
39,65 |
65,91 |
34,09 |
39,65 |
73,14 |
26,86 |
Eslovênia |
19,00 |
25,00 |
39,25 |
48,41 |
51,59 |
39,25 |
48,41 |
51,59 |
Suíça |
21,15 |
21,14 |
37,81 |
55,93 |
44,07 |
37,81 |
55,93 |
44,07 |
Islândia |
20,00 |
22,00 |
37,60 |
53,19 |
46,81 |
36,00 |
55,56 |
44,44 |
Chile |
25,00 |
13,33 |
35,00 |
71,43 |
28,57 |
35,00 |
71,43 |
28,57 |
Turquia |
22,00 |
17,50 |
35,00 |
61,17 |
38,29 |
34,00 |
58,82 |
41,18 |
Polônia |
19,00 |
19,00 |
34,39 |
55,25 |
44,75 |
34,39 |
55,25 |
44,75 |
Nova Zelândia |
28,00 |
6,94 |
33,00 |
84,85 |
15,15 |
33,00 |
84,85 |
15,15 |
República Tcheca |
19,00 |
15,00 |
31,15 |
61,00 |
39,00 |
31,15 |
61,00 |
39,00 |
República Eslovaca |
21,00 |
7,00 |
26,53 |
79,15 |
20,85 |
26,53 |
79,15 |
20,85 |
Hungria |
9,00 |
15,00 |
22,65 |
39,74 |
60,26 |
22,65 |
39,74 |
60,26 |
Estônia |
20,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
Lituânia |
20,00 |
0,00 |
20,00 |
100,00 |
0,00 |
23,50 |
63,83 |
36,17 |
Fonte: Dados da OCDE, 2017 e 2018, com recálculo pelo autor para inserção do Brasil. (P) Alíquota provisória.
Outrossim, mais significativa é a análise que considera a carga tributária efetiva e a renda média dos brasileiros, comparada com outros países. Dados da OCDE de 2015, aos quais inserimos o Brasil em substituição à Turquia, da estatística original, aponta que o Brasil, dentre os países de renda abaixo de USD 10 mil anuais, apresenta uma das maiores cargas tributárias, comparáveis aos países desenvolvidos – em diversos casos até maior, a exemplo dos EUA, da Inglaterra, do Japão, do Canadá e da Austrália, todos com renda superior a USD 50 mil anuais, como na tabela abaixo:
Tabela 4: Carga tributária sobre o PIB per capita
Fonte: Dados da OCDE, 2015, com recálculo pelo autor para inserção do Brasil.
Outro aspecto não estudado, e que deveria ser considerado como importante variável de política fiscal é a distribuição da carga tributária entre as diversas bases imponíveis. Alguns países têm reduzido a carga tributária sobre a renda das empresas, e consequentemente sobre os dividendos auferidos, porém, em direção a uma maior tributação sobre bens e serviços (consumo), atual tendência mundial, inclusive em países da OCDE.
A Tabela 5 adiante demonstra claramente que o Brasil estaria classificado apenas na 26ª colocação em percentual de relevância da tributação sobre a renda para o governo central, com 30,84% da arrecadação federal, de acordo com dados informados à OCDE. Outrossim, quando falamos de tributação sobre o consumo, o Brasil assume a 2ª colocação no ranking geral, com 80,17% de participação desses tributos para os entes não centrais (Estados e Municípios), atrás apenas da Hungria. A tributação sobre o consumo, conquanto seja uma tendência atual, é altamente regressiva, como sabido, ou seja, o Brasil já adotou esse remédio, porém em doses que, poder-se-ia dizer, o transformaram em veneno.
Tabela 5: Composição das receitas por subsegmentos de governo
Fonte: Dados da OCDE, 2015, com recálculo pelo autor para inserção do Brasil.
7. Conclusões
A partir das informações obtidas, verificamos que os países centrais, incluídos os EUA e alguns países europeus realizaram estudos econômicos significativos que, embora não possam ser considerados conclusivos em relação a um ou mais modelos existentes, demonstram a necessidade de que as decisões dos governos nacionais sejam cuidadosamente analisadas.
No caso brasileiro, os poucos textos disponíveis são retóricos, e apresentam apenas superficialmente a inserção do Brasil em rankings, usualmente como sendo um dos países que menos ou que não tributam os dividendos, sem considerá-los em conjunto à tributação total sobre o lucro das empresas, o que representaria um mínimo de adequação metodológica para suportar a defesa do retorno da tributação sobre os dividendos.
Ainda quanto ao Brasil, os breves cálculos apresentados, com base nos dados da OCDE, contradizem o que os estudos recentes têm apresentado, ao demonstrar que o Brasil (1) não é o país com menor carga tributária, quando considerada a tributação total da renda das empresas; (2) que o Brasil não pode ser considerado um país com carga tributária baixa, quando considerado o posicionamento relativo, comparando-se carga tributária com renda per capita; (3) que o retorno da tributação de dividendos significaria uma elevação substancial da carga tributária sobre o lucro das empresas, alçando o país ao posto mais elevado se comparado aos países da OCDE, em um momento de competição internacional pela atração de capitais e de alta necessidade de atração de novos investimentos para a retomada do crescimento econômico; e (4) que ainda que fosse justificável uma elevação da carga tributária sobre a renda resultante da atividade das empresas, fazê-lo desmedidamente, como pretende o projeto de lei apresentado e diante da superficialidade dos estudos em que se baseiam aqueles que o defendem, resultará em ainda maior perda de atratividade relativa da economia brasileira para a atração de capitais.
O retorno da tributação sobre os dividendos, portanto, poderá afetar a posição do país negativamente como polo de atração de capitais internacionais por meio de investimento direto, uma vez que aumentaria a tributação implícita sobre os rendimentos do capital, e agravado pela fato de o Brasil já ter sua carga tributária total firmemente apoiada na tributação sobre bens e serviços – caminho que tem sido perseguido por alguns países, porém, acompanhado justamente do oposto, da redução da tributação sobre os indivíduos – caminho que o Brasil adotou há duas décadas, e que, parece-nos, agora se pretende retroceder.
8. Bibliografia
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MCKENZIE, Kenneth; e THOMPSON, Aileen. The economic effects of dividend taxation. Working Paper 96-7 prepared for the Technical Committee on Business Taxation. December, 1996.
MICHELET, Jules (coord.). Tributação de lucros e dividendos no Brasil: uma perspectiva comparada. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
MORCK, Randall; e YEUNG, Bernard. Dividend taxation and corporate governance. Journal of Economic Perspectives v. 19, n. 3, 2005.
POTERBA, J.; e SUMMERS, L. The economic effects of dividend taxation. In: ALTMAN, Edward; e SUBRAHMANYAM, Marti (ed.). Recent advances in corporate finance. Dow-Jones Irwin, Homewood, Ill, 1985.
WEISBACH, David A. A guide to the GOP tax plan – the way to a better way. The Law School the University of Chicago, janeiro 2017.
1 MICHELET, Jules (coord.). Tributação de lucros e dividendos no Brasil: uma perspectiva comparada. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
2 POTERBA, J.; e SUMMERS, L. The economic effects of dividend taxation. In: ALTMAN, Edward; e SUBRAHMANYAM, Marti (ed.). Recent advances in corporate finance. Dow-Jones Irwin, Homewood, Ill, 1985.
3 MCKENZIE, Kenneth; e THOMPSON, Aileen. The economic effects of dividend taxation. Working Paper 96-7 prepared for the Technical Committee on Business Taxation. December, 1996.
4 CHETTY, Raj; e SAEZ, Emmanuel. Dividend and corporate taxation in na agency model of the firm. American Economic Journal: Economic Policy (August 2010): 1–31. Disponível em: <https://eml.berkeley.edu/~saez/chetty-saezAEJ10divtaxtheory.pdf>.
5 LAZAR, Sebastian. Double dividend taxation relief: a new view from the corporate income tax perspective. Faculty of Economics and Business Administration “Al. I. Cuza” University. Iasi, Romania.
6 “Art. 1º O art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a viger com a seguinte redação:
‘Art. 10 Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 2016, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, deverão:
I – estar sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) calculado à alíquota de 15% (quinze por cento) a título de antecipação e integrar a base de cálculo do Imposto sobre a Renda na Declaração de Ajuste Anual do ano-calendário do recebimento, no caso de o beneficiário ser pessoa física residente no País;
II – ser computados na base de cálculo do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), no caso de o beneficiário ser pessoa jurídica domiciliada no País;
III – estar sujeitos à incidência do IRRF calculado à alíquota prevista na alínea ‘a’ do art. 97 do Decreto-Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, no caso de o beneficiário ser residente ou domiciliado no exterior;
IV – estar sujeitos à incidência do IRRF calculado à alíquota prevista no art. 8º da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, no caso de o beneficiário ser residente ou domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida a que se refere o art. 24 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
§ 1º No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.
§ 2º Não são dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários de qualquer espécie de ação prevista na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que classificados como despesa financeira na escrituração comercial.
§ 3º As pessoas jurídicas que aufiram, em cada ano-calendário, até o limite superior da receita bruta fixada no inciso II do art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, com redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011, não integrarão a base de cálculo do imposto referido no caput.”