A (Falta de) Norma Geral Antiabuso no Direito Tributário Brasileiro: entre o Dever Fundamental de pagar Tributos e o Direito de economizá-los
The (Lack of) General Anti-avoidance Rule in Brazilian Tax Law: between the Fundamental Duty to pay Taxes and the Right to save them
Martha Leão
Mestre e Doutora em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: martha.leao@humbertoavila.com.br.
Resumo
O artigo aborda os temas referentes à natureza e à aplicabilidade do art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional. Há divergência doutrinária com relação à correta interpretação deste dispositivo: de um lado, há quem atribua a natureza de norma geral antiabuso a este dispositivo, cuja finalidade teria sido a de autorizar a Fazenda Pública à desconsideração para fins fiscais dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de economizar tributo, o que, por si só, seria abusivo; de outro lado, há quem atribua a natureza de norma específica antiabuso a este dispositivo, no sentido de que ele seria direcionado tão somente para a hipótese de dissimulação. O artigo partirá da interpretação literal e sistemática do dispositivo para defender que a sua correta interpretação é de uma norma específica antiabuso. A partir do estabelecimento desta premissa, passa-se a analisar qual seria o alcance e os limites de uma norma geral antiabuso no Sistema Tributário Nacional, diante da existência de um direito fundamental de economizar tributos protegido pela Constituição. Além disso, o trabalho propõe-se a criticar decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais cujas conclusões divergem daquelas aqui sustentadas.
Palavras-chave: norma geral antiabuso, planejamento tributário, direito fundamental de economizar tributos, dever fundamental de pagar tributos.
Abstract
The article addresses the issues related to the nature and applicability of article 116, sole paragraph, of the Brazilian Tax Code. There is a doctrinal divergence regarding the correct interpretation of this provision: on the one hand, there are those who defend the nature of a general anti-avoidance rule for this provision, whose purpose would be to authorize the Public Treasury to disregard for fiscal purposes the acts and legal transactions practiced with the purpose of saving taxes, which in itself would be abusive; on the other hand, there are those who defend the nature of specific anti-avoidance rule to this provision, in the sense that it would be directed only to the hypothesis of dissimulation. The article will start from the literal and systematic interpretation of the provision to defend that its correct interpretation is of a specific anti-avoidance rule. From the establishment of this premise, it is analyzed the scope and limits of a general anti-avoidance rule in the National Tax System, given the existence of a fundamental right to save taxes protected by the Constitution. In addition, it proposes to criticize the decision of the Administrative Council of Tax Appeals whose conclusions differ from those supported here.
Keywords: general anti-avoidance rule, tax planning, fundamental right to save taxes, fundamental duty to pay taxes.
[“Es gibt keine patriotische Pflicht, möglichst hohe Steuern zu zahlen.”] HEY, Johanna1.
Introdução
A Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais entendeu, em decisão recente, que o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional teria a natureza de uma norma geral antiabuso e seria autoaplicável. Prevaleceu, para a maioria dos Conselheiros, o argumento de que “dentre as duas interpretações juridicamente possíveis deve ser adotada aquela que afirma a eficácia imediata da norma geral antielisiva, pois esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a nova ordem constitucional, em especial com o dever fundamental de pagar tributos, com o princípio da capacidade contributiva e com o valor de repúdio a práticas abusivas”2.
O presente artigo tem como objetivo criticar a referida decisão e, ao fazê-lo, contribuir para o debate premente acerca do tema da existência, ou não, no Brasil de uma norma geral antiabuso e, consequentemente, da liberdade de o Fisco desconsiderar negócios jurídicos realizados pelos contribuintes com a finalidade de economizar tributos com base no art. 116, parágrafo único, do CTN. O referido dispositivo estabelece que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” A correta interpretação deste dispositivo (e sua aplicabilidade) gera posições antagônicas na doutrina.
Por um lado, há quem atribua a natureza de norma geral antiabuso ao dispositivo, cuja finalidade teria sido a de autorizar a Fazenda Pública à desconsideração para fins fiscais dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de economizar tributo, o que, por si só, seria abusivo. Como decorrência da sua abrangência, entende-se ainda que a sua aplicabilidade seria imediata, em virtude da necessidade de que a interpretação da legislação privilegie o combate à sonegação fiscal. Por outro lado, há quem atribua a natureza de norma específica antiabuso a este dispositivo, no sentido de que seria direcionado tão somente para a hipótese de dissimulação. Isso significa dizer que ele não serviria como um fundamento legal para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de economizar tributos, mas tão somente para as hipóteses em que o contribuinte inventasse uma realidade inexistente, dissimulando aquilo que de fato aconteceu. Além disso, o dispositivo seria inaplicável hoje, no Brasil, na medida em que ausente a legislação exigida para a sua regulamentação.
São estas duas divergências que serão analisadas neste trabalho. Estabelecida esta questão inicial, o artigo buscará analisar qual seria o alcance e os limites de uma norma geral antiabuso no Sistema Tributário Nacional. Tal análise é fundamental não apenas para que se verifique de forma crítica a correção (ou incorreção) da decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, como também para estabelecer os limites impostos às propostas legislativas de alteração do Código Tributário Nacional com a finalidade de estabelecer normas antiabuso no Direito brasileiro.
1. A correta interpretação do art. 116, parágrafo único, do CTN
O Código Tributário Nacional não possui uma disposição que possa ser classificada como uma “norma geral antiabuso”. A Lei Complementar n. 104 incluiu o parágrafo único do art. 116, para determinar que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Este parágrafo controverso gerou e gera até hoje uma série de discussões acerca do seu conteúdo, finalidade e eficácia.
O texto deste dispositivo, contudo, não poderia ser mais claro: regula-se a aplicação da figura da dissimulação no Direito Tributário. A dissimulação, da mesma forma que a simulação, se caracteriza por um desacordo entre aquilo que foi declarado e aquilo que efetivamente aconteceu. A diferença é que a simulação (absoluta) exprime ato jurídico inexistente, ilusório, ou que não corresponde à realidade, total ou parcialmente; e a dissimulação (ou simulação relativa) ocorre quando por trás do negócio simulado existe outro dissimulado3. Em outras palavras, a dissimulação ocorre quando um negócio jurídico é utilizado como uma máscara para encobrir outro, que é o realmente querido e praticado pelas partes. As partes criam a aparência de um negócio jurídico diverso do que efetivamente querem, atuando com um “disfarce”4. No mesmo sentido, Novoa conceitua a simulação como o negócio que tem uma aparência contrária à realidade, classificando-a entre simulação absoluta (geradora de uma situação falsa ou aparente) e relativa (geradora do acobertamento da verdadeira situação)5. Assim, dissimular é fazer algo diferente do que se declara fazer, sendo constatado quando o contribuinte quer que a Administração acredite que alguma coisa aconteceu, quando outra, diferente, ocorreu6. Nesse caso, o contribuinte não cria uma realidade inexistente, ele a modifica. A doutrina, portanto, concorda no sentido de que a dissimulação ou simulação relativa significa criar um negócio jurídico aparentemente existente com a intenção de esconder outro, efetivamente existente7.
A dissimulação (ou simulação relativa) é, por conseguinte, um vício específico, que não se confunde com a simulação e tampouco com os vícios atinentes ao plano da validade dos negócios jurídicos (fraude à lei, abuso de direito e abuso de forma). Mesmo com relação à simulação, o Código Tributário Nacional fez distinção com relação aos vícios: tratou da simulação e da dissimulação com termos distintos, em dispositivos distintos e com consequências distintas. Tal cenário cria restrições ao intérprete que não podem ser desconsideradas. O que o parágrafo único do art. 116 do CTN faz, de forma explícita, é disciplinar a ocorrência e as consequências do vício de dissimulação, criando, portanto, uma regra antiabuso específica, circunscrita a uma hipótese delimitada de vício. A doutrina, porém, não possui um consenso sobre o tema. De um lado, há autores que defendem a natureza de norma geral antiabuso do dispositivo8. De outro lado, há autores que defendem que esta não é uma norma geral antiabuso, sendo restrita a regular a questão da dissimulação9.
Dois seriam os argumentos principais para sustentar a natureza de norma geral antiabuso do dispositivo. Em primeiro lugar, o fato de que a dissimulação, enquanto simulação relativa, já estaria contida no art. 149, inciso VI, e, por isso, seria despicienda a nova regulamentação. E, em segundo lugar, o fato de que a Exposição de Motivos do Projeto de Lei n. 77/1999, que deu origem à Lei Complementar n. 104/2001, explicitava uma finalidade mais ampla de combate ao planejamento tributário. Para GRECO, por exemplo, o dispositivo abrangeria tanto a figura da simulação em geral, como as figuras do abuso de direito, da fraude à lei e do negócio jurídico indireto10.
Os argumentos, no entanto, não se sustentam. Primeiro, porque a simulação e a dissimulação, embora possam ser consideradas espécies do mesmo gênero (vícios da existência), não se confundem em suas definições e, exatamente por isso, há termos distintos para caracterizá-las. Aplica-se, nesse caso, o argumento da constância terminológica, enquanto argumento típico da interpretação sistemática: se o legislador utiliza termos ou expressões diferentes (especialmente dentro do mesmo documento normativo) é porque quis identificar significados diferentes11.
Segundo, porque não obstante a exposição de motivos possa ser um instrumento normativo útil à verificação da finalidade visada pelo legislador, a análise da lei exige a investigação da finalidade objetivada no próprio texto legal, que não se confunde com a vontade subjetiva do legislador. Noutro dizer, é preciso diferenciar a vontade objetivada na lei (elemento sistemático-teleológico) da vontade subjetiva do legislador (elemento genético-subjetivo)12. Ao tratar dos argumentos de interpretação, a Teoria do Direito distingue, de um lado, o argumento psicológico ou genético vinculado à “intenção do legislador”, e, de outro lado, o argumento teleológico objetivo, vinculado ao propósito objetivado na própria disposição13. O argumento psicológico ou genético remete à mente, à vontade ou à intenção do legislador, relacionando-o à ideia de que a uma disposição se deve atribuir o significado que corresponder à vontade do legislador, sendo fruto de uma interpretação que apela à conjectura em torno da intenção do legislador histórico (“de carne e osso”)14. O argumento teleológico objetivo, no entanto, vincula-se à finalidade objetivada no próprio texto. Por isso, para constatar esta ratio legis é preciso se atentar não (ou pelo menos não tanto) para os trabalhos preparatórios, mas sim para o texto da lei enquanto tal, além das circunstâncias sociais e políticas na qual ela foi editada15. Assim, havendo divergência entre o texto do dispositivo e a sua exposição de motivos, deve-se dar primazia ao texto em detrimento dos argumentos genéticos16.
Diante destas considerações, a correta interpretação do disposto no art. 116, parágrafo único, do CTN, precisa respeitar os limites do texto legal. Com efeito, o sentido preliminar das palavras utilizadas pelo legislador é suficiente para circunscrever a aplicabilidade deste dispositivo tão somente ao caso de dissimulação. O legislador poderia ter feito diferente. Mas não o fez. E se não o fez, não cabe ao intérprete, aplicador da lei, o poder de estender as suas hipóteses de aplicação ou aplicar o dispositivo por analogia a outras situações. Em suma, o parágrafo único do art. 116 caracteriza-se apenas como uma norma específica antiabuso e não como uma norma geral antiabuso.
2. A inaplicabilidade do art. 116, parágrafo único, do CTN
Não suficiente a questão da classificação do parágrafo único do art. 116, a doutrina ainda diverge com relação à sua aplicabilidade. O dispositivo confere poder para a autoridade fiscal desconsiderar negócios jurídicos praticados com a finalidade de esconder o verdadeiro negócio jurídico. O problema é que este dispositivo não apenas atribuiu o poder, mas definiu como ele deveria ser exercido: por meio de procedimento a ser estabelecido em lei ordinária. Esta lei, contudo, até hoje não existe. Em 2002, foi editada a Medida Provisória n. 66, que em seus arts. 13 a 19 apresentava os aspectos procedimentais exigidos pelo dispositivo, mas ela não foi convertida em lei, assim como nenhuma das propostas posteriores o foram17. Mais do que criar o procedimento previsto no parágrafo único do art. 116, esta medida tentou introduzir no Direito brasileiro os critérios do “propósito negocial” (art. 14, inciso I) e do “abuso de forma” (art. 14, inciso II) como critérios de validade ou eficácia dos atos perante ao Direito Tributário18. Se a própria norma geral condicionou a sua aplicação a um procedimento a ser estabelecido em lei, evidente que não se pode falar na aplicação do dispositivo sem este procedimento. Não se pode aplicar o dispositivo e negá-lo ao mesmo tempo. Há uma contradição lógica insuperável nesse caso.
Mas se assim o é, isso significa dizer que, embora prevista no Código Tributário Nacional, a dissimulação enquanto fundamento para a desconsideração de negócios jurídicos pela autoridade fiscal não pode ser aplicada pela ausência de lei que regule o procedimento para tanto. Tal cenário cria uma situação de insegurança jurídica: como prevista, as autoridades fiscais sentem que podem aplicá-la aos negócios jurídicos, mas, como não há procedimento previsto em lei sobre como fazê-lo, a aplicação ocorre usando como subterfúgios outros institutos e, principalmente, princípios que justificariam a desconsideração de negócios jurídicos pela própria autoridade fiscal. Aplica-se o parágrafo único do art. 116, mesmo sem se admitir isso.
Tal dispositivo, contudo, estabelece uma prerrogativa para a autoridade fiscal agir diretamente (sem necessidade de uma autorização judicial), desde que siga um procedimento legal. Na falta deste, esta prerrogativa não existe, por uma razão óbvia: um poder condicionado não existe enquanto não implementada sua condição19. Se a autoridade fiscal entende que há dissimulação e precisa desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa, então ela precisa seguir o procedimento estabelecido pelo Código Civil, que regula de forma geral o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica exigindo, para tanto, decisão judicial20. Em outras palavras, enquanto não for editado o procedimento previsto no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, a aplicação das consequências próprias da dissimulação dependerá da intervenção judicial, nos termos definidos no Código Civil.
3. O alcance (e os limites) de uma norma geral antiabuso no Sistema Tributário Nacional
Em que pese a conclusão de que não há uma norma geral antiabuso no sistema brasileiro, são numerosas as tentativas de introdução de uma norma desta natureza. O próprio anteprojeto do Código Tributário Nacional, apresentado por Gomes de Souza, previa dois dispositivos neste sentido, os arts. 129 e 134. O art. 129 expressamente adotava a interpretação econômica ao estabelecer que a interpretação da norma tributária, para fins de determinação da ocorrência do fato gerador, deveria levar em consideração “os resultados efetivamente decorrentes, [...] ainda que tais resultados não correspondam aos normais, com o objetivo de que a resultados idênticos ou equivalentes corresponda tratamento tributário igual”21. E o art. 134 poderia ser caracterizado como uma norma geral antiabuso que permitia à autoridade fiscal tributar por analogia, ao defender que esta poderia aplicar a legislação tributária mesmo nos casos em que “não se configure hipótese expressamente definida pela legislação como infração”22. Ambos os artigos, contudo, foram rejeitados, tendo a Comissão Especial do Código Tributário Nacional no Congresso Nacional reconhecido em seu relatório que este tipo de norma violava o princípio da legalidade. Isso significa dizer que não há uma lacuna não prevista sobre o tema no Código Tributário Nacional de 1966, mas sim uma opção do legislador, em respeito à legalidade tal como posta na Constituição, de não permitir a aplicação da interpretação econômica, de um lado, e da tributação por analogia ou igualdade, de outro.
Como mencionado, em 2001, a Lei Complementar n. 104 inseriu o parágrafo único no art. 116, o que, para alguns autores, significou a inclusão de uma norma geral antiabuso no sistema brasileiro. Ainda que não se concorde com esta interpretação, conforme já analisado, é importante reafirmar a inaplicabilidade da norma pela falta de regulação. Em 2002, a Medida Provisória n. 66, que supostamente serviria para a regulação deste dispositivo, foi mais uma tentativa de inserção de uma norma geral antiabuso. A medida, contudo, foi convertida na Lei n. 10.637/2002 sem este dispositivo. Uma vez mais, portanto, o Congresso Nacional fez uma escolha por não incluir uma lei geral antiabuso no sistema brasileiro. Mais recentemente, a Medida Provisória n. 685, de 2015, representou nova tentativa neste sentido, ao criar uma obrigação de declaração para os contribuintes com relação a operações que não tivessem “motivação extratributária”. O resultado foi o mesmo: a não conversão deste dispositivo em lei. Diante deste quadro, é, de fato, surpreendente que estes critérios, expressamente rejeitados pelo Congresso Nacional, sigam sendo aplicados pelas autoridades fiscais e pelos órgãos encarregados de revisar administrativamente os lançamentos, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais23. Tal cenário, portanto, reforça a necessidade de que se analise qual seria o alcance constitucional para uma norma desta natureza no ordenamento jurídico brasileiro.
A própria contribuição de uma norma geral antiabuso é discutível na doutrina. Isso decorre do fato de que este tipo de norma traz em si um paradoxo. De um lado, ela deveria atuar como geradora de maior segurança jurídica para o sistema como um todo, apresentando critérios objetivos controláveis para o entendimento daquilo que seria considerado abusivo em um determinado ordenamento jurídico. De outro lado, na tentativa de ser geral, este tipo de norma acaba se utilizando de termos e cláusulas abertas, que aumentam a incerteza com relação a sua aplicação e, de algum modo, abrem espaço para a discricionariedade na atuação das autoridades fiscais. Para parte da doutrina, como Oliveira, a norma geral antiabuso atuaria para estabelecer os limites do planejamento tributário, sendo ela capaz de criar regras próprias ao Direito Tributário para que determinados atos, mesmo válidos perante o Direito Privado, tenham suas consequências e respectivos efeitos tributários alterados. Seria o combate àquilo que o autor chama de elusão24. A preferência pelo termo elusão decorreria da própria definição de elisão, que é substantivo do verbo elidir, o que significa tecnicamente esconder; enquanto a elusão faria referência ao desvio da obrigação tributária25. Desse modo, o autor aproxima-se do trato da matéria no Direito italiano, na medida em que Tesauro conceitua a elusão como a situação na qual se esquiva ou se dribla uma determinada obrigação tributária pela não realização do fato típico nela descrito, mas sim a realização de um fato equivalente que gere o mesmo resultado econômico considerado pela norma elidida. O autor diferencia a elusão (elusione) do planejamento tributário ou, mais precisamente, da economia tributária (risparmio d’imposta), na medida em que nesta última se produziria um resultado prático diverso daquele previsto pela norma elidida, ao contrário do que ocorreria na elusão26.
Em sentido semelhante, Souza e Funaro defendem que a norma antiabuso atuaria no campo de ação do contribuinte dentro da legalidade, ou seja, no combate à prática de atos que seriam lícitos do ponto de vista do Direito Privado, mas que não corresponderiam ao real interesse das partes, tendo como “propósito exclusivo ou principal evitar o regime tributário normalmente aplicável”, o que configuraria que o “contribuinte usaria a legalidade em seu benefício privado, contra o interesse público exteriorizado na norma tributária”, tornando o ato “ilegítimo para o Direito Tributário, por desvio de finalidade”27. Assim, a norma tributária antiabuso permitiria o tratamento diferenciado de atos ou negócios jurídicos praticados com objetivos tributários, e não eminentemente civis28. Mais à frente, contudo, os autores afirmam que isso não significaria modificar ou invalidar a sua qualificação jurídica e que teria apenas a intenção de tributar “adequadamente” os atos que se procurou modificar artificialmente. Ocorre que para atos “artificiais”, ou seja, atos que de algum modo não correspondam à verdade, em que há uma discrepância entre aquilo que foi declarado e aquilo que foi realizado, a simulação e a dissimulação já são suficientes para seu combate e nem se poderia dizer aqui que haveria atos válidos do ponto de vista do Direito Privado, na medida em que eles sequer seriam existentes. Se este for o campo de aplicação de uma norma antiabuso, então não há discordância.
O problema é se afirmar que ela atuaria perante atos válidos e que ainda assim teriam seus efeitos diretos desconsiderados ou, pior, que ela atuaria de algum modo fora da legalidade, como correção desta. Não há abuso ou artificialidade em decidir realizar um negócio jurídico com o intuito de economizar tributos, se o contribuinte não apenas declara que o fez, como o faz efetivamente, alterando a sua situação jurídica e aceitando os riscos e efeitos deste negócio. É preciso esclarecer que o motivo tributário não é um critério para o controle de existência ou de validade de uma operação. Por isso, se o que a norma geral antiabuso pretende é inserir este critério no ordenamento jurídico, esta norma estará necessariamente eivada de inconstitucionalidade no sistema brasileiro. Daí a dificuldade de imaginar qual seria este âmbito de aplicação sem violar, primeiro, o direito de liberdade do contribuinte de atuar para economizar tributos; segundo, o direito de não ser tributado fora das hipóteses legais; e, terceiro, o direito de não ser tributado por analogia. São estes limites, inclusive, que justificaram a não introdução deste tipo de norma no Direito brasileiro até o momento29.
Dentro do contexto brasileiro, portanto, a “norma geral antiabuso” deveria exercer outra função além desta reconhecida pela doutrina nacional. O alcance de uma legislação deste tipo no sistema brasileiro deveria servir para definir, de forma mais precisa, os institutos do dolo, da fraude, da simulação e da dissimulação, bem como estabelecer os procedimentos que deveriam ser adotados, em respeito ao contraditório e à ampla defesa, para a sua caracterização30. Além disso, tal legislação deveria conter disposições expressas acerca do ônus da prova neste tipo de situação, assegurando que a autoridade fiscal detém a responsabilidade de comprovar a existência destes vícios em um parâmetro acima da dúvida razoável, ainda que esta responsabilidade possa ser mitigada nos casos em que a falta de informações, comprovadamente, decorra da atuação do contribuinte. O modelo alemão, nesse caso, seria bastante útil, no sentido de estabelecer como regra geral sobre a incidência tributária o parâmetro de prova convincente (convincing proof), que, no entanto, poderia ser reduzido para o parâmetro de “mais provável do que não” (more-likely-than-not-standard) em casos especiais, especialmente quando não há cooperação do contribuinte para o acesso às informações31.
Em suma, o papel que uma norma geral antiabuso deveria exercer no Sistema Tributário Nacional seria o de explicitar que cabe à autoridade fiscal demonstrar a abusividade ou o caráter indevido de uma economia fiscal, de forma detalhada, justificada e fundamentada, sendo este ônus atenuado, apenas e tão somente, quando se comprovasse que a falta de informações decorreria da conduta (dolosa) do próprio contribuinte que tenha deixado de cumprir com seu dever de prestar as informações exigidas em lei. Tal regra geral auxiliaria a elucidar o que, em muitos casos, é ignorado pelas decisões no âmbito administrativo: quando o contribuinte atua às claras, fornecendo todas as informações devidas à autoridade fiscal, cabe a esta comprovar a irregularidade de sua atuação, sendo o risco da falta de provas prejudicial à manutenção do auto de infração – e não aos direitos do próprio contribuinte.
4. O direito fundamental de economizar tributos e os limites à legislação antiabuso brasileira
O papel de uma legislação antiabuso no Sistema Tributário Nacional precisa ser analisado sob o enfoque do ordenamento jurídico nacional. A Constituição brasileira assegura aos contribuintes o direito fundamental de economizar tributos. Tal direito pode ser (re)construído a partir do Sistema Constitucional Tributário estabelecido pela Constituição de 1988 e tem dois fundamentos principais: primeiro, a delimitação da competência tributária por meio de regras e, segundo, a fixação de limitações constitucionais (rígidas) ao exercício do poder de tributar. Se a Constituição estabeleceu de forma rígida os contornos dentro dos quais o poder tributário poderia ser exercido e, mais que isso, a forma por meio do qual ele deve ser exercido, é impreterível a conclusão de que ela estabeleceu também um espaço no qual o poder tributário não pode ser exercido diante dos direitos de liberdade do contribuinte. Reconhecer este espaço implica reconhecer o direito fundamental de economizar tributos32.
O reconhecimento de que a Constituição assegura este âmbito de liberdade aos contribuintes implica consequências imediatas para a análise do tema relativo ao combate à sonegação fiscal por meio da legislação brasileira. A lei não tem o poder de tornar ilícito aquilo que a Constituição garantiu como um direito. Qualquer lei, portanto, que defina como ilegal o exercício do planejamento tributário ou a escolha de determinada atividade ou operação com a finalidade de economizar tributos revela-se como uma lei contrária à Constituição, na medida em que viola um direito por ela assegurado.
A consideração da motivação extrafiscal nasceu nos Estados Unidos a partir do caso Gregory versus Helvering, quando a Corte americana adotou o pressuposto da inexistência de propósito negocial (business purpose) para declarar a ilegalidade da ação do contribuinte. Em que pese seja discutível mesmo no exterior, incluindo os próprios Estados Unidos, a premissa continua a se manifestar na jurisprudência administrativa nacional, por influência intensa de doutrina que interessa ao Fisco33. A aplicação deste tipo de critério no Brasil, no entanto, ignora que, ao reconhecer os princípios da Ordem Econômica, a Constituição também reconhece a possibilidade de usar a liberdade para se diferenciar e maximizar seus ganhos. A própria existência de um mercado econômico implica o reconhecimento desta liberdade. Para Jachmann, a ideia de Estado Fiscal, na qual a realização das tarefas públicas pelo Estado será financiada em grande parte pela arrecadação tributária, funciona como uma garantia de uma ordem fundamentalmente privada, que assegura a liberdade dos agentes econômicos. Assim, de algum modo, a obrigação de pagar tributos seria a própria garantia da liberdade econômica34. Nesse contexto, a ideia de que o Estado poderia repreender quem se utiliza desta liberdade para, em comparação com outros, adquirir mais renda e aumentar seu poder de compra, na prática significaria a negação dessa liberdade35. Daí por que reconhecer a liberdade dos contribuintes de conduzir seus negócios do modo que melhor lhe aprouver implica o respeito ao planejamento tributário, o que significa, em outras palavras, o respeito ao direito à economia de tributos36.
No mesmo sentido, Hey é expressa com relação ao tema: o contribuinte é livre para se organizar de forma a pagar menos tributos, ainda mais se a legislação tributária estabelece diferenças de cargas tributária para diferentes tipos de negócios, mesmo que as circunstâncias econômicas sejam similares, uma vez que “não há nenhuma obrigação patriótica de pagar o imposto mais alto”37. O que diferencia a abordagem de Hey desta feita no presente trabalho se refere aos limites que podem ser impostos a este direito pela lei. Embora critique a legislação específica antiabuso na Alemanha, culpando-a pelo aumento da complexidade do Direito Tributário no país, a autora reconhece a necessidade deste tipo de legislação e o direito do legislador de impor limites a este tipo de atuação, desde que respeite os direitos dos contribuintes38. Até este ponto, nenhuma diferença com as conclusões até aqui apresentadas. A diferença na abordagem do tema, contudo, reside no fato de que embora na Alemanha se possa, por inferência, definir os princípios aplicáveis à tributação, o Sistema Tributário alemão em si é definido pela legislação infraconstitucional. Isso significa que o legislador é quem criou este sistema e, portanto, ainda que com limitações de razoabilidade e coerência, pode modificá-lo.
No Sistema Tributário Brasileiro, por outro lado, o que se verifica é um sistema constitucional, cujos limites foram definidos pela Constituição. Daí ser diferente o âmbito de discricionariedade para o legislador impor limites à atuação do contribuinte. Há, por conseguinte, uma diferença importante no reconhecimento do direito de economizar tributos como um direito definido pela lei e como um direito fundamental definido pela Constituição. A definição da escolha tributária pela economia tributária como algo ilícito, portanto, está fora do espectro do legislador infraconstitucional – pelo menos, no Brasil. Mas se assim o é, é preciso reconhecer que a atuação econômica por motivação tributária não pode ser considerada como ilícita ou abusiva. A ideia de que seria necessária uma motivação extratributária para a legitimidade da atuação econômica do contribuinte parte da premissa de que, se esta fosse a sua única motivação, o negócio jurídico seria automaticamente ilícito ou passível de desconsideração para fins tributários.
Como mencionado, dentre as tentativas de inclusão de uma norma geral antiabuso, destaca-se a Medida Provisória n. 685, de 2015. Tal medida, em breve resumo, criava a obrigação de declarar à Receita Federal determinadas operações, dentre elas aquelas cujos atos ou negócios jurídicos não possuíssem “razões extratributárias relevantes” (art. 7º, inciso I), com a finalidade prática de permitir à Receita Federal desconsiderá-las do ponto de vista tributário (art. 9º). A Medida Provisória não foi convertida em lei por uma série de violações à Constituição e ao próprio Código Tributário Nacional39. Formalmente, ela era inconstitucional por tratar de matéria reservada constitucionalmente à lei complementar (normas atinentes ao fato gerador) pelo art. 146, inciso III40. Além disso, os dispositivos estabeleciam requisitos destinados à desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes com elevado grau de indeterminação, sem que eles próprios contivessem os critérios para a sua determinação, em violação direta ao princípio da legalidade. Não havia nem estipulação conceitual nem indicação de critérios mínimos com relação ao que seriam razões extratributárias “relevantes”, o que seria forma “não usual” e o que seria “desnaturar, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico”. A Medida Provisória n. 685/2015 não definia o que era relevante, relevante com relação ao quê, relevante para quem e relevante em que medida. Ela também não definia o que seria não usual, como deveria ser medida essa não usualidade e com relação a que parâmetro ela deveria ser aferida. Ela igualmente não definia o que seria abuso parcial de forma, nem qual parte poderia ser considerada essencial e por que ela poderia ser havida como tal41.
Não havendo nem estipulação conceitual nem indicação de critérios mínimos para a definição desses termos pela própria medida, no entanto, o poder de definir acabava sendo delegado à autoridade administrativa, sem nenhum critério objetivo prévio, o que caracterizava violação também ao princípio da legalidade, tanto por instituir norma com elevado grau de indeterminação, quanto por delegar a instrumento normativo secundário matéria reservada à lei (que sequer seria lei ordinária, mas complementar, relativamente aos requisitos de desconsideração). Nesse ponto, importante referir que mesmo antes de sua extinção pela não conversão em lei, já havia uma decisão liminar da Justiça Federal de São Paulo exonerando uma empresa do cumprimento da Medida Provisória n. 685/2015 (que naquele momento encontrava-se suspensa). Um dos fundamentos da decisão foi exatamente a falta de precisão terminológica das expressões contidas no art. 7º42.
O que interessa para o presente trabalho, contudo, é indagar se este tipo de critério poderia ou não ser introduzido na legislação brasileira, ainda que por meio de lei complementar ou se, independentemente do aspecto formal, seria preciso reconhecer a inconstitucionalidade material deste tipo de disposição. Não obstante o termo falta de “motivação extratributária relevante” seja marcado pela falta de clareza, parte-se aqui do pressuposto de que ele referiria-se à falta de um motivo extratributário para a realização de determinado ato ou operação, o que significa, na prática, que esta tenha sido realizada com a finalidade de economizar tributos.
O problema é que este critério dependeria da existência de uma vedação à realização de atos por motivos tributários, ou mais propriamente, de uma vedação à própria ideia de que em uma economia de mercado deve-se buscar a redução dos custos e a maximização dos ganhos. Do ponto de vista contábil, este tipo de argumentação é, nas palavras de Lopes e Martins, “estarrecedora”. Como advertido por eles ao criticar a doutrina do “propósito negocial” no Brasil, o lucro faz parte da essência e da substância do instituto empresarial. Daí ser tautológica a conclusão de que a diminuição do tributo, enquanto custo, é uma obrigação do administrador43. O tributo é um custo como outro qualquer e, portanto, uma razão bastante razoável para as escolhas atinentes à atuação econômica. O objetivo de economizar tributos é, em si, um objetivo empresarial (business purpose), desde que não haja ferimento à lei44. Sendo assim, a liberdade de agir de um modo ou de outro para não pagar ou pagar menos tributos, conforme a inocorrência de fato gerador ou a ocorrência de fato gerador menos oneroso, é um direito constitucional que atende a um anseio natural do homem, o qual se confunde com o motivo que conduz à ação, podendo, portanto, o motivo ser estritamente tributário45.
Isso significa dizer que não é contrária à lei a atuação do contribuinte que não realiza o fato tributário e assim evita o nascimento da obrigação tributária, uma vez que todos podem organizar suas atividades com vistas a pagar o menor tributo possível46. Nas palavras de Tipke: “a elisão fiscal consciente e planejada é uma modalidade legal de resistência fiscal”47. Conforme já referido, o ordenamento jurídico inclusive admite isso ao utilizar o tributo como forma de intervenção econômica, social e política – reconhecendo, desse modo, sua característica inerente de influenciar na tomada de decisões dos agentes econômicos. Considerar abusiva uma operação por sua finalidade tributária significa tornar ilícita a opção pela economia tributária, ou seja, a própria negação do direito de economizar tributos. Se um determinado ato fosse considerado abusivo porque praticado com a única finalidade de economizar tributos, isso significaria que o contribuinte não teria esta liberdade e que, portanto, estaria obrigado a desconsiderar o aspecto tributário ao tomar suas decisões econômicas. Noutro dizer, isso significaria uma obrigação de contribuir sempre na máxima medida possível, como se o tributo pudesse ser cobrado em razão da capacidade contributiva, independente da lei; e não em razão da lei, respeitando a capacidade contributiva48.
Tal entendimento, contudo, dependeria de uma releitura da Constituição em desconsideração ao modo como ela foi posta. Considerando o texto constitucional existente, é imperioso o reconhecimento de que a tributação faz parte de um ambiente econômico e é usada como instrumento de financiamento do Estado e também como instrumento político para finalidades extrafiscais, como a intervenção econômica, política, social. Nesse contexto, evidente o reconhecimento de que é da natureza de um ambiente econômico a busca pela menor tributação possível – o que, inclusive, auxilia o Estado na influência do comportamento dos contribuintes por meio dos tributos com finalidade extrafiscal. É um contrassenso, portanto, reconhecer as funções extrafiscais políticas, sociais e econômicas aos tributos, mas, ao mesmo tempo, desconsiderar sua influência como fator a ser considerado nas decisões econômicas49. A motivação tributária é natural de uma sociedade de mercado e não se confunde, necessariamente, com uma conduta abusiva. Assim, embora seja evidente que elas possam em determinada situação andar juntas, a falta de uma motivação extratributária não implica automaticamente em uma situação abusiva ou fraudulenta. Qualquer legislação antiabuso deve, portanto, respeitar estes limites.
5. O equívoco da decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Diante das considerações precedentes, é fundamental analisar a decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais no sentido de que o parágrafo único do art. 116 do CTN seria uma norma geral antiabuso e seria imediatamente aplicável. No julgamento realizado na Primeira Turma da Câmara Superior, entendeu-se, por maioria dos votos, que deveria prevalecer a interpretação do dispositivo que estivesse de acordo com o dever fundamental de pagar tributos e com o necessário combate à sonegação50. O voto do Conselheiro Relator do Acórdão é explícito nesse sentido:
“Nesse sentido, interpretar-se o art. 116, parágrafo único, do CTN, introduzido pela Lei Complementar nº 104/2001, da forma defendida pela ora recorrente, significaria uma autorização para que os grandes contribuintes deixassem de cumprir, ao menos até a promulgação da lei ordinária (e já se vão quase 14 anos de omissão legislativa no âmbito federal), o seu dever fundamental de pagar tributos, mediante a adoção de planejamentos tributários abusivos. Seria assim uma inovação legislativa com vista a impedir que o fisco coibisse o ilícito, já que, como ressalta Torres, o combate à fraude à lei e ao abuso de forma jurídica já existia mesmo antes do advento da norma em questão.
Além de não se coadunar com o dever fundamental de pagar tributos, tal interpretação também constitui uma afronta ao princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. 145, § 1º, da Constituição, já que os grandes contribuintes, justamente aqueles que possuem maior capacidade econômica, estariam sendo gravados com uma tributação inferior à sua capacidade, e em detrimento da tributação incidente sobre os demais contribuintes, uma vez que o montante de recursos orçamentários necessários à concretização dos direitos e garantias fundamentais permanece inalterado.
É de se ter em conta, ainda, que a nova ordem constitucional conferiu grande importância a valores morais, tais como a boa-fé e a função social do contrato, repudiando por conseguinte a adoção de práticas abusivas perpetradas seja pelo Estado seja pelos particulares. Em assim sendo, também aqui a interpretação defendida pela recorrente não se harmoniza com a Constituição na medida em que, segundo ela, enquanto não for promulgada a lei ordinária prevista no art. 116, parágrafo único, do CTN, o Fisco estaria impedido de coibir práticas abusivas perpetradas pelos grandes contribuintes.”51
A decisão, portanto, justifica sua interpretação tanto no dever fundamental de pagar tributos, vinculado ao princípio da solidariedade, como no princípio da capacidade contributiva. Em nome da promoção destes princípios, o intérprete afasta o sentido preliminar do dispositivo objeto de interpretação, para conferir uma interpretação extensiva ao seu texto (o dispositivo não trata apenas da dissimulação, mas do abuso em geral) e também uma aplicabilidade não autorizada (o dispositivo não precisa de uma lei regulamentar a ser editada, mas pode usar uma lei já existente para tanto).
A desconsideração do sentido preliminar do texto do referido dispositivo, que consubstancia verdadeira regra acerca do tratamento que deve ser conferido à hipótese de dissimulação, em nome da aplicação de princípios é, no entanto, violadora da Constituição e da lei. A justificativa amparada na doutrina cunhada por Nabais, acerca do dever fundamental de pagar impostos não encontra qualquer fundamento legal. Para o autor, o pagamento de impostos (e tributos em geral) seria verdadeiro dever fundamental, o que excluiria consequentemente qualquer direito de não pagar impostos52. Vale referir, que, antes dele, a ideia de dever de contribuir como um dever fundamental, vinculado à solidariedade, foi desenvolvida na Espanha por Escribano. Para o autor, o dever de contribuir seria um princípio fundamental de base não individualista que a Constituição protegeria e ampararia: uma específica concreção do dever de solidariedade que marcaria o quadro jurídico promocional da Constituição na medida em que constituiria um dos elementos fundamentais para sua realização53.
Para fins do presente trabalho, é suficiente apontar as limitações da aplicação desta doutrina frente à Constituição brasileira. A Constituição, ao mesmo tempo em que erigiu a solidariedade e a capacidade contributiva como princípios, também determinou que caberia ao legislador – não ao Fisco, ou ao Poder Judiciário – definir as manifestações de capacidade contributiva que estariam sujeitas à tributação. Mas não qualquer manifestação de capacidade econômica, e sim somente aquelas enquadradas dentro do arquétipo definido pelas regras de competência estabelecidas pela Constituição. Isso significa dizer que, primeiro, nem toda manifestação de capacidade contributiva gera dever de tributação; e, segundo, apenas o legislador e obedecendo às regras de competência constitucionais (e não por simples inferência da aplicação do princípio da solidariedade) é quem tem competência para definir as manifestações de capacidade contributiva que estão sujeitas à incidência tributária. Entendimento em sentido contrário significa, na prática, negar o valor da legalidade. Sem a limitação e o valor imposto pela legalidade, enquanto concretização da própria segurança jurídica no ordenamento, os vetores da solidariedade e da capacidade contributiva ganham força até mesmo para serem aplicados de forma direta para sustentar a tributação. Tal entendimento também ignora que a estrutura normativa determinada pela Constituição brasileira é uma estrutura de previsibilidade, formada por regras de antecedente fechado54.
O efeito geral implicado pela distribuição de competências pela própria Constituição é o de afastar a possibilidade de ponderação entre princípios na aplicação das normas de competência tributária. Isso porque, como destaca Ávila, se fosse a ponderação concreta entre princípios conflitantes o método desejado pela Constituição, então o constituinte teria escolhido outro tipo de normatização55. A solidariedade, embora seja uma finalidade política explícita no texto constitucional, não serve como justificativa para a tributação de qualquer forma. Mais que isso: o fato de a solidariedade ser um princípio constitucional explícito e de que é possível estimular a sua promoção também através da tributação não significa que o legislador ou o intérprete esteja autorizado a fazer isso de qualquer forma. Não se pode confundir o plano do “se”, relativo à competência para fazer, com o plano do “como”, vinculado ao modo pelo qual isso pode ser feito56.
Por essa razão, nem a solidariedade nem a capacidade contributiva servem como fundamento legal para justificar a flexibilização de uma regra tributária relativa ao exercício do poder de tributar. De um lado, a Constituição atribui à solidariedade a função de justificar a tributação, especialmente no caso das contribuições sociais, mas, ainda assim, não outorga poder de tributação por meio dela, e sim, por meio das competências detalhadamente outorgadas e da própria lei – tal constatação também decorre do fato de que a solidariedade pode ser promovida de outras formas, que não apenas pela tributação. De outro lado, a Constituição atribui à capacidade contributiva a função de graduação dos tributos e não a função de instituição dos próprios tributos: não há o Imposto sobre a Capacidade Contributiva, e sim impostos cujas materialidades foram determinadas pelo texto constitucional e que devem, sempre que possível, ser graduados pela capacidade econômica dos contribuintes. Não há, portanto, qualquer fundamento constitucional ou legal que justifique a interpretação conferida ao disposto no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional pela Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.
Conclusões
As considerações anteriores permitem alcançar duas conclusões principais, aqui sumarizadas. Em primeiro lugar, a conclusão de que inexiste no Sistema Tributário Brasileiro uma norma geral antiabuso. O parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar n. 104/2001, não exerce este papel no sistema brasileiro. Isso porque a aplicação dos argumentos literal e sistemático ao texto prescrito pelo legislador indica que este dispositivo se aplica tão somente à hipótese de dissimulação, configurando, desse modo, uma regra específica antiabuso. Além disso, este dispositivo é inaplicável, hoje, em virtude da inexistência de lei regulamentadora do procedimento adequado para a desconsideração, tal qual exigido pelo próprio dispositivo.
Em segundo lugar, o papel a ser exercido por uma norma geral antiabuso no Sistema Tributário Nacional é bastante restrito, na medida em que seu conteúdo deve estar de acordo, primeiro, com o direito de liberdade do contribuinte de atuar para economizar tributos, segundo, com o direito de não ser tributado fora das hipóteses legais, e, terceiro, com o direito de não ser tributado por analogia. Em outras palavras, nenhuma legislação poderia tornar ilícito aquilo que a Constituição garantiu como um direito. Qualquer lei, portanto, que defina como ilegal o exercício do planejamento tributário ou a escolha de determinada atividade ou operação com a finalidade de economizar tributos revela-se como uma lei contrária à Constituição, uma vez que violaria um direito por ela assegurado.
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1 Em tradução livre: “Não existe uma obrigação patriótica de pagar o maior tributo possível.” (HEY, Johanna. Spezialgesetzliche Missbrauchsgesetzgebung aus steuersystematischer, verfassungs – und europarechtlicher Sicht. StuW 2/2008, p. 167-183 (169)).
2 BRASIL, CARF, Processo n. 12448.737118/201269, Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, Rel. para Acórdão Conselheiro André Mendes de Moura, j. 06.03.2018.
3 ZIMMER, Frederik. General Report: form and substance in tax law. Cahiers de droit fiscal international v. LXXXVIIa. International Fiscal Association. Rotterdam: Kluwer Law International, 2002, p. 19-67 (29); DERZI, Misabel Abreu Machado. A desconsideração dos atos e negócios jurídicos dissimulatórios, segundo a LC 104/2001. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 205-232 (214).
4 ROSEMBUJ, Tulio. El fraude de ley y el abuso de las formas em el derecho tributario. Monografias Juridicas. Madrid: Marcial Pons, 1994, p. 250.
5 NOVOA, César García. La cláusula antielusiva en la nueva ley general tributaria. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 142-144.
6 ÁVILA, Humberto. Contribuições e Imposto sobre a Renda – estudos e pareceres. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 255; Idem. Planejamento tributário. Revista de Direito Tributário v. 98. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 74-85 (76).
7 LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017, p. 209.
8 GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 181-204 (193); SOUZA, Hamilton Dias de; FUNARO, Hugo. A insuficiência de densidade normativa da “norma antielisão” (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Revista Dialética de Direito Tributário n. 146. São Paulo: Dialética, nov. 2007, p. 61-84 (74); ROLIM, João Dácio. Considerações sobre a norma geral antielisiva introduzida pela Lei Complementar 104/2001. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 129-143 (137). No mesmo sentido, embora com críticas e ressalvas quanto à sua constitucionalidade e eficácia: MACHADO, Hugo de Brito. A Norma antielisão e o princípio da legalidade – análise crítica do parágrafo único do art. 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 105-116 (106); MARTINS, Ives Gandra da Silva. Norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 117-128 (123-125).
9 DERZI, Misabel Abreu Machado. A desconsideração dos atos e negócios jurídicos dissimulatórios, segundo a LC 104/2001. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 205-232 (218); OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Norma geral antielusão. Revista Direito Tributário Atual v. 25. São Paulo: Dialética, 2011, p. 132-146 (137); SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento tributário – elisão e evasão fiscal – simulação – abuso de forma – interpretação econômica – negócio jurídico indireto – norma antielisiva. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do (coord.). Curso de direito tributário. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 287-300 (299-300); BIANCO, João Francisco. Norma geral antielisão – aspectos relevantes. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 145-160 (157); BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário – limites normativos. São Paulo: Noeses, 2016, p. 205.
10 GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 181-204 (193).
11 GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. Trad. Silvina Álvarez Medina. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 292.
12 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 75. O tema já foi objeto de análise com relação às normas tributárias extrafiscais em: LEÃO, Martha. Contributo para o estudo da extrafiscalidade: a importância da finalidade na identificação das normas tributárias extrafiscais. Revista Direito Tributário Atual v. 34. São Paulo: Dialética, 2015, p. 303-325 (309-310).
13 CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007, p. 85-86.
14 Ibidem, p. 90; GUASTINI, Riccardo. Defeasibility, axiological gaps, and interpretation. In: BELTRÁN, Jordi Ferrer; e RATTI, Giovanni Battista (coord.). The logic of legal requirements: essays on defeasibility. Oxford: Oxford Press University, 2012, p. 182-192 (188); Idem. Interpretar y argumentar. Trad. Silvina Álvarez Medina. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 106; 266-267; 269; 372.
15 GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. Trad. Silvina Álvarez Medina. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 267.
16 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 151.
17 Atualmente, tramitam no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado n. 537, de 2015 (autoria: Senador Ricardo Ferraço), em conjunto com o Projeto de Lei n. 97/2013 (autoria: Senador Vital do Rêgo); além do Projeto de Lei da Câmara n. 536, de 2007 (autoria: Poder Executivo), em conjunto com o Projeto de Lei da Câmara n. 133/2007 (autoria: Deputado Federal Flávio Dino) e do Projeto de Lei da Câmara n. 888/2007 (autoria: Deputado Federal Flávio Dino), todos eles estabelecendo o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica no caso previsto no art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.
18 “Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. § 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I – falta de propósito negocial; ou II – abuso de forma. § 2º Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato. § 3º Para o efeito do disposto no inciso II do § 1º, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado.”
19 No mesmo sentido: SOUZA, Hamilton Dias de; FUNARO, Hugo. A insuficiência de densidade normativa da “norma antielisão” (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Revista Dialética de Direito Tributário n. 146. São Paulo: Dialética, nov. 2007, p. 61-84 (78).
20 “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
21 “Art. 129. Salvo em se tratando de tributos incidentes sobre atos jurídicos formais e de taxas, a interpretação da legislação tributária, no que se refere à conceituação de determinado ato, fato ou situação jurídica como configurando ou não o fato gerador, e também no que se refere à determinação da alíquota aplicável, terá diretamente em vista os resultados efetivamente decorrentes do aludido ato, fato ou situação, ainda que tais resultados não correspondam aos normais, com o objetivo de que a resultados idênticos ou equivalentes corresponda tratamento tributário igual.”
22 “Art. 134. A autoridade administrativa ou judiciária competente para aplicar a legislação tributária terá em vista evitar, impedir ou reprimir a fraude, a sonegação e a evasão de tributos, ainda que não se configure hipótese expressamente definida pela legislação como infração.”
23 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Norma geral antielusão. Revista Direito Tributário Atual n. 25. São Paulo: Dialética, 2011, p. 132-146 (135); SOUZA, Hamilton Dias de; e FUNARO, Hugo. A insuficiência de densidade normativa da “norma antielisão” (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Revista Dialética de Direito Tributário n. 146. São Paulo: Dialética, nov. 2007, p. 61-84 (62-63).
24 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Norma geral antielusão. Revista Direito Tributário Atual v. 25. São Paulo: Dialética e IBDT, 2011, p. 132-146 (136).
25 SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento tributário – elisão e evasão fiscal – simulação – abuso de forma – interpretação econômica – negócio jurídico indireto – norma antielisiva. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do (coord.). Curso de direito tributário. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 287-300 (289).
26 TESAURO, Francesco. Istituzioni di diritto tributario. Parte generale. 4. ed. Torino: Unione Tipografico Editrice Torinese, 1994. v. 1, p. 48-49.
27 SOUZA, Hamilton Dias de; e FUNARO, Hugo. A insuficiência de densidade normativa da “norma antielisão” (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Revista Dialética de Direito Tributário n. 146. São Paulo: Dialética, nov. 2007, p. 61-84 (62-63).
28 Ibidem, p. 69.
29 LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017, p. 225.
30 Ibidem, p. 226.
31 SEER, Roman. National Report: Germany. In: MEUSSEN, Gerard (ed.). The burden of proof in tax law. EATLP International Tax Series v. 10. Uppsala: EATLP, 2013, p. 127-139 (130).
32 LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017, p. 292.
33 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reflexões sobre a vontade, a intenção e o motivo (objeto e causa) no mundo jurídico. In: PARISI, Fernanda Drummond et al. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. v. 3, p. 139-166 (161).
34 JACHMANN, Monika. Verfassungsrechtliche Grenzen der Besteuerung: Sozialstaatsliche Steuergesetzgebung im Spannungsverhältnis zwischen Gleichheit und Freiheit. Aachen: Shaker, 1996, p. 5. No mesmo sentido: KIRCHHOF, Paul. Der sanfte Verlust der Freiheit. Für ein neues Steuerrecht – klar, verständlich, gerecht. München: Hanser, 2004, p. 6; 52.
35 KIRCHHOF, Paul. Besteuerung im Verfassungsstaat. Tübingen: Mohr Siebeck, 2000, p. 53 (Idem. Tributação no Estado constitucional. Trad. Pedro Adamy. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 70).
36 TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário: elisão abusiva e evasão fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 10; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Simulação e negócio jurídico indireto no direito tributário e a luz do novo Código Civil. Revista Fórum de Direito Tributário ano 8, n. 48, nov./dez. 2010, p. 9-25 (24).
37 No original: “Es gibt keine patriotische Pflicht, möglichst hohe Steuern zu zahlen.” (HEY, Johanna. Spezialgesetzliche Missbrauchsgesetzgebung aus steuersystematischer, verfassungs- und europarechtlicher Sicht. StuW 2/2008, p. 167-183 (169)).
38 HEY, Johanna. Spezialgesetzliche Missbrauchsgesetzgebung aus steuersystematischer, verfassungs- und europarechtlicher Sicht. StuW 2/2008, p. 167-183 (183).
39 O Projeto de Lei de Conversão n. 22, de 2015 (relativo à Medida Provisória n. 685/2015) foi aprovado em 17 de novembro de 2015 na Câmara dos Deputados, tendo sido retirada a obrigatoriedade de “informar à administração tributária federal as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo”.
40 Sobre a inconstitucionalidade da Medida Provisória, vide: ÁVILA, Humberto. Muito mais do que uma simples declaração. Revista Conselhos v. 6. São Paulo, 2015, p. 86-87; UTUMI, Ana Cláudia. Brazil and BEPS Action 12. Kluwer International Tax Blog, ago. 2015, p. 1. Disponível em: <http://kluwertaxblog.com/2015/08/04/brazil-and-beps-action-12/.>. Acesso em: 01 out. 2018.
41 ÁVILA, Humberto. Muito mais do que uma simples declaração. Revista Conselhos v. 6. São Paulo, 2015, p. 86-87.
42 Segundo a decisão, “o artigo 7º, I e II, da MP 685/2015 utiliza expressões vagas, de contornos imprecisos, mencionando ‘razões extratributárias relevantes’ e forma adotada não usual. Essas expressões podem ser interpretadas de forma elástica, contribuindo para eventual subjetivismo que acarreta insegurança jurídica.” (BRASIL, JFSP, Processo n. 0016111-48.2015.403.6100, Juíza Raquel Fernandez Perrini, da 4ª Vara Federal Cível em São Paulo/SP, j. 19.08.2015)
43 LOPES, Alexsandro Broedel; e MARTINS, Eliseu. Do ágio baseado em expectativa de rentabilidade futura – algumas considerações contábeis. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2012. v. 3, p. 33-80 (69-70).
44 Coêlho é firme nesse sentido: “Economizar salários ou impostos dá no mesmo. É uma economia de custos, desde que não haja divergência entre a intentio facti e a intentio iuris, quando ocorre o fenômeno da dissimulação [...] aos particulares deve-se resguardar o direito de competir.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002, p. 279-304 (283))
45 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reflexões sobre a vontade, a intenção e o motivo (objeto e causa) no mundo jurídico. In: PARISI, Fernanda Drummond et al. (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. v. 3, p. 139-166 (159).
46 Nesse sentido, decisão recente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais reconhece a falta de ilegalidade do comportamento do contribuinte cujo motivo é a economia tributária: “[...] Não existe regra federal ou nacional que considere negócio jurídico inexistente ou sem efeito se o motivo de sua prática foi apenas economia tributária. Não tem amparo no sistema jurídico a tese de que negócios motivados por economia fiscal não teriam ‘conteúdo econômico’ ou ‘propósito negocial’ e poderiam ser desconsiderados pela fiscalização. O lançamento deve ser feito nos termos da lei.” (BRASIL, CARF, Processo n. 16327.721148/201523, Quarta Câmara da Primeira Turma Ordinária, Rel. Cons. Daniel Ribeiro Silva, j. 15.08.2018)
47 No original: “La elusión fiscal consciente e planificada es una modalidad legal de resistencia fiscal.” (TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuintes (BesteuerungsmoralundSteuermoral). Trad. Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 110)
48 LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017, p. 193.
49 Ibidem, p. 189.
50 BRASIL, CARF, Processo n. 12448.737118/201269, Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, Rel. para Acórdão Cons. André Mendes de Moura, j. 06.03.2018.
51 BRASIL, CARF, Voto do Relator para Acórdão Conselheiro André Mendes de Moura no julgamento do Processo n. 12448.737118/201269, Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, j. 06.03.2018, p. 45-46 do acórdão.
52 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional do Estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 186.
53 ESCRIBANO, Francisco. La configuracion jurídica del deber de contribuir – perfiles constitucionales. Madrid: Civitas, 1988, p. 357.
54 LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017, p. 156.
55 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 544.
56 Esta crítica segue a linha defendida por WERNSMANN, Rainer. Verhaltenslenkung in einem rationalen Steuersystem. Tübingen: MohrSiebeck, 2005, p. 222, e já foi abordada em trabalho específico sobre o tema da extrafiscalidade: LEÃO, Martha. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2015, p. 130.